versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.20 no.2 São Paulo abr./jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000200001471
A deglutição é um dos processos que garantem a sobrevivência do ser humano e seus distúrbios necessitam de cuidados de saúde globais. Entre as consequências está a desidratação, desnutrição e complicações pulmonares, que envolvem aspiração, pneumonia e deficit na qualidade de vida(1). Inicialmente, as pesquisas em neurofisiologia da deglutição restringiram o processo a mecanismos de funcionamento do tronco cerebral. Posteriormente, porém, graças aos avanços nos usos das técnicas de neuroimagem funcional, a contribuição do córtex cerebral no controle da deglutição tem sido mais compreendido(2).
A complexidade que envolve a deglutição é resultado de uma sequência de movimentos coordenados, abrangendo equilíbrio de pressão, processamento sensorial do alimento ingerido e movimentação sinérgica da musculatura envolvida na região oral, faríngea e laríngea. Está sincronizada com outras funções estomatognáticas, como a respiração e a mastigação e, quando realizada voluntariamente, exige o processamento cognitivo e a ativação da atenção(3). Do primeiro componente da deglutição até o último estágio do movimento do bolo alimentar, utilizam-se múltiplos músculos orais e periorais(4).
O conhecimento sobre a neurofisiologia da deglutição, incluindo a compreensão do papel de diferentes estruturas cerebrais na sinergia dos movimentos, poderá trazer novas perspectivas de gerenciamento e tratamento das disfagias. Estudos no campo da RMf (ressonância magnética funcional) cerebral nas últimas décadas têm auxiliado na compreensão temporal e espacial das atividades cerebrais da deglutição, por meio de um procedimento não invasivo. Apesar da RMf ser uma ferramenta importantíssima para compreensão dos mecanismos cerebrais envolvidos na deglutição, as metodologias e paradigmas utilizados são variados.
O objetivo desta revisão sistemática foi identificar e comparar a ativação cerebral para a deglutição, analisando as tarefas empregadas e os estímulos fornecidos aos pacientes, em adultos saudáveis, idosos e disfágicos.
Os dados coletados relativos aos estudos de ressonância funcional foram analisados com a finalidade de verificar a segurança e confiabilidade dos achados, de forma comparativa.
Para identificar os estudos em deglutição e imagem cerebral, foi realizada uma busca de publicações disponíveis no PubMed e MEDLINE. A fim de realizar uma revisão de literatura de base ampla, a pesquisa incluiu estudos publicados desde 2003. A pesquisa foi realizada utilizando as seguintes palavras-chave: “functional magnetic resonance imaging” or “fMRI” and “dysphagia” e “functionalmagnetic resonance imaging” or “fMRI” and “swallowing”.
Os estudos, analisados por dois examinadores de forma independente, foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão:
- Publicação entre 2003 e 2013;
- Estudos originais envolvendo seres humanos;
- Estudos, cujo objetivo foi a avaliação de deglutição pelo cérebro por meio de neuroimagem;
- Análise da população adulta ou idosa.
Os critérios de exclusão utilizados para este trabalho foram:
- Amostras com animais;
- Amostras com fetos, crianças e adolescentes;
- Avaliação de funções correlatas, como fala, voz, entre outras;
- Avaliação de estruturas periféricas: laringe, faringe, língua, pregas vocais;
- Não utilização de RMf.
Os textos completos foram classificados quanto ao tipo de estudo (estudo de caso, meta-análise, revisão sistemática ou experimental); tipo de protocolo utilizado para coleta das imagens de funcionamento cortical; tamanho da amostra; característica da população e resultados encontrados. Os resultados das análises foram comparados entre dois avaliadores e a classificação dos critérios foi reavaliada em uma reunião de consenso, para analisar as divergências. As divergências ocorreram na classificação de exclusão dos artigos. Dessa forma, estabeleceu-se a hierarquia entre os tópicos para exclusão e os artigos não selecionados foram reclassificados.
