versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.2 São Paulo ago. 2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150104
A cardiologia é uma área muito promissora na telemedicina. A transmissão de eletrocardiogramas (ECG) a partir de serviços de saúde remotos ou ambulâncias para uma central de análise já é rotina na abordagem das síndromes coronarianas agudas (SCA). Essa abordagem possibilita o recebimento de orientação de especialistas e direcionamento a unidades de saúde apropriadas, podendo salvar vidas. Este impacto pode ser visto no caso do infarto agudo do miocárdio (IAM), no qual a aplicação da telemedicina reduziu o índice de mortalidade hospitalar de 12,3% para 7,1%1-4.
Em um sistema de saúde geograficamente distribuído, como o brasileiro, no qual as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), os hospitais secundários e as ambulâncias estão espalhados por todo o país (muitas vezes em pontos remotos), e os centros especializados estão em unidades de atendimento avançado localizadas nas grandes cidades (como hospitais terciários), a telemedicina oferece a oportunidade de melhorar o tratamento das emergências. A habilidade clínica de especialistas em hospitais terciários pode ser utilizada para melhorar o cuidado nas Unidades Remotas de Atendimento (URAs), com suporte ao diagnóstico precoce e orientação sobre terapia a médicos não especialistas que estejam prestando atendimento a pacientes nas URAs5,6.
Os canais de comunicação na telemedicina incluem linhas telefônicas para comunicação por voz e conexão com a internet, e para transmissão de resultados de exames, traçados e imagens. Opcionalmente, um link de vídeo pode ser utilizado para permitir a visualização do paciente.
Situação A: paciente vai até a URA mais próxima por meios próprios, ou liga para o serviço de atendimento pré‑hospitalar e é levado para a URA por uma ambulância básica sem eletrocardiógrafo. Os profissionais da URA avaliam a história clínica, examinam e obtém ECGs seriados do paciente. Os traçados do ECG são transmitidos juntamente com a história clínica para a central de telecardiologia onde são interpretados por cardiologistas que emitem e enviam rapidamente um laudo e orientam os profissionais da URA sobre a terapia apropriada.
Situação B: paciente liga para o serviço de atendimento pré-hospitalar e uma ambulância com um eletrocardiógrafo e sem médico realiza o atendimento. Com base na história e interpretação do ECG, se o cardiologista da central de telecardiologia diagnosticar o caso como um IAM com supradesnivelamento de ST (IAMCST) a equipe médica é orientada a administrar o tratamento básico (por exemplo, aspirina e outras medicações) e a transportar o paciente a um hospital que ofereça intervenção coronariana percutânea (ICP), ou para administrar um fibrinolítico. Mesmo se o diagnóstico não for de IAMCST, a equipe da ambulância é orientada a seguir as instruções do cardiologista sobre o caminho que deve ser tomado para o paciente.
Situação C: paciente liga para o serviço de atendimento pré‑hospitalar, uma ambulância com médico e eletrocardiógrafo realiza o atendimento, a equipe faz o ECG e o transmite para a central de telecardiologia. Com base na história clínica e na interpretação do ECG, se o cardiologista da central de telecardiologia diagnosticar o caso como um IAMCST, o médico é orientado a administrar tratamento para IAMCST, como antiagregantes plaquetários e anticoagulantes, e a seguir uma das seguintes opções:
Se o paciente com IAMCST puder ser transportado a um hospital com ICP e se a ICP puder ser realizada dentro de 120 minutos, ou o paciente apresentar contraindicações para fibrinolíticos, o paciente deve ser transportado ao hospital com ICP. O médico na ambulância também aciona o hospital para preparar o laboratório de hemodinâmica para tratar com ICP primária um paciente com IAMCST.
Se a ICP não for possível dentro de 120 minutos, o médico na ambulância é orientado a administrar fibrinolíticos inicialmente, preferencialmente dentro de 30 minutos, e então transportar o paciente para o hospital com hemodinâmica mais próximo para a continuidade do tratamento.
Se o cardiologista na central de telecardiologia confirmar que o diagnóstico não é de IAMCST e o médico na ambulância determinar que o paciente tem SCA, após receber a terapia inicial, o paciente deve ser transferido preferencialmente para um hospital com hemodinâmica. Caso isso não seja possível, o paciente deve ser transferido para o hospital com cuidados cardiológicos intensivos mais próximo. Se o cardiologista determinar que o paciente deve ser submetido ao protocolo de dor torácica, ele pode orientar a equipe da ambulância a transportar o paciente ao hospital mais próximo, mesmo que esse não tenha hemodinâmica, para monitorização de parâmetros clínicos, ECG e marcadores de necrose miocárdica (Figura 1).
