Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.28 no.5 São Paulo Sept/Oct. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500073
Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são responsáveis por milhares de mortes todos os anos em todo o mundo. No Brasil, este é um problema que cresce tanto em número quanto em complexidade, ocasionando perturbações econômico-sociais e representando altos índices de morbidade e mortalidade.(1,2)
Em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), contaminação de equipamentos por bactérias é comum, tornando-os reservatórios desses microrganismos e possibilitando a colonização e infecção cruzada de pacientes, dificultando o prognóstico e favorecendo surtos de IRAS principalmente por microrganismos multirresistentes a antibióticos comumente empregados na terapêutica,(3) o que implica graves limitações ao tratamento de infecções hospitalares, representando grande ameaça à saúde pública.(4)
Diversos são os organismos relacionados a contaminações em ambientes hospitalares e processos de IRAS,(5) no entanto, os principais patógenos incluem Staphylococcus aureus resistente à oxacilina (ORSA), Enterococcus sp. resistente à vancomicina (VRE) e, mais recentemente, enterobactérias produtoras de Beta Lactamase de Espectro Estendido (ESBL) e Acinetobacter baumannii resistente à antibióticos carbapenêmicos.(6-9)
A resistência bacteriana é natural e inevitável,(3) no entanto, a utilização frequente e indiscriminada de antimicrobianos (sobretudo os de amplo espectro) são fatores cruciais para o desenvolvimento e aceleração de tal processo.(3,10)
Diante do exposto, o propósito do estudo foi isolar e determinar o perfil de resistência microbiana a medicamentos de bactérias provenientes de equipamentos da UTI de um hospital localizado na cidade de Caruaru-PE.
Trata-se de um estudo do tipo transversal descritivo realizado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital localizado em Caruaru, região nordeste do Brasil, no período de janeiro a dezembro de 2013.
A amostragem foi definida por conveniência, na qual 54 equipamentos (grades direita e esquerda e botões reguladores de altura da cama, botões da bomba de infusão, interruptores de iluminação individual e prateleira do monitor cardíaco), distribuídos entre os nove leitos que compõem a UTI geral (Figura 1), foram selecionadas para a coleta, tendo como critério de inclusão amostras de superfícies cujos leitos apresentavam-se ocupados por seus respectivos pacientes.
Os dados obtidos foram devidamente digitados, conferidos e processados no programaExcel 2010 (Microsoft Office®), no qual foi aplicada uma análise descritiva para obtenção do percentual de amostras.
As obtenções das amostras ocorreram seis horas após o horário da última limpeza concorrente dos leitos (correspondendo a duas horas após o término do horário de visitas), de forma a não interferir nas atividades de rotina desempenhadas no local, sendo efetuadas através do uso de swabs estéreis umedecidos em Caldo Trypticase Soy Broth (TSB) que, imediatamente após a coleta, que ocorreu através da rolagem do swab em seu próprio eixo sobre o equipamento pré-selecionado, foram depositados novamente no caldo e incubados a 36 ± 0,5ºC durante 24 horas.
A partir do crescimento em TSB, foram realizados semeios em Ágar Sangue de Carneiro e Ágar MacConkey, sendo incubados novamente a 36 ± 0,5ºC durante 24 horas.
Foi realizada a coloração de Gram e posteriormente a identificação dos gêneros e/ou espécies bacterianas de acordo com as características macro e microscópicas das colônias e resultados de testes bioquímicos. Para a identificação de bactérias pertencentes à família Enterobacteriaceae, foi utilizado o teste de fermentação de carboidratos no Triplice Sugar Iron (TSI), bem como testes bioquímicos a partir da utilização dos meios de cultura Sulfito, Indol e Motilidade (SIM), Citrato de Simmons e Ágar Uréia deChristensen. Testes de produção de oxidase e testes com o antibiótico polimixina B foram utilizados para identificação de bactérias Gram negativas não fermentadoras de glicose. A identificação de Staphylococcussp. ocorreu através do teste da enzimas catalase, DNAse e teste da novobiocina. Streptococcus sp.foram identificadas a partir da caracterização da hemólise, utilização de Ágar Bile Esculina, Brain Heart infusion (BHI) + NaCl 6,5% e teste com o antibiótico optoquina.
