versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.12 Rio de Janeiro dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.13682015
As informações de mortalidade em Saúde Pública muitas vezes são afetadas por problemas expressos na cobertura e na fidedignidade dos dados registrados, em particular o preenchimento incompleto das causas de óbitos. Esses fatores podem prejudicar substancialmente o monitoramento, a análise e a avaliação da situação de saúde, e induzir a escolhas e decisões impróprias na gestão de ações e políticas públicas em saúde1-3.
Ao avaliar níveis e padrões de mortalidade no Brasil, é fundamental a elaboração de estratégias que minimizem o viés de informação devido à subenumeração de óbitos no Sistema de Informações sobre Mortalidade-SIM, seja como efeito do óbito não informado, do óbito informado com causa mal definida-CMD, ou ainda, das causas de óbito com diagnóstico inespecífico ou incompleto. Essa recomendação também é procedente para os óbitos por acidentes e violências, que são mais bem notificados e classificados que as demais causas4.
Com um volume não desprezível, os óbitos por causas externas devem ser bem avaliados. Na década de 1990, mais de um milhão de pessoas morreram por essas causas no Brasil, das quais cerca de 40% foram por homicídios. As causas externas representam a terceira maior causa de morte no país desde o início dos anos de 2000, constituindo sério problema social com intensas repercussões na saúde pessoal e coletiva5.
Atos da administração normatizam lei ao determinar que nenhum sepultamento seja feito sem certidão6. O Conselho Federal de Medicina7 e o Ministério da Saúde8,9 editaram atos que regulamentam a responsabilidade médica no fornecimento da Declaração de Óbito-DO, utilizada para o registro público e alimentação do SIM, destacando que a DO deverá, obrigatoriamente, ser fornecida pelos serviços médicos legais – IML nos casos de mortes não naturais. Mesmo nas localidades sem assistência médica, a DO deveria ser preenchida nas delegacias de polícia ou nos cartórios, fazendo constar que se tratava de morte por causa externa. Essas determinações legais favorecem a melhor captação do registro de mortes violentas10.
Métodos baseados em técnicas demográficas têm sido utilizados para avaliar a cobertura do registro de óbitos11,12. Entretanto, a literatura não aponta uma única metodologia mais adequada para estimar a mortalidade “real”13. Além disso, esses métodos não têm o caráter de continuidade necessário para avaliar ações de saúde. Mais recentemente, a busca ativa de óbitos tem sido considerada uma estratégia promissora para identificar mortes não captadas pelo SIM. A pesquisa realizada no Nordeste e Amazônia Legal14 representa um modelo de estudo capaz de produzir fatores de correção e estimativas coerentes e confiáveis a partir da metodologia do resgate de informações associada a modelos estatísticos, agregando capacidade de generalização dos resultados.
Em 2011, foram notificados ao SIM 1.170.498 óbitos no Brasil. A subnotificação estimada passou de 9% para 6% entre 2000 e 2011, ao passo que os óbitos registrados com CMD diminuíram de 14% para 7%15. Os resultados são devido a um conjunto de ações que normatizam prazos para a transferência dos dados, estabelecendo regras para a suspensão da transferência de recursos9,16. Não obstante a elevada cobertura nacional e a redução das CMD, o sistema apresenta condições menos favoráveis nas regiões Norte e Nordeste, com proporção de CMD em 2011 de 11% e 8%, respectivamente15.
Torna-se, portanto, necessário dimensionar também a magnitude das CMD e buscar metodologias de redistribuição, e assim precisar seus impactos na mortalidade por causas externas. Não há consenso, no entanto, sobre como lidar com este problema. Alguns pesquisadores têm proposto a redistribuição das mortes por CMD baseada na distribuição proporcional com que ocorrem as causas dentre as mortes por causas bem definidas. Entretanto, essa metodologia tem sido considerada não satisfatória, em particular no caso de exclusão das causas externas depois de achados de ocorrência de violências e acidentes entre CMD investigadas10,17-19.
A relação entre a cobertura do SIM e o percentual de CMD tem sido em geral inversa: comparando 1980-1991 com 2000-2010, verificou-se aumento da cobertura de óbitos de 80% para 95% no país, com redução de 53% das causas mal definidas de morte12. Esses dois fatores atuariam de forma sinérgica na melhoria da qualidade da informação sobre causas externas. Por outro lado, pode ocorrer a migração de óbitos como sugere estudo sobre um possível erro de classificação de suicídios em envenenamento não intencional nos Estados Unidos20.
As DO por causas externas nem sempre apresentam informações precisas sobre o tipo de acidente ou violência que levou à morte. Em 2012, 21% (n = 152.013) das causas externas foram registradas como sendo de intenção indeterminada ou com diagnósticos incompletos21. O expressivo número de mortes de causas externas não definidas pode ser um dos principais indicadores de má qualidade dos registros produzidos pelo sistema médico legal, na medida em que reflete a sua capacidade de não aferir adequadamente o motivo que levou ao óbito, bem como de limitações no acesso a serviços de referência para o esclarecimento da morte nos municípios.
O preenchimento correto da causa de mortalidade firma-se na qualidade do exame pericial do médico legista que, por sua vez, depende das condições materiais de trabalho, da atualização dos profissionais, e da coleta de informações minuciosas sobre a cena em que o evento ocorreu. Os médicos legistas não poucas vezes colocam no atestado somente a natureza da lesão, negligenciando o tipo de causa externa. Esse fato levou o Ministério da Saúde a incluir variáveis na DO que informam as prováveis circunstâncias da morte não natural, as quais, entretanto, nem sempre são preenchidas22,23. Alguns estudos, contudo, verificaram que os IML comumente dispõem de dados detalhados, mas não os transcrevem para as DO4,23-25. Condição semelhante foi observada em estudo de validação das causas de óbitos em Barcelona26.
