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Resultados cirúrgicos iniciais de 500 Paratireoidectomias por Hiperparatireoidismo relacionado a distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica

Resultados cirúrgicos iniciais de 500 Paratireoidectomias por Hiperparatireoidismo relacionado a distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica

Autores:

Murilo Catafesta das Neves,
Lillian Andrade da Rocha,
Onivaldo Cervantes,
Rodrigo Oliveira Santos

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.40 no.4 São Paulo out./dez. 2018 Epub 18-Jun-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-3924

INTRODUÇÃO

O hiperparatireoidismo relacionado à doença renal crônica (DRC) é uma complicação clínica comum que geralmente se manifesta com dor óssea e muscular, aumento da incidência de fraturas e deformidades ósseas e calcificações vasculares e de tecidos moles. A patologia também está associada a desfechos desfavoráveis e aumento das taxas de mortalidade.1-2 Pacientes com DRC podem apresentar distúrbio mineral e ósseo (DMO-DRC), condição importante na fisiopatologia dessas complicações reconhecidamente um problema de impacto mundial.3

A paratireoidectomia é o tratamento cirúrgico de escolha para pacientes com hiperparatireoidismo relacionado a DMO-DRC. A necessidade da cirurgia aumenta com a duração da DRC.1-2 Ao longo dos anos o método cirúrgico incorporou técnicas adjuvantes que hoje são consideradas componentes importantes do procedimento. Criopreservação, monitorização neurofisiológica intraoperatória (MNIO), dosagem do paratormônio (PTH) durante a cirurgia (PTH intraoperatório) e imagens pré-operatórias com sestamibi são exemplos de técnicas amplamente utilizadas no tratamento do hiperparatireoidismo secundário (HPTS).4

Pacientes com DMO-DRC em países em desenvolvimento muitas vezes sofrem com acesso limitado a medicamentos (principalmente calcimiméticos) e cirurgia. Em 2011, a Sociedade Brasileira de Nefrologia realizou uma pesquisa nacional que identificou a gravidade do HPTS no Brasil.5 A pesquisa estimou que o país tinha cerca de 9.800 pacientes que necessitavam de paratireoidectomia. Contudo, menos de 500 cirurgias são realizadas anualmente, impondo um atraso de 20 anos no tratamento desses pacientes.

Esta situação crítica deve-se principalmente ao pequeno número de centros especializados no tratamento clínico e cirúrgico de pacientes com hiperparatireoidismo e DMO-DRC. No tocante à segurança da cirurgia, muitos centros utilizam o argumento da falta de tecnologias adjuvantes para justificar a não realização da cirurgia.6

O presente estudo relata nossa experiência com paratireoidectomia no tratamento de pacientes com hiperparatireoidismo relacionado a DMO-DRC em um hospital terciário e verifica a eficácia do procedimento realizado sem o auxílio de técnicas adjuvantes.

MÉTODOS

Após a aprovação do Comitê de Ética da instituição, os dados de todos os pacientes submetidos a cirurgia de hiperparatireoidismo relacionado a DMO-DRC entre dezembro de 2010 e dezembro de 2016 no Hospital de Transplantes Euryclides de Jesus Zerbini foram revisados retrospectivamente. O estudo incluiu pacientes com HPTS em diálise e pacientes com hiperparatireoidismo terciário (HPTT) após transplante renal (TxR).

Por se tratar de um hospital terciário, os pacientes são encaminhados à nossa instituição exclusivamente para tratar o hiperparatireoidismo. Todos os pacientes incluídos no estudo foram avaliados pelo mesmo grupo de nefrologistas especializados no tratamento de DMO-DRC, que definiu o tratamento clínico para toda a coorte. Paratireoidectomia foi realizada apenas em casos de falha do tratamento clínico. Após o tratamento, os pacientes retornaram aos seus respectivos centros de diálise.