Para que as informações transmitidas sejam de qualidade e a interação seja valiosa, o paciente com dor torácica deve ter sua abordagem sistematizada, podendo-se utilizar diversas metodologias. Uma delas leva em conta os "4D" para sistematização do diagnóstico de SCA (Figura 2)9:
Figura 2 Sistematização do atendimento para o diagnóstico de pacientes com dor torácica. ECG: eletrocardiograma; DAC: doença arterial coronariana; SCA: síndrome coronariana aguda.
Primeiro "D": classificar a dor torácica em tipos A (definitivamente anginosa), B (provavelmente anginosa), C (provavelmente não anginosa), ou D (definitivamente não anginosa).
Segundo "D": definir se há ou não supradesnivelamento no ECG.
Terceiro "D": se o ECG não demonstrar sinais de isquemia, avaliar a probabilidade do paciente apresentar doença arterial coronariana (DAC) baseada na presença de fatores de risco: idade (acima de 45 anos em homens e 55 anos em mulheres), tabagismo, diabetes, hipertensão arterial sistêmica e história familiar de DAC precoce (abaixo de 55 anos em homens e 65 anos em mulheres).
Quarto "D": o diagnóstico de SCA deve ser confirmado ou excluído, ou o paciente deve ser encaminhado para o protocolo de dor torácica.
Requisitos da telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas (Figura 3)10.
Figura 3 Graus de recomendação e níveis de evidência dos procedimentos para manejo do paciente com SCA.
Requisitos financeiros, processos e protocolos clínicos e da equipe para a implantação da telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas (Figura 4)10.
Figura 4 Graus de recomendação e níveis de evidência dos requisitos financeiros, processos e protocolos clínicos e da equipe para a telemedicina para diagnóstico e tratamento adequado da SCA e outras doenças cardíacas agudas.
Equipamento médico, tecnologia da informação e serviços (Figuras 5 e 6)10.
Uma das aplicações mais comuns da telecardiologia em áreas remotas é na análise de exames diagnósticos, como ECG, Holter, monitoramento ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e ecocardiografia. Outras aplicações são em sistemas de teleconsultoria ou segunda opinião de forma síncrona ou assíncrona, teleausculta, monitoramento remoto da pressão arterial, de sinais vitais e de dispositivos eletrônicos implantáveis, e atividades educacionais. Além disso, a telecardiologia tem aplicações importantes no sistema penitenciário, na pediatria e na cardiologia fetal.
Como vários tipos de arritmia cardíaca ocorrem em episódios breves e inesperados, seu diagnóstico depende da gravação de um ECG durante o episódio paroxístico. Um ECG de superfície padrão de 10 segundos pode não ser capaz de detectar a anormalidade do ritmo cardíaco. Nesse caso, um monitoramento a longo prazo é indicado, como monitoração com Holter de 24 horas ou gravações de eventos de 2 a 4 semanas. Para seletos casos de maior dificuldade, um dispositivo de monitoração implantável chamado loop recorder pode ser utilizado para registrar os padrões de ECG durante sintomas ocasionais mas significativos, como síncope.
O sistema pode ser útil em várias situações, entre outras:
Na detecção de episódios assintomáticos de fibrilação atrial, que podem exigir uma terapia de anticoagulação para reduzir o risco de acidente vascular cerebral.
No reconhecimento rápido de defeito dos cabos-eletrodos, permitindo a intervenção rápida e evitando choques inapropriados.
Na redução do número de visitas ambulatoriais durante o acompanhamento a longo prazo de pacientes com marca‑passo ou desfibrilador implantado.
O monitoramento à distância, ou telemonitoramento, é uma estratégia promissora para melhorar os desfechos do tratamento da IC, tornando possível o monitoramento remoto de pacientes para que os médicos possam intervir precocemente em caso de evidência de deterioração clínica. As abordagens variam desde sistemas computadorizados de suporte à decisão até programas gerenciados por enfermeiros ou médicos. Um hardware dedicado ou um smartphone pode ser utilizado para a transmissão dos dados do paciente (como por exemplo, sintomas, peso, pressão arterial e ritmo cardíaco). O suporte telefônico estruturado, que pode orientar melhor o paciente e também oferecer tratamento especializado a pacientes com IC, demonstrou reduzir a mortalidade e as hospitalizações por IC, melhorar a qualidade de vida, reduzir o custo do tratamento na prescrição baseada em evidências, e melhorar o conhecimento dos pacientes e do autotratamento.