Dessa forma, apesar das causas externas serem usualmente mais bem informadas e declaradas, pode ocorrer subenumeração dessas mortes devido à perda de casos decorrentes de óbitos não captados pelo SIM, ou ocultos entre CMD e causas externas não definidas. Torna-se então importante avaliar a qualidade do registro de morte por causa externa no SIM e métodos propostos de correção dos dados. Assim, o objetivo do presente estudo foi realizar uma análise e discussão crítica da literatura sobre métodos de correção da mortalidade por acidentes e violências notificados ao SIM. Procurou-se disponibilizar uma visão abrangente desses métodos com identificação de questões que necessitem de evidência, auxiliando na orientação para investigações futuras.
A revisão bibliográfica sobre o tema proposto cumpriu três etapas. Primeiramente, buscou-se explicar como o problema em questão vem sendo pesquisado, especialmente do ponto de vista metodológico. Em seguida, identificar as contribuições ao conhecimento do tema, as principais lacunas, os entraves teóricos e/ou metodológicos, e os métodos de correção das causas externas de mortalidade, condensando evidências e pontos importantes do problema. Ao final, foi possível potencializar a qualidade e a extensão da pesquisa mediante a apreciação crítica e a síntese da informação selecionada27.
O termo causas externas se refere aos fatores externos ao organismo humano provocados por causas acidentais e violências. Os acidentes podem ser caracterizados como um acontecimento imprevisto, em geral indesejável, que produz lesões de caráter traumático. As violências são caracterizadas por uma ação brutal e prepotente que em geral faz uso de força, armas ou outros meios agressivos. Podem ser autoprovocadas (suicídio) ou infligidas por outra pessoa (homicídio)28.
Os óbitos por causas externas considerados não definidos podem ser reunidos em dois grupos, adaptados da proposta de Mello-Jorge et al.4. O primeiro, totalmente não definido, ocorre quando não é possível determinar se um óbito foi devido a um acidente, lesão autoinfligida ou agressão. São os eventos cuja intenção é indeterminada, códigos Y10-Y34 da 10ª. Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)29. O outro é o de diagnósticos incompletos nas causas externas: acidentes de transporte não especificados (V87-V89, V99); demais acidentes não especificados (queda sem especificação-W19, afogamento não especificado-W74, exposição a tipo não especificado de fogo ou chamas-X09, acidentes por exposição a fatores não especificados-X59); suicídio por meios não especificados (X84); homicídio por meios não especificados (Y09).
Para identificação das publicações realizou-se busca de informações nas bases das bibliotecas eletrônicas Medline e Scielo, e ainda no site de publicações do Global Burden of Disease (GBD), com filtro para artigos completos de acesso livre em português, inglês ou espanhol, publicados entre 1996 e 2015. Tal período foi definido em razão do início da utilização da CID-10 em 1996 no Brasil. Os descritores na busca foram: information systems and Brazil, mortality records and Brazil external causes and Brazil, under registration and Brazil, e cause of death and Brazil. Foram selecionadas publicações segundo o critério de serem estudos que, ao analisar a qualidade da declaração do registro de causa de morte, produziram estimativas para possibilitar correções de óbitos por causas externas registrados no SIM. A partir das palavras-chave, o levantamento bibliográfico baseou-se nos títulos, resumos, e leitura dinâmica do texto. Após a seleção, todos os artigos foram avaliados com leitura e análise criteriosa do texto completo. Foram excluídas as publicações não relacionadas a óbitos por causas externas no SIM e que não empregaram correção do registro dessas mortes ou não publicaram os valores propostos para correção.
O levantamento das publicações compôs um arquivo dos textos lidos, utilizado como instrumento para sistematização dos apontamentos das leituras por meio do fichamento30. A exploração de conteúdos dos artigos incluídos na revisão permitiu uma série de anotações que serviram para se referir aos estudos no momento da discussão, comparação, e análise de aspectos metodológicos e evidências importantes na estimativa e correção dos óbitos por acidentes e violências.
Os artigos foram organizados em três grandes grupos temáticos: 1) artigos com estimativas do sub-registro de causas externas entre óbitos não informados ao SIM; 2) artigos com identificação de causas externas entre causas mal definidas declaradas ao SIM; e 3) artigos com reclassificação das causas externas não definidas ou com diagnósticos incompletos no SIM. Cada grande grupo foi caracterizado quanto aos procedimentos empregados, síntese dos principais achados, incluindo valores das estimativas para a correção dos óbitos, local e período de coleta, e limitações. Por sua vez, os aspectos metodológicos e de procedimentos de correção da mortalidade por causas externas foram classificados em: 1) métodos com base em modelos estatísticos, e 2) métodos com base no resgate de informações, por investigação de campo ou pareamento de bancos de dados.
A revisão da literatura levou à seleção inicial de 77 trabalhos, com 30 artigos separados para leitura completa, dos quais 17 tinham como tema central a correção da mortalidade por causas externas e 13 tratavam da qualidade dos dados de mortalidade por causas externas. Ao final, foram selecionados 14 artigos, publicados entre 1999 e 2014, que atendiam diretamente ao recorte do objeto deste estudo (Figura 1).
Figura 1 Fluxograma da busca e seleção dos estudos sobre métodos de correção da mortalidade por acidentes e violências notificados ao Sistema de Informações sobre Mortalidade.* Sistema de Informações Hospitalares do SUS.