Os pacientes com HPTS foram operados de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia. A diretriz recomenda cirurgia para pacientes com níveis séricos de PTH mantidos persistentemente acima de 800 pg/mL nas seguintes circunstâncias: (a) hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia refratária ao tratamento clínico; (b) calcificações ectópicas (tecidos moles e/ou cardiovasculares) ou arteriolopatia urêmica calcificante; e (c) doença óssea progressiva.7

A indicação de cirurgia para tratar HPTT foi baseada na ocorrência de hipercalcemia grave (cálcio ionizado > 1,80 mmol/dL) em qualquer tempo após TxR, hipercalcemia persistente por mais de 12 meses após TxR, cálculo renal e/ou nefrocalcinose em enxerto renal ou deterioração da função do enxerto associada a hiperparatireoidismo em qualquer tempo após TxR.8

Caso o paciente apresentasse alguma dessas indicações e concordasse em se submeter à cirurgia, a paratireoidectomia era realizada. Os seguintes dados foram coletados para análise posterior: sexo, idade, diálise e duração do TxR, exames laboratoriais incluindo cálcio ionizado, fósforo, creatinina, PTH intacto, fosfatase alcalina e vitamina D, resultados de imagens com sestamibi e achados ultrassonográficos.

Todos os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião (MCN). O procedimento de escolha na maioria dos casos foi a paratireoidectomia total com transplante autólogo intramuscular de tecido paratireoideo na região pré-esternal, seguindo técnica relatada em estudo anterior.4 A paratireoidectomia subtotal com remoção de três glândulas e preservação de uma glândula inteira só pôde ser realizada em alguns pacientes selecionados. Nesses casos, o transplante autólogo de paratireoide não foi realizado. Quando menos de quatro glândulas paratireoides foram identificadas, foi feita opção pela realização de timectomia cervical e tireoidectomia no mesmo lado da glândula não identificada. Os dados relacionados aos achados cirúrgicos foram coletados, incluindo o número, tamanho e localização das glândulas paratireoides.

Falha cirúrgica foi definida quando menos de quatro glândulas paratireoides foram localizadas durante a cirurgia ou quando o hiperparatireoidismo persistiu apesar da remoção de quatro glândulas paratireoides. Doença persistente foi definida como presença de PTH elevado e hipercalcemia até 6 meses após a cirurgia.

Apesar de ser um hospital terciário, os procedimentos foram realizados em nossa instituição com poucas técnicas adjuvantes. Exame de congelação, MNIO e sonda gama intraoperatória não foram utilizados em nenhuma cirurgia. Amostras intraoperatórias de PTH foram coletadas na maioria dos procedimentos, mas devido à rotina técnica do laboratório, os resultados só eram disponibilizados no dia seguinte. Portanto, os resultados intraoperatórios de PTH não influenciaram o procedimento cirúrgico.

Criopreservação da paratireoide foi realizada rotineiramente até junho de 2016. À época, seguimos uma recomendação da Disciplina de Nefrologia e cessamos a criopreservação da paratireoide, devido ao alto custo do procedimento e à pouca utilidade do tecido criopreservado.

As complicações pós-operatórias foram registradas, em especial a ocorrência de hematoma cervical e paralisia das pregas vocais. Os pacientes foram seguidos por um mínimo de seis meses e os dados referentes aos exames laboratoriais durante esse período foram coletados.

A aprovação do Comitê de Ética institucional foi obtida na Plataforma Brasil sob o protocolo CAAE 30650514.4.0000.5505.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Foi utilizado o Excel 2016 para a realização das análises estatísticas, complementado pelo Real Statistics Resource Pack for Excel. As variáveis numéricas foram descritas como média e desvio padrão calculadas com o teste t de Student, além de análise de variância (ANOVA) para verificar as diferenças entre os grupos. As variáveis categóricas foram descritas em números absolutos e porcentagens. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos.

RESULTADOS

Durante os seis anos do estudo, 518 pacientes com hiperparatireoidismo relacionados a DMO-DRC foram tratados cirurgicamente em nossa instituição e apresentaram dados suficientes para análise. No total, 128 pacientes tinham HPTS e 390 HPTT. O número de homens e mulheres foi de 287 e 231, respectivamente, e a idade média dos pacientes no momento da cirurgia era 48,4 ± 10,9 anos.