A busca de estudos publicados no período de abril de 2003 a abril de 2013 resultou em 1167 artigos, dos quais 397 eram repetidos. Foram excluídos 728abstracts por não utilizarem técnicas de avaliação de neurofisiologia, estudarem funções correlatas à deglutição, estudos de funcionamento anatômico e/ou funcional do sistema sensório motor oral, entre outros. Foram incluídos 35 artigos completos, que atendiam aos critérios propostos para a presente revisão sistemática.
Na Figura 1 apresenta-se o desdobramento da análise dos artigos.
Os artigos enquadrados nos critérios definidos foram avaliados por dois pesquisadores quanto ao tipo de estudo, nível de evidência e grau de recomendação, de acordo com a Classificação Oxford Centre for Evidence-Based Medicine. Em uma reunião de consenso, os estudos foram organizados (Figura 2).
O número de sujeitos nos estudos relevantes selecionados variou de 1(5)a 56(6). Os artigos científicos foram categorizados e classificados em estudos de caso clínico, metanálises, revisões sistemáticas e experimentais.
Os estudos envolvendo voluntários saudáveis tiveram como objetivo pesquisar funcionalidades específicas para a representação cortical da deglutição(3,7-25). As pesquisas com idosos e com pacientes disfágicos realizaram a comparação com grupos controle. Observou-se a tendência de utilizar adultos saudáveis para comparação com idosos(1,26,27), exceto em duas pesquisas(5,28). Os estudos envolvendo grupos de pacientes disfágicos ou com patologias específicas foram comparados com aqueles que analisaram indivíduos saudáveis, pareados por idade cronológica e pacientes idosos(6,29-32).
Analisando cronologicamente os estudos apresentados, observou-se que, inicialmente, a preocupação residia na confirmação dos mecanismos de ativação cortical para a deglutição. Sendo assim, utilizavam-se procedimentos como a deglutição de saliva(1,3,5,7,16-20,22,23,26,29-32), água(5,11,12,17,24-26,28,29,31), bário(5,26,29,31) e comparação entre deglutir e não deglutir(1,7,14,27). Posteriormente, os estudos começaram a analisar as diferenças nas áreas corticais, responsáveis por cada etapa motora, diferenciando o papel das estruturas envolvidas. Para isso, empregaram a estimulação elétrica(24), deglutição por meio de pulsos de ar na cavidade oral(13,31), estimulação gustativa(12,17,24), olfativa(9) e estimulação do esôfago(1,6,15).
Na tentativa de avaliar a representatividade dos órgãos sensório-motores, os autores propuseram o exame das respostas corticais diante de movimentos utilizados nos procedimentos de reabilitação, como por exemplo, exercícios orofaciais(1,14,21,27) e manobras usadas em reabilitação(18).
Mesmo as pesquisas com população disfágica, valeram-se da deglutição de diferentes tipos de alimentos, como água(5,29-31), bário(5,29,31) e saliva(5,29-32). Geralmente, nos casos de introdução de alimentos, estes foram administrados por meio do posicionamento de um cateter em diferentes porções do trato oral, com tempo e volume de administração do alimento variada. Foram utilizadas alga ágar-ágar(10) como alimento sólido para a pesquisa, por ser desprovida de sabor, e goma de mascar(8)para avaliar a mastigação e deglutição.
A motivação em estudar os estímulos utilizados para desencadear o processo de deglutição surgiu em decorrência das ativações competitivas de estímulos para as áreas cerebrais. A sobreposição da tarefa da deglutição com o gatilho para sua eliciação dificulta a determinação das áreas verdadeiramente ativadas durante o ato de engolir.
Os estudos apontam que as tarefas que demandam atenção ativam um grupo de regiões corticais relacionadas com a natureza da tarefa (sensorial, motora, cognitiva, visual ou auditiva).
As orientações fornecidas aos diferentes grupos de sujeitos pesquisados compreenderam pistas visuais(3,7,8,10,14,16-19,23-28,30-32), auditivas(6,16,21,29) e sensoriais(5,9,11,13,15,17,19,24,29). Nos estudos que examinaram a deglutição com o uso de alimento, a sua ingestão foi a pista para que o paciente deglutisse, ou seja, a ausência da instrução formal foi um fator principal, diferenciando-os dos estudos com outros tipos de tarefas.