Os três grandes grupos temáticos publicados apresentaram perfil homogêneo, cada um somando pelo menos quatro investigações realizadas a partir da década de 1990. A maior parcela das pesquisas utiliza principalmente métodos de estudo de campo para resgate da informação, e se refere a informações locais (n = 11) tendo, portanto, reduzida capacidade de generalização dos resultados. Outras investigações ampliaram a correção dos óbitos por causas externas para uma base nacional (n = 3), utilizando principalmente modelos estatísticos. Alguns trabalhos foram publicados há mais de 10 anos, mas a maioria a partir de 2005 (Quadro 1). A subenumeração de óbitos por causas externas é, portanto, preocupação recente dos pesquisadores, com estudos ainda relativamente escassos no país, condição possivelmente condicionada pela convicção desse tipo de morte ser mais bem informado4. Por outro lado, a melhoria dos registros do SIM15, a redução da magnitude de determinadas mortes na saúde da população, como as infantis e as maternas31,32, e o aumento da participação das causas externas no perfil epidemiológico5, abrem espaço na agenda política, de gestão e pesquisa para a apreciação mais atenta da produção de registros de vítimas por acidentes e violências. Cabe destacar também que essas causas só foram admitidas como problemas no setor saúde por organismos internacionais a partir da década de 1990, período relativamente recente33.
Quadro 1 Síntese das publicações selecionadas sobre a qualidade da declaração do registro de causa de óbito por acidentes e violências no Sistema de Informações sobre Mortalidade-SIM, Brasil.
Grandes grupos temáticos | n. de publicações | tipo de método | ano da publicação |
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1. Correção do subregistro de óbitos por causas externas | Total de 4 estudos de estimativas de óbitos, que corrigem o subregistro de causas extermas, 3 referem-se a informação local, e 1 a dados nacionais. | 3 aplicaram métodos com base no resgate de informações, e 1 com base em modelos estatísticos. | 200334, 200737, 201036, 201435. |
2. Reclassificação das causas mal definidas de morte, especificamente com a classificação das causas externas | Total de 4 estudos de reclassificação dos óbitos por causas mal definidas, que corrigem causas externas, 3 referem-se a informação local, e 1 a dados nacionais. | 4 aplicaram métodos com base no resgate de informações. | 200210, 200617, 201036, 201418. |
3. Correção da má classificação das causas externas de mortalidade | Total de 6 estudos de estimação das causas específicas de mortalidade de causas externas, que corrigem a má classificação, 5 referem-se a informação local, e 1 a dados nacionais. | 4 aplicaram métodos com base no resgate de informações, e 2 com base em modelos estatísticos. | 199924, 20024, 200740, 201222,41, 201442. |
No primeiro grupo temático (Quadro 2), dos quatro estudos revisados sobre subnotificação de óbitos, três efetuaram resgate de informações em investigações de campo, com variados procedimentos: busca ativa em cemitérios para identificar registros não coletados pelo SIM na capital do Ceará34, resgate em livros de inquérito da Polícia Civil em município de médio porte de Minas Gerais35, e recuperação de óbitos em variadas fontes de informações em amostra de 10 municípios de pequeno e médio porte de Minas Gerais36. Uma pesquisa propôs métodos matemáticos por meio de estimadores bayesianos, verificando o sub-registro por unidade federada37.
Quadro 2 Detalhamento das publicações com estimativas do sub-registro de causas externas entre óbitos não informados ao Sistema de Informações sobre Mortalidade-SIM, Brasil.
Referência (autores/ ano de publicação) | Desenho de estudo e método | Principais achados | Local e período de coleta | Limitações |
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Façanha et al., 200334. | Resgate de informações: investigação de campo de óbitos em oito cemitérios de Fortaleza e região metropolitana do Ceará; –. Fonte: registro no cemitério. |
–. Subregistro de óbitos em Fortaleza: 1.382 (10,6%) em 1999, e 1.502 (12,5%) em 2000, coberturas 89,4% e 87,5%; –. Causas externas entre óbitos resgatados: 191 (11,7%) e 184 (99,5%); –. Subregistro de causas externas: 11% (1999) e 11,4% (2000). |
Fortaleza-CE. Dados 1999, 2000. |
–. Os cemitérios não apresentaram bons registros da causa de óbito (54% de mal definidas ou ignoradas); –. O estudo não apresenta as proporções de correção dos óbitos por causas. |
Cavalini e Leon, 200737. | Modelo estatístico: técnicas de correção de subregistro dos óbitos por meio de estimadores bayesianos empíricos de James-Stein, modificados para eventos em áreas geográficas delimitadas, aplicadas as correções em municípios (a mesorregião). |
–. Subregistro de óbitos: 5,9% Brasil, cobertura 94,1%; Ceará correção de 8%, mesorregião da capital 3,4% (coberturas 92% e 96,6%); MG correção de 6,9%, mesoregião da capital 3,6% (coberturas 93,1% e 96,4%); –. Subregistro de causas externas: 5,7% Brasil; 4,8% SE; 5,4% S; 5,5% CO; 5,9% N; e 7,6% NE. |
Brasil, regiões, UF. Dados, 2001. |
–. Baseia-se em modelagem da ocorrência das causas informadas, e não no resgate das informações após investigação de campo; –. É condicionada pelos dados populacionais, em particular, por estimações populacionais em anos intercensitários. |
Campos et al., 201036. | Resgate de informações: investigação de campo de óbitos em 10 municípios (amostra), com uso de Autópsia verbal (informações verbais e de prontuários) na definição das causas de morte dos óbitos não notificados ao SIM; –. Fontes: Serviço de Epidemiologia; Comitês de investigação de óbito; hospital; centros de saúde; informantes-chave; cartório; cemitério; setor da Prefeitura responsável por sepultamentos; e os quatro Postos de Medicina Legal (PML) da região. |
