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Ressonâncias do Projeto Pró-Ensino na Saúde no interior do Brasil

Ressonâncias do Projeto Pró-Ensino na Saúde no interior do Brasil

Autores:

Aristides José da Silva Junior,
Magda de Mattos,
Neuci Cunha dos Santos

ARTIGO ORIGINAL

Interface - Comunicação, Saúde, Educação

versão impressa ISSN 1414-3283versão On-line ISSN 1807-5762

Interface (Botucatu) vol.22 supl.1 Botucatu 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0061

RESUMEN

En este artículo se discuten las resonancias bajo la perspectiva de dos docentes, ahora doctores, que participaron en el proyecto por la Universidad Federal de Mato Grosso (UFMT). La propuesta del proyecto de formación de Maestría y Doctorado en Educación para profesionales de la Salud presentaba entre sus objetivos los siguientes: contribuir para el fortalecimiento y la ampliación de programas de postgrado stricto sensu en Mato Grosso en el área de la enseñanza en la Salud; propiciar la integración entre grupos de investigación y equipos académicos de la Educación y de la Enfermería. Analizamos los resultados del proyecto desde dos perspectivas que denominamos de resonancias, es decir: resonancias de la producción del conocimiento y resonancias en la formación y en los servicios. Los resultados medibles se establecieron notablemente por medio del avance en el postgrado y en la investigación en el local de origen de los docentes.

Palabras-clave: Desarrollo de personal; Acción intersectorial; Políticas públicas

A proposta do projeto de formação de mestres e doutores em Educação para profissionais de saúde, com ênfase no ensino em saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS) aprovado pelo Edital Capes no 24/2010, apresentava entre seus objetivos contribuir para o fortalecimento e a ampliação de programas de pós-graduação stricto sensu no Mato Grosso na área de ensino na saúde; propiciar a integração entre grupos de pesquisa e equipes acadêmicas da Educação e da Enfermagem visando, no fim do projeto, a criação de pelo menos uma proposta de curso de pós-graduação na modalidade mestrado profissional em um dos campi da UFMT participantes do projeto; e ampliar e qualificar a produção científica, tecnológica e de inovação sobre o tema Ensino na Saúde, a partir da investigação de situações relacionadas à prática do ensino na Saúde na sua interface com os serviços de saúde.

Para tanto, foi estabelecida parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), do Instituto de Educação (IE), e o Grupo de Pesquisa Educação e Formação em Saúde e Enfermagem (Gefor), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem (Faen), ambos da Universidade Federal de Mato Grosso. Tal evento foi fundamental para a consolidação e êxito da proposta de qualificação profissional dos docentes da área da saúde, principalmente dos cursos de graduação em Enfermagem, que atuam em um dos quatro campi universitários.

Entendemos que muitas das ressonâncias são subjetivas e inenarráveis. Assim, propusemo-nos descrever as transformações objetivas que o projeto propiciou inicialmente, por meio dos resultados das pesquisas de duas teses de doutorado e, posteriormente, dos desdobramentos para o campus de Rondonópolis, local em que os docentes exercem as suas atividades profissionais, bem como para a rede local e regional de serviços de saúde.

Ressonâncias da produção do conhecimento

A tese1 intitulada “Programa Saúde na Escola: limites e possibilidades intersetoriais” foi defendida em 2014 e abordou a intersetorialidade entre Saúde e Educação, contribuindo para o aperfeiçoamento dessa política. Segue parte das reflexões abordadas na tese.

A busca por ações integradas e com abordagens intersetoriais tem sido a estratégia adotada por políticas públicas para o desenvolvimento de ações de promoção à saúde de escolares, na tentativa de contingenciar as vulnerabilidades as quais esta população está exposta.

Ao fazer a aproximação das áreas de Educação e de Saúde, intentando abordar uma ação intersetorial nessas áreas, elegemos o Programa Saúde na Escola (PSE), cujo desígnio é o de promover ações de promoção de saúde a estudantes das escolas públicas brasileiras, com abordagem intersetorial. Por meio do PSE, construímos o objetivo geral desta pesquisa: refletir sobre os limites e possibilidades intersetoriais para o desenvolvimento do autocuidado na escola.