A etiologia da DRC era desconhecida em 33,7% dos pacientes. A DRC era secundária a hipertensão, glomerulonefrite, doença renal policística e diabetes em 21,0%, 15,5%, 9,21% e 4,61% dos pacientes, respectivamente. A Tabela 1 apresenta características demográficas adicionais, juntamente com os dados dos exames laboratoriais realizados antes da cirurgia.

Tabela 1 Características demográficas pré-operatórias dos pacientes nos dois grupos. Os dados são apresentados como média ± desvio padrão (intervalo) 

HPTS HPTT
Número total de pacientes 128 390
Tempo em hemodiálise (meses) 102 ± 49,6 (8 - 292) 72,3 ± 43,2 (0 - 256)
Tempo após TxR (meses) 55 ± 47,3 (6 - 168) 44,6 ± 38,9 (1 - 221)
Valores médios dos exames laboratoriais
PTH (pg/dL) 1650 ± 717 (372 - 4781) 342 ± 383 (71 - 3229)
Cálcio ionizado (mmol/dL) 1,29 ± 0,13 (0,93 - 1,61) 1,48 ± 0,13 (0,93 - 2,00)
Creatinina (mg/dL) 1,47 ± 0,59 (0,60 - 5,05)
25-hidroxivitamina D (ng/mL) 25,1 ± 9,13 (10,5 - 41) 22,3 ± 13,3 (7 - 132,8)
Fósforo (mg/dL) 5,8 ± 1,48 (2,1 - 12) 2,86 ± 0,93 (1,2 - 11,5)
Fosfatase alcalina (U/L) 637,4 ± 489,1 (66 - 2630) 126,3 ± 135,2 (1,2 - 1069)

Abreviaturas: HPTS - hiperparatireoidismo secundário; HPTT - hiperparatireoidismo terciário; TxR - transplante renal; PTH - paratormônio. Valores de referência: PTH 15-68,3 pg/dL; cálcio ionizado 1,00-1,35 mmol/dL, creatinina 0,72-1,25 mg/dL (homens) e 0,57-1,11 mg/dL (mulheres); 25-hidroxivitamina D > 30 ng/mL; fósforo 2,3-4,7 mg/dL; fosfatase alcalina 40-150 U/L.

Dezessete pacientes do grupo com HPTS (13,3%) foram submetidos a TxR, mas perderam a função do enxerto renal antes da paratireoidectomia (Tabela 1). Todos os pacientes do grupo com HPTS estavam em hemodiálise no momento da cirurgia. Nenhum dos pacientes estava em diálise peritoneal.

No tocante aos exames pré-operatórios de localização, no grupo com HPTS ultrassonografia e imagens com sestamibi não foram realizadas em cinco (3,9%) e sete (5,5%) pacientes, respectivamente, e em 21 (5,4%) e 37 (9,5%) pacientes do grupo com HPTT, respectivamente. Nos pacientes avaliados por exame pré-operatório de localização, o número de glândulas paratireoides corretamente identificadas por exame é mostrado na Tabela 2.

Tabela 2 Número de glândulas paratireoides corretamente identificadas pelos exames pré operatórios de localização em cada grupo 

Número de glândulas paratireoides identificadas na ultrassonografia HPTS HPTT
0 42 (34,1%) 74 (20,1%)
1 25 (20,3%) 136 (36,9%)
2 25 (20,3%) 100 (27,1%)
3 12 (9,8%) 37 (10,0%)
4 19 (15,4%) 22 (6,0%)
Número de glândulas paratireoides identificadas nas imagens com sestamibi
0 13 (10,7%) 98 (27,8%)
1 32 (26,4%) 132 (37,4%)
2 49 (40,6%) 83 (23,5%)
3 16 (13,2%) 24 (6,8%)
4 11 (9,1%) 16 (4,5%)

Os dados são apresentados como números absolutos e porcentagens. Abreviaturas: HPTS - hiperparatireoidismo secundário; HPTT - hiperparatireoidismo terciário.

Das 512 paratireoides identificadas em 128 pacientes do grupo com HPTS, 504 (98,4%) foram localizados durante a cirurgia. Quanto às 1.560 paratireoides dos 390 pacientes no grupo com HPTT, 1.524 (97,7%) foram localizados durante a cirurgia. Apenas 12 (2,3%) pacientes apresentavam paratireoide supranumerária. Nenhum dos exames de localização identificou ou sugeriu a presença de uma quinta paratireoide.

