versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 23-Abr-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4018
O câncer é uma das principais causas de morte no mundo.(1) No Brasil, a estimativa 2014-2015 indicava que ocorreriam mais de 500 mil novos casos de câncer,(2) o que o colocou entre os países com maior incidência de câncer no mundo na atualidade.(3)
Apesar dos esforços crescentes voltados para o rastreamento e o diagnóstico precoce, fatores de risco associados ao desenvolvimento desta patologia estão fortemente presentes na população brasileira, detacando-se o tabagismo, a dieta ocidental, a obesidade e o sedentarismo.(4)
Observa-se maior incidência de câncer nas regiões mais populosas e industrializadas do país. A Região Sul concentra boa parte das neoplasias de maior incidência, conforme demonstrado na figura 1, o que pode estar associado à maior longevidade e aos hábitos de vida desta população.(5) Este elevado número de casos de câncer na população sulina pode ainda ser reflexo do maior número de diagnósticos e, consequentemente, do aumento nos registros em bases de dados oficiais.(6)
Figura 1 Estimativas do número de casos de cânceres selecionados para estudo na população da Região Sul do Brasil para o ano de 2014. Extraído da base de dados do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva.(2) Dados coletados para câncer de pulmão, traqueia e brônquios, estimados pela soma da estimativa de novos casos em homens e mulheres
Apesar das elevadas incidência e mortalidade por câncer na Região Sul, poucos estudos discutem os possíveis fatores associados. Sabe-se que, para algumas neoplasias, como os cânceres de ovário e mama, existe forte influência de fatores genéticos hereditários, prevalentes nesta região.(7) Além disto, a dieta rica em gordura e produtos defumados praticada por esta população favorece o desenvolvimento da obesidade, um dos principais fatores que levam ao desenvolvimento do câncer na sociedade moderna.(8) Tais fatores contribuem de forma significante para o desenvolvimento de neoplasias com perfil clinicopatológico de pior prognóstico, o que pode impactar na morbimortalidade do câncer.
Discutir a problemática do câncer na Região Sul do Brasil documentada em um período de 20 anos, por meio de informações obtidas nas bases de dados do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva sobre notificações desta enfermidade e registros de mortalidade para os cânceres de próstata, mama feminina, brônquios e pulmões, colo de útero e ovário.
Trata-se de uma revisão crítica baseada na análise das estimativas de incidência e indicadores de mortalidade dos cânceres de próstata, mama feminina, brônquios e pulmões, colo de útero e ovário, realizado por meio de consulta na base de dados online do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Os números de registros hospitalares e óbitos para cada topografia e por Estado da Região Sul foram obtidos de dados online do Integrador de Registro Hospitalar de Câncer do INCA, no período de 1988 a 2012, e do Atlas de Mortalidade do INCA, referentes ao período de 2001 a 2012. Tais registros foram selecionados para compor este estudo, por reunirem informações que permitissem avaliação da qualidade do serviço prestado pela rede de hospitais no Brasil.
Também foram analisados dados referentes às taxas brutas e ajustadas por idade de mortalidade por câncer, a mortalidade proporcional não ajustada e o número de anos potenciais de vida perdidos por câncer, obtidos por consulta do Atlas de Mortalidade do INCA, utilizando-se como base a população brasileira do ano de 2010 (https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb/pages/Modelo01/consultar.xhtml;jsessionid=CA2C390AB43798B3880F4078A4345436). A taxa de mortalidade ajustada por idade avalia o número de óbitos em cada faixa etária em relação ao total de óbitos na população residente e foi padronizada diretamente pela fonte primária consultada, visando eliminar o viés que o fator idade pode acrescentar em estudos relacionados ao câncer. Os dados de mortalidade proporcional foram utilizados para ilustrar a quantidade de óbitos ocorridos na população afetada pelo câncer no período estudado e o número de anos potenciais de vida perdidos como indicador da soma total de anos perdidos a cada óbito de paciente por câncer. Tais indicadores, em associação, permitem dimensionar o impacto de cada câncer na população estudada dentro de cada ano.