Para Orem2, o autocuidado é a prática de atividades que o indivíduo inicia e executa em seu próprio benefício, na manutenção da vida, da saúde e do bem-estar. Tais atividades são aprendidas e afloram da combinação de experiências cognitivas, crenças, hábitos e práticas que caracterizam o modo de vida do grupo e a cultura à qual o indivíduo pertence. O desempenho de tais atividades envolveria necessariamente uma decisão, uma escolha, e tem como propósito as ações que, seguindo um modelo, contribuem, de maneira específica, na integridade, nas funções e no desenvolvimento humano.

Com uma abordagem qualitativa, utilizamos a entrevista semiestruturada, bem como a análise ressonante das narrativas. Em um segundo movimento, para abordar os diálogos intersetoriais, narramos nossa experiência na execução de ações intersetoriais.

Os resultados patenteiam a necessidade da execução de políticas de enfrentamento aos agravos à saúde, existentes na escola; no entanto, as ações intersetoriais ainda sucedem de forma incipiente.

A maioria das famílias deste estudo (258 – 52,02%) recebe auxílio do Programa Bolsa- Família (PBF). Ao analisar a escolaridade das mães dos alunos, observou-se que, em 55,44% (275) das mães, a escolaridade era igual ou inferior ao ensino fundamental completo. Talvez a falta de estudo das mães justifique a falta de auxílio nas atividades extraclasses. Na execução das atividades escolares, 313 (63,10%) alunos não recebem auxílio para executá-las. Consideramos o auxilio extraclasse importante, pois 201 alunos (40,52%) relataram dificuldades com os estudos. Ao analisar alguns aspectos relacionados com as condições físicas dos alunos, como o Índice de Massa Corpórea (IMC), medida usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal, relacionando o peso e a altura, observamos que 95 alunos avaliados (19,1%) estão com sobrepeso, apresentando, assim, risco de desenvolver doenças como a hipertensão arterial e o diabetes.

Outro fator que contribui para o aumento de peso é o sedentarismo. Assistir à televisão e a jogos eletrônicos e navegar na internet são as principais atividades de lazer da maioria das crianças – 441(88,91%). A falta de opções de lazer nos bairros periféricos e a falta de segurança contribuem com a opção dos pais e mães em manter os filhos dentro de casa.

Quanto aos hábitos de higiene, elegemos a higiene bucal para esta ilustração. Observou-se que 429 (86,52%) alunos responderam que escovavam os dentes duas ou mais vezes ao dia. No entanto, ao avaliar as condições de saúde bucal, um grupo de 392 alunos (79,03%) apresentava cárie, que ocorre em razão de um desequilíbrio bioquímico na boca, com processos fisiológicos de desmineralização e remineralização dos dentes.

Os problemas levantados e ilustrados neste estudo não podem ser ignorados pela escola. Esses não são “falsos problemas”: são problemas reais, que estão presentes nas salas de aula. No espaço de sua aula, o professor pode suscitar reflexões para além do conteúdo disciplinar do currículo escolar, que poderão contribuir para o empoderamento do aluno nas questões relacionadas com o autocuidado.

Nossa experiência permite dizer que é possível promover saúde no ambiente escolar. No entanto, para além da execução das atividades pelos trabalhadores da educação, faz-se necessária atenção dos gestores para uma melhor infraestrutura dos espaços escolares. As condições de vida e trabalho dos professores precisam ser revistas, pois, para desenvolver os temas transversais e ações intersetoriais, estes profissionais precisam de uma jornada de trabalho que permita tempo de preparo de atividades e momentos de planejamento coletivo para ações articuladas e intersetoriais.

A proximidade física das instituições de saúde e de educação e o atendimento a uma população semelhante é essencial, mas não são fatores determinantes para que essas instituições articulem ações integradas visando à promoção da saúde. As ações executadas, quando ocorrem, são unilaterais, havendo a necessidade do desenvolvimento de corresponsabilização.

Ao pesquisar a execução do Programa Saúde na Escola como política intersetorial, encontramos dicotomias, em que o programa é prescrito pelo setor de saúde para ser executado pelo setor de educação, ocorrendo dessa forma uma visão setorial do programa intersetorial. A falta de ações articuladas e integradas entre os gestores dos diversos setores do governo, bem como dos profissionais, encarta inúmeras limitações: a burocratização dos serviços; o desperdício de tempo e de recursos financeiros e humanos; e a duplicidade de ações, o que leva ao não atendimento dos objetivos do programa.