As paratireoides superiores tiveram localização retroesofágica em 8,3% dos casos, enquanto as inferiores estavam localizadas na lingueta tímica em 8,2% dos casos. Paratireoides ectópicas no mediastino foram identificadas em 1,5% de todas as glândulas inferiores, enquanto as intratireoideas e não descidas ocorreram em 0,8% e 0,3% de todas as glândulas, respectivamente.

Entre todos os tecidos removidos durante a cirurgia, apenas cinco não foram confirmados como paratireoide no relatório patológico final, dos quais quatro eram nódulos tireoidianos e um linfonodo. A Tabela 3 descreve o tipo de cirurgia realizada em cada grupo.

Tabela 3 Tipo de cirurgia realizada em cada grupo e número de falhas cirúrgicas. PTX - paratireoidectomia; HPTS - hiperparatireoidismo secundário; HPTT - hiperparatireoidismo terciário 

Procedimento cirúrgico inicial HPTS HPTT
Total PTX 120 302
Subtotal PTX 3 61
Falha 5 27
Dias de internação 7,1 (3 - 17) 3,8 (2 - 17)

Nota: o número de procedimentos cirúrgicos é apresentado em valores absolutos e os dias de internação em valores médios e intervalo (mínimo e máximo).

Das 32 falhas cirúrgicas, em apenas um caso todas as quatro glândulas foram removidas, com declínio intraoperatório do PTH de 86%. Menos de quatro glândulas foram removidas nas demais cirurgias. Em nove (28%) o PTH intraoperatório diminuiu em mais de 80%; em quatro (12,5%) caiu entre 70-79%; em 14 (43,7%) o decaimento foi inferior a 70%; e em cinco (15,6%) o PTH intraoperatório não foi medido. Apenas sete (21,8%) dos 32 pacientes iniciais necessitaram de uma segunda cirurgia em nossa instituição. Vinte e cinco ainda estavam sendo seguidos de perto ao final do presente estudo.

Entre os pacientes que foram submetidos a paratireoidectomia total com transplante autólogo de paratireoide, a redução média do PTH intraoperatório foi de 85,1 e 82,3% nos grupos com HPTS e HPTT, respectivamente.

Dos 10 (1,9%) pacientes que evoluíram com hematoma cervical, cinco precisaram de drenagem cirúrgica de urgência. Os outros cinco foram tratados clinicamente. Drenos cirúrgicos não foram utilizados em nenhum dos procedimentos. Oito (1,5%) pacientes evoluíram com paralisia unilateral de prega vocal (três transitórias e cinco definitivas). Não houve nenhum caso paralisia bilateral das pregas vocais. Um paciente apresentou hematoma e paralisia de prega vocal, necessitando de drenagem cirúrgica e traqueostomia. Dois (0,4%) óbitos foram relacionados diretamente à cirurgia: um em decorrência de sepse de origem pulmonar ocorrida durante a internação após paratireoidectomia e outro em paciente que sofreu morte súbita um mês após a paratireoidectomia.

Tecido paratireoideo criopreservado foi utilizado em 39 (7,3%) pacientes. O valor médio de PTH nesses pacientes após seis meses de seguimento foi de 22,6 pg/dL (1,6-68,0 pg/dL). Apenas um paciente apresentou alguma melhora após retransplante durante o seguimento. Houve duas recidivas dependentes do enxerto durante o seguimento. Ambas ocorreram no grupo com HPTS e foram tratadas com remoção parcial do enxerto.

