Compartilhar

Restrição do crescimento extrauterino: é possível evitar?

Restrição do crescimento extrauterino: é possível evitar?

Autores:

Richard A. Ehrenkranz

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557

J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.1 Porto Alegre jan./ev. 2014

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.10.003

Recomendações de longa data da Academia Americana de Pediatria,1 , 2 da Sociedade Canadense de Pediatria3 e da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica4 , 5 afirmam que o tratamento nutricional de neonatos prematuros, principalmente de prematuros extremos (PE), auxilia no crescimento a uma taxa próxima à do crescimento intrauterino. Contudo, a restrição do crescimento extrauterino (RCEU) continua a ser prevalente, ocorrendo com a maioria dos prematuros extremos.6 - 8 A RCEU é normalmente definida como tendo uma medida de crescimento (peso, comprimento ou perímetro cefálico) < 10º percentil do crescimento intrauterino esperado para a idade pós-menstrual (IPM), no momento da alta9; a IPM de 36 semanas ou IPM de 40 semanas (idade equivalente a termo) são geralmente utilizadas para comparar a incidência da RCEU entre unidades de terapia intensiva neonatais.

Sabe-se que vários fatores contribuem para essa observação. Talvez o principal deles seja o desenvolvimento de déficits significativos de proteína e energia durante as primeiras semanas de vida, o que é difícil de ser revertido.10 Adicionalmente, esses déficits aumentam conforme a idade gestacional diminui. As práticas nutricionais comuns durante os últimos 20 anos, como a ingestão média de calorias e proteína, também parecem estar correlacionadas com o crescimento.11 - 13 Outros fatores associados de forma independente à RCEU incluíram: restrição do crescimento intrauterino; RCIU ou pequeno para a idade gestacional (PIG); sexo masculino; necessidade de ventilação mecânica no primeiro dia de vida e necessidade prolongada de suporte respiratório; e tempo de internação e desenvolvimento de morbidades neonatais, como displasia broncopulmonar (DBP), enterocolite necrosante (ECN) e sepse tardia.6 , 9 , 13

Durante os últimos 10-15 anos, os esforços na tentativa de desenvolver orientações padronizadas de alimentação começaram a mostrar algum sucesso a respeito da redução da incidência da RCEU. Essas orientações fornecem uma assistência nutricional intensa por meio da combinação de nutrição parenteral e enteral precoces, seguida da redução progressiva da nutrição parenteral, já que os volumes da nutrição enteral aumentam de forma constante para nutrição enteral total.14 - 16 Em comparação aos controles históricos, os benefícios dessa abordagem incluíram uma recuperação prematura do peso ao nascer, realização precoce da nutrição enteral plena, redução na duração da nutrição parental (NP) e melhoria da antropometria na IPM ou alta de 36 semanas.14 , 17 Adicionalmente, as orientações padronizadas de alimentação têm sido associadas a um menor nível de ECN e sepse tardia,15 , 18 ambos associados à RCEU.

Os objetivos do trabalho de Lima et al., nesta edição do Jornal de Pediatria,19 foram determinar a frequência da RCEU em neonatos com muito baixo peso ao nascer (MBPN, < 1500 g PN), atendidos em quatro centros neonatais no Rio de Janeiro, e avaliar a influência de variáveis perinatais selecionadas, práticas clínicas e morbidades neonatais sobre a incidência da RCEU. As curvas de crescimento de Fenton20 , 21 foram utilizadas para identificar os neonatos adequados para a idade gestacional (AIG) e PIG; neonatos AIG apresentaram um PN com escore z > -1,29 (10º percentil) para a IG, e os neonatos PIG apresentaram um PN com escore z < -1,29 (10º percentil) para a IG. Para suas análises, a RCIU e a RCEU foram definidas pelo peso ou perímetro cefálico (PC), com escores z < -2 para a IG correlacionada no nascimento para a RCIU e na alta hospitalar para a RCEU, e a RCEU foi utilizada como a variável de resultado principal. As análises univariada e de regressão logística foram utilizadas para identificar variáveis que foram associadas a peso com escores z < -2 e perímetro cefálico com escores z < -2 no momento da alta hospitalar.