Todas as bases de dados referidas foram consultadas dentro do site do INCA.(2) Os valores apresentados foram obtidos a partir daqueles calculados pelas bases de dados, utilizando-se como referência a população da Região do Sul do Brasil, estimada para cada ano-base apresentado. Os coeficientes apresentados também foram ajustados por idade pelas bases de dados consultadas. Para discussão dos resultados, foram utilizadas publicações disponíveis nas bases PubMed e Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Os resultados obtidos destacaram a Região Sul como líder nacional de incidência e mortalidade dos cânceres estudados no período de 1988 a 2012. A análise comparativa do número de registros hospitalares de câncer e do número de óbitos ocorridos entre 2001 e 2012 para os cânceres de próstata, mama, brônquios e pulmão, útero e ovário revelou valores expressivos para a Região Sul, com destaque para o Estado do Rio Grande do Sul, seguido do Paraná e de Santa Catarina (Tabela 1).
Tabela 1 Registros hospitalares e óbitos por câncer de acordo com o sítio primário de incidência e categorização por Estados
2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Próstata | PR | Registros | 67 | 106 | 222 | 358 | 915 | 1.045 | 1.258 | 1.476 | 1.646 | 1.893 | 1.745 | 1.180 |
Óbitos | 595 | 588 | 650 | 687 | 691 | 737 | 759 | 726 | 799 | 834 | 905 | 892 | ||
SC | Registros | 182 | 212 | 248 | 223 | 378 | 589 | 731 | 913 | 1.020 | 1.120 | 1.254 | 650 | |
Óbitos | 279 | 278 | 267 | 337 | 327 | 338 | 344 | 347 | 373 | 380 | 389 | 392 | ||
RS | Registros | 134 | 608 | 558 | 969 | 1.361 | 1.713 | 1.986 | 1.860 | 1.871 | 2.005 | 2.109 | 1.192 | |
Óbitos | 792 | 760 | 791 | 825 | 881 | 932 | 949 | 974 | 972 | 1.090 | 1.032 | 1.007 | ||
Mama | PR | Registros | 98 | 198 | 335 | 481 | 1.173 | 1.224 | 1.731 | 1.912 | 2.665 | 2.656 | 2.141 | 1.814 |
Óbitos | 538 | 584 | 541 | 569 | 619 | 630 | 642 | 684 | 722 | 729 | 803 | 821 | ||
SC | Registros | 465 | 445 | 465 | 400 | 648 | 973 | 1.231 | 1.681 | 1.823 | 1.733 | 1.768 | 964 | |
Óbitos | 264 | 293 | 296 | 283 | 324 | 320 | 344 | 346 | 400 | 435 | 470 | 491 | ||
RS | Registros | 313 | 1.617 | 1.499 | 1.828 | 2.334 | 2.687 | 3.251 | 2.641 | 2.780 | 2.573 | 2.893 | 1.507 | |
Óbitos | 872 | 893 | 952 | 980 | 945 | 1.022 | 1.029 | 1.020 | 1.045 | 1.136 | 1.147 | 1.104 | ||
Brônquios e pulmão | PR | Registros | 22 | 57 | 133 | 168 | 394 | 401 | 522 | 661 | 683 | 826 | 621 | 568 |
Óbitos | 1.070 | 1.097 | 1.133 | 1.198 | 1.204 | 1.266 | 1.353 | 1.412 | 1.439 | 1.513 | 1.533 | 1.530 | ||
SC | Registros | 201 | 196 | 215 | 196 | 293 | 414 | 519 | 578 | 657 | 733 | 623 | 366 | |