–. Subregistro de óbitos: 206 (26,4%), cobertura 73,6%; DO localizadas 121 (58,7%); –. Causas externas entre óbitos regatados: 55 (26,7%), com 37 DO localizadas e 18 eventos investigados; –. Subregistro de causas externas: 68,8%; aumento de 25 para 80 casos. |
“Municípios da Macrorregião Nordeste de MG. Dados 2007.” |
–. Não realização da autópsia verbal em áreas sem PSF/ ACS, principalmente na zona rural (32% de perdas); |
Melo et al., 201435. | Resgate de informações: investigação de campo de óbitos por causas externas em livros de Inquérito da Polícia Civil do município e, de forma complementar, artigos de um jornal de circulação local; esses dados foram emparelhados com os registros do SIM; –. Fonte: Inquérito da polícia civil. |
–. Subregistro de causas externas: 104 (21%) num total 495; –. Das causas externas resgatadas: 60 (57,7%) são agressões, 19 (18,3%) intenções indeterminadas, e 14 (13,5%) acidentes de transporte; 7 (6,7%) suicídios, 4 (3,8%) outros acidentes; –. Subregistro por causas: 60 (36,8%) homicídios, 14 (11,2%) acidentes de transporte, 7 (12,3%) suicídios, e 4 (8,5%) outros acidentes. |
Viçosa, MG. Dados 2000 a 2009. |
–. Listagem provisória dos óbitos notificados ao SIM estadual. –. Por impossibilidade de distinguir, nos Livros de Inquérito da Polícia Civil, a residência das vítimas, todos os óbitos foram considerados como sendo de Viçosa, independentemente do município de residência da vítima. |
Os estudos desse primeiro grupo exibem vantagens e também desvantagens decorrentes do modelo. Pesquisas de campo de busca ativa em amplas localidades geográficas e variadas fontes como a de Campos et al.36 exigem maior logística, comumente com custo mais elevado. Esse estudo apresentou perdas de 32% em áreas predominantemente rurais. O resgate de informação em município específico34,35, e restrição a fonte única de investigação, particularmente cemitérios34, trouxe a desvantagem de captar óbitos com alta proporção de CMD ou ignoradas (54%). Além disso, determinadas fontes podem levar a maior resgate de um tipo particular de causa, tal os inquéritos da polícia civil35 que favorecem mais a identificação de homicídios. A facilidade de aplicação do modelo estatístico37 apresenta como desvantagem basear-se em modelagem a partir da ocorrência das causas definidas informadas no SIM, mas em compensação possibilita avaliar o grau de cobertura de óbitos por grupos etários em pequenas áreas38 (Quadro 2).
Embora os estudos selecionados apresentem propostas de correções do sub-registro de causas externas no SIM para recortes geográficos e temporais distintos, ainda assim é possível fazer comparações dos achados nos dois diferentes métodos. O resgate de dados em cemitérios34 identificou 13,6% de sub-registros de óbitos por causas externas na capital do Ceará, em 2000, enquanto o trabalho que usou modelos estatísticos37 publicou 7,6% de sub-registros para a região Nordeste em 2001. O primeiro estudo encontrou proporção de correção bem superior que o segundo, particularmente mais evidente por corrigir dados de uma capital, onde se espera que os dados sejam mais bem notificados, em acordo com pesquisa que mostra o aumento da cobertura do SIM conforme cresce o porte populacional dos municípios14. Isso pode indicar que o modelo estatístico subestima óbitos por causas externas no Nordeste. Na região Sudeste, o método que trabalhou com autópsia verbal36 encontrou 55 óbitos por causas externas (26,7%) entre os totais não notificados em municípios de pequeno e médio porte da macrorregião do Nordeste de MG, em 2007. E a investigação dos registros de inquérito da Polícia Civil35 identificou sub-registro de 21% das mortes por causas externas no município de médio porte de Viçosa-MG, no período de 2000 a 2009, com maiores valores de sub-registro para homicídios. Essas evidências chamam a atenção para a necessidade de considerar problemas na captação de óbitos por acidentes e violências, especialmente em municípios menores. Deve ser visto com cautela, portanto, o pressuposto de que tais óbitos são mais bem captados pelo SIM que os de causa natural2,3,39 (Quadro 2).
Investigações de campo apresentaram o benefício acessório de apontar fatores que mais contribuíram para retratar o volume subenumerado, por lidar com imperfeições e impasses materiais do processo de esclarecimento das mortes por causas externas. A depender da fonte utilizada, uma causa de óbito pode ser mais tipicamente coletada que outra, a exemplo dos dados da polícia mais sensíveis em identificar causas violentas. Os cemitérios podem ser boas fontes de recuperação de óbitos, mas possuem limitações no registro das causas. Cerqueira22 cogita ainda um tipo de sub-registro de homicídios em determinadas cidades, onde não seria incomum traficantes de drogas e milicianos desaparecerem com o corpo da vítima.
No segundo grupo temático, os artigos sobre CMD registradas no SIM corrigiram a subinformação de óbitos por causas externas a partir de investigações de campo para a recuperação da informação e reclassificação das CMD10,17,18,36. Diferentes estratégias foram usadas para definição da causa de morte, desde consulta a uma fonte de dados como o Sistema de Informações Hospitalares-SIH17, ou a fontes variadas, como prontuários hospitalares, IML e coleta de dados em domicílios por entrevistas10 ou autópsia verbal36, além de resgate de informações sobre óbitos investigados no SIM18 (Quadro 3).
Quadro 3 Detalhamento das publicações com identificação de causas externas entre causas mal definidas no Sistema de Informações sobre Mortalidade-SIM, Brasil.
