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Resumo Executivo - Diretriz de Telecardiologia no Cuidado de Pacientes com Síndrome Coronariana Aguda e Outras Doenças Cardíacas

Resumo Executivo - Diretriz de Telecardiologia no Cuidado de Pacientes com Síndrome Coronariana Aguda e Outras Doenças Cardíacas

Autores:

Mucio Tavares de Oliveira Jr.,
Leonardo Jorge Cordeiro de Paula,
Milena Soriano Marcolino,
Manoel Fernandes Canesin

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.2 São Paulo ago. 2015

https://doi.org/10.5935/abc.20150104

A cardiologia é uma área muito promissora na telemedicina. A transmissão de eletrocardiogramas (ECG) a partir de serviços de saúde remotos ou ambulâncias para uma central de análise já é rotina na abordagem das síndromes coronarianas agudas (SCA). Essa abordagem possibilita o recebimento de orientação de especialistas e direcionamento a unidades de saúde apropriadas, podendo salvar vidas. Este impacto pode ser visto no caso do infarto agudo do miocárdio (IAM), no qual a aplicação da telemedicina reduziu o índice de mortalidade hospitalar de 12,3% para 7,1%1-4.

Conceitos básicos

Em um sistema de saúde geograficamente distribuído, como o brasileiro, no qual as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), os hospitais secundários e as ambulâncias estão espalhados por todo o país (muitas vezes em pontos remotos), e os centros especializados estão em unidades de atendimento avançado localizadas nas grandes cidades (como hospitais terciários), a telemedicina oferece a oportunidade de melhorar o tratamento das emergências. A habilidade clínica de especialistas em hospitais terciários pode ser utilizada para melhorar o cuidado nas Unidades Remotas de Atendimento (URAs), com suporte ao diagnóstico precoce e orientação sobre terapia a médicos não especialistas que estejam prestando atendimento a pacientes nas URAs5,6.

Os canais de comunicação na telemedicina incluem linhas telefônicas para comunicação por voz e conexão com a internet, e para transmissão de resultados de exames, traçados e imagens. Opcionalmente, um link de vídeo pode ser utilizado para permitir a visualização do paciente.

Telemedicina para abordagem da SCA7,8

Situação A: paciente vai até a URA mais próxima por meios próprios, ou liga para o serviço de atendimento pré‑hospitalar e é levado para a URA por uma ambulância básica sem eletrocardiógrafo. Os profissionais da URA avaliam a história clínica, examinam e obtém ECGs seriados do paciente. Os traçados do ECG são transmitidos juntamente com a história clínica para a central de telecardiologia onde são interpretados por cardiologistas que emitem e enviam rapidamente um laudo e orientam os profissionais da URA sobre a terapia apropriada.

Situação B: paciente liga para o serviço de atendimento pré-hospitalar e uma ambulância com um eletrocardiógrafo e sem médico realiza o atendimento. Com base na história e interpretação do ECG, se o cardiologista da central de telecardiologia diagnosticar o caso como um IAM com supradesnivelamento de ST (IAMCST) a equipe médica é orientada a administrar o tratamento básico (por exemplo, aspirina e outras medicações) e a transportar o paciente a um hospital que ofereça intervenção coronariana percutânea (ICP), ou para administrar um fibrinolítico. Mesmo se o diagnóstico não for de IAMCST, a equipe da ambulância é orientada a seguir as instruções do cardiologista sobre o caminho que deve ser tomado para o paciente.

Situação C: paciente liga para o serviço de atendimento pré‑hospitalar, uma ambulância com médico e eletrocardiógrafo realiza o atendimento, a equipe faz o ECG e o transmite para a central de telecardiologia. Com base na história clínica e na interpretação do ECG, se o cardiologista da central de telecardiologia diagnosticar o caso como um IAMCST, o médico é orientado a administrar tratamento para IAMCST, como antiagregantes plaquetários e anticoagulantes, e a seguir uma das seguintes opções:

  • Se o paciente com IAMCST puder ser transportado a um hospital com ICP e se a ICP puder ser realizada dentro de 120 minutos, ou o paciente apresentar contraindicações para fibrinolíticos, o paciente deve ser transportado ao hospital com ICP. O médico na ambulância também aciona o hospital para preparar o laboratório de hemodinâmica para tratar com ICP primária um paciente com IAMCST.

  • Se a ICP não for possível dentro de 120 minutos, o médico na ambulância é orientado a administrar fibrinolíticos inicialmente, preferencialmente dentro de 30 minutos, e então transportar o paciente para o hospital com hemodinâmica mais próximo para a continuidade do tratamento.