Óbitos | 709 | 681 | 737 | 878 | 818 | 824 | 901 | 907 | 1.020 | 1.101 | 1.124 | 1.113 | ||
RS | Registros | 166 | 623 | 708 | 799 | 1.028 | 1.237 | 1.334 | 1.162 | 1.293 | 1.189 | 1.270 | 647 | |
Óbitos | 2.187 | 2.242 | 2.389 | 2.478 | 2.616 | 2.623 | 2.782 | 2.848 | 2.843 | 2.964 | 2.986 | 3.090 | ||
Útero | PR | Registros | 57 | 103 | 304 | 455 | 1.346 | 1.387 | 1.281 | 1.499 | 1.561 | 1.738 | 1.536 | 1.210 |
Óbitos | 282 | 297 | 280 | 276 | 275 | 268 | 236 | 289 | 266 | 282 | 293 | 268 | ||
SC | Registros | 257 | 245 | 254 | 246 | 326 | 405 | 468 | 566 | 617 | 634 | 700 | 247 | |
Óbitos | 126 | 110 | 114 | 113 | 131 | 108 | 146 | 130 | 142 | 129 | 161 | 175 | ||
RS | Registros | 107 | 635 | 623 | 665 | 826 | 931 | 918 | 576 | 590 | 525 | 757 | 313 | |
Óbitos | 366 | 302 | 336 | 335 | 327 | 319 | 285 | 303 | 295 | 267 | 267 | 305 | ||
Ovário | PR | Registros | 4 | 13 | 38 | 69 | 120 | 134 | 133 | 185 | 241 | 215 | 189 | 156 |
Óbitos | 124 | 151 | 132 | 141 | 144 | 174 | 170 | 173 | 191 | 202 | 191 | 210 | ||
SC | Registros | 55 | 47 | 62 | 49 | 66 | 89 | 118 | 149 | 167 | 150 | 135 | 69 | |
Óbitos | 82 | 81 | 74 | 82 | 84 | 76 | 83 | 94 | 88 | 108 | 105 | 115 | ||
RS | Registros | 22 | 88 | 84 | 126 | 140 | 169 | 236 | 236 | 211 | 191 | 197 | 127 | |
Óbitos | 179 | 229 | 207 | 249 | 228 | 229 | 221 | 257 | 257 | 283 | 259 | 261 |
As neoplasias prostática e mamária apresentaram números de registros maiores que o número de óbitos registrados no período para os Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, ocorrendo o mesmo em Santa Catarina, a partir de 2004. Na Região Sul, observou-se aumento dos registros de diagnóstico de câncer de próstata, embora o mesmo não tenha apresentado o equivalente em óbitos (Tabela 1).
Em relação ao câncer de brônquios e pulmão, observou-se aumento do número de registros hospitalares e de óbito no período, com destaque para o Rio Grande do Sul. Em relação às neoplasias ginecológicas, o Estado do Rio Grande do Sul liderou em número de óbitos. Esta constatação repetiu-se para os cincos tipos de câncer analisados neste estudo.
A Região Sul apresentou ainda elevadas taxas de mortalidade por neoplasias. Com exceção do câncer de próstata, observa-se, na tabela 2, que a taxa de mortalidade padrão mundial foi alcançada e superada na faixa etária de 40 a 49 anos e que aumentou progressivamente com o avanço da idade para as demais neoplasias analisadas. Observou-se, ainda, que a taxa de mortalidade por neoplasia prostática aumentou grandemente a partir de 60 anos de idade, e os maiores índices ocorreram na faixa etária de 70 a 79 anos (196,37/100 mil) atingindo 538,54/100 mil para a faixa etária acima de 80 anos.