DISCUSSÃO

De forma geral, a paratireoidectomia é um procedimento cirúrgico seguro. A cirurgia tipicamente apresenta uma taxa de complicações baixa e está associada a melhora clínica e diminuição da mortalidade em pacientes com hiperparatireoidismo.1-2 Apesar da redução no número de procedimentos cirúrgicos em todo o mundo, ocorrida principalmente após a introdução dos calcimiméticos na última década,9-10 a cirurgia ainda desempenha um papel muito importante no manejo do DMO-DRC. Tal observação é provavelmente mais válida em países de baixa renda e em desenvolvimento, em que pacientes com DRC geralmente têm acesso limitado ao sistema de saúde e recorrem à cirurgia como principal opção de tratamento.5,11

Nosso estudo demonstrou que, mesmo com recursos técnicos limitados, a paratireoidectomia pode ser realizada com elevadas taxas de sucesso. Nosso sucesso cirúrgico inicial de 94%. Dado que apenas sete pacientes necessitaram de uma segunda cirurgia, o sucesso total foi de 98,6%. Em uma grande casuística com 1.053 pacientes, Tominaga et al.12 relataram uma taxa de persistência de hiperparatireoidismo de 1,4% após paratireoidectomia inicial, em que os pacientes necessitaram de uma segunda cirurgia. Em publicação mais recente, os mesmos autores relataram taxa de persistência de 1,85% em mais de 8.000 pacientes.9

O sucesso cirúrgico está diretamente associado à identificação meticulosa de todas as glândulas paratireoides. Glândulas supranumerárias, paratireoides ectópicas ou má interpretação de outras estruturas como glândulas paratireoides (nódulos ou gânglios linfáticos) são as principais causas de falha cirúrgica.

Relatos indicam variação na incidência de glândulas paratireoides supranumerárias entre 2,5% e 30%.13-17 Essa ampla diferença se deve à retirada rotineira do timo cervical, preconizada por alguns autores, e à identificação de remanescentes celulares microscópicos de paratireoide, que podem ocorrer em até 45% dos pacientes.14,17-18

Não realizamos timectomia cervical bilateral rotineiramente e, por esse motivo, nossa taxa de glândulas supranumerárias foi de apenas 2,3%. Contudo, não encontramos níveis mais elevados de recidiva em comparação a autores que realizam a timectomia rotineiramente, como mostrado em publicação anterior.19

A localização ectópica das paratireoides é uma grande preocupação na paratireoidectomia e figura como o principal motivo para a realização de imagens pré-operatórias. Contudo, o papel das imagens pré-operatórias na melhoria dos resultados cirúrgicos e a decisão sobre sua realização de rotina antes de cada cirurgia ainda suscita polêmica, uma vez que exploração cervical bilateral e a identificação de todas as glândulas paratireoides representam o padrão ouro no tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo relacionado ao DMO-DRC.20-21

Em nossa casuística, ultrassonografia e imagens com sestamibi foram realizadas em vários centros diferentes em todo o país, dificultando qualquer análise estatística. Esse é provavelmente o motivo pelo qual poucos exames de localização por imagem conseguiram identificar todas as quatro glândulas. Exames realizados em centros especializados geram melhores resultados. Uma meta-análise recente com 471 pacientes com DMO-DRC, demonstrou que imagens com sestamibi apresentavam sensibilidade de 58% na detecção de glândulas hiperplásicas,21 enquanto outros autores relataram sensibilidades agregadas de ultrassonografia com imagens com sestamibi variando entre 73% e 93%.20

Apesar da heterogeneidade dos exames e da baixa qualidade das imagens, a maioria das glândulas paratireoides foram localizadas na cirurgia: 98,4% e 97,7% das glândulas dos grupos com HPTS e HPTT foram respectivamente identificadas. As taxas de localização observadas em nosso estudo foram semelhantes às relatadas por outros autores.12

Por outro lado, o número de glândulas ectópicas foi muito menor do que o valor comumente relatado na literatura.9,12,22 Provavelmente essa discrepância reflete diferenças de classificação. No entanto, não restam dúvidas de que as glândulas ectópicas inferiores estão geralmente posicionadas mais abaixo no timo, enquanto as glândulas ectópicas superiores estão localizadas posteriormente, próximas ou atrás do esôfago.

Sítios ectópicos menos comuns também podem ocorrer e geralmente representam um enorme desafio para o tratamento cirúrgico. Em nossa casuística, encontramos 1,5% de glândulas ectópicas mediastinais, 0,8% de intratireoideas e 0,3% de ectópicas altas não descidas. Apenas algumas dessas glândulas tiveram sua localização ectópica sugerida pelos exames de localização antes da primeira cirurgia.