Ao educar para a saúde, o professor e a comunidade escolar contribuem, de maneira significativa, para a formação de cidadãos capazes de atuar em favor do autocuidado e com base nisso é que cuidarão também do meio em que vivem, sendo agentes transformadores da coletividade.

Por outro lado, reconhecemos que diversos fatores são determinantes no processo saúde-doença: as condições singulares de vida das pessoas e a maneira como nascem, vivem e morrem, bem como suas vivências em saúde e doença. Grande parte desses fatores não poderia ser resolvida na escola, porém, a escola tem o papel de formar cidadãos para o enfrentamento das suas vulnerabilidades. Ao ter a consciência dessas vulnerabilidades, o cidadão conseguirá dar o primeiro passo conducente a melhores condições de vida e saúde.

Percebemos que as políticas públicas não atingem os objetivos estabelecidos, mas apontam caminhos. Por outro lado, são inúmeras as dificuldades para percorrer esses caminhos, exemplificada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação3, que define os temas transversais e, ainda, que estes deverão permear o conteúdo disciplinar de forma que venha a invadir todas as suas ações, fazendo-se presente e interferindo nelas. Em nova tentativa de trabalhar o tema saúde na escola, tenta-se implementar o Programa Saúde na Escola. O programa é composto especialmente por dois componentes: o primeiro é o de avaliação clínica e psicossocial, a ser realizado por profissionais da saúde. Já o segundo componente trata sobre a promoção da saúde e sobre a prevenção de doenças.

Para a promoção de saúde na escola, as práticas escolares precisam ecoar nas próprias famílias, na comunidade e no meio em que as pessoas vivem e trabalham para, de modo não diverso, interferir de forma eficaz nos modos de vida da população. O foco das práticas escolares seria a problematização a propósito do autocuidado, auxiliando o ser humano que necessita de cuidados a enxergar suas vulnerabilidades e os possíveis riscos aos quais está exposto.

O setor de saúde poderá desenvolver ações de forma intersetorial, oferecendo suporte para as atividades realizadas na escola. Porém, com base na revisão de suas práticas, deve ampliá-las tanto na rede de atendimento que comportará novas demandas quanto na forma que, por vezes, reduzem o ser humano ao binômio saúde-doença, pois o ser humano, preparado para o autocuidado, demandará do setor de saúde uma atenção à saúde que contemple sua singularidade, sua maneira especial de agir no mundo, lançando luzes que venham a aprimorá-lo, a torná-lo melhor a cada dia. Sabe-se que se trata de processo lento. Para isso, o movimento precisa ocorrer para, dessa forma, ter-se acesso aos possíveis benefícios dessa articulação.

No corpo do programa, essas ações deveriam ser executadas de forma articulada entre profissionais da Saúde e da Educação; porém, nas metas estabelecidas, fica claro que os profissionais da Saúde são responsáveis pelo primeiro componente, ao passo que os profissionais da Educação, responsáveis pelo segundo componente.

A vida se desenvolve também na escola e, durante essa etapa, os estudantes vivenciam experiências familiares e sociais, tendo na escola a possibilidade de transformar as experiências em formação de valores de vida, que subsidiarão tomadas de decisão, fortalecimento ou mudança de hábitos. Uma vez que a vida está imbricada na escola, entendemos que esta poderá fazer parte daquela, pontuando, no entanto, que a vida não se reveste de caráter disciplinar. Ela acontece, incide, permeia, atravessa. Para isso, demanda-se uma escola que permeia a vida, que a promove no momento em que esta se concretiza na sala de aula, estando seus objetivos relacionados com os objetivos do vivente.

A escola pode ser o cenário onde se promove o autocuidado, mas, para isso, diversos movimentos ainda precisam viabilizar tal processo, como valorização e formação dos trabalhadores da saúde e da educação, investimento em infraestrutura, melhoria do acesso aos serviços e assistência à saúde. Ações como essas são imprescindíveis para atingir os objetivos da intersetorialidade e, consequentemente, promover a saúde na escola.

