versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.15 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2016 Epub 22-Mar-2016
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.008415
O tratamento endovascular de aneurismas de aorta abdominal (Endovascular Abdominal Aortic Aneurysm Repair - EVAR) é atualmente aceito como opção terapêutica em pacientes com anatomia favorável1-3. Todavia, a necessidade de um seguimento rígido, utilizando exames de imagem onerosos e reintervenções, predominantemente relacionados à ocorrência de endoleaks, continuam a limitar a sua relação custo-efetividade1,3.
Endoleaks são a principal complicação relacionada aos EVARs, sendo relatados em até 40% dos procedimentos inicialmente bem-sucedidos4. Podem ser classificados de acordo com o seu mecanismo de origem em: tipo I, causado por separação mecânica dos componentes da prótese com o vaso nativo; tipo II, gerado pela persistência da perfusão do saco aneurismático por artérias lombares patentes ou ramos inferiores da artéria mesentérica inferior (AMI), podendo envolver diversos padrões de fluxo; tipo III, causado por migração ou desintegração de um dos componentes da endoprótese; e tipo IV, relacionado à porosidade da parede do enxerto4. Os endoleaks tipo II representam o tipo mais frequente, com uma incidência de 10 a 25%, em 3 meses de seguimento após o EVAR5-7.
Enquanto muitos estudos demonstram um risco significativo de ruptura associado aos endoleaks tipo I e III e recomendam seu tratamento sistemático, o manejo de pacientes com endoleaks tipo II permanece controverso. A maioria dos autores sugere apenas acompanhamento na ausência de alargamento do aneurisma. Contudo, na presença de crescimento ou persistência do saco aneurismático, procedimentos como embolização translombar ou endovascular ou ainda ligadura cirúrgica geralmente estão indicados8-10.
A efetividade dos procedimentos varia de acordo com as técnicas e materiais utilizados, o que torna difícil estabelecer um consenso sobre qual é a melhor opção de tratamento para endoleaks tipo II11. Dessa maneira, o objetivo deste estudo foi avaliar a existência de algum preditor de sucesso no tratamento de endoleaks tipo II em relação à via de acesso cirúrgica e aos materiais utilizados para embolização, ao tipo de reparo originalmente utilizado para o tratamento do aneurisma e ao padrão de vascularização que nutria o endoleak.
Trata-se de um estudo retrospectivo que analisou prontuários datados entre 2003 e 2015, originados dos arquivos do Parkland Memorial Hospital, University of Texas Southwestern Hospital e VA Medical Center. Foram contabilizados 31 pacientes, em um total de 41 procedimentos de embolização de endoleak tipo II.
As indicações de intervenção foram endoleak tipo II persistente por mais de 6 meses ou expansão do saco aneurismático de mais de 5 mm. Os pacientes foram submetidos a embolização do saco aneurismático e/ou dos ramos que nutrem o endoleak com sistemas líquidos de embolização, como Onyx®18 e Onyx®34, coils, plugue vascular Amplatzer®, trombina ou uma combinação variável entre esses materiais. As embolizações foram realizadas por via translombar ou endovascular. Na via endovascular, o acesso foi obtido através da artéria femoral, sendo o endoleak acessado pela artéria ilíaca interna (AII) ou pela artéria mesentérica superior (AMS), dependendo da anatomia mais favorável em cada caso. Sucesso técnico foi definido como ausência de necessidade de reintervenção. O teste de qui-quadrado e o teste exato de Fisher foram utilizados para a análise estatística. O nível de significância estatística considerado foi de 95% (p & 0,05).
A idade média dos pacientes foi de 75 anos [intervalo interquartil (IQR) = 68-82 anos], dos quais 87,1% (27) eram homens e 12,9% (4) eram mulheres. Dos 31 pacientes, 16,1% (5) tiveram seus aneurismas de aorta abdominal (AAA) tratados pela implantação de prótese endovascular fenestrada (fenestrated endovascular aortic aneurysm repair - FEVAR) e 83,9% (26) através de EVARs. O tempo médio de seguimento entre a reparação dos AAAs e a intervenção para o tratamento dos endoleaks tipo II foi de 14 meses (IQR = 8,5-30,5 meses).