Referência (autores/ ano de publicação) | Desenho de estudo e método | Principais achados | Local e período de coleta | Limitações |
---|---|---|---|---|
Mello-Jorge et al., 200210. | Resgate de informações: investigação de campo de 256 causas básicas mal definidas-CMD, excluídas perdas (13%); –. Fontes: entrevistas em domicílios, hospitais, Institutos de Medicina Legal. |
–. Classificação após investigação: 4,3% (11) de causas externas entre investigados (256); –. CMD reclassificada: 6% (11) de causas externas entre investigados com causa definida (182); –. Aumento de 1,2% das causas externas, de 951 para 962; subinformação 1,1%. |
15 Municípios (SP, SE e MT). Dados 4° trimestre de 2000 | – 28,9% (74) dos óbitos permaneceram mal definidos, excluídas perdas. |
Teixeira et al., 200617. | Resgate de informações: relacionamento probabilístico de 10.692 registros de CMD no SIM (excluídas perdas, 15%) com os registros do SIH/SUS de 1997 e 1998; –. Fonte: SIH/SUS. |
–. Classificação após investigação: 1,1% (116) de causas externas entre investigados (10.692); CMD reclassificada: 5,4% (116) de causas externas entre investigados com causa definida (2.133); –. Aumento de 0,7% das causas externas, de 15.822 para 15.938; subinformação 0,7%. |
Estado do RJ. Dados 1998. | – 80,1% (8.564) dos óbitos permaneceram mal definidos, excluídas perdas. |
Campos et al., 201036. | Resgate de informações: investigação de campo de 151 CMD, excluídas perdas (25%), em 10 municípios (amostra), –. Fonte: Médicos generalistas treinados analisaram os formulários de autópsia verbal (informações verbais e de prontuários). |
–. Classificação após investigação: 12,6% (19) de causas externas entre investigados (151), permaneceram CMD 14,6% (22); -CMD reclassificada: 14,7% (19) de causas externas entre investigados com causa definida (129); –. Aumento de 76% das causas externas, de 25 para 44; subinformação 43,2%. |
“Municípios da Macrorregião Nordeste de MG. Dados 2007.” |
–. Não realização da autópsia verbal em áreas sem PSF/ ACS, principalmente na zona rural (32% de perdas); –. Listagem provisória dos óbitos notificados ao SIM estadual. |
França et al., 201418. | Resgate de informações: reclassificação de CMD baseada em investigação de campo registradas no SIM, 29.486 (30,3%) de óbitos com CMD investigados; –. Fonte: óbitos investigados no SIM. |
–. Classificação após investigação: 6,1% (1.796) de causas externas entre investigados (29.486); –. CMD reclassificada: 9,3% (1.796) de causas externas entre investigados com causa definida (19.303); –. Aumento de 1,3% das causas externas, de 141.360 para 143.156; subinformação 1,3%. |
Brasil. Dados de 2010. |
–. 34,5% (10.183) dos óbitos permaneceram mal definidos; –. O SIM pode subestimar os óbitos investigados. O sistema só registra a causa básica original e básica final quando informa que houve investigação. Quando uma investigação realizada não é informada no SIM, a causa básica original é perdida, ficando causa básica original igual a causa básica final. |
Desses estudos, três aplicaram procedimentos em localidades específicas. Os registros hospitalares não podem ser ignorados, mas o uso isolado do relacionamento de registros nominais do SIH com o SIM17 para a reclassificação das CMD pode afetar a correção da subinformação de causas externas, dado que esclareceu apenas 16% das causas de mortes investigadas. Ademais, menos de 40% dos óbitos por causas externas tiveram como local de ocorrência hospitais, em 201321. A pesquisa com uso de autópsia verbal não investigou 25% das CMD, perdas prevalentes na zona rural36. Outro trabalho10, com uso de várias fontes de investigação, não esclareceu cerca de um terço dos óbitos. O estudo com a base nacional de óbitos investigados do SIM18 pode ter sido afetado pela ocorrência de subestimação das investigações realizadas43, por erros de fluxo ou no processamento do dado.
O método de resgate de informações empregado por Mello-Jorge et al.10 em 15 municípios dos estados de São Paulo, Mato Grasso e Sergipe, em 2002, reclassificou 6% das CMD em causas externas, corrigindo a subinformação de mortalidade por violências e acidentais em 1,2%. O SIH17 proporcionou a identificação de 5,4% de causas externas entre as CMD, aumentando-as em 0,7% no estado do Rio de Janeiro, em 2006. Estudo de autopsia verbal36 definiu 85,4% (n = 129) das CMD investigadas em 2007, e 14,7% das causas definidas foram reclassificadas como externas, elevando-as em 76%. A reclassificação das CMD, baseada em investigação no SIM18, encontrou 9,3% de causas externas para o Brasil, corrigindo esse tipo em 1,3%, em 2010. Ao identificarem causas externas entre os óbitos com CMD, as pesquisas reforçam a não aceitação dos procedimentos que consideram somente as causas naturais na redistribuição de CMD.