O uso de técnicas de RMf proporciona imagens anatômicas de alta resolução, que permitem detectar as variações no tecido humano(5). A maior vantagem dessa técnica está relacionada com a segurança, pois se trata de um método não invasivo de investigação dos processos de funcionamento do cérebro humano, capaz de detectar mudanças de sinal relativamente pequenas, com alta fidedignidade de resolução e localização nas áreas utilizadas na atividade neuronal. Além disso, permite que muitas áreas cerebrais sejam estudadas com relativa facilidade(5).
As desvantagens da RMf para a tomada do funcionamento da deglutição ficam na dependência do posicionamento do paciente examinado, que deverá estar em supino durante o mapeamento, ou seja, uma posição não familiar, dificultando a pesquisa de diferentes consistências alimentares, além da saliva. Admite-se que a deglutição sem ingestão de alimento, ou seja, somente da saliva, na posição deitada, ocorra em várias situações do cotidiano das pessoas, seja durante o sono, ou quando estão acordadas. Entretanto, os autores concordam que é duvidoso que a ativação neural da deglutição seja diferente em decorrência do posicionamento do corpo(3,14,33). Outros fatores que podem influenciar a precisão do sinal incluem o uso de medicação e seus efeitos na resposta hemodinâmica da excitabilidade neural, o movimento de artefatos exigidos para determinadas tarefas motoras em avaliação e o grau de relaxamento do paciente(5). Evidencia-se que a representação cortical da deglutição envolva diferentes áreas relacionadas, como uma rede de ativação sequencial ou simultânea, encontrada no córtex pré-motor, sensório-motor, giro cingulado e algumas regiões límbicas(14). Portanto, os achados clínicos sugerem que possa haver a existência de uma rede funcional para a deglutição(3).
Na tentativa de elucidar as contribuições dos locais ativados durante a deglutição, um experimento utilizando o paradigma “deglutir, não deglutir” foi delineado para comparar essas condições. As tarefas foram treinadas previamente com os pacientes e, para a tarefa de deglutir, foi utilizada a deglutição da saliva. O experimento foi considerado satisfatório e as tarefas sugeridas, adequadas para alcançar os objetivos propostos(7).
Os exercícios orofaciais e movimentação de língua, lábios e mandíbula foram utilizados com o objetivo de monitorar as áreas corticais ativadas, servindo como uma tarefa de controle para análise da deglutição(3,14,21,27). Os movimentos que envolvem a mobilidade da língua podem ser usados para monitorar as áreas corticais ativadas, servindo como um importante recurso comparativo entre as regiões do córtex.
O uso de breves pulsos de ar dirigidos para a cavidade posterior oral e orofaringe, monitorados durante RMf, teve como objetivo analisar o processamento dessa região, na deglutição. Os autores argumentam que o uso desse tipo de estimulação é útil para a investigação, efetiva e bem tolerada pelos sujeitos, permitindo explorar os sistemas sensoriais orais e orofaríngeos, porque aumenta a frequência da deglutição(13).
Evidências atuais sobre as regiões corticais envolvidas na deglutição têm sido obtidas graças ao resultado dos estudos com RMf em humanos(34). Múltiplas regiões do cérebro são apontadas como responsáveis por essa função, porém, as contribuições funcionais de cada região permanecem incertas(3). Os estudos sugerem que a atividade neuronal está localizada em diferentes regiões corticais, incluindo o giro pré-central, pós-central e a ínsula para deglutição automática da saliva, deglutição voluntária da saliva e deglutição de bolo alimentar(13). Estudos de meta-análise demonstram que as redes envolvidas na deglutição da água e saliva estão distribuídas e parcialmente sobrepostas no córtex cerebral(35).