Após a primeira intervenção para tratamento de endoleak tipo II, 35,4% (11) dos pacientes necessitaram de uma reintervenção. No entanto, apenas 10 pacientes efetivamente foram submetidos a esse segundo procedimento, uma vez que um paciente foi a óbito por uma causa não relacionada. O tempo médio de seguimento entre a primeira embolização e a reintervenção foi de 5,5 meses (intervalo IQR, 4-37 meses). Dessas reintervenções, 20% (2) não atingiram total resolução do endoleak durante o procedimento. Nesta série, 12,9% (4) dos pacientes morreram por causas não relacionadas aos endoleaks tipo II e 6,4% (2) perderam o seguimento após a primeira intervenção do endoleak.
Dos 41 procedimentos realizados, 34,15% (14) foram conduzidos por acesso translombar, 63,41% (26) através da artéria femoral e 2,44% (1) por uma combinação de ambos os acessos. Em relação aos materiais emboligênicos adotados, o mais utilizado foi Onyx®18 de forma isolada em 36,59% (15). Os demais materiais empregados e suas respectivas combinações e frequências podem ser visualizados na Tabela 1.
Tabela 1 Materiais utilizados para embolização dos endoleaks tipo II.
Material Emboligênico | Porcentagem dos Pacientes |
---|---|
Onyx®18 | 36,59% (15) |
Onyx®34 e Coils | 17,07% (7) |
Onyx®34 | 14,63% (6) |
Onyx®18 e Coils | 9,76% (4) |
Onyx®18, Onyx®34 e Coils | 9,76% (4) |
Coils e trombina | 7,32% (3) |
Coils | 2,44% (1) |
Plugue vascular Amplatzer® | 2,44% (1) |
Quanto à análise estatística da taxa de sucesso da embolização do endoleak tipo II em relação a esses diferentes tipos de materiais, comparou-se os tipos de Onyx® 18 e 34 entre si, o uso desse material associado aos coils ou de maneira isolada e, ainda, a escolha por coils isolados com o uso de Onyx® de maneira isolada. Não houve qualquer diferença estatisticamente significativa nessa comparação.
Em relação à via de acesso utilizada para a correção do endoleak, a taxa de sucesso quando a via escolhida era translombar foi de 78,57% (11) comparada com 73,08% (19) quando o acesso era realizado através da artéria femoral. Contudo, essa não foi considerada uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,07), demonstrando que a via de acesso, nesse estudo, não foi um fator preditor de sucesso para o procedimento. Além disso, o tipo de reparo utilizado inicialmente para o tratamento do AAA (FEVAR ou EVAR) também não exerceu qualquer influência sobre o tratamento do endoleak.
O único fator preditor de sucesso encontrado foi a artéria que nutria o endoleak. A taxa de sucesso foi de 71,43% (10) quando as artérias lombares eram a fonte de suprimento, 80% (8) se a fonte era a AMI e 40% (2) se houvesse associação das artérias lombares com a AMI nutrindo o endoleak (p & 0,05) (Figura 1).
O objetivo do tratamento do AAA é excluí-lo do fluxo sanguíneo, impedindo seu crescimento e diminuindo seu risco de ruptura3. A ocorrência de leaks de sangue para dentro de um aneurisma já tratado, o que ocorre principalmente após sua correção endovascular, pode levar à persistência do risco de ruptura apesar da terapia realizada. Dessa maneira, existe a necessidade de acompanhamento regular dos pacientes tratados com EVAR como meio de detecção e tratamento desses potenciais endoleaks1-3.
Os endoleaks tipo II, que representam o subtipo mais frequente de endoleak, decorrem da manutenção da perviedade de ramos arteriais que emergem do aneurisma, podendo gerar uma perfusão retrógrada do mesmo e, em alguns casos, crescimento do saco aneurismático1,2. Isso pode ocorrer com apenas um ramo de nutrição; no entanto, a presença de vários ramos é comum. As origens anatômicas mais frequentes desse tipo de endoleak são as artérias lombares e a AMI1,2,4.