Em geral, dos 570 neonatos com MBPN incluídos na população estudada, 49% eram homens e 33% eram PIG ao nascer. Na alta hospitalar, 26% apresentaram RCEU a respeito do peso, e 5% do PC. Contudo, 54,2% dos neonatos PIG apresentaram RCEU no momento da alta a respeito do peso, e 7,4% a respeito do PC, ao passo que apenas 12,3% dos neonatos AIG apresentaram RCEU no momento da alta a respeito do peso, e 4% do PC. Em comparação, definindo RCEU como medidas antropométricas < 10º percentil, Clark et al.9 relataram uma incidência de RCEU de 28% para peso, e 16% para PC em neonatos com IG entre 23-34 semanas. Shan et al.13 relataram uma incidência de 56,8% para peso em neonatos com IG com < 37 semanas, e Stoll et al.7 relataram uma incidência de 79% para peso em neonatos com IG entre 22 a 28 semanas. Deve-se destacar que a utilização de diferentes curvas de crescimento intrauterino por esses investigadores contribuiu para a variabilidade na incidência da RCEU.

Análises univariadas demonstraram que hipertensão materna, sexo masculino, PIG ao nascer, síndrome do desconforto respiratório (SDR) e tempo de internação foram associados significativamente ao escore z do peso na alta hospitalar. A respeito do escore z do PC na alta hospitalar, análises univariadas identificaram associações significativas à ventilação mecânica, uso de oxigênio à 36ª semana, persistência do canal arterial [PCA] e tempo de internação.

Análises de regressão logística foram realizadas utilizando o escore z < -2 para peso e escore z < -2 para PC, correlacionados à IG no momento da alta hospitalar como resultados. Tempo de internação, SDR, PCA e PIG ao nascer continuaram no modelo final de peso, ao passo que tempo de internação, uso de oxigênio à 36ª semana e PIG ao nascer continuaram no modelo final de PC.

Portanto, as variáveis perinatais, práticas clínicas e morbidades neonatais identificadas por Lima et al.19 como contribuintes para o desenvolvimento da RCEU são semelhantes às identificadas por outros investigadores.6 , 9 , 13 Deve-se considerar, então, que, caso tentemos reduzir a incidência e gravidade da RCEU, precisamos saber se ou como a influência dessas variáveis identificadas e contribuintes podem ser reduzidas ou aliviadas. Infelizmente, hipertensão materna, sexo masculino e PIG ao nascer não podem ser modificados. Contudo, vários desses fatores são modificáveis. Por exemplo, a utilização de corticosteroides pré-natais para estimular a maturação pulmonar reduzirá a incidência e gravidade da SDR. Portanto, deve reduzir a necessidade de ventilação mecânica no primeiro dia de vida e pode contribuir para uma redução na duração total da ventilação mecânica. A administração de corticosteroides pré-natais também facilita o tratamento da PCA. A implementação de orientações padronizadas de alimentação que forneçam assistência nutricional parental e enteral precoce intensa tem mostrado redução na incidência da RCEU, melhorando o crescimento, atingindo etapas nutricionais precoces, reduzindo a incidência de DBP, ECN e infeção tardia, mediando a gravidade de doenças graves e reduzindo o tempo de internação.13 - 18 Portanto, embora a RCEU possa ser inevitável para alguns PEs, os fatores que contribuem para seu desenvolvimento estão certamente livres para serem atacados.

Para melhorar os resultados, como redução na incidência de RCEU, é importante entender as variáveis que contribuem para os resultados locais. Lima et al. devem ser elogiados por realizarem tal estudo.19 Apesar da utilização de corticosteroides pré-natal ter sido uma das variáveis perinatais coletadas neste estudo, não foi encontrada diferença significativa em sua utilização em nenhuma das análises univariadas ou de regressão logística, talvez devido ao seu vasto uso pelos colegas obstetras. Adicionalmente, indicando que as práticas nutricionais foram "padronizadas em protocolos clínicos com níveis iguais de adesão" nas quatro unidades neonatais estudadas, sugere-se que eles já estão cientes da importância das assistências nutricionais parental e enteral precoces e combinadas na redução da incidência de RCEU.