Consideramos que os exames de rotina de localização pré-operatória não apresentam bom custo-benefício na primeira cirurgia para tratar o hiperparatireoidismo relacionado ao DMO-DRC, uma vez que raramente melhoram o desfecho cirúrgico. Não obstante, esses exames devem ser sempre realizados após recidiva ou um primeiro tratamento cirúrgico malsucedido.

A identificação equivocada da paratireoide como sendo outro tipo de tecido é uma complicação raramente relatada, já que poucos centros têm patologistas disponíveis para realizar o exame de congelação intraoperatório.23 Embora nossas cirurgias sejam realizadas em um hospital terciário, o exame de congelação leva muito tempo, o que dificulta sua execução regular. Mesmo assim, tivemos apenas cinco estruturas inicialmente consideradas como glândulas paratireoides que foram identificadas como tecido diferente. Contudo, recomendamos a confirmação de todos os tecidos removidos da paratireoide por exame de congelação sempre que for possível, especialmente em centros menores.

Criopreservação foi realizada rotineiramente até junho de 2016. Uma vez que evidências na literatura mostraram que a viabilidade das células criopreservadas diminui com o passar do tempo,18 adotamos a política de retransplantar todos os pacientes com hipocalcemia sustentada depois de seis meses ou mais da cirurgia. Durante esse período, realizamos 39 retransplantes de tecido paratireoideo criopreservado (7,5% dos pacientes). A análise dos dados revelou que apenas um paciente apresentou melhora clínica significativa (dados não publicados).

Apesar das questões legais e éticas, a criopreservação em nosso meio tem enfrentado enormes desafios logísticos e financeiros. Além disso, em função da pequena demanda por este procedimento e seu limitado sucesso, optamos por interromper a utilização de rotina da criopreservação.

O papel do PTH intraoperatório na cirurgia por HPTS e HPTT não é tão importante quanto no hiperparatireoidismo primário.24 A medida intraoperatória de PTH pode indicar se todo o tecido hiperfuncionante foi removido no momento cirurgia, especialmente quando a diminuição chega a níveis superiores a 80%,25 eliminando a persistência da doença. A medida pode ainda ajudar a identificar pacientes com glândulas ectópicas ou supranumerárias ou definir a remoção de menos de quatro glândulas.18 Em última análise, ela pode ser útil na decisão intraoperatória para realizar ou não o transplante autólogo. No entanto, a medida intraoperatória do PTH não consegue cumprir sua função mais importante, ou seja, a predição a longo prazo tanto do hipoparatireoidismo quanto da recidiva do hiperparatireoidismo.18,24

Das 518 cirurgias realizadas durante o período do estudo, a medida intraoperatória do PTH teria evitado cinco (1%) das sete reoperações, exatamente os cinco casos em que outro tecido foi confundido com glândula paratireoide. Os casos restantes deveram-se à localização de menos de quatro glândulas. Além disso, a medida intraoperatória do PTH teria evitado o a exploração cervical estendida estendido em 13 (2,5%) pacientes com menos de quatro glândulas localizadas que apresentavam redução acima de 70% seguidos até o final do estudo.

As taxas de complicações em nosso estudo foram comparáveis às da literatura. Relatos de hematoma cervical, ocorrido em 1,9% dos nossos casos, giram entre 0,5% a 4,0% dos casos.9,12,26 Lesão permanente do nervo laríngeo recorrente apresentou taxa semelhante à relatada na literatura (em torno de 1%).9,12,26 Apenas dois casos (0,4%) de mortalidade relacionada à cirurgia ocorreram em nosso estudo, refletindo percentual situado dentro do intervalo de 0,4% a 3,0% descrito na literatura.9,18

CONCLUSÃO

Mesmo com a introdução de novos medicamentos para o manejo do hiperparatireoidismo relacionado ao DMO-DRC, a cirurgia continua a ser o último recurso para um número considerável de pacientes. Como o presente estudo demonstrou, mesmo na ausência de técnicas adjuvantes cirúrgicas a paratireoidectomia pôde ser realizada de maneira segura, com altas taxas de sucesso cirúrgico e baixa incidência de complicações.

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