versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.3 São Paulo jul./set. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170061
Gostaria de agradecer o Dr. Moura Neto pela carta em que teceu comentários sobre nosso artigo "When Kidneys Get Old- an essay on Nephro-geriatrics".1 A questão discutida sobre o risco de mortalidade por todas as causas nos idosos associada a valores estimados de TFG entre 45 e 59ml/min/1,73m2 é importante e polêmica. Sugerimos que tais níveis de função renal em indivíduos idosos (com mais de 70 anos de idade), quando desacompanhados de proteinúria anormal, não estão associados a reduções significativas da expectativa de vida restante, e tampouco são preditores consistentes ou confiáveis de elevação da mortalidade (em comparação a indivíduos da mesma faixa etária com TFG estimada > 60ml/min/1,73m2 sem albuminúria anormal).
No estudo de Nagai et al. citado,2 a razão de risco (hazard ratio, HR) totalmente ajustada para TFG estimada em 45-59ml/min/1,73m2 não se elevou nos indivíduos do sexo masculino com idades de 70-80 anos, mas sim nas mulheres com TFG estimada > 60ml/min/1,73m2. A HR para mortalidade por todas as causas apresentou elevação tanto em homens como em mulheres com idade de 70-80 anos com TFG de 30-44ml/min/1,73m2. No estudo citado de Roderick et al.,3 a HR ajustada para idade (ajustada para proteinúria por tira reagente) para mortalidade por todas as causas em indivíduos com idade > 75 anos apresentou elevação, mas não nas mulheres. No importante estudo de Go et al. em 2004,4 a HR plenamente ajustada para mortalidade por todas as causas não se elevou num subconjunto de pacientes (idade média de 65 anos) que apresentaram várias medidas de TFG de 45-59ml/min/1,73m2 (MDRD) durante o seguimento.
Mais recentemente Malmgren et al,5 num estudo longitudinal que incluiu pacientes idosas na Suécia, não identificou elevação da HR para mortalidade por todas as causas em mulheres idosas com TFG estimada em 45-59ml/min. calculada por meio de várias fórmulas. Warnock et al.6 também relataram HR de 1,62 (1,34-1,95) para a mortalidade por todas as causas em indivíduos do sexo masculino e de 1,30 (1,05-1,62) em pacientes idosas com TFG de 45-59ml/min/1,73m2 (CKD-EPI) sem albuminúria anormal, usando um valor de referência de 80-100ml/min/1,73m2.
Parece restar pouca dúvida de que o avanço da idade atenua o risco de mortalidade específico para idade,7 e que uma TFG estável ou em lento declínio de 45-ml/min/1,73m2 em indivíduos idosos sem albuminúria tenha pouco impacto sobre o encurtamento de sua expectativa de vida restante.8 Acreditamos que as evidências corroboram a visão de que uma TFG estável de 45-59ml/min/1,73m2 (calculada por meio de várias fórmulas utilizando creatinina sérica) na ausência de albuminúria anormal não está associada consistentemente com risco geral aumentado de morte por todas as causas em idosos, ainda que gênero, genealogia, determinantes da TFG não relacionados à TFG e comorbidades gritantes possam influenciar tais desfechos significativamente.9 Assim, foi sugerido que a estratificação por gênero - e genealogia - precisa ser considerada além da idade na construção de "mapas de calor" da relação entre TFG estimada (e albuminúria) e risco de mortalidade.6
A alegação de que o declínio da função renal com envelhecimento normal não ocorre universalmente é fundamentada, em grande monta, num único estudo realizado em 198510 que utilizou a depuração de creatinina endógena como medida de função renal, e que incluiu pacientes com diabetes tipo 2, distúrbio que sabidamente afeta a TFG. Outros estudos longitudinais não confirmaram esta observação uniformemente.5
Não discordamos de que o "diagnóstico" de DRC baseado na TFG estável ou em lento declínio de 45-59ml/min/1,73m2 sem albuminúria em indivíduo idoso possa ter benefícios teóricos, ao chamar a atenção para os riscos potenciais da utilização de medicamentos nefrotóxicos solúveis em água, mas seria necessário rotular esses pacientes como portadores de "doença crônica" para atingir tal objetivo? Por que não simplesmente utilizar a informação sobre TFG, com o devido reconhecimento de suas imprecisões, para tomar decisões clínicas adequadas sem acrescentar a angústia trazida pelo rótulo da DRC?
Também não devemos presumir que "detecção precoce" ou TFG estável ou em declínio lento de 45-59ml/min/1,73m2 (senescência normal do órgão) na ausência de albuminúria em indivíduo idoso se traduzirá diretamente em melhor custo-benefício e não em danos materiais. Certamente não seríamos contrários a melhoras no controle da glicemia na diabetes, ao manejo da hipertensão na obesidade, ao tratamento da dislipidemia ou à cessação do tabagismo, mas será que tais medidas precisariam ser tomadas através do "diagnóstico precoce" da DRC? Com relação ao paciente idoso sem albuminúria, acreditamos que não. Em nossa visão, a futura abordagem para o diagnóstico da DRC baseado nos valores de TFG deve ser refinada para levar em consideração o declínio esperado com o envelhecimento normal e saudável e as variações observadas nos desfechos associados relacionados a características demográficas tais como gênero e genealogia, em vez de esquemas engessados e padronizados.