REFERÊNCIAS

1. American Academy of Pediatrics. Committee on Nutrition. Nutritional needs of low-birth-weight infants. Pediatrics. 1977; 60:519-30.
2. American Academy of Pediatrics. Committee on Nutrition. Nutritional needs of the preterm infant. In: Kleinman RE, ed. Pediatric Nutrition handbook. 6th ed. Elk Grove Village, Illinois: American Academy of Pediatrics; 2009. p. 79-112.
3. Nutrient needs and feeding of premature infants. Nutrition Committee, Canadian Paediatric Society. CMAJ. 1995; 152:1765-85.
4. Agostoni C, Buonocore G, Carnielli VP, De Curtis M, Darmaun D, Decsi T, et al. Enteral nutrient supply for preterm infants: commentary from the European Society of Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2010;50:85-91.
5. Koletzko B, Goulet O, Hunt J, Krohn K, Shamir R, et al., Parenteral Nutrition Guidelines Working Group. Guidelines on paediatric parenteral nutrition of the European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) and the European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), Supported by the European Society of Paediatric Research (ESPR). J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005;41:S1-87.
6. Ehrenkranz RA, Younes N, Lemons JA, Fanaroff AA, Donovan EF, Wright LL, et al. Longitudinal growth of hospitalized very low birth weight infants. Pediatrics. 1999;104:280-9.
7. Stoll BJ, Hansen NI, Bell EF, Shankaran S, Laptook AR, Walsh MC, et al. Neonatal outcomes of extremely preterm infants from the NICHD Neonatal Research Network. Pediatrics. 2010;126:443-56.
8. Cole TJ, Statnikov Y, Santhakumaran S, Pan H, Modi N, on behalf of the Neonatal Data Analysis Unit and the Preterm Growth Investigator Group. Birth weight and longitudinal growth in infants born below 32 weeks' gestation: a UK population study. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2013.
9. Clark RH, Thomas P, Peabody J. Extrauterine growth restriction remains a serious problem in prematurely-born neonates. Pediatrics. 2003;111:986-90.
10. Embleton NE, Pang N, Cooke RJ. Postnatal malnutrition and growth retardation: an inevitable consequence of current recommendations in preterm infants? Pediatrics. 2001;107:270-3.
11. Olsen IE, Richardson DK, Schmid CH, Ausman LM, Dwyer JT. Intersite differences in weight growth velocity of extremely premature infants. Pediatrics. 2002;110:1125-32.
12. Bloom BT, Mulligan J, Arnold C, Ellis S, Moffitt S, Rivera A, et al. Improving growth of very low birth weight infants in the first 28 days. Pediatrics. 2003;112:8-14.
13. Shan HM, Cai W, Cao Y, Fang BH, Feng Y. Extrauterine growth retardation in premature infants in Shanghai: a multicenter retrospective review. Eur J Pediatr. 2009;168:1055-9.
14. Ehrenkranz RA. Early aggressive nutritional management for very low birth weight infants: what is the evidence? Semin Perinatol. 2007;31:48-55.
15. McCallie KR, Lee HC, Mayer O, Cohen RS, Hintz SR, Rhine WD. Improved outcomes with a standardized feeding protocol for very low birth weight infants. J Perinatol. 2011;31:S61-7.
16. Ehrenkranz RA. Periviable Birth Workshop: obstetrical & neonatal considerations. Ongoing NICU issues: nutrition, prevention of bronchopulmonary dysplasia & nosocomial infection. Semin Perinatol. 2013: in press.
17. Dinerstein A, Nieto RM, Solana CL, Perez GP, Otheguy LE, Larguia AM. Early and aggressive nutritional strategy (parenteral and enteral) decreases postnatal growth failure in very low birth weight infants. J Perinatol. 2006;26:436-42.
18. Patole SK, de Klerk N. Impact of standardised feeding regimens on incidence of neonatal necrotising enterocolitis: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2005;90:F147-51.
19. Lima PA, de Carvalho M, da Costa AC, Moreira ME. Variables associated with extrauterine growth restriction in very low birth weight infants. J Pediatr (Rio J). 2014;90:22-7.
20. Fenton TR. A new growth chart for preterm babies: Babson and Benda's chart updated with recent data and a new format. BMC Pediatr. 2003;3:13.
21. Fenton TR, Sauve RS. Using the LMS method to calculate zscores for the Fenton preterm infant growth chart. Eur J Clin Nutr. 2007;61:1380-5.