No terceiro grupo temático deste estudo, são propostos métodos de correção das causas específicas de acidentes e violências (Quadro 4). Dentre seis estudos avaliados, quatro adotam o resgate de informações junto a IML4,24,40, enquanto outro reúne dados de notícias veiculadas em jornais41. Essas pesquisas se diferenciam no escopo de óbitos por causas externas considerados mal classificados, sendo que a maioria24,40,41 analisou aqueles com intenção indeterminada (códigos CID-10 Y10-Y34) e acidentes não especificados (código X59). Mello-Jorge et al.4 consideraram outros eventos com diagnóstico incompleto. O estudo de Drumond Júnior et al.24 apresentou alta proporção de óbitos que se mantiveram com intenção indeterminada após investigação (66,4%). Mello-Jorge et al.4 incluíram como fonte adicional de pesquisa o domicílio, mostrando-se mais eficientes em qualificar as causas externas com má classificação, pois esclareceram quase 79% destas, desempenho um pouco superior aos resultados (70%) de Matos et al.40. Estudo a partir de notícias de jornais apontou limitações relacionadas a essa fonte, como a supervalorização de aspectos não esclarecidos e a não divulgação de suicídios41.
Quadro 4 Detalhamento das publicações com a reclassificação das causas externas não definidas de mortalidade no Sistema de Informações sobre Mortalidade-SIM, Brasil.
Referência (autores/ ano de publicação) | Desenho de estudo e método | Principais achados | Local e período de coleta | Limitações |
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Drumond Jr, 199924. | Resgate de informações: investigação de campo de 550 óbitos, excluídas perdas (3,3%), 297 (54%) acidentes não especificados (X59/CID-10) e 253 (46%) eventos com intenção indeterminada (Y10-Y34); –. Fontes: documentos do IML (boletins de ocorrência da polícia, que acompanham os corpos, conclusões dos laudos de necropsia, e fichas de encaminhamento do corpo do hospital ou Serviço de Verificação de Óbitos). |
–. Classificação após investigação X59: 66% (196) receberam melhor qualificação; acidentes de transporte terrestre-ATT (32,6%), quedas (14,5%), homicídios (7%) e suicídios (2%); 13,1% (39) permaneceram X59 e 20% (62) migraram para Y10-Y34; –. Reclassificação X59: 49,5% (97) ATT, 21,9% (43) quedas, 10,7% (21) homicídios e 3,1% (6) suicídios, entre investigados com causa definida; –. Classificação após investigação Y10-Y34: 33,6% (85) receberam melhor qualificação; quedas (10,6%), ATT (9,1%), homicídios (7,5%) e suicídios (2%); –. Reclassificação Y10-Y34: 31,8% (27) quedas, 27,1% (23) ATT, 22,4% (21) homicídios e 5,9% (5) suicídios, entre investigados com causa definida; –. Aumento de 7% de ATT (subinformação 6,6%), 13,4% de quedas (subinformação 12%); 2,2% de suicídios (subinformação 2%); 0,8% de homicídio (subinformação 1%). |
Município de SP. Dados 1996. |
–. 66,4% (168) dos óbitos permanceram com intenção indeterminada; –. Analisa o ano de 1996, quando o SIM deixa de usar a CID 9 para usar a CID 10. Perído atípico de transição, que pode influenciar a codificação. |
Mello-Jorge et al., 20024. | Resgate de informações: investigação de campo de 156 óbitos de dois grupos de causas externas não definidos: 83 totalmente não definido (Y10 a Y34, CID-10); e 73 diagnósticos incompletos: ATT não especificados (V89); demais acidentes não especificados (quedas-W19, óbitos afogamentos-W74, acidentes com fogo ou chamas-X09, exposição acidental a fatores-X59); suicídios não especificados (X84); e homicídios não especificados (Y09). –. Fontes: institutos de Medicina Legal e Delegacias de Polícia (laudos e Boletins de Ocorrência) e domicílios dos falecidos. |
–. Esclarecimento de quase 79% das causas não definidas, 82,3% entre totalmento mal definidas, e 76,1% entre diagnósticos incompletos; –. Classificação após investigação Y10-Y34: 82,3% (68) receberam melhor qualificação; homicídios (32,4%), acidente de transporte (27,9%), demais acidentes (13,2%) e suicídios (5,9%); excluídas perdas (18,1%); –. Reclassificação Y10-Y34: 39,3% (22) homicídios, 33,9% (19) acidentes de transporte, 16,1% (9) demais acidentes, e 7,1% (4) suicídios, entre investigados com causa definida; –. Classificação após investigação ATT não especificado (V89): 76,5% (26) receberam melhor classificação, 41,3% ocupante veículo motor, 20,6% motociclista, 11,8% pedestre, e 2,9% ciclistas; –. Reclassificação V89: 53,9% (14) ocupante veículo motor, 26,9% (7) motociclista, 15,4% (4) pedestre, e 3,9% (1) ciclistas, entre investigados com causa definida; –. Aumento de 67% de acidentes de transporte (subinformação 40,1%), 66,7% de demais acidentes (subinformação 40%), 23,5% de suicídios (subinformação 19%), 40,6% de homicídios (subinformação 28,9%). |
15 Municípios (SP, SE e MT). Dados 4° trimestre de 2000 | |
Matos et al., 200740. | Resgate de informações: Investigação de campo de 445 óbitos, excluídas perdas (22%); 70 acidentes não especificados (X59/CID-10), e 375 eventos de intenção indeterminada (Y10-Y34),; –. Fontes: documentos do IML (Laudo de Perícia Médica, solicitação de Perícia Médico Legal, relatórios médicos de encaminhamento do corpo e resultados de exames toxicológicos). |
–. Classificação após investigação X59: 82,9% (58) receberam melhor qualificação, maioria acidentes (68,6%), acidentes de transporte (34,3%), quedas (18,6%), outros acidentes especificados (12,8%), homicídios (10%), e suicídios (2,9%); Reclassificação X59: 41,4% acidentes de transporte (24), 22,4% quedas (13), 15,5% outros acidentes especificados (9), 12,1% homicídios (7), e 3,4% suicídios (2), entre investigados com causa definida; –. Classificação após investigação Y10-Y34: 70,7% (265) receberam melhor qualificação, maioria acidentes (40,3%), homicídios (20,8%), acidentes de transporte (19,5%), quedas (12,8%), suicídios (9,3%), e outros acidentes (6,4%); –. Reclassificação Y10-Y34: 29,4% homicídios (78), 26% acidentes de transporte (69), 18,1% quedas (48), 13,2% suicídios (35), e 9,1% outros acidentes (24); –. Maior aumento para os acidentes automobilísticos (33,3%) e quedas (28,4%), e ainda, 12,9% mais suicídios e 5,7% mais homicídios. |