A região posterior da cavidade oral e a orofaringe têm um papel decisivo no processo de deglutição. A experiência de monitorá-las concluiu que sua estimulação pode ativar uma rede cortical distribuída bilateralmente, que se sobrepõe às regiões previamente implicadas nas funções sensório-motoras da faringe e do movimento da língua, mastigação e deglutição. O direcionamento do bolo alimentar pela cavidade oral é precedido pelo estágio preparatório oral, que é altamente dependente da integração cortical sensório-motora(13).
Nos artigos de meta-análise, conclui-se que, para a deglutição da água, há maior ativação no córtex sensório-motor, lobo parietal esquerdo e ínsula anterior direita. Para a deglutição da saliva, encontrou-se maior ativação no córtex sensório-motor esquerdo, córtex motor direito e giro cingulado bilateral. A comparação entre as duas tarefas revelou indícios de maior participação de áreas corticais para água do que para a saliva, no lobo parietal inferior direito, giro pós-central direito e ínsula anterior direita. A maior ativação para a saliva foi encontrada na área motora suplementar, giro cingulado anterior bilateral, e giro pré-central bilateral, que são cruciais para iniciação e controle do movimento(34).
Técnicas combinadas, como a videofluoroscopia e a RMf foram utilizadas para observar os comportamentos orofaríngeos motores, associados com as regiões cerebrais. Os dados foram obtidos por meio da análise da resposta de adultos saudáveis que, passivamente, assistiam a um filme. O uso da videofluoroscopia determinou o início da deglutição e controlou a análise da ativação cortical. Os resultados encontrados com a RMf foram a ativação em regiões comumente identificadas como áreas da rede da deglutição. Porém, diferenças incluíram a ativação de área de Brodmann 8 e 41 e precuneos, que podem estar relacionadas com a natureza da tarefa complementar proposta, que exigia uma demanda visual(20).
O resultado da ativação cortical em resposta a pistas auditivas e sensoriais foi pesquisado, visando observar seus efeitos no tratamento de pacientes com disfagia. Por meio da apresentação de estímulo auditivo, visual e audiovisual dos movimentos da deglutição, as áreas cerebrais ativadas em adultos voluntários saudáveis foram mapeadas. Durante a estimulação visual, as áreas primárias e pré-motoras dos hemisférios direito e esquerdo e a área pré-frontal do hemisfério esquerdo foram acionadas. Para o estímulo auditivo, observou-se respostas na área suplementar e, para o estímulo audiovisual, as áreas pré-motoras e pré-frontais do hemisfério direito e esquerdo apresentaram respostas positivas. Conclui-se que as zonas cerebrais relacionadas com o desempenho e programação da deglutição foram acionadas pelos estímulos visuais, auditivos e audiovisuais fornecidos(16).
Os estudos não apresentaram concordância quanto aos aspectos de lateralização da função de deglutição no córtex cerebral. Os estágios preparatório e oral têm sido relacionados por graus diferentes de ativação cortical bilateral(3,4). Constatou-se que para a elevação da língua há ativação preferencial no córtex esquerdo(4). Observa-se que esta lateralização pode estar relacionada com a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem e funções linguais, incluindo aquelas associadas com a deglutição(4).
As habilidades de deglutir e não deglutir, testadas em um experimento, sugerem que o giro pré-central, pós-central e o giro cingulado anterior contribuem primariamente para o ato da deglutição. Porém, ao contrário do que era previsto, não houve diferença na ativação do cuneos e precuneos nas duas tarefas, sugerindo que essas regiões mediam o processo do sinal de entrada para a deglutição(7).
Os resultados dos estudos sugerem que ocorra uma ativação bilateral em uma rede extensa neuronal, incluindo o giro pré-central (córtex motor primário) e múltiplas ativações no córtex sensório-motor primário, córtex motor suplementar, córtex pré-frontal, giro de Helsch, giro cingulado, ínsula, área de Broca e giro temporal superior. O aumento da ativação leva alguns pesquisadores a sugerirem que essas áreas não são específicas da deglutição, mas indicam a localização para funções relacionadas também com a língua, laringe, faringe e face(5).