Tabela 2 Taxas de mortalidade por câncer, brutas e ajustadas por idade, pelas populações mundial e brasileira de 2010, por 100 mil homens e mulheres, de acordo com o sítio primário de incidência em homens e mulheres
Faixa etária | Total no período | Taxa bruta regional | Taxa padrão mundial | Taxa padrão Brasil | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
20-29 | 30-39 | 40-49 | 50-59 | 60-69 | 70-79 | ≥80 | |||||||
Próstata | |||||||||||||
Homens | Números de óbito | 13 | 22 | 244 | 1.838 | 7.508 | 14.968 | 13.361 | 37.980 | ||||
Taxa específica | 0,02 | 0,05 | 0,65 | 7,26 | 47,79 | 196,37 | 538,54 | ||||||
12,35 | 15,37 | 18,42 | |||||||||||
Mama | |||||||||||||
Mulheres | Números de óbito | 306 | 2.743 | 7.663 | 10.179 | 8.889 | 6.930 | 4.708 | 41.451 | ||||
Taxa específica | 0,56 | 5,61 | 19,76 | 37,85 | 49,94 | 70,70 | 116 | ||||||
13,17 | 13,32 | 14,29 | |||||||||||
Brônquios e pulmões | |||||||||||||
Homens | Números de óbito | 175 | 674 | 4.384 | 14.205 | 24.131 | 20.141 | 6.991 | 70.812 | ||||
Taxa específica | 0,32 | 1,43 | 11,76 | 56,13 | 153,61 | 264,24 | 281,79 | ||||||
23,02 | 28,20 | 29,46 | |||||||||||
Mulheres | Números de óbito | 112 | 533 | 2.570 | 6.099 | 8.747 | 7.821 | 3.863 | 29.797 | ||||
Taxa específica | 0,21 | 1,09 | 6,63 | 22,68 | 49,14 | 79,8 | 95,18 | ||||||
9,47 | 9,80 | 10,3 | |||||||||||
Útero | |||||||||||||
Mulheres | Números de óbito | 499 | 2.304 | 3.948 | 3.906 | 3.078 | 1.945 | 906 | 16.600 | ||||
Taxa específica | 0,92 | 4,71 | 10,18 | 14,52 | 17,29 | 19,84 | 22,32 | ||||||
5,27 | 5,27 | 5,66 | |||||||||||
Ovário | |||||||||||||
Mulheres | Números de óbito | 222 | 464 | 1.260 | 2.125 | 2.558 | 2.031 | 1.056 | 9.816 | ||||
Taxa específica | 0,41 | 0,95 | 3,25 | 7,90 | 14,37 | 20,72 | 26,02 | ||||||
3,12 | 3,20 | 3,38 |
Para o câncer de mama, 91,36% dos casos de mortalidade ocorreram após os 50 anos, chegando à taxa de 116 casos/100 mil na faixa ≥80 anos de idade. Em relação ao câncer de brônquios e pulmão, as maiores taxas de mortalidade foram observadas após os 60 anos, chegando a 264,24/100 mil em homens na faixa etária de 70 a 79 anos e 281,79/100 mil em homens acima dos 80 anos. Já em mulheres, esta taxa foi menor, e a relação entre os sexos foi de 3,1 homens para cada mulher.
Para o câncer do colo uterino, notou-se maior número de óbitos entre 40 a 49 anos. A partir desta faixa etária, esta taxa (10,18/100 mil) foi o dobro da taxa padrão brasileira (5,66/100 mil) e mundial (5,27/100 mil), chegando a 22,32/100 mil na faixa etária de 80 anos. Resultado semelhante pode ser observado nos índices de mortalidade por câncer de ovário, nos quais a faixa etária de 60 a 69 anos representou 26,06% dos óbitos (14,37/100 mil). A partir dos 40 anos, a taxa de mortalidade aumentou significativamente quando comparada à faixa etária de 30 a 39 anos (0,95/100 mil).
