versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.4 Rio de Janeiro abr. 2019 Epub 02-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018244.09692017
This review sought to identify risk factors and protection from psychic distress among university students. Empirical studies were analyzed in the Web of Science, Medline and Scopus databases. A total of 1,375 articles were located, and after the exclusion criteria were applied, 37 articles made up the final sample, most of which were cross-sectional studies published in the last five years, in developed countries and with students in the health area. The most frequently used instruments for psychic distress screening were the General Health Questionnaire and the Self Reporting Questionnaire, which identified a prevalence of between 18.5% and 49.1% and, as risk factors, conditions related to academic life (24) and to health (22). Twelve studies identified as protective factors: given coping strategies, sense of coherence, self-efficacy, vigor, self-esteem, resilience, among other psychological conditions. This review singles out directions for possible interventions that could contribute to the well-being of students and to stimulate more positive experiences in the educational environment.
Key words: Psychic distress; Mental disorders; Students; Risk factors; Review
Sofrimento psíquico entre estudantes universitários tem sido foco da literatura em saúde. Aproximadamente, 30% dos adultos brasileiros apresentaram transtornos mentais comuns (TMC)1, como encontrado em pesquisa com adolescentes2. Porém, a prevalência deste sofrimento varia segundo a população estudada e os métodos utilizados nas pesquisas3. Estudos realizados com universitários brasileiros, especialmente os da área da saúde, indicam variação de TMC de 18,5% a 44,9%4-11. TMC são estados mistos de depressão e ansiedade, caracterizados pela presença de sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas12 e podem ser investigados por instrumentos de screening. Apesar desses sintomas não atingirem as exigências para serem considerados como transtornos psiquiátricos (DSM-V13; CID-1014) afetam negativamente a vida das pessoas12.
O universitário vivencia mudanças biológicas, psicológicas e sociais15 e se depara com aspectos estressores durante a vida acadêmica. Nos cursos de saúde, o início da prática clínica e a proximidade com o sofrimento e a morte são potenciais estressores15-18. Destaca-se que o sofrimento psíquico entre estudantes pode associar-se à percepção negativa do ambiente acadêmico e à queda na qualidade de vida19,20.
A investigação das características associadas à TMC em alunos possibilita que fatores de risco e proteção sejam identificados, propiciando ações preventivas e de promoção da saúde21-24. Estudos mostram associação de sofrimento com características, como sexo feminino, ser mais jovem, ter baixa renda, baixo apoio social, dificuldade para fazer amigos, avaliar seu desempenho acadêmico como ruim e pensar em abandonar o curso16,25-27. A percepção dos estudantes sobre o ambiente educacional e sua associação com sofrimento psíquico também vem sendo investigado através de instrumentos padronizados28-33. Além disso, a inclusão de aspectos psicológicos, como coping e resiliência, mais recentemente, visam identificar fatores de proteção32,34,35. No entanto, os resultados dessas pesquisas ainda são inconclusivas.
Este estudo propõe-se a identificar, por meio de revisão integrativa, os fatores de risco e de proteção para sofrimento psíquico entre estudantes universitários em produções disponíveis na literatura científica nacional e internacional.
Esta revisão integrativa36 foi desenvolvida a partir de proposta de Ganong37, que estabelece cinco passos: (1) seleção do tema/pergunta; (2) estabelecimento de critérios de inclusão; (3) definição das informações a serem extraídas dos estudos; (4) avaliação dos estudos; (5) interpretação dos resultados; (6) apresentação da revisão36,37. Para atender esses passos, identificou-se o tema e elaborou-se a pergunta central da presente pesquisa: Quais fatores (de risco e proteção) encontram-se associados ao sofrimento psíquico entre universitários, segundo literatura nacional e internacional?
A busca dos dados foi realizada em novembro de 2016. Foram utilizadas três bases de dados: Web of Science, Medline e Scopus. Para garantir o controle de vocabulário e identificação de palavras correspondentes, utilizou-se o Medical Subject Heading Terms (Mesh Terms). Foram elaborados três grupos de palavras-chaves, combinadas pelo método boleano OR e AND: (“common mental disorder” or “psychological distress” or “psychological symptoms”) and (students or “college students” or “undergraduate students” or “university students”) and (“socioeconomic factors” or “socioeconomic factor” or “sociodemographic characteristics” or sociodemographic or “social support” or “psychosocial aspects” or “educational achievements” or “educational achievement” or “educational environment” or “coping behaviors” or “coping behavior” or “coping skills” or “coping skill” or coping or “psychological resilience” or resilience or “psychological factors” or “psychological factor” or “psychological determinants” or “psychological aspects”).
A partir desse conjunto de palavras-chave e para a busca dos artigos que integrariam esta revisão, através dos filtros das próprias bases de dados, estabeleceu-se os seguintes critérios de inclusão: ano de publicação (2006-2016) e língua (português, inglês ou espanhol). Cada referência foi importada para o Software EndNote, através do qual foram excluídas as repetições entre as bases de dados. Após isto, as referências foram transferidas para o Programa Excel-Windows 10, verificando novamente as duplicações.