Os modelos de lateralização cerebrais foram analisados por meio de RMf, comparando-se tarefas de preparação para deglutição, deglutição, pressão de língua e limpeza do trato orofaríngeo. Participaram do estudo 10 sujeitos jovens e 9 idosos. Os resultados mostram que a lateralização hemisférica foi mais frequente no grupo jovem para deglutição e planejamento e que os idosos tenderam a combinar a lateralidade durante a deglutição e a limpeza da orofaringe(27).
Dependendo do contexto de cada investigação, a lateralização da deglutição pode ter os resultados em RMf divergentes. Comparando-se os resultados de ativação cortical, mensurando-se a água e a saliva, concluiu-se que houve desencadeamento de atividade cortical, primariamente, no hemisfério direito, para a água, e bilateral para a saliva(4).
Destaca-se que áreas do córtex motor primário e sensoriais são acionadas constantemente em sujeitos adultos saudáveis. Outras áreas ativadas também incluem o córtex cingulado e o córtex insular. Na comparação entre a deglutição da saliva e os movimentos de elevação de língua, constatou-se que, aproximadamente, 60% dos sujeitos mostraram forte lateralização do giro pós-central para o hemisfério esquerdo, na tarefa de deglutição. Em 40% dos sujeitos, houve uma ativação similar à de elevação de língua, mostrando que não há equivalência entre o córtex sensório-motor oral nos diferentes hemisférios, representando uma funcionalidade não equivalente nas tarefas acima citadas. Em relação ao tipo de tarefa solicitado, o estudo comprovou que as regiões ativadas para deglutição e movimento da língua são as mesmas, sendo consistentes com o córtex pericentral lateral, opérculo frontoparietal e o córtex cingulado anterior, apresentando maior ativação para a tarefa de mobilidade de língua do que para a deglutição(3).
Os exercícios orais têm sido amplamente utilizados na reabilitação de pacientes com disfagia, pois acredita-se que afetem os centros nervosos de várias maneiras. Dessa forma, em um estudo analisando a atividade cerebral de 8 adultos saudáveis, realizando os exercícios de contração labial, estiramento labial, protrusão lingual, movimentação lateral da língua e rolar uma bola na cavidade oral, constatou que muitas regiões aumentam a sua atividade cerebral. As regiões comumente ativadas durante os exercícios de lábios e língua incluem o giro pré-central e o cerebelo. A ativação para a atividade de rolar a bola na cavidade oral foi mais extensa, quando comparada com os outros três exercícios(21).
A tendência atual nos estudos de neuroimagem é analisar as relações entre o córtex cerebral e as regiões subcorticais responsáveis pelo desencadeamento da deglutição, nas suas diferentes fases. A RMf de sujeitos normais durante a deglutição da saliva e a elevação da língua mostram que as respostas motoras ativam o córtex pericentral lateral, o córtex parietal anterior e a área adjacente suplementar motora, sugerindo que essas regiões possam servir para as duas funções. Entretanto, a elevação da língua ativa um volume maior do córtex do que a saliva(33).
Para visualizar a ativação cortical de todas as etapas da deglutição, foi proposto para 10 voluntários saudáveis que realizassem os seguintes movimentos, respondendo a um estímulo visual: deglutir, preparar para deglutir, elevar a língua e limpar a garganta de forma randomizada. Esses movimentos foram úteis para identificar a localização neural de vários componentes da deglutição. As áreas mais ativadas durante a limpeza da garganta, quando comparadas com as outras tarefas, incluíram a ínsula posterior e pequenas porções do giro pré-central e pós-central, bilateralmente. A elevação da língua mostrou alta ativação em porções do córtex pré-motor, córtex sensório-motor primário e lobos parietais. Planejar a deglutição não demonstrou ativação maior em nenhuma região específica. Quando a deglutição foi comparada com as outras tarefas, houve ativação mais significativa no cerebelo, tálamo, giro cingulado e em todas as áreas do córtex sensório-motor, bilateralmente(14).