Temos consciência de que as reflexões aqui apresentadas não são únicas. Mais do que isso: as intervenções aqui sugeridas poderiam ser passíveis de questionamentos, conferindo a elas novas perspectivas. Consideramos, entretanto, que a discussão entreabre novas portas para que possamos (re)pensar o trabalho que vem sendo desenvolvido nas escolas, perseguindo novos rumos para a educação e para a saúde na escola.

A segunda tese4, defendida no ano de 2015 com o título “Desenvolvimento profissional docente: trajetória de um grupo de enfermeiras na educação superior”, objetivava compreender como as enfermeiras docentes constroem o desenvolvimento profissional da docência a partir de sua inserção na educação superior. Para tanto, foram utilizados como referenciais teóricos os estudos que abordam a formação, como desenvolvimento profissional docente com foco nos conhecimentos e aprendizagens necessários à docência da educação superior, à inserção profissional e à construção da identidade docente.

As participantes da pesquisa consistiram em seis docentes, todas do gênero feminino, concursadas e atuando na docência com tempo inferior a seis anos, cujo lócus de investigação foi o curso de graduação em Enfermagem do campus de Rondonópolis, da Universidade Federal de Mato Grosso.

Seguindo as etapas que compõem o desenvolvimento de uma investigação, a abordagem às seis professoras que integraram este estudo consistiu em três etapas. Na primeira fase, realizamos a caracterização das enfermeiras docentes, por meio de um questionário com questões abertas e fechadas, contendo informações relacionadas à idade, tempo de formação como enfermeira, instituição de formação em Enfermagem, tempo de experiência docente na educação superior, titulação, motivação para inserção na docência e aspectos que o docente considerava importante para o exercício da docência. Na segunda etapa, as narrativas escritas foram utilizadas para que as participantes rememorassem como foi o processo de mudança, da Enfermagem para a docência, e, por fim, na terceira fase, houve coleta das narrativas orais. Os dados da pesquisa foram coletados e analisados, considerando a abordagem qualitativa como pressuposto metodológico.

No estudo, assumimos a docência como uma ação complexa5 em que se fazem necessárias reflexões, conhecimentos e aprendizagens docentes, pois nos referimos, especificamente, a um grupo de docentes oriundo de um curso de bacharelado e sem formação pedagógica para tal. Para tanto, propusemos que as participantes do estudo relatassem as experiências vivenciadas no processo de se tornarem professoras da educação superior, em sua dimensão pessoal, profissional, institucional e organizacional. Tais narrativas se entrelaçavam e, aos poucos, foram sendo ressignificadas no processo de formação e desenvolvimento profissional docente.

Ademais, reiteramos a opção pela utilização das narrativas na pesquisa, devido ao seu caráter também formativo, possibilitando o entrelaçamento necessário para a investigação e formação da mesma ação. Ainda, no que concerne ao processo de formação e desenvolvimento profissional docente, na mesma proporção em que o professor elabora sua narrativa, seja verbal ou escrita, ele também reconstrói sua experiência de maneira reflexiva, proporcionando, assim, uma autoanálise de sua prática docente6.

Nesse contexto, a partir da perspectiva das seis enfermeiras docentes, elencaremos algumas reflexões que emanaram de suas narrativas orais e escritas acerca do processo de desenvolvimento profissional docente.

Nas vozes e escritas das professoras, foram rememoradas as vivências como partícipes de um contexto social em que as políticas educacionais geralmente não consideram os conhecimentos pedagógicos como essenciais na composição da base de conhecimentos para a inserção na docência da educação superior. Para tanto, as enfermeiras vivenciaram experiências no cotidiano do exercício docente que as fizeram questionar-se. Porém, também foram questionadas a respeito de seus conhecimentos e capacidades para assumir uma disciplina; gerenciar uma turma de alunos; e elaborar o planejamento e a avaliação. Em síntese, as enfermeiras foram indagadas sobre suas funções docentes.

No processo de aprendizagem docente, as partícipes do estudo demonstraram que, no período de inserção na docência da educação superior, demarcado pela ausência de formação específica no campo da docência, buscaram dar visibilidade às imagens e crenças sobre o significado de ser professor, utilizando-se dos conhecimentos específicos provenientes do exercício prático como enfermeira, que embasaram, em um primeiro momento, as atividades docentes.