A primeira etapa da avaliação das referências incluídas constou da leitura dos títulos dos artigos, a segunda da leitura dos resumos, e a terceira e última etapa da leitura e avaliação na íntegra dos estudos. Em todas as etapas, a leitura e a análise dos artigos foram realizadas por dois pesquisadores independentes para evitar vieses de seleção, obtendo-se 90% de concordância entre revisores. Eventuais discordâncias foram discutidas e avaliadas conjuntamente para se estabelecer um consenso.
Na primeira e na segunda etapas excluíram-se os estudos cuja população alvo não era de universitários, em que o desfecho não era sintomas psicológicos, não eram estudos empíricos e não estavam disponíveis para acesso. Na terceira etapa, os artigos foram lidos na íntegra e, para se verificar a pertinência de sua inclusão, utilizou-se as informações: curso acadêmico, total da amostra, país da pesquisa, instrumentos utilizados para medida do desfecho, prevalência de sofrimento psíquico e associações estatisticamente significativas entre as variáveis independentes e desfecho. A partir disso, observou-se uma variabilidade de desfechos investigados (TMC, sintomas ansiosos, depressivos, estresse, e outros transtornos mentais) e de instrumentos utilizados. Optou-se pela inclusão dos estudos que apresentavam como desfecho sofrimento psíquico, em geral, ou TMC12 avaliados por instrumentos de screening padronizados. Considerou-se que esses critérios favoreceriam a obtenção da resposta à pergunta desta revisão. Ambos (restrição do desfecho e uso de instrumentos) foram estabelecidos considerando-se os resultados obtidos por Patel et al.38 que mostraram alta sensibilidade de alguns instrumentos de screening de TMC, em especial, o GHQ-12 e o SRQ-20.
Identificaram-se 1.375 publicações, 568 no Web of Science, 180 no Medline, e 627 na base de dados Scopus. Após a aplicação do critério de ano de publicação e idioma, permaneceram 401 estudos na Web of Science, 122 na Medline e 390 na Scopus. Destes, foram encontradas 281 duplicações, permanecendo 632 estudos. Na primeira etapa, foram excluídos 453 estudos, permanecendo 179. Na segunda etapa, foram selecionados 89 estudos, dos quais 18 não estavam disponíveis para livre acesso nas bases de dados, dois foram excluídos por não apresentarem desfecho sofrimento e dois por não terem universitários como população alvo. Após leitura na íntegra dos artigos, permaneceram 67 estudos; porém, optou-se por excluir 29 que apresentavam como desfecho sintomas específicos e mais um por não ter sido utilizado instrumento padronizado para avaliação de sofrimento psíquico, compondo, assim, amostra final de 37 artigos (Figura 1).
Conforme Tabela 1, 59% foram publicados nos últimos cinco anos, sendo 25% em 2014. Predominaram estudos transversais (97,3%), realizados em países desenvolvidos (59,5%). Do total, 69,4% investigaram fatores associados à TMC e 35,1% investigaram sofrimento psíquico em geral. Os instrumentos mais utilizados foram: General Health Questionaire – GHQ-20, Self repporting Questionaire – SRQ-20 e Kessler Psychological Distress Scale – K-10. Predominaram pesquisas com estudantes da saúde (medicina, odontologia, enfermagem e outros). Em 14 artigos não foi possível obter essa informação.
Tabela 1 Frequência absoluta e porcentagens das características dos estudos incluídos (n = 37).
Variáveis | Categorias | n | % |
---|---|---|---|
Ano | 2006 | 2 | 5,4 |
2007 | 3 | 8,1 | |
2008 | 4 | 10,8 | |
2009 | 2 | 5,4 | |
2010 | 4 | 10,8 | |
2011 | 3 | 8,1 | |
2012 | 3 | 8,1 | |
2013 | - | - | |
2014 | 10 | 27,0 | |
2015 | 3 | 8,1 | |
2016 | 3 | 8,1 | |
Delineamento | Transversal | 36 | 97,3 |
Coorte | 1 | 2,7 | |
Países IDH Muito Alto | Desenvolvidos | 22 | 59,5 |
Países IDH Alto e Médio | Em desenvolvimento | 13 | 35,1 |
Países IDH muito Muito Baixo | Subdesenvolvidos | 2 | 5,4 |
Desfecho | Sofrimento psíquico | 13 | 35,1 |
TMC | 24 | 64,9 | |
Instrumentos | General Health Questionaire-12 (GHQ-12) | 16 | 43,2 |
Self Reporting Questinaire-20 (SRQ-20) | 8 | 21,6 | |
Kessler Psychological Distress Scale-10 (K-10) | 5 | 13,5 | |
Mental Health -5 (MH-5) | 2 | 5,4 | |
Brief Symptom Checklist-53 (SC-53) | 2 | 5,4 | |
Overall Mental Health Index (MHI) | 1 | 2,7 | |
Symptom Checklist-90 (SC-90) | 1 | 2,7 | |
Outcome Questionnaire-45 (OQ-45) | 1 | 2,7 | |
Hopkins Symptom Checklist (HSCL) | 1 | 2,7 | |
Curso | Medicina | 10 | 27,0 |
Medicina e outros cursos da saúde | 2 | 5,4 | |
Enfermagem | 6 | 16,2 | |
Enfermagem e outros cursos da saúde | 2 | 5,4 | |
Enfermagem; Obstetrícia; Educação | 1 | 2,7 | |
Educação | 1 | 2,7 | |
Odontologia | 1 | 2,7 | |