  • Se o cardiologista na central de telecardiologia confirmar que o diagnóstico não é de IAMCST e o médico na ambulância determinar que o paciente tem SCA, após receber a terapia inicial, o paciente deve ser transferido preferencialmente para um hospital com hemodinâmica. Caso isso não seja possível, o paciente deve ser transferido para o hospital com cuidados cardiológicos intensivos mais próximo. Se o cardiologista determinar que o paciente deve ser submetido ao protocolo de dor torácica, ele pode orientar a equipe da ambulância a transportar o paciente ao hospital mais próximo, mesmo que esse não tenha hemodinâmica, para monitorização de parâmetros clínicos, ECG e marcadores de necrose miocárdica (Figura 1).

    Figura 1 Representação esquemática de telemedicina para tratamento agudo emergencial. Estratégias de tratamento utilizando telemedicina são mostradas para a síndrome coronariana aguda (SCA). ECG: eletrocardiograma de superfície; Hub: central. 

Para que as informações transmitidas sejam de qualidade e a interação seja valiosa, o paciente com dor torácica deve ter sua abordagem sistematizada, podendo-se utilizar diversas metodologias. Uma delas leva em conta os "4D" para sistematização do diagnóstico de SCA (Figura 2)9:

Figura 2 Sistematização do atendimento para o diagnóstico de pacientes com dor torácica. ECG: eletrocardiograma; DAC: doença arterial coronariana; SCA: síndrome coronariana aguda. 

  • Primeiro "D": classificar a dor torácica em tipos A (definitivamente anginosa), B (provavelmente anginosa), C (provavelmente não anginosa), ou D (definitivamente não anginosa).

  • Segundo "D": definir se há ou não supradesnivelamento no ECG.

  • Terceiro "D": se o ECG não demonstrar sinais de isquemia, avaliar a probabilidade do paciente apresentar doença arterial coronariana (DAC) baseada na presença de fatores de risco: idade (acima de 45 anos em homens e 55 anos em mulheres), tabagismo, diabetes, hipertensão arterial sistêmica e história familiar de DAC precoce (abaixo de 55 anos em homens e 65 anos em mulheres).

  • Quarto "D": o diagnóstico de SCA deve ser confirmado ou excluído, ou o paciente deve ser encaminhado para o protocolo de dor torácica.

Requisitos da telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas (Figura 3)10.

Figura 3 Graus de recomendação e níveis de evidência dos procedimentos para manejo do paciente com SCA. 

Requisitos financeiros, processos e protocolos clínicos e da equipe para a implantação da telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas (Figura 4)10.

Figura 4 Graus de recomendação e níveis de evidência dos requisitos financeiros, processos e protocolos clínicos e da equipe para a telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas. 

Equipamento médico, tecnologia da informação e serviços (Figuras 5 e 6)10.

Figura 5 Graus de recomendação e níveis de evidência dos equipamentos médicos para a telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas. 

Figura 6 Graus de recomendação e níveis de evidência dos equipamentos de tecnologia da informação e serviços para a telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas. 

Telecardiologia para diagnóstico remoto de rotina

Uma das aplicações mais comuns da telecardiologia em áreas remotas é na análise de exames diagnósticos, como ECG, Holter, monitoramento ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e ecocardiografia. Outras aplicações são em sistemas de teleconsultoria ou segunda opinião de forma síncrona ou assíncrona, teleausculta, monitoramento remoto da pressão arterial, de sinais vitais e de dispositivos eletrônicos implantáveis, e atividades educacionais. Além disso, a telecardiologia tem aplicações importantes no sistema penitenciário, na pediatria e na cardiologia fetal.

Arritmias cardíacas e síncope11-13

Como vários tipos de arritmia cardíaca ocorrem em episódios breves e inesperados, seu diagnóstico depende da gravação de um ECG durante o episódio paroxístico. Um ECG de superfície padrão de 10 segundos pode não ser capaz de detectar a anormalidade do ritmo cardíaco. Nesse caso, um monitoramento a longo prazo é indicado, como monitoração com Holter de 24 horas ou gravações de eventos de 2 a 4 semanas. Para seletos casos de maior dificuldade, um dispositivo de monitoração implantável chamado loop recorder pode ser utilizado para registrar os padrões de ECG durante sintomas ocasionais mas significativos, como síncope.

O sistema pode ser útil em várias situações, entre outras:

Na detecção de episódios assintomáticos de fibrilação atrial, que podem exigir uma terapia de anticoagulação para reduzir o risco de acidente vascular cerebral.

No reconhecimento rápido de defeito dos cabos-eletrodos, permitindo a intervenção rápida e evitando choques inapropriados.

Na redução do número de visitas ambulatoriais durante o acompanhamento a longo prazo de pacientes com marca‑passo ou desfibrilador implantado.