O teste de resistência microbiana aos medicamentos ocorreu a partir do método de disco-difusão de Kirby-Bauer em ÁgarMüeller-Hinton, conforme o proposto peloClinical and Laboratory Standard Institute (CLSI) 2013.(11)
Foi observado que 94,4% dos equipamentos analisados apresentaram-se contaminados por uma ou mais espécies bacterianas, das quais as mais isoladas corresponderam aAcinetobacter sp., Staphylococcus aureus,Staphylococcus coagulase negativa (SCN), Staphylococcus saprophyticus, Enterococcus sp., Klebsiella pneumoniae e Streptococcus viridans, conforme evidenciado na tabela 1. A presença de bacilos Gram positivos foi evidenciada em 33,3% dos leitos.
Tabela 1 Distribuição das bactérias isoladas nos equipamentos
Micro-organismo | S2 | S2 | S3 | S4 | S5 | S6 | Total |
---|---|---|---|---|---|---|---|
n(%) | n(%) | n(%) | n(%) | n(%) | n(%) | n(%) | |
Acinetobacter sp. | 03(18,7) | 04(25) | 03(18,7) | 01(6,25) | 01(6,25) | 04(25) | 16(28,57) |
S. aureus | 04(36,3) | 02(18,1) | 01(9) | 01(9) | 02(18,1) | 01(9) | 11(19,64) |
Pseudomonas sp. | 01(10) | 01(10) | 02(20) | 01(10) | 01(10) | 04(40) | 10(17,85) |
S. coagulase negativa | 0(0) | 0(0) | 01 (14,2) | 03(42,8) | 02(28,5) | 01(14,2) | 07(12,5) |
S. saprophyticus | 0(0) | 02(28,5) | 03(42,8) | 0(0) | 01(14,2) | 01(14,2) | 07(12,5) |
Enterococcus sp. | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 01(33,3) | 01(33,3) | 01(33,3) | 03(5,35) |
Klebsiella pneumoniae | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 01(100) | 01(1,78) |
S. viridans | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 01(100) | 01(1,78) |
Total de isolados | 08(14,2) | 09(16) | 10(17,8) | 07(12,5) | 08(14,2) | 14(25) | 56(100) |
S1 - grade direita; S2 - grade esquerda; S3 - botões reguladores de altura da cama; S4 - botões da bomba de infusão; S5 - interruptores de iluminação individual; S6 - prateleira do monitor cardíaco; n - número de isolados; % - porcentagem dos isolados.
Dentre os isolados de Acinetobacter sp., 75% foram resistentes à imipenem, levofloxacina e piperacilina associada a tazobactam. 37,5% dos isolados deste gênero apresentaram resistência à ticarcilina, 31,2% à amicacina, 18,7% à ciprofloxacina, tetraciclina e ceftazidima e 12,5% à gentamicina. 6,25% dos isolados apresentaram resistência intermediária à ceftazidima e 12,5% à tobramicina.
Em relação aos isolados de Staphylococcus aureus, 72,7% demonstraram resistência à eritromicina, seguido de 63,6% à penicilina, 54,5% à clindamicina e ciprofloxacina e 18,8% à gentamicina. Nenhum dos isolados de S. aureusapresentou resistência à cefoxitina. 9% dos isolados apresentaram resistência intermediária à oxacilina, clindamicina, eritromicina e ciprofloxacina. 36,3% apresentaram resistência à oxacilina (ORSA).
Dentre as cepas de Staphylococcus coagulase negativa, 71,4 e 54,1% demonstraram resistência à eritromicina e clindamicina respectivamente. Todos os isolados apresentaram-se susceptíveis à gentamicina, sendo 14,2% destes com fenótipo de resistência intermediária a clindamicina. 42,8% apresentaram resistência à penicilina e 14,2% à tetraciclina e cefoxitina.