Belo Horizonte-MG. Dados 1998 a 2000. | |
Cerqueira D, 201222. | Modelo estatístico: modelagem matemática (econométrico) das características associadas a cada incidente violento define a predição probabilística quanto à intenção do evento entre as causas de intenção indeterminada (Y10-Y34); –. Modelo de regressão multinomial logística reclassifica os óbitos com causa indeterminada em homicídios, suicídios ou acidentes (excluídos acidentes de transporte); –. Fonte: SIM |
–. Capacidade preditiva do modelo considerável, R2 de 82,3%. O modelo foi capaz de acertar 97,1% e 99% dos casos envolvendo acidentes e homicídios, respectivamente. Com muito menor acurácia em relação aos suicídios, 51,7%; –. De 2002 até 2006, o modelo previu que o número de mortes por acidentes seria cerca de 3% acima do número registrado. A partir de 2008 essa diferença seria de cerca de 6%. De 2000 a 2006, cerca de 22% dos homicídios estavam “ocultos”. A partir de 2007, essa diferença aumentou substancialmente, alcançando 62,5% em 2009. |
Estado do RJ. Dados 2000 a 2009. | – o modelo não foi tão satisfatório para suicídios; e excluiu os acidentes de transporte. |
Villela et al., 201241. | Resgate de informações: investigação de campo de 153 óbitos por causas externas em três jornais de grande circulação estadual e um nacional; –. Fonte: imprensa escrita. |
–. Após investigação, 33% (7) permaneceram intenções indeterminadas (Y10-Y34), e 12 foram qualificadas como agressões (6) e acidentes de transporte (5), e os 16 acidentes de transporte não especificados foram qualificados; –. Entre os óbitos investigados houve aumento de 14,3% dos acidentes de transporte, com aumento de 220% (n=22) nos acidentes de automóveis e 100% de motos (n=6), e 5,6% (n=76) de homicídios. |
Belo Horizonte-MG. Dados de 2008. |
–. Suicídios geralmente não são divulgados nos jornais; –. A mídia pode supervalorizar aspectos ainda não comprovados ou esclarecidos; –. Informação incompleta das vítimas em parte considerável das notícias de imprensa. |
Global Road Safety Facility, 201442. | Modelo estatístico: Global Burden of Disease-GBD sobre transporte de trânsito motorizado se baseia no GBD 2010, usa o Cause of Death Ensemble Modeling-CODEm para estimar a mortalidade por lesão de trânsito em todos os países. - O CODEm é um instrumento analítico usado no GBD 2010, que testa uma vasta variedade de possíveis modelos estatísticos de causas de morte e cria um “conjunto” combinado de modelos que oferece o melhor desempenho preditivo. | – Estimou para o Brasil 43.985 mortes por acidentes de trânsito (IC 35.301-52.857) em 2010, e informava como dado oficial 36.499 óbitos (consideram a definição de óbitos até 30 dias da OMS). | Brasil. Dados 2010. | – Sofisticação e complexidade de uma variedade de modelos estatísticos. |
Dois trabalhos aplicaram modelos estatísticos na predição de causas externas específicas22,42. Um deles verifica22 as características associadas a cada incidente violento para predizer a intenção do evento, reclassificando as intenções indeterminadas. Entretanto, exclui os acidentes de transporte do modelo e não foi tão satisfatório para predizer suicídios. O outro trabalho, o Global Road Safety Facility42, baseado no estudo GBD-201044, testa vários modelos estatísticos para estimar mortes no trânsito e, portanto, apresenta a dificuldade adicional de serem modelos complexos, de não fácil reprodução. Além disso, o estudo GBD-2010 propôs alguns fatores de correção que muito possivelmente não eram adequados à realidade brasileira, a exemplo da reclassificação de 40,98% das agressões por meios não especificados como tendo sido por meio de objeto contundente44, diferente dos dados do Brasil que indicam as armas de fogo como principal meio (71,1%)21.
Drumond Júnior et al.24 conseguiram reclassificar a maioria dos acidentes sem especificação (66%) e parte menor das intenções indeterminadas (33,6%), corrigindo os acidentes de transporte terrestre-ATT (7%), as quedas (13,4%), os suicídios (2,2%) e os homicídios (0,8%). Mello-Jorge et al.4 esclareceram 82,3% das intenções indeterminadas, classificando a maioria como homicídio e acidente de transporte, e 76,1% dos diagnósticos incompletos. Os ATT não especificados (código V89) migraram para ocupante de veículo (41,2%), motociclista (20,6%), pedestre (11,8%) e ciclista (2,9%). A reclassificação do conjunto das causas não definidas de causas externas elevou os acidentes de transporte em 67%, os homicídios em 40,6%, e os suicídios em 23,5%. Matos et al.40 esclareceram 82,9% dos acidentes não especificados, 79% reclassificados em causas acidentais, e 70,7% das intenções indeterminadas reclassificadas principalmente em homicídios. O maior incremento após investigação foi para acidentes automobilísticos (33,3%), quedas (28,4%), suicídios (12,9%) e homicídios (5,7%). Villela et al.41 reclassificaram 67% das intenções indeterminadas, elevando os acidentes de transporte em 14,3% e os homicídios em 5,6%. Apesar de divergirem na ordem e magnitude de reclassificação das causas, essas investigações evidenciaram que o IML não utilizou informações disponíveis no próprio Instituto para o preenchimento das DO em capitais do sudeste do Brasil e em outros municípios de São Paulo, Mato Grosso e Sergipe.