A taxa de mortalidade proporcional não ajustada (Figura 2) permite visualizar e analisar os óbitos dos principais cânceres (pulmão, mama, colo de útero, ovário e próstata) ocorridos na Região Sul do Brasil, no período entre 1988 a 2012. Confrontando-se os dados da Região Sul com os registros hospitalares, observou-se que, em 2003, eram estimados 4.980 novos casos de câncer de próstata em 100 mil habitantes no Sul do país; porém, o número encontrado foi de 1.028. Embora o registro hospitalar não correspondesse à incidência, o valor obtido no sistema Registros Hospitalares de Câncer (RHC) foi muito inferior ao estimado. Já em 2012, a estimativa do INCA foi de 9.490 novos casos para cada 100 mil habitantes e, novamente, os registros hospitalares exibiram um número cerca de três vezes menor que o previsto, ou seja, 3.022 registros.
Fonte: Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2014 – Incidência de Câncer no Brasil. Rev Bras Cancerol. 2014;60(1):63-4.(2)
Figura 2 Mortalidade proporcional não ajustada por câncer
Constatou-se aumento gradativo da mortalidade proporcional por câncer de mama entre o período de 1988 a 2012. No caso da mortalidade por câncer de brônquios e pulmões, houve aumento crescente, com elevação da taxa de 1,98/100 mil, em 1998, para 3,12/100 mil, em 2012. A mortalidade proporcional não ajustada por câncer do colo uterino teve um decréscimo de 1,22%, no ano de 2001, para 0,93%, no ano 2012. Em relação à taxa de mortalidade proporcional não ajustada para câncer de ovário, houve aumento a partir de 1996, quando comparada à taxa de óbito para câncer no Brasil.
A figura 3 mostra o número médio de anos potenciais de vida perdidos por câncer no período de 1988 a 2012, para cada 1.000 habitantes da Região Sul, na população com idade limite de até 80 anos.
Fonte: Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2014 – Incidência de Câncer no Brasil. Rev Bras Cancerol. 2014;60(1):63-4.(2)
Figura 3 Número médio de anos potenciais de vida perdidos por câncerA estimativa para os cânceres de mama, útero e ovário foi calculada para cada 1.000 mulheres e, para os cânceres de pulmão e próstata, para cada 1.000 habitantes na Região Sul, entre 1988 e 2012, partindo da premissa de que o limite superior era 80 anos. Dados calculados com base na população brasileira de 2010.
O número médio de anos de vida perdidos por homens e mulheres diagnosticados com câncer de pulmão e brônquios aparece em todas as faixas etárias, sendo maior entre 60 e 69 anos, chegando a 13,74 anos potenciais de vida perdidos. De forma geral, defrontando-se os indicadores de anos potenciais de vida perdidos e a taxa de anos potenciais de vida perdidos, em relação aos cânceres estudados, o câncer de próstata revelou taxa de 6,69, sendo que, para o de mama, foi de 9,08, brônquios e pulmão foi de 13,74, colo de útero foi de 3,49, e 1,9 para câncer de óvario. A faixa etária em relação ao número de óbitos correspondente ao câncer de prostata e brônquios e pulmões concentrou-se entre 60 a 69 anos e, para as neoplasias da mama, colo de útero e ovário, ficou entre 50 e 59 anos. Em relação ao câncer de mama, o número de anos de vida perdidos por mulheres diagnosticadas no período analisado é de 9 anos.
O conjunto de dados apresentado neste estudo permite evidenciar que a Região Sul concentrou a maior incidência nacional de registro hospitalar das neoplasias no período estudado, com elevada taxa de mortalidade. Dentre os marcadores analisados, os registros hospitalares de câncer utilizados como base para este estudo são de fundamental importância para dimensionar a relevância desta patologia na saúde pública, por representarem os atendimentos ocorridos por determinado tipo de câncer em uma ou mais instituições por ano e por servirem para o cálculo da incidência de qualquer neoplasia.(9) Já a taxa de mortalidade por idade, que avalia o número de óbitos em cada faixa etária em relação ao total de óbitos na população residente, em determinado período e espaço geográfico,(10) mostrou-se elevada em relação à taxa mundial. Neste sentido, é importante salientar que os cânceres de próstata, mama e brônquios e pulmão possuem as taxas de mortalidade mais elevadas no Brasil, o que também se observa na Região Sul. Aspectos relacionados à debilidade do sistema brasileiro na prevenção de neoplasias, diagnóstico na fase avançada, hábitos e condições de vida precários, e dificuldades no acesso ao sistema e rastreamento(11) podem afetar os números observados.