Os estudos sobre a neurofisiologia da deglutição após lesões neurológicas podem fornecer informações sobre as implicações de funcionamento do cérebro, identificando a representação cortical da deglutição(2). Para a fonoaudiologia, esses estudos são importantes para a compreensão da fisiologia normal e patológica, até as implicações para reabilitação. Os aspectos motores e as implicações sensoriais formam um conjunto de habilidades monitoradas, em decorrência de sua importância para os procedimentos de reabilitação(2).
Um estudo analisando o pré-tratamento e pós-tratamento de oito semanas de um paciente disfágico com RMf deglutindo bário, água e saliva, revelou aumento na ativação contralateral da lesão, indicando plasticidade relacionada com o tratamento. Para confirmar esses achados, as condições musculares e alimentares também foram consideradas, destacando os benefícios alimentares do paciente(5).
Há evidencias de modificações nas redes de ativação cortical da deglutição em adultos saudáveis e pacientes portadores de doença de Alzheimer (DA). Em um estudo delineado para analisar a deglutição por meio do uso de saliva, água e bário, os indivíduos do grupo controle - adultos saudáveis - apresentaram maior ativação cortical nas redes de deglutição do que o grupo com DA, para deglutição de água e saliva. Houve grande ativação da ínsula e opérculo para o grupo experimental, concordando com estudos anteriores que demonstram que essas áreas estão localizadas com o início da deglutição. Os pacientes precisam realizar esforços adicionais para “ligar” os centros da deglutição, colocando a função em um estado de alerta consciente(31). O estudo destaca que há uma condição pré-clínica da disfagia em pacientes portadores dessa patologia, e, portanto, os pacientes devem ser avaliados cuidadosamente(31).
A comparação entre sujeitos diagnosticados com disfagia neurogênica em decorrência de AVC foi realizada, utilizando como tarefa a deglutição de saliva durante o procedimento de RNMf. Os resultados mostram ativação contralateral à lesão nas áreas relacionadas com a deglutição, ou seja, os pacientes que apresentaram lesões no hemisfério direito demonstraram grande ativação no hemisfério esquerdo e vice-versa para os pacientes com lesão à esquerda. Essas conclusões permitem a análise do fenômeno de adaptação cortical ao processo de lesão neurológica(32).
Similarmente ao estudo anterior, foram comparados pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), com e sem disfagia, com indivíduos saudáveis. Os resultados concluem que o grupo sem disfagia apresentou respostas neurofisiológicas similares ao grupo controle. Entretanto, os pacientes disfágicos mostraram redução do sinal, principalmente no córtex sensório motor primário(30).
As implicações sobre a neuroplasticidade são especialmente importantes nos processos de reabilitação fonoaudiológica. Em um estudo de caso com um paciente disfágico, comparou-se a ativação neural para a deglutição de bário, saliva e água. Os autores advertem que os resultados devem ser analisados com cautela, mas destacam que, na avaliação neurofuncional pós-tratamento, mais áreas em ambos os hemisférios, ipsilateralmente e contralateralmente à lesão, foram ativadas(5).
Os estudos com RMf em populações de pacientes disfágicos têm seu uso limitado na determinação dos resultados devido às dificuldades relacionadas com o posicionamento do paciente, modificações posturais durante o exame e seu tempo de realização. Entretanto, esses estudos podem apresentar importantes informações sobre as adaptações do cérebro nas lesões neurológicas na fase aguda ou crônica da doença(5).
Nos estudos com pacientes disfágicos, ainda é necessário analisar as características das lesões neurológicas, como por exemplo, localização, tamanho, etc. Nas doenças neurodegenerativas, implicações como o tempo de diagnóstico da patologia, intensidade dos sintomas e tratamentos realizados pelo paciente podem, também, produzir variantes a serem pesquisadas.
As variáveis dos processos de reabilitação, como tempo, intensidade e características do tratamento, precisam ser cuidadosamente controladas, para que os dados possam ser generalizados.
