versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.6 São Paulo dez. 2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160190
Desde 2009, quando a Sociedade Brasileira de Cardiologia divulgou as Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial1 foram publicados vários estudos importantes sobre o tema, particularmente com respeito aos Novos Anticoagulantes Orais (NACO). Pelo menos três desses medicamentos (dabigatrana, rivaroxabana e apixabana) encontram-se atualmente aprovados para uso clínico no Brasil.
Além do tratamento farmacológico, novos dados relacionados com o tratamento não farmacológico, notadamente a ablação com radiofrequência (RF), permitiram ampliar a indicação para o uso dessa modalidade terapêutica, tornando-se importante uma atualização da antiga diretriz.
Nas últimas duas décadas, a fibrilação atrial (FA) tornou-se um importante problema de saúde pública, com grande consumo de recursos em saúde. A FA é a arritmia sustentada mais frequente na prática clínica, e sua prevalência na população geral foi estimada entre 0,5 e 1%. Estudos mais recentes, entretanto, demonstram que a prevalência é quase o dobro da observada na década passada, variando de 1,9%, na Itália, a 2,9%, na Suécia, possivelmente associado ao aumento da idade.2 Entretanto, além do envelhecimento outros potenciais fatores podem ser levantados para explicar o incremento na prevalência de FA. Um deles é a maior habilidade de tratamento de doenças cardíacas crônicas, contribuindo para um número maior de indivíduos suscetíveis a FA. Além disso, associado aos fatores de risco clássicos - hipertensão, diabetes, doença valvar, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca (IC)3,4 - novos fatores de risco potenciais, como apneia obstrutiva do sono,5 obesidade,6 consumo de bebidas alcoólicas,7 exercício físico,8 história familiar e fatores genéticos,9 que contribuem à elevação da prevalência da FA.
A classificação mais utilizada na prática clínica refere-se à forma de apresentação da FA. Define-se "FA paroxística" aquela que é revertida espontaneamente ou com intervenção médica em até 7 dias de seu início. Episódios com duração superior a 7 dias têm o nome de "FA persistente". Alguns estudos utilizam a terminologia de "AF persistente de longa duração" para designar os casos com duração superior a 1 ano. Finalmente, o termo "FA permanente" é utilizado nos casos em que as tentativas de reversão ao ritmo sinusal não serão mais instituídas.
O prognóstico da FA está relacionado a sua clara associação com aumento do risco de acidente vascular cerebral (AVC), isquêmico ou hemorrágico, e mortalidade. Alterações cognitivas, IC e implicações socioeconômicas também são consequências importantes da FA.
Devido à maior propensão de pacientes com FA de apresentarem risco inerente à própria arritmia de formar coágulos, parece clara a necessidade de se identificar os pacientes de menor risco e excluí-los da necessidade de anticoagulação, de tal forma que não sejam elegíveis à anticoagulação apenas os pacientes com risco muito baixo. O escore utilizado para essa finalidade é o escore CHA2DS2 VASc (iniciais para congestive heart failure, hypertension, age, diabetes mellitus, atroke, vascular disease, age, sex category) (Tabela 1).10 A grande vantagem de sua utilização é que pacientes com escore zero não necessitam de anticoagulação, pois o risco de complicação trombótica, neste caso, é muito baixo. No caso de CHA2DS2-VASc igual a 1, o risco é considerado baixo (1,3% ao ano), e a anticoagulação é opcional e fica na dependência do risco de sangramento e opção do paciente. Todos os demais pacientes apresentam indicação formal para a anticoagulação. O escore de risco para hemorragia mais empregado na atualidade é o HAS-BLED (iniciais de hypertension, abnormal renal or liver function, stroke, bleeding, labile international normalized ratio - INR, elderly, drugs or alcohol use (Tabela 2), cuja pontuação > 3 indica maior risco de hemorragia pelo ACO. Deve-se destacar, contudo, que esse escore não contraindica o uso de ACO, mas orienta quanto à necessidade de cuidados especiais para tornar o tratamento mais seguro.