É fato também que a dinâmica de construção dos conhecimentos para a docência é variável de professor para professor, pois as motivações pessoais e profissionais, as experiências vivenciadas, o contexto universitário, as oportunidades de formação, entre outros aspectos, influenciam nesse processo. Desse modo, no decorrer do exercício da docência, é necessária uma maturidade profissional, principalmente para a busca de formação docente, o que pudemos constatar com o estudo, pois as enfermeiras docentes perceberam a necessidade de enfrentar novos desafios em seus processos de desenvolvimento profissional docente, como a procura por cursos de mestrado e doutorado.

Como enfatiza Day7, o processo de aprendizagem docente envolve implicar-se em diferentes tipos de reflexões, exige um compromisso moral e emocional e o docente deve ter algum tipo de apoio, ao que o autor denominou de parceria. Aprender por meio de parcerias sugere que o docente deve buscar e acessar pessoas, programas e instituições com o intuito de desenvolver-se profissionalmente.

Assim sendo, desenvolver-se profissionalmente como docente requer dos professores uma disposição para o querer mudar para alçar novos rumos em direção aos conhecimentos e aprendizagens necessários ao exercício da docência, ou seja, envolve as experiências pessoais e profissionais ao longo da vida e da carreira profissional. Contudo, isso, por si só, não é suficiente, uma vez que o desenvolvimento profissional docente requer também o apoio institucional e estrutura organizacional assentada na estimulação e valorização profissional docente que possibilite impactar, de forma positiva, a prática docente e a aprendizagem dos alunos.

Nessa perspectiva, as estratégias de formação docente assumem a devida importância, de acordo com cada instituição de ensino e do interesse dos próprios cursos de graduação, como é o caso da Enfermagem. Desse modo, as instituições de ensino superior, por meio de uma gestão organizacional, assumem uma importância particular no desenvolvimento profissional do corpo docente ao promover a sua formação como instrumento de melhoria do desempenho pessoal e profissional, com reflexos diretos sobre a qualidade educacional.

Os ecos que ressoaram desta pesquisa vem ao encontro das considerações acima, pois, entre as principais conclusões, poderíamos mencionar que: desenvolver-se profissionalmente como docente da educação superior em Enfermagem demanda um processo que perdura ao longo da carreira profissional, devendo ser dinâmico, menos ou mais intenso, dependendo, pois, das experiências pessoais e profissionais vivenciadas no decurso da vida.

Ainda, aos docentes em início da carreira dever-se-ia dar uma atenção especial, em face da magnitude de ações e conhecimentos que lhes são imputados no exercício da docência, tais como conhecer a cultura acadêmica e institucional, como o curso está organizado, os alunos e os pares, além de construir conhecimentos profissionais e exercer todas as atividades próprias da docência.

Tornar-se e se assumir enquanto docente da educação superior é trilhar um caminho por vezes árduo, no sentido de que é necessária intensa aprendizagem acerca da docência, construídas no decorrer da vida pessoal e profissional e durante o exercício da última, assim como durante a formação pedagógica para o exercício da atividade docente.

Sendo assim, o desenvolvimento profissional docente é um processo permanente, contínuo e não linear, pois as narrativas das enfermeiras docentes revelaram que as trajetórias pessoais se integram às profissionais e demonstraram que vários fatores, tais como as experiências escolares, as experiências anteriores como enfermeiras, as motivações, o contexto e a organização da universidade, entre outros elementos, influenciaram nesse processo.

Ressaltamos, pois, que o exercício da docência do grupo de enfermeiras participantes do estudo se dá na interligação entre os campos da Saúde/Enfermagem e Educação, instância que torna imperativo um diálogo entre o ensino, a aprendizagem e a assistência à saúde.

Ressonâncias na formação e nos serviços

O retorno dos dois professores doutores para o campus de Rondonópolis possibilitou o investimento na pós-graduação lato sensu, concretizando-se a criação de dois Programas de Residência Multiprofissional.