A maior ocorrência de resistência à oxacilina neste estudo ocorreu nos isolados deStaphylococcus saprophyticus, o qual atingiu níveis de resistência em 85,7% das amostras, seguidas de 71,4% de resistência à eritromicina e clindamicina, 42,8% resistentes à ciprofloxacina, 42,6% à cefoxitina, 28,5% à tetraciclina e 14,2% à penicilina.
Em relação ao mecanismo de resistência induzida à clindamicina, 12% dosStaphylococcus sp. apresentaram fenótipo positivo, sendo esta detecção realizada através do teste de aproximação de discos contendo eritromicina e clindamicina (Figura 2), dos quais 66,6% corresponderam à S. coagulase negativa e 33,3% a S. aureus.
Figura 2 Fenótipo de resistência induzida à clindamicina em S. aureus. E - eritromicina; C - clindamicina
Apenas 5,35% dos isolados corresponderam a Enterococcus sp., dos quais 33,3% apresentaram resistência intermediária à penicilina e ampicilina. Nenhum dos isolados apresentou resistência à vancomicina.
Um total de 17,85% dos isolados correspondeu a Pseudomonassp., dos quais nenhum destes apresentou resistência significativa aos antibióticos testados (gentamicina, levofloxacina, aztreonam, ceftazidima, tobramicina, amicacina, ciprofloxacina, meropenem, cloranfenicol, cefoxitina e ticarcilina + ácido clavulânico), sendo 10% destes resistentes e 20% intermediário em relação à piperacilina + tazobactam e 10% intermediário à ticarcilina + ácido clavulânico e aztreonam.
Apenas um espécime de bactérias pertencentes à família das enterobactérias (Klebsiella pneumoniae) foi isolado no estudo. A resistência foi verificada frente à ciprofloxacina, tetraciclina, ampicilina, cloranfenicol e gentamicina, resistência intermediária à piperacilina + tazobactam e susceptibilidade à meropenem e tobramicina, sendo negativo para produção de Beta Lactamase de Espectro Estendido (ESBL).
Parte dos resultados relatados no presente estudo (seja da ocorrência de gêneros e/ou espécies bacterianas, seja dos perfis de resistência microbiana dos mesmos) corrobora com o descrito na literatura, no entanto, a comparação dos mesmos torna-se muitas vezes imprecisa, visto que os métodos de seleção de amostras e detecção de microrganismos variam entre os diferentes estudos.(2)
A maior ocorrência de Acinetobacter sp. descrita pode decorrer de sua elevada versatilidade nutricional e metabólica, o que permite que o gênero utilize uma larga variedade de substratos como fonte de carbono, permanecendo assim por dias ou semanas no ambiente hospitalar,(12,13)ressaltando a importância de sua detecção nestes locais, uma vez que este microrganismo encontra-se envolvido em diversas complicações clínicas relacionadas a ambientes de UTI,(2) bem como em processos de aquisição de resistência a antibióticos carbapenêmicos.(4) Apesar da ocorrência de estudos(2,4,6,13)envolvendo o gêneroAcinetobacter como agente de IRAS a partir de amostras clínicas, há escassez de dados estatísticos a respeito da prevalência desta bactéria em equipamentos hospitalares no Brasil. Além disso, existe uma considerável ocorrência(4,13,14)de Acinetobacter sp. com perfis de multirresistência, tornando-se necessária a realização de estudos mais complexos que visem traçar o comportamento dessas cepas neste ambiente.
Em relação ao perfil de resistência de S. aureus à oxacilina (ORSA), observouse uma baixa ocorrência em relação ao total de Gram positivos, porém o resultado apresentou-se superior quando comparado a estudo semelhante, onde apenas 11,8% das cepas isoladas apresentaram esse perfil de resistência.(15) Em relação à resistência deS. aureus à cefoxitina, os resultados aqui descritos foram semelhantes a estudo realizado a partir de materiais biológicos, no qual não foram reportadas cepas com este padrão de resistência.(16)
Em relação às cepas de Staphylococcus coagulase negativa, não foram encontrados estudos acerca de seu perfil de resistência em equipamentos de UTI, porém, um estudo realizado em 2006(17) demonstrou taxa inferior de resistência à eritromicina e clindamicina em amostras biológicas, sendo estas iguais a 68,7% e 63% respectivamente.