Tabela 1 (A) Escore de CHA2DS2-VASc utilizado para avaliação de risco para fenômenos tromboembólicos em pacientes portadores de fibrilação atrial. (B) Taxa ajustada de eventos por ano de acordo com o escore
CHA2DS2-VASc | Pontuação |
Insuficiência cardíaca congestiva / disfunção ventricular esquerda | 1 |
Hipertensão | 1 |
Idade ≥ 75 anos | 2 |
Diabetes mellitus | 1 |
AVC / ataque isquêmico transitório /tromboembolismo | 2 |
Doença vascular (história de infarto do miocárdio, doença arterial periférica ou placa aterosclerótica) | 1 |
Idade 65–74 anos | 1 |
Sexo feminino | 1 |
[B] | |
Escore | Taxa ajustada de AVC (%/ano)* |
0 | 0.0 |
1 | 1.3 |
2 | 2.2 |
3 | 3.2 |
4 | 4.0 |
5 | 6.7 |
6 | 9.8 |
7 | 9.6 |
8 | 6.7 |
9 | 15.2 |
AVC: acidente vascular cerebral.
Tabela 2 Variáveis clínicas empregadas para identificação de pacientes com risco de hemorragia pelos anticoagulantes orais incluídas no escore HAS-BLED
Risco HAS-BLED | Pontuação |
---|---|
Hipertensão | 1 |
Alteração da função renal ou hepática (1 ponto cada) | 1 ou 2 |
AVC | 1 |
Sangramento | 1 |
LabilidadeRNI | 1 |
Idade avançada (> 65 anos) | 1 |
Uso de drogas ou álcool (1 ponto cada) | 1 ou 2 |
AVC: acidente vascular cerebral; RNI: Razão Normalizada Internacional.
São 4 os NACOs disponíveis para a prevenção de fenômenos tromboembólicos em pacientes portadores de FA. Tratam-se dos inibidores diretos do fator Xa, como a rivaroxabana, a apixabana e a edoxabana, e o inibidor do fator IIa, dabigatrana. A dabigatrana foi o primeiro NACO disponibilizado no mercado e validado pelo estudo RE-LY (Randomized Evaluation of Long-term anticoagulante therapY with dabigatran etexilate)11 Trata-se de um estudo prospectivo, randomizado, fase III que comparou duas doses de dabigatrana (110 mg e 150 mg) duas vezes ao dia com doses ajustadas de varfarina. Os desfechos primários foram AVC e embolia sistêmica. A dose de 150 mg foi superior à varfarina nos desfechos de segurança, incluindo sangramento maior, sem diferenças significativas. A dose de 110 mg foi não inferior à varfarina, com 20% de redução na taxa de sangramento.
O estudo ROCKET-AF (Rivaroxaban-once daily, oral, direct factor Xa inhibition compared with vitamin K antagonism for prevention of stroke and Embolism Trial in Atrial Fibrillation) foi o responsável por introduzir a rivaroxabana na prática clínica para prevenção de fenômenos tromboembólicos no paciente com FA não valvar.12 Foi um estudo duplo-cego, que randomizou 14.264 pacientes de alto risco para eventos tromboembólicos para rivaroxabana ou varfarina. A dose de rivaroxabana foi 20 mg ao dia, e pacientes com prejuízo da função renal receberam 15 mg do medicamento. A rivaroxabana foi não inferior a varfarina para o desfecho primário de AVC e embolia sistêmica. Em relação aos desfechos de segurança, houve redução significativa no AVC hemorrágico e sangramento intracraniano, sem impacto na taxa de mortalidade.