Algumas diretrizes do Programa de Residência podem ser apontadas, tais como o foco dirigido à realidade local com ênfase nas necessidades de saúde das pessoas e das populações, por meio do processo de trabalho multiprofissional e interdisciplinar; a adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, considerando como espaços privilegiados para o desenvolvimento deste processo os seminários de estudos interdisciplinares, os encontros de saberes, os momentos de integração, a supervisão local e acadêmica e a educação em serviço; e a adoção de metodologias inovadoras de avaliação que tenham como foco a integralidade e que facilitem a avaliação da interação entre os alunos profissionais e os diversos cenários de práticas na perspectiva da interação constante, tanto por meio da problematização dos espaços quanto de sua transformação.

A partir da implantação das duas Residências Multiprofissionais, destacamos também a significativa contribuição para a o desenvolvimento de várias pesquisas e atividades de extensão voltadas para demandas dos serviços de saúde local, com a participação dos residentes, tutores e profissionais.

Com as ações desenvolvidas nas pós-graduações lato sensu, bem como as atividades conjuntas dos professores e residentes, criamos dois grupos de pesquisas que culminaram na proposição de um mestrado profissional que busca articular a residência, o serviço e as demandas regionais para produção do conhecimento em saúde.

A criação do curso de Mestrado Profissional em Ciências e Tecnologias em Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGCTS/UFMT), em processo de avaliação na Capes, constituirá marco fundamental de pesquisas na área da saúde no campus UFMT/Rondonópolis, fomentando a integração dos grupos de pesquisa, envolvidos em atendimento às demandas de pesquisas pela graduação e pós-graduação, que passarão a ganhar novos integrantes e a obter financiamentos para projetos por diferenciadas agências de fomento.

A formação de profissionais de saúde vem passando por momentos importantes de reorientação em face das novas tendências, decorrentes das novas demandas apresentadas pelo SUS, bem como dos modelos de gestão, de desenvolvimento de tecnologias e de atenção. Isso, sem dúvida, tem exigido das instituições formadoras maiores compromissos no sentido de redirecionar as estratégias de ensino e de modelo pedagógico e inserir os graduandos de forma precoce nos serviços.

No entanto, faz-se necessário o enfrentamento das estruturas curriculares tradicionais. Nesse sentido, torna-se relevante ampliar as formas de capacitação profissional após a graduação com o intuito de preencher as lacunas da formação inicial e, sobretudo, viabilizar a integração ensino-serviço, atentando para a realidade de saúde locorregional.

A articulação entre trabalho e formação, a construção de processos de educação permanente, a consolidação de redes de cooperação e o reconhecimento de que tanto os processos de formação quanto os de trabalho produzem conhecimentos técnicos e políticos são princípios que balizam o compromisso da UFMT.

Nessa perspectiva, o Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias em Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso busca fomentar a produção de conhecimento em ciências e tecnologias em saúde na região, sendo a primeira pós-graduação stricto sensu interdisciplinar na área da saúde do estado de Mato Grosso. As disciplinas e a produção de conhecimento no PPGCTS/UFMT articulam-se em um eixo interdisciplinar comum do programa e em duas linhas que versam sobre os mecanismos moleculares e funcionais do processo saúde-doença e a atenção interdisciplinar à Saúde.

O PPGCTS/UFMT tem por finalidade formar mestres para a região, com competência para promover a saúde; desenvolver a ciência e a tecnologia em saúde; e fortalecer o sistema de cuidados à saúde, considerando características sociais epidemiológicas e desafios do setor saúde no estado e região. O programa pretende promover o desenvolvimento de grupos de pesquisa e de cursos de pós-graduação em Saúde na região sul do estado de Mato Grosso e propiciar o surgimento de novas vocações em pesquisa na área, contribuindo para a produção de conhecimento e extensão do desenvolvimento de tecnologias, de forma a participar da produção da saúde da população do estado, aliado à construção do SUS, da integralidade e da interdisciplinaridade na região e no país.

Acreditamos que formar profissionais na modalidade de mestrado profissional em Saúde constitui-se em uma iniciativa relevante para aprimorar os conhecimentos adquiridos nos cursos de graduação, bem como possibilitar que o profissional possa refletir sobre as suas práticas diárias e contribuir com a melhoria do serviço, abrindo a possibilidade de articulação de saberes e a introdução já na graduação de conteúdos e práticas de trabalho compartilhado, com abordagem da multiprofissionalidade, colaborando para a construção do novo processo de trabalho em Saúde.