A população do Sul do Brasil possui um bom perfil de desenvolvimento socioeconômico, o que reflete positivamente na busca pela prevenção e tratamento precoce das doenças.(12) Este aspecto auxilia no entendimento da menor taxa de mortalidade bruta observada nos dados levantados. A idade é apontada como principal fator de risco para ocorrência do câncer, pois o aumento da expectativa de vida acompanha o aumento de doenças crônico-degenerativas, como o câncer.(13) A Região Sul destaca-se por apresentar as melhores expectativas de vida do país ao longo dos anos, o que seria um fator importante para explicar a incidência aumentada de neoplasias documentada no presente estudo. Este fato explica, por exemplo, a elevada incidência de câncer de próstata detectada, uma vez que a longevidade constitui importante fator de risco para o desenvolvimento desta neoplasia.(14)
Nos cânceres de predomínio na população masculina, observou-se elevado número de registros de câncer de próstata nesta população dentro do período estudado, apesar do predomínio de população com descendência europeia. A Região Sul apresenta predominantemente população caucasiana, e o câncer de próstata apresenta-se mais incidente nas populações afrodescendentes. Isto sugere que outros fatores regionais, além da idade, possam influenciar na elevada prevalência desta neoplasia na população estudada, como a busca ativa do câncer de próstata por meio dos exames de rastreamento.(15)
Apesar da elevada incidência, as taxas de mortalidade por câncer de próstata são relativamente baixas quando comparadas a outros tipos de neoplasias,(14) especialmente porque que esta consiste em uma neoplasia relativamente agressiva.(16)
Para o câncer de brônquios e pulmão, o elevado número de registros e óbitos pode estar intimamente associado ao tabagismo, uma vez que a região lidera a prevalência de fumantes em todo território nacional.(17,18) Estima-se que o aumento da taxa de mortalidade por câncer dos brônquios e pulmões se deva ao aumento crescente do número de mulheres tabagistas, o que eleva o risco de desenvolvimento de diversas neoplasias.(19) O perfil de mortalidade observado para os cânceres de pulmão e brônquios, em populações mais idosas, pode ainda estar associado à experiência do tabagismo no passado,(19) uma vez que o período de latência desta patologia pode durar cerca de 30 anos.(20) Já a tendência de redução da mortalidade entre homens mais jovens provavelmente reflete as ações nacionais voltadas para a redução do tabagismo no Brasil.
Em relação às neoplasias femininas estudadas, o tabagismo prevalente na região pode ainda constituir importante fator de risco para o aumento na incidência dos cânceres ginecológicos, como o uterino.(2) É provável que a diminuição da taxa de mortalidade não ajustada observada neste estudo entre 1999 e 2001 deveu-se à ampliação gradual dos serviços de rastreamento, bem como fortalecimento e qualificação da rede de atenção básica nos últimos 20 anos.