O ARISTOTLE (Apixaban for Reduction in Stroke and Other Thromboembolic Events in Atrial Fibrillation) foi o principal estudo de avaliação da apixabana em pacientes com FA não valvar.13 Esse estudo duplo-cego, randomizado, analisou a dose de 5,0 mg duas vezes ao dia, ou a dose ajustada de 2,5 mg duas vezes ao dia, nos pacientes com pelo menos dois dos três fatores a seguir: com idade superior a 80 anos, peso abaixo de 60 kg e creatinina sérica igual ou superior a 1,5 mg/dL. O controle foi realizado com varfarina. Quando comparada à varfarina, a apixabana reduziu significativamente o risco dos desfechos de eficácia (AVC e embolia sistêmica) em 21%, de sangramento maior em 31% e de mortalidade por todas as causas em 11%.
A edoxabana foi avaliada pelo estudo ENGAGE-AF (Edoxaban versus Warfarin in Patients with Atrial Fibrillation),14 duplo-cego e randomizado, com três braços (varfarina, edoxabana alta dose e edoxabana baixa dose). A edoxabana mostrou-se não inferior à varfarina, tanto no regime de alta dose (60 mg uma vez ao dia), quanto no regime de baixa dose (30 mg uma vez ao dia). Nos pacientes alocados para receberem edoxabana, a dose foi reduzida à metade da indicada na randomização quando um dos fatores estivesse presentes: clearance de creatinina inferior a 50 mL/minuto, peso inferior a 60 kg e uso concomitante a inibidores potentes da glicoproteína P (basicamente Verapamil). Analisando-se o regime de alta dose da edoxabana, houve redução significativa na ocorrência de AVC (isquêmicos e hemorrágicos). Já no regime de baixa dose, identificou-se aumento significativo de AVC isquêmico no grupo da edoxabana. Dessa forma, a melhor relação de eficácia e segurança ocorreu no regime de alta dose, enquanto que o regime de baixa dose tende a perder em eficácia, conferindo maior segurança quanto ao risco de sangramentos maiores e AVC hemorrágicos.
As recomendações para prevenção de fenômenos tromboembólicos na FA não valvar encontram-se no Quadro 1.
Quadro 1 Recomendações para prevenção de fenômenos tromboembólicos na fibrilação atrial não valvar
Recomendações | Classe | Nível de Evidência |
---|---|---|
O escore CHA2DS2-VASc deve ser empregado em todos os pacientes | I | B |
Pacientes de baixo risco, com CHA2DS2-VASc igual a zero, não têm indicação de terapia antitrombótica | I | B |
Em pacientes com escore CHA2DS2-VASc igual a 1, a terapia antitrombótica pode ser instituída, levando-se em consideração o risco de sangramento e as preferências do paciente | IIa | C |
Pacientes com escore CHA2DS2-VASc ≥ 2 têm indicação de terapia antitrombótica | I | A |
Os NACO trouxeram uma drástica mudança na abordagem terapêutica da FA não valvar em termos de prevenção de acidentes tromboembólicos. Entretanto, as complicações hemorrágicas relacionadas ao uso dessas drogas podem representar uma limitação. Os NACO são fármacos de meia-vida curta, portanto um sangramento de pequena intensidade pode ser solucionado simplesmente pela suspensão da droga. As características farmacocinéticas são distintas entre os NACO e tais peculiaridades podem determinar mudanças de conduta. A dabigatrana, por exemplo, é um fármaco que apresenta fraca ligação às proteínas plasmáticas, sendo potencialmente removida por hemodiálise. A rivaroxabana e a apixabana, por outro lado, não são substâncias dialisáveis, dada a sua forte ligação proteica no plasma. O carvão ativado pode ser utilizado nos casos de ingestão do anticoagulante até 2 horas do evento hemorrágico. É conveniente salientar que seu uso é contraindicado em situações de hemorragia digestiva. O carvão ativado está disponível sob a forma de pó e pode ser administrado diluído em água ou suco, se o paciente estiver acordado, ou por sonda nasogátrica, na dose de 1 g por kg de peso corporal. Embora não estejam disponíveis atualmente no Brasil, existem avanços com relação a medicamentos que possam reverter a ação dos NACO. O Idarucizumab é um fragmento de anticorpo monoclonal, que se liga à dabigatrana com mais afinidade que à trombina. Seu uso intravenoso para reverter o efeito anticoagulante já foi avaliado e, com base nos resultados, o medicamento foi recentemente aprovado para uso clínico nos Estados Unidos.