A inserção dos profissionais na academia fortalecerá o desenvolvimento do trabalho em equipe e a troca de saberes para a construção de novos conhecimentos, que são originados na interface dos diferentes campos de trabalho profissional, aprofundando a parceria entre a academia e os serviços. Essa inserção contribui também para expansão do conhecimento, formando profissionais de saúde capazes de se comprometer e de operacionalizar as mudanças necessárias ao desenvolvimento de tecnologias inovadoras e à organização do cuidado, promovendo a melhoria na saúde e na qualidade de vida das pessoas a partir de um projeto político-pedagógico fundamentado na aprendizagem baseada na prática profissional, na produção de conhecimento, na educação de adultos e na aprendizagem significativa, avançando na integralidade da atenção e no desenvolvimento das ciências e tecnologias em saúde.

A proposta de mestrado, na modalidade profissional, reafirma o entendimento de que a formação dos profissionais de saúde deve ser percebida no contexto de uma política mais ampla de ensino, considerando-se o processo de mudanças sociais, nas quais se situa o conhecimento e a informação. Compreendendo que o trabalho em saúde é norteador das decisões políticas e técnicas envolvendo todos os componentes da formação profissional, a proposição de um mestrado profissional em Saúde cumpre o intuito de articular o mundo da pesquisa e da educação, criando mais um espaço de consolidação de saberes e práticas, bem como de responder à Política Nacional de Educação Permanente. Ressalta-se que o PPGCTS possibilitará um movimento institucional de transformação, pautado no pressuposto da aprendizagem significativa, com reflexão cotidiana da prática, principalmente da prática multiprofissional.

A oferta de vagas no programa para o profissional vai ao encontro da construção de práticas solidárias, que reúne as profissões da área da saúde no objetivo comum da atenção à saúde e de reconhecer a importância de todos os profissionais envolvidos no trabalho em saúde. Cada profissão contém um núcleo de competência próprio, cujo conhecimento precisa ser ampliado e garantido, objetivando o intercâmbio de saberes e considerando a natureza coletiva do trabalho em saúde. Os trabalhos interdisciplinares e multiprofissionais disponibilizam diferentes núcleos de competências para a atenção que, somados, redimensionam o trabalho individual.

Considerações finais

O projeto de formação de recursos humanos no nível de mestrado e doutorado em educação para profissionais de saúde com ênfase no ensino em saúde para o SUS no contexto do Pró-Ensino na Saúde atingiu os objetivos preliminares, formando mestres e doutores no estado de Mato Grosso.

As ressonâncias dessa formação inicial não podem ser totalmente mensuráveis, pois estão presentes nas novas compreensões de mundo, de formação profissional, de ensino e pesquisa pelos profissionais que receberam esta capacitação, principalmente com o aprofundamento teórico do processo de vivência de ser enfermeiro e de se tornar docente.

Os resultados mensuráveis descritos estabeleceram-se notadamente na pós-graduação lato sensu, com a criação de dois Programas de Residência Multiprofissional, dois grupos de pesquisa e um programa de pós-graduação stricto sensu.

Relatamos a experiência do Pró-Ensino na Saúde no interior do Brasil para dar um retorno aos gestores sobre a importância do fomento à formação, da interiorização da pesquisa e das infinitas ressonâncias proporcionadas por projetos dessa natureza.

REFERÊNCIAS

1. Silva Junior AJ. Programa saúde na escola: limites e possibilidades intersetoriais (tese). Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2014.
2. Orem DE, editor. Nursing: concepts of practice. 2a ed. New York: McGrau-Hill; 1980. Nursing and self-care; p. 35-54.
3. Presidência da República (BR). Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. 23 Dez 1996.
4. Mattos M. Desenvolvimento profissional docente: trajetória de um grupo de enfermeiras na educação superior (tese). Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2015.
5. Soares SR, Cunha MI. Formação do professor: a docência universitária em busca de legitimidade [Internet]. Salvador: EDUFBA; 2010 [citado 30 Maio 2014]. Disponível em: .
6. Cunha MI. Conta-me agora! as narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino. Rev Fac Educ. 1997; 23(1-2).
7. Day C. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da aprendizagem permanente. Portugal: Porto Editora; 2001.