Já para o câncer de ovário, a idade ao diagnóstico da população estudada no período variou entre 42,7 e 48 anos, enquanto a média descrita para os casos esporádicos aproxima-se de 61 anos. Estes achados sugerem possível existência de casos com herança familiar, pois cerca de um em cada dez casos das mulheres com câncer de ovário apresentam padrão que confere suscetibilidade para a síndrome do câncer de mama e ovário hereditários, de manifestação precoce.(21)
Neste sentido, observa-se, no Rio Grande do Sul, elevada prevalência do câncer de mama em mulheres jovens. Nesta situação, esta neoplasia apresenta-se como doença agressiva de difícil tratamento,(22) o que explicaria a elevada taxa de mortalidade observada a partir dos 50 anos. De fato, sabe-se que cerca de 6% da população gaúcha da região metropolitana apresenta o padrão de câncer de mama hereditário, que normalmente incide em idade abaixo dos 50 anos e apresenta características bastante agressivas, com elevada taxa de mortalidade.(23)
Além disso, estudo realizado por Cadaval Gonçalves et al., revelou que, entre 1980 e 2005, o Rio Grande do Sul concentrava as maiores taxas de mortalidade por neoplasia mamária do país,(24) sugerindo que a morbimortalidade da doença é um fato documentado nesta população e que tem sido associado a fatores socioambientais, como baixa escolaridade, exposição crônica a insumos agrícolas e excesso de peso.(25–27) Conclui-se, assim, que a incoerência observada entre o registro de incidência e o número de óbitos para as neoplasias estudadas aponta para a necessidade de se normatizar o registro de dados de câncer no país.
Outro indicador de mortalidade analisado, o número de anos produtivos de vida perdidos, é um indicador que reflete a soma total dos anos de vida potencialmente perdidos a cada óbito.(28) Já o índice denominado anos de vida produtivos perdidos permite comparar diferentes causas de morte em determinada população.(29) Ambos permitem quantificar numericamente a quantidade de anos que uma população deixou de viver por conta do câncer. Neste estudo, observou-se que os cânceres mais incidentes foram também aqueles que potencialmente debilitam a população, podendo reduzir o número de anos de vida de um indivíduo portador de câncer em até 14 anos, como no câncer de pulmão. É importante ainda considerar que a iniciação do uso do tabaco, fator de risco para todas neoplasias estudadas, dá-se na adolescência. Assim, é esperado um resíduo desta carga tabágica nas faixas etárias mais avançadas, principalmente no sexo masculino.
No caso do câncer de ovário, o elevado número de anos de vida perdidos é reflexo da agressividade da doença e também de sua descoberta em fases avançadas, resultando em uma taxa de sobrevida muito baixa. Por outro lado, no câncer do colo de útero, observa-se a menor taxa de anos potenciais de vida perdidos em relação aos cancêres de próstata, mama e brônquios e pulmão. Este achado enfatiza a importância dos programas de atenção oncológicas focados na saúde da mulher, que receberam importantes investimentos no país a partir da implantação do Plano Nacional de Atenção Oncológica, em 2005.
O câncer de próstata apresenta um impacto reduzido sobre os anos potenciais de vida perdidos quando comparado às neoplasias mais incidentes da Região Sul. O número de anos de vida perdidos pela população masculina pode ter relação importante com a sobrevida estendida dos pacientes com câncer de próstata, que pode alcançar até 5 anos após o diagnóstico e instituição do tratamento.(30)
Considerando-se que a expectativa de vida média da população brasileira girou em torno 75 anos em 2010, podemos afirmar que existe perda de quase um quinto do total de anos de vida do indivíduo quando acometido por neoplasias como o câncer de brônquios e pulmão. Existe ainda o impacto socioeconômico decorrente da perda de anos produtivos de vida, em especial no câncer de colo uterino, por tratar-se de uma neoplasia potencialmente evitável. Com base nestes dados, pode-se contabilizar a perda de milhares de anos produtivos de vida na Região Sul como um significante ônus socioeconômico para o país.
Tanto a incidência quanto a mortalidade decorrentes dos cânceres estudados ainda são muito elevadas no Brasil, com significante número de registros da doença e de óbitos, quando comparado às taxas mundiais. Não existe coerência entre o número de registros hospitalares de câncer e o número de óbitos por câncer, já que, em alguns anos, o registro é menor que o número de óbitos. Também se detectou um número relevante de casos de morte por câncer de colo de útero no Sul do país. A literatura reflete escassez de dados sobre o perfil do câncer na população da Região Sul, especialmente nos Estados de Santa Catarina e Paraná.