A Andexanet, por sua vez, é uma proteína recombinante inativa que se liga aos inibidores do fator X ativado (rivaroxabana, apixabana e edoxabana), revertendo o seu efeito anticoagulante. Os efeitos da administração intravenosa já foram avaliados, com taxa de reversão satisfatória, e é esperado que o seu uso clínico também seja aprovado.
A administração de Plasma Fresco Congelado pode ser realizada mas, como medida de suplementação de fatores de coagulação apresenta concentrações muito inferiores às observadas nos Concentrados de Complexos Protrombínicos (CCP). A indicação de CCP é razoável em situações de hemorragias graves.15
Apesar de os agentes ACO continuarem como a principal opção terapêutica na prevenção de fenômenos embólicos em pacientes com FA, a utilização dos anticoagulantes oferece riscos, especialmente a ocorrência de AVC hemorrágico e outras hemorragias potencialmente graves, como o sangramento gastrintestinal. Essa limitação terapêutica, associada à gravidade dos eventos embólicos relacionados à FA, motivou o desenvolvimento de novas estratégias com o objetivo de reduzir a taxa de fenômenos tromboembólicos. Dessa forma, a oclusão do apêndice atrial esquerdo (AAE) surgiu como outra forma de terapêutica. As principais recomendações para a utilização desses dispositivos encontram-se no Quadro 2.
Quadro 2 Recomendações para oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo
Recomendações | Classe | Nível de Evidência |
---|---|---|
Pacientes com alto risco para fenômenos tromboembólicos e contraindicação ao uso de anticoagulantes orais | IIa | B |
Pacientes com AVC isquêmico de origem cardioembólica apesar do correto uso de um anticoagulantes orais | IIa | C |
AVC: acidente vascular cerebral.
Após a avaliação de um caso de FA, o paciente pode ser alocado na estratégia de controle do ritmo ou controle da frequência cardíaca, de acordo com suas características clínicas, ecocardiográficas e evolução de tratamentos anteriores. Nesse cenário, o uso de drogas antiarrítmicas (AA) apresenta papel relevante em ambas as estratégias. A avaliação inicial deve definir a presença de cardiopatia estrutural, assim como avaliar se a causa é reversível.
Para a manutenção do ritmo sinusal há um número limitado de medicamentos no Brasil, já que não temos disponíveis dofetilide e dronedarona. As drogas disponíveis no Brasil são: propafenona, sotalol e amiodarona. A propafenona é um fármaco útil tanto na reversão aguda como na manutenção do ritmo sinusal. É uma medicação segura em pacientes com coração estruturalmente normal, mas deve ser evitado na presença de cardiopatia estrutural, pelo risco de induzirem a arritmias ventriculares.16 O sotalol é um fármaco sem resultados significativos na reversão aguda da arritmia, mas útil na prevenção de recorrências, com descrição de manutenção de ritmo sinusal em até 72% dos pacientes em 6 meses em determinados grupos. Além disso, diminui sintomas por reduzir a resposta ventricular dos episódios devido ao seu efeito betabloqueador. Os efeitos colaterais mais comuns são aqueles ligados ao efeito betabloqueador, como cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é o prolongamento do intervalo QT e desenvolvimento de torsade de pointes. O sotalol não pode ser utilizado em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva.17 A amiodarona é bastante efetiva na reversão e manutenção do ritmo sinusal. Alguns estudos demonstram superioridade dessa medicação em relação as demais, contudo, além do risco proarrítmico, a amiodarona pode apresentar efeitos colaterais importantes em vários órgãos. Atualmente, é a medicação disponível para pacientes com insuficiência cardíaca congestiva.18
Outra estratégia para abordar esses pacientes é o controle da frequência cardíaca, importante para a prevenção de sintomas (p.ex. palpitações, cansaço e redução da capacidade de exercício), redução da morbidade associada à doença, e principalmente prevenção de taquicardiomiopatia, o que impacta na qualidade de vida do paciente. Entretanto, os parâmetros de frequência cardíaca ótima na FA ainda permanecem controversos. Vários fármacos foram testados e provaram ser eficazes no controle da frequência cardíaca. Entre eles, estão os betabloqueadores, os bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridínicos e alguns antiarrítmicos, como, por exemplo, a amiodarona e o sotalol. Para a escolha, é importante considerar o grau de sintomas do paciente, o estado hemodinâmico, a função ventricular, os fatores precipitantes da FA e o risco de eventos adversos.