A ocorrência de S. saprophyticus aqui descrita foi superior quando comparada a estudos realizados em 2014 na Líbia, no qual apenas 3,3% dos equipamentos hospitalares analisados apresentaram-se contaminadas com esta espécie bacteriana.(18) Embora os autores não tenham descritos dados acerca do perfil de resistência antimicrobiana deS. saprophyticus, as taxas para o gêneroStaphylococcus foram iguais a 71,4% e 38,1% em relação à eritromicina e ciprofloxacina, respectivamente,(18) ressaltando, desta maneira, a importância de sua detecção.
Apesar do reduzido número de espécimes de Staphylococcus sp. com fenótipo positivo para resistência induzida à clindamicina, este achado deve ser considerado por se tratar de um ambiente cujos pacientes estão imunocomprometidos, de maneira que a baixa ocorrência não deve ser subestimada, pois tais bactérias representam grande potencial em causar infecções hospitalares.(2,3,5)
A baixa ocorrência de Enterococcus sp. resistentes à vancomicina difere de estudo realizado, com amostras biológicas, nos Estados Unidos,(19) no qual a taxa estimada de resistência a esse medicamento em unidades de terapia intensiva foi igual de 17,7%. No Brasil, os primeiros relatos deste fenótipo ocorreram em 1998 e, na América Latina, o aumento da ocorrência dessa resistência foi encontrado em países como Chile, Uruguai e Argentina.(20,21)
A presença de Pseudomonas sp. aqui relatada condiz com o relatado em estudos semelhantes(22-24) realizados através de análises de equipamentos de diversos ambientes hospitalares, incluindo UTI. No ambiente hospitalar, as fontes de maior contaminação desse microrganismo são os aparelhos de respiração, sistemas de hemodiálise, pias e artefatos de limpeza, sendo que a relevância de Pseudomonas sp. como um possível patógeno hospitalar depende da espécie bacteriana e está associada à sua relativa resistência aos medicamentos, bem como sua reduzida susceptibilidade aos antissépticos e desinfetantes utilizados nesses ambientes.(25,26) O perfil de resistência a medicamentos de Pseudomonas sp. aqui descrito corrobora com estudos anteriores realizados com material biológico,(27) no qual a maior parte dos antibióticos testados em Pseudomonas aeruginosaapresentaram-se eficazes contra a maioria dos isolados. A presença destas cepas com perfis de resistência a medicamentos semelhantes entre si sugerem a disseminação de um clone no ambiente hospitalar, fato que provavelmente está associado a mecanismos de contaminação cruzada, porém estudos adicionais necessitariam ser realizados a fim de confirmar sua dispersão no ambiente da UTI.
Em relação ao percentual de isolados pertencentes à famíliaEnterobacteriaceae, os resultados aqui descritos diferem do relatado em estudos realizados em ambientes hospitalares a partir de equipamentos,(28) dos quais, 30,3% apresentaram-se contaminados com exemplares desta família. Em contrapartida, as análises da resistência antimicrobiana destes exemplares no presente estudo condizem com o relatado na literatura no que se diz respeito à grande presença da resistência a aminoglicosídicos e cefalosporinas de 3ª geração.(7,29) Em relação à produção de ESBL, os resultados aqui descritos divergem do relatado por Weber e et al.(30) e Judge e et al, (28) no qual um total de 22,2% das enterobactérias isoladas em equipamentos de leito de UTIs apresentaram produção de ESBL.
A maioria dos isolados apresentaram elevadas taxas de resistência microbiana aos medicamentos, representando grande risco à saúde.