Cerqueira22 estimou para o estado do Rio de Janeiro 3% de mortes por acidentes acima do registrado e os homicídios ocultos em 22%, entre 2002 e 2006. No primeiro caso, a subnotificação teria sido elevada para cerca de 6% a partir de 2008, e alcançado 62,5% dos homicídios em 2009. Os óbitos por suicídio não registrados variaram de 44% a 115,6%, entre 2000 e 2009, mesmo com a subestimação do modelo para essa causa. No estudo do Global Road Safety Facility42, 20,5% os óbitos por ATT foram corrigidos em 2010 no país, aumentando de 36.499 para 43.985 mortes. O SIM registrou no referido ano 42.844 óbitos por ATT21.
Estudo sobre a confiabilidade do SIM45 reforça os achados desta revisão, ao identificar causas externas entre CMD e esclarecer causas externas de diagnóstico incompleto, a partir de dados do IML. É necessário que as DO sejam preenchidas por médicos legistas dentro de padrões recomendados, e, por outro lado, as guias de remoção de cadáveres precisam ser mais bem preenchidas em hospitais e delegacias quando do encaminhamento ao Instituto46.
Regiões com piores condições socioeconômicas e de acesso a serviços, incluindo IML, podem apresentar maior subnotificação de óbitos por causas externas em razão de dificuldades adicionais relacionadas à precariedade dos equipamentos de saúde e segurança pública, sobretudo, nos municípios pequenos e médios35,36. Em especial nesses municípios, os sub-registros de óbitos gerais e por causas externas não se mostraram tão distintos. Esse conjunto de evidências questiona interpretações comumente aceitas das causas externas serem mais bem notificadas em qualquer contexto, pois há muito a ser conquistado enquanto os legistas não alcançarem um estágio ideal no preenchimento das DO4.
Enquanto persistirem deficiências é preciso fortalecer a busca rotineira de informações adicionais nos IML, assim como em fontes complementares, como SIH, delegacias, cemitérios, uso de autópsia verbal, imprensa14,17,34,36,41, e mesmo o SINAN no caso de acidentes de trabalho47, compondo rol de variadas fontes que permite a qualificação do preenchimento das diferentes variáveis da DO48-50. No caso específico do suicídio, os 35 Centros de Controle de Intoxicação são fontes especializadas de melhoria dos registros desse evento no SIM, conforme estudo que identificou aqueles por intoxicação exógena entre CMD e intenções indeterminadas19.
Os estudos revisados apresentam evidências relevantes de subenumeração de óbitos por acidentes e violências no SIM, decorrentes de mortes não notificadas, eventos ocultos entre CMD, e má classificação das causas externas registradas. A literatura revisada sustenta um elenco de propostas de desenhos para análise e métodos de correção desses óbitos.
O sub-registro foi verificado em municípios de pequeno, médio e grande porte populacional, inclusive em capital onde se espera melhor cobertura do sistema, com a recuperação de óbitos em variadas fontes de informação. De igual modo, óbitos por causas externas foram identificados entre CMD, inclusive entre causas naturais. Tais problemas reforçam a necessidade da adoção de medidas para a melhoria das informações de mortalidade por causas externas e do uso de estimativas seguras de correção dos dados.
A facilidade de acesso aos dados e o reconhecimento da importância do monitoramento e dos investimentos da gestão pública no aperfeiçoamento das informações vitais resultaram em ampliação da base de dados coletada pelo SIM e melhora do registro da causa básica do óbito na DO14. Esses elementos compõem um contexto favorável para a pesquisa e a gestão do sistema na busca do aprimoramento do SIM, incluindo a incorporação mais sistemática da avaliação da confiabilidade da seleção da causa definida de morte28. É imperativo o compromisso imediato com a demanda de uso de medidas de correção dos dados de mortalidade de causas externas por meio da aplicação de procedimentos e métodos adequados. Dessa forma, apoiar-se-ia a construção de indicadores mais adequados para a deliberação de decisões na gestão e na implementação de ações e programas de prevenção da violência e cuidados à saúde.
Frentes de trabalho podem ser implementadas de modo associado, porque são complementares e não excludentes: uma, aplicar métodos para a correção da mortalidade por causas externas para a produção de indicadores na saúde pública; outra, institucionalizar a investigação das mortes por causas externas não definidas no escopo dos serviços de vigilância de óbito nos municípios, especialmente nas cidades com acesso ao IML, uma vez que as evidências apontam a subutilização das informações disponíveis no próprio Instituto4,23-25. A utilização de modelos de correção das causas externas viabiliza cálculos mais confiáveis de indicadores, sem prejuízo para a continuidade dos esforços dos gestores em direção à redução efetiva da subenumeração da morte por acidentes e violências.
Esses esforços em especial devem ser priorizados, pois metodologias de recuperação de informações são simples, acessíveis e factíveis, e devem ser implantadas ou reforçadas com a finalidade do desejado aprimoramento das estatísticas de mortalidade e a compreensão do processo envolvido na produção da informação em lugares com precariedade dos dados. E assim tornar possível mapear problemas no fluxo e operacionalização do SIM em âmbito local, permitindo o acerto de condutas e o seu aprimoramento4,14,36,51, condições estas que demonstram grande capacidade de qualificação das causas externas.