Os betabloqueadores são os medicamentos mais comumente utilizados para o controle da frequência na FA.19 Têm como ação principal o bloqueio do tônus adrenérgico por meio da inibição competitiva da ligação catecolaminas-receptores beta. Seus representantes reduzem o declive da despolarização espontânea (fase 4 do potencial de ação), particularmente nas células no nó sinusal e do nó atrioventricular (AV) (reduzem a condução pelo nó AV). Também aumentam a refratariedade do sistema His-Purkinje. Os bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridinicos como o verapamil e o diltiazem bloqueiam os canais de cálcio do tipo L do sistema de condução cardíaco principalmente no nó AV. São eficazes para controle da frequência cardíaca na FA aguda ou permanente20 tanto na administração intravenosa quanto oral. A digoxina é comumente utilizada mesmo não sendo considerada um agente de primeira linha para o controle da frequência na FA. Atua diretamente na membrana das células atriais, ventriculares e do sistema de condução, com efeito principal no aumento do tônus vagal, reduzindo assim a automaticidade do nó sinusal e lentificando a condução pelo nó AV. As recomendações para utilização de drogas antiarrítmicas na FA encontra-se no Quadro 3.
Quadro 3 Recomendações para a ablação por cateter da fibrilação atrial para manutenção do ritmo sinusal
Recomendações | Classe | Nível de Evidência |
---|---|---|
Pacientes sintomáticos com FA paroxística refratária ou intolerante a pelo menos uma droga AA das classes I ou III, quando a estratégia de controle do ritmo é desejada | I | A |
Pacientes sintomáticos selecionados com FA persistente refratária ou intolerante a pelo menos uma droga AA das classes I ou III | IIa | A |
Pacientes com FA paroxística sintomática recorrente como primeira terapia (antes de medicações AAs), sendo esta a opção do paciente | IIa | B |
Pacientes sintomáticos com FA persistente de longa duração (> 12 meses) quando refratária ou intolerante a pelo menos uma droga AA das classes I ou III e quando a estratégia de controle do ritmo é desejada | IIb | B |
Como primeira terapia (antes de medicações AA classe I ou III) em pacientes com FA persistente quando a estratégia de controle do ritmo é desejada | IIb | C |
Pacientes que não podem ser tratados com anticoagulante durante e após o procedimento | III | C |
FA: fibrilação atrial; AA: antiarrítmicas.
A terapia invasiva da FA por meio da ablação por cateter pode ser considerada nos cenários do controle da frequência ou do ritmo.
Nos pacientes resistentes ou intolerantes ao uso de fármacos para o controle da frequência cardíaca, o implante de marcapasso, associado à ablação da junção AV (indução de bloqueio AV total), pode ser indicado.21,22 (Quadro 4).