Insuficiência cardíaca (IC)14,15

O monitoramento à distância, ou telemonitoramento, é uma estratégia promissora para melhorar os desfechos do tratamento da IC, tornando possível o monitoramento remoto de pacientes para que os médicos possam intervir precocemente em caso de evidência de deterioração clínica. As abordagens variam desde sistemas computadorizados de suporte à decisão até programas gerenciados por enfermeiros ou médicos. Um hardware dedicado ou um smartphone pode ser utilizado para a transmissão dos dados do paciente (como por exemplo, sintomas, peso, pressão arterial e ritmo cardíaco). O suporte telefônico estruturado, que pode orientar melhor o paciente e também oferecer tratamento especializado a pacientes com IC, demonstrou reduzir a mortalidade e as hospitalizações por IC, melhorar a qualidade de vida, reduzir o custo do tratamento na prescrição baseada em evidências, e melhorar o conhecimento dos pacientes e do autotratamento.

REFERÊNCIAS

1 Moraes E, Barros LP, Rodrigues AE, Pagliara AT, Carvalho AC. Pre hospital electrocardiography: prevalence of clinically important ECG findings of a public health system in a developing country. In: 2nd International Conference on Global Tele Health. 26 to 28 November, 2012. Australian Tele Health Society. Sydney; 2012.
2 Diercks DB, Kontos MC, Chen AY, Pollack CV Jr, Wiviott SD, Rumsfeld JS, et al. Utilization and impact of pre-hospital electrocardiograms for patients with acute ST-segment elevation myocardial infarction: data from the NCDR (National Cardiovascular Data Registry) ACTION (Acute Coronary Treatment and Intervention Outcomes Network) Registry. J Am Coll Cardiol. 2009;53(2):161-6.
3 Terkelsen CJ, Lassen JF, Norgaard BL, Gerdes JC, Poulsen SH, Bendix K, et al. Reduction of treatment delay in patients with ST-elevation myocardial infarction: impact of pre-hospital diagnosis and direct referral to primary percutanous coronary intervention. Eur Heart J. 2005;26(8):770-7.
4 Marcolino MS, Brant LC, Araujo JG, Nascimento BR, Castro LR, Martins P, et al. Implementation of the myocardial infarction system of care in city of Belo Horizonte, Brazil. Arq Bras Cardiol.2013;100(4):307-14. Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2013;100(4):313.
5 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97.
6 Andrade MV, Maia AC, Cardoso CS, Alkmim MB, Ribeiro AL. Cost-benefit of the telecardiology service in the state of Minas Gerais: Minas Telecardio Project. Arq Bras Cardiol. 2011;97(4):307-16.
7 Alkmim MB, Figueira RM, Marcolino MS, Cardoso CS, Pena de Abreu M, Cunha LR, et al. Improving patient access to specialized health care: the Tele health Network of Minas Gerais, Brazil. Bull World Health Organ. 2012;90(5):373-8.
8 Sociedade Brasileira de Cardiologia. [IV Guidelines of Sociedade Brasileira de Cardiologia for treatment of acute myocardial infarction with ST- segment elevation]. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 Suppl 2): e179-264.
9 Oliveira Jr MT, Canesin MF, Nazima WI, Gualandro DM, Barretto AC, Soeiro AM, et al. Suporte avançado de vida em insuficiência coronariana - SAVICO. Barueri (SP): Manole; 2014.
10 Brunetti ND, De Gennaro L, Dellegrottaglie G, Amoruso D, Antonelli G, Di Biase M. A regional prehospital electrocardiogram network with a single telecardiology "hub" for public emergency medical service: technical requirements, logistics, manpower, and preliminary results. Telemed J E Health. 2011;17(9):727-33.
11 Scalvini S, Piepoli M, Zanelli E, Volterrani M, Giordano A, Glisenti F. Incidence of atrial fibrillation in an Italian population followed by their GPs through a telecardiology service. Int J Cardiol. 2005;98(2):215-20.
12 Kirtava Z, Gegenava T, Gegenava M, Matoshvili Z, Kasradze S, Kasradze P. Mobile telemonitoring for arrhythmias in outpatients in the Republic of Georgia: a brief report of a pilot study. Telemed J E Health. 2012;18(7):570-1.
13 Brunetti ND, De Gennaro L, Pellegrino PL, Dellegrottaglie G, Antonelli G, Di Biase M. Atrial fibrillation with symptoms other than palpitations: incremental diagnostic sensitivity with at-home tele-cardiology assessment for emergency medical service. Eur J Prev Cardiol. 2012;19(3):306-13.
14 Morguet AJ, Kuhnelt P, Kallel A, Rauch U, Schultheiss HP. Utilization of telemedicine by heart disease patients following hospitalization. J Telemed Telecare. 2008;14(4):178-81.
15 Anker SD, Koehler F, Abraham WT. Telemedicine and remote management of patients with heart failure. Lancet. 2011;378(9792):731-9.