Relata-se que ativação cortical extra é encontrada em idosos, quando comparados com adultos jovens, na deglutição do mesmo tipo de bolo alimentar e admite-se que essa diferença possa estar relacionada com o aumento da necessidade de esforço do primeiro grupo(5). Esse aumento de ativação foi encontrado nas áreas somatosensoriais em ambos os hemisférios cerebrais e pode ser decorrente da imprecisão na deglutição, dependente da idade. Os efeitos sobre a fisiologia da deglutição têm sido mostrados em todas as suas fases, mas, principalmente, o aumento da fase oral e a reduzida sensibilidade da faringe, que leva a dificuldades no disparo de reflexo de deglutição(1,5). Além disso, constata-se que as áreas envolvidas no processamento sensorial, integração sensorial e coordenação motora mostram atividade cortical limitada em pacientes idosos(3).
Mudanças fisiológicas no comportamento funcional da deglutição de idosos estão descritas na literatura. Por meio da deglutição de água e saliva, constatou-se o desencadeamento da ativação de múltiplas regiões corticais, incluindo o córtex cingulado anterior, perisilviano e lateral pericentral. A ativação do giro pós-central foi lateralizada para o hemisfério esquerdo na deglutição nas duas situações comparativas. A relação de ativação entre deglutição de saliva e água revelou o quádruplo de aumento no volume ativado para a água, em relação à saliva, particularmente no hemisfério direito do córtex pré-motor e pré-frontal. Esse dado pode sugerir uma resposta compensatória na demanda da água, comparada com a saliva, diante da diminuição das habilidades funcionais sensório-motoras relacionadas com a idade(28).
Na comparação entre adultos e idosos saudáveis na deglutição de saliva, água e bário, por meio de análise videofluoroscópica e RNMf, encontrou-se maior atividade cerebral em regiões do córtex dos idosos, indicando que requerem maior esforço para deglutir. Esse fator pode estar relacionado com a necessidade maior de resposta esfinctérica para deglutição dos diferentes tipos de bolo alimentar e também por um esforço adicional na memorização das tarefas inerentes aos procedimentos. A deglutição do bário recrutou maior número de regiões e a deglutição de saliva ativou um número maior de áreas associadas com funções não específicas para essa função, bilateralmente(26).
Em pacientes portadores de doença de Alzheimer em fase inicial, o mapeamento das áreas corticais responsáveis pela deglutição demonstra menor ativação nas regiões tradicionalmente apontadas como constituintes de uma rede de funcionamento. Isso também ocorre nas áreas comumente afetadas pelo quadro clínico típico da doença. Assim, os autores apontam que as investigações por meio de neuroimagem funcional mostram que a deglutição inclui, regularmente, áreas cognitivas corticais(29).
Os efeitos e resultados encontrados na análise dos estudos selecionados, estão relacionados com a capacidade de medir objetivamente as modificações sofridas no tecido cortical e, consequentemente, generalizar essas informações para o processo de reabilitação.
Diversos paradigmas vêm sendo utilizados pelos pesquisadores e aplicados em diferentes grupos populacionais e, apenas recentemente, os modelos de pesquisa vêm sendo aplicados em pacientes disfágicos. Em vista disso, há dificuldade em generalizar os resultados obtidos nas pesquisas, devido à variabilidade de tarefas e estímulos empregados que geram ativação de áreas não específicas da deglutição, mas relacionados com o estímulo recebido. Sugere-se o estabelecimento de diretrizes para os estudos com RNMf, com o objetivo de padronizar e qualificar os protocolos aplicados, facilitando a comparação de estudos similares.
O estudo da neurofisiologia da deglutição é um método valioso para compreensão da fisiologia normal e patológica, que pode contribuir para a inovação das técnicas de reabilitação. Apesar das diferenças de paradigmas utilizados nos estudos, constata-se que as áreas ativadas durante a deglutição não são específicas, ou seja, a representação cortical da deglutição parece ser multifocal e sobreposta às áreas motoras responsáveis pelo controle dos gestos motores orais.
Abre-se um extenso campo de pesquisa em neurofisiologia da deglutição e sua reabilitação, ao compreender-se os mecanismos fisiológicos típicos, no envelhecimento e na patologia.