Quadro 4 Recomendações para ablação da junção atrioventricular na fibrilação atrial
Recomendações | Classe | Nível de Evidência |
---|---|---|
FA gerando terapias inapropriadas do CDI, em que outros métodos terapêuticos foram incapazes ou não puderam ser usados para restauração/manutenção do ritmo sinusal ou controle da frequência ventricular | I | C |
FA em portadores de TRC para a otimização da ressincronização | IIa | B |
A ablação do nó AV com estimulação ventricular permanente é razoável como estratégia de controle da frequência cardíaca, quando a terapia com medicamentos é inadequada e o controle do ritmo não é possível | IIa | C |
Ablação do nó AV com estimulação ventricular permanente em pacientes bem controlados clinicamente | III | C |
FA: fibrilação atrial; CDI: cardioversor desfibrilador implantável; TRC: terapia de ressincronização cardíaca; AV: atrioventricular.
Esta intervenção é simples, com elevada taxa de sucesso e baixo risco de complicações, melhorando a qualidade de vida e reduzindo hospitalizações e incidência de IC quando comparada com o tratamento farmacológico. O implante do marcapasso deve preceder à ablação da junção AV em 4 a 6 semanas, a fim de possibilitar adequada maturação dos cabos-eletrodos, posto que o paciente fica dependente do marcapasso.
Evidências sólidas indicam que a ablação da FA (isolamento das veias pulmonares, VP) é mais eficaz do que as drogas AA para controle do ritmo.23-25 Esse sucesso ampliou paulatinamente as indicações para o tratamento intervencionista da FA. Diretrizes internacionais recentes26-28 indicam a ablação como opção (Classe I) para a falha de uma droga AA e também como primeira escolha (Classe IIa) em pacientes selecionados com FA paroxística, sem doença estrutural. Pacientes com cardiopatia estrutural e FA paroxística igualmente podem ser considerados para ablação como terapia inicial, desde que se suspeite de taquicardiomiopatia e que o paciente deseje realizar ablação.
Faltam dados que comprovem o benefício do procedimento nos pacientes muito idosos, pacientes com FA persistente de longa duração, ou IC avançada.28 A indicação para pacientes assintomáticos ainda não está estabelecida, sendo motivo de grande controvérsia.26-28 Ainda não existem evidências de que a intervenção seja superior à dos fármacos AA, no tocante à redução de desfechos duros, como mortalidade, IC e acidentes vasculares cerebrais. Estudos em andamento estão avaliando esses pontos.29
O objetivo principal da ablação de FA é o isolamento elétrico das VP. Dentre as várias técnicas disponíveis para esse fim, a ablação por radiofrequência (RF) convencional ponto a ponto, com auxílio de mapeamento eletroanatômico e/ou ecocardiografia intracardíaca, é a mais utilizada.30-32 A crioablação, que utiliza cateter balão para obter o isolamento circunferencial das VP, é uma técnica alternativa igualmente validada.28,33,34 Cateteres multipolares em forma espiral capazes de liberar energia de RF por meio de todos os eletrodos simultaneamente35 e cateteres balão a laser36 também vêm ganhando espaço para criar lesões ao redor das VP.
A despeito de sua comprovada eficácia, a ablação da FA é um procedimento de alta complexidade, com risco de complicações maiores em torno de 4,5%.28,37-39 Além disso, ablação de FA não é curativa. Recorrências são comuns, e ocorrem devido à reconexão das VP ou à progressão do substrato atrial.40 Nesses casos, um novo procedimento de ablação pode ser necessário.41 Após a ablação, todos os pacientes devem ser anticoagulados por 2 a 3 meses.26-28 Ao final desse prazo, a suspensão dos anticoagulantes está autorizada apenas nos pacientes com baixo risco de fenômenos tromboembólicos.42,43 Como recorrências tardias e assintomáticas da FA podem acontecer, principalmente após a ablação,44,45 é necessário monitorar o paciente por períodos prolongados, para assegurar o controle da arritmia.
As indicações para a ablação da FA estão elencadas no Quadro 3.