Até o presente momento, não existe uma abordagem universalmente aceita para o manejo de tais endoleaks. Um recente estudo multicêntrico, que incluiu 1.736 pacientes submetidos a EVAR, dos quais 474 desenvolveram endoleak tipo II, não encontrou aumento da taxa de mortalidade relacionada ao aneurisma pela presença de um endoleak tipo II, mesmo quando se comparou pacientes com endoleak e aumento do saco aneurismático que foram apenas acompanhados com pacientes que realizaram intervenção do leak12.
Hajibandeh et al., em sua metanálise, também afirmaram que a ruptura de um aneurisma devido a um endoleak tipo II isolado é raro. Entretanto, concluíram que mais estudos prospectivos de longo prazo são necessários para melhor avaliar o tema13.
Nos casos em que se opta por realizar a intervenção do endoleak tipo II, existem diferentes formas de fazê-lo. Alguns autores defendem a embolização dos vasos de nutrição do leak, já outros propõem a embolização do próprio saco aneurismático1,4. Com relação à via de acesso, as opções disponíveis são a embolização translombar, a embolização endovascular ou, ainda, a ligadura cirúrgica do vaso responsável. Além disso, diversos materiais estão disponíveis para selar o vaso que nutre o leak, tais como coil, Onyx®, Amplatzer®, trombina, dentre outros, os quais podem ser usados isoladamente ou em diferentes combinações (Figura 2)1,4.
A embolização percutânea transarterial é a intervenção mais utilizada na abordagem de endoleaks tipo II1,14. Geralmente, é realizada por acesso femoral, e o vaso responsável pelo endoleak pode ser acessado pela cateterização da AII ou da AMS1. Já a embolização translombar é uma forma de tratamento minimamente invasivo, com tempo de procedimento e utilização de meios de contraste limitados, apresentando-se como uma alternativa, particularmente quando o acesso transarterial não é possível (Figura 3)1,15.
Figura 3 Embolização de endoleak tipo II por via translombar. Cálculo da trajetória por tomografia computadorizada tridimensional em tempo real. A trajetória ideal da agulha é determinada pelo cirurgião vascular marcando o endoleak como alvo e tendo o cuidado de evitar estruturas anatômicas vitais.
Não existe consenso na literatura sobre qual dessas duas opções de acesso (transarterial ou translombar) apresenta maior taxa de sucesso. A maioria dos estudos demonstra resultados superiores da abordagem translombar, com menores taxas de recorrência e menos complicações1,2. Entretanto, como regra geral, o método translombar é utilizado como segunda linha de tratamento, após a falha da abordagem transarterial, criando um viés na análise dos resultados1. Por outro lado, Stavropoulos et al.16 encontraram, em seu estudo, resultados semelhantes na comparação entre essas duas abordagens, fato que também foi observado na casuística do presente estudo. Da mesma forma, analisando os diferentes materiais utilizados para embolização, não houve qualquer diferença estatisticamente significativa de superioridade entre os materiais, fato que também foi evidenciado por outros estudos na literatura14.
Algumas referências subdividem os endoleaks tipo II em: IIa ou simples, quando apenas um ramo patente nutre o leak, e tipo IIb ou complexo, quando dois ou mais ramos o nutrem15. Normalmente, os endoleaks tipo II simples são autolimitados, enquanto os endoleaks complexos podem persistir e causar aumento do saco aneurismático15.
No presente estudo, o único fator preditor de sucesso da embolização de endoleaks tipo II foi a artéria que nutria o endoleak, sendo a taxa de sucesso significativamente menor quando havia uma associação das artérias lombares com a AMI.
A terapia dos endoleaks tipo II se mantém desafiadora, apresentando necessidade de reintervenção em aproximadamente 36% dos casos. Não existe diferença estatisticamente significativa entre as técnicas realizadas e os materiais utilizados para o tratamento dessa condição. O único preditor de sucesso encontrado nesta casuística foi a artéria que nutre o endoleak. Ainda é necessária uma avaliação mais aprofundada do tratamento de endoleaks tipo II para definir a melhor forma e o melhor momento de repará-los.