Atualmente, a utilização de sistemas de mapeamento tridimensional para a ablação da FA é considerada no mundo inteiro o tratamento padrão. Com o objetivo de orientar visualmente o operador no entendimento da complexidade anatômica do átrio esquerdo (AE), assim como na localização do cateter, a técnica permitiu a diminuição da quantidade de radiação para o paciente e para toda a equipe envolvida no procedimento.
Os sistemas disponíveis possibilitam reconstruir de forma tridimensional o AE e as VP por meio da mobilização de um cateter posicionado na cavidade e em contato direto com a parede do AE, com significativa redução de exposição ao raio X.46
Há consenso entre os especialistas brasileiros de que o uso do mapeamento tridimensional aumenta a segurança do procedimento.
A ecocardiografia intracardíaca consiste na utilização de uma sonda de ecocardiograma posicionada no átrio direito, sendo hoje um ótimo recurso adjuvante nos procedimentos de ablação.
A angiografia rotacional é um método radiológico utilizado para se adquirir a imagem do AE no laboratório de eletrofisiologia utilizando um equipamento de hemodinâmica básico.47,48 A desvantagem desse método em relação ao mapeamento tridimensional, descrito acima, é a utilização de contraste iônico, além de uma grande quantidade de radiação.
Atualmente, os cateteres de ablação irrigados são utilizados em praticamente todos os procedimentos.49,50 Mais recentemente, os cateteres irrigados passaram a estar disponíveis também com a tecnologia de controle de contato, que é capaz de medir a intensidade da interação cateter-miocárdio, parecendo aumentar a eficácia da lesão com a diminuição das complicações.51-54
Quanto às novas fontes de energia, existem disponíveis três variedades, todas já em utilização nesses cateteres: ultrassom, laser e crioterapia.
A elevada exposição à radiação imposta pela maioria das modalidades de ablação fez surgir a navegação robótica.55-57 No entanto, não existem, até o momento, estudos que comprovem maior sucesso ou diminuição das complicações com esses sistemas. Ainda, o elevado custo é uma grande barreira a ser vencida.
Vários procedimentos foram desenvolvidos para o tratamento cirúrgico da FA desde a década de 1980.58-62 A cirurgia de Cox-Maze III, ou cirurgia do labirinto, é o padrão-ouro para o tratamento cirúrgico da FA. Os componentes-chave da cirurgia de Maze, bem como na maioria das novas técnicas cirúrgicas desenvolvidas para tratar a FA, permanecem o isolamento das VP e a ressecção do apêndice atrial.
Apesar de a cirurgia de Maze poder ser minimamente invasiva, utilizando uma pequena incisão na parede torácica, a operação requer 45 a 60 minutos de circulação extracorpórea (quando realizada por mãos experientes) e cardioplegia.63-65 Além disso, embora possa ser realizada isoladamente, a operação é comumente indicada para pacientes que necessitem ser submetidos à cirurgia cardíaca por outras doenças, como as valvulopatias ou as cardiomiopatias isquêmicas.
Hoje, poucos pacientes são referidos para um procedimento cirúrgico de ablação de FA isoladamente. Mesmo naqueles submetidos à cirurgia cardíaca por outras razões, os cirurgiões são relutantes em adicionar a cirurgia de Maze, devido a sua complexidade e magnitude.
Os chamados "procedimentos híbridos" combinam cirurgia epicárdica minimamente invasiva com mapeamento eletrofisiológico e ablação por cateter endocárdico. O objetivo dessa técnica mista é tratar, em especial, pacientes com FA persistente ou persistente de longa duração, nos quais essas técnicas utilizadas isoladamente teriam resultados insatisfatórios.66-73
No geral, os resultados iniciais publicados com os procedimentos híbridos são expressivos, principalmente considerando a maior complexidade da população tratada (FA persistente e de longa duração), porém com número restrito de pacientes. É esperado que o aprimoramento da técnica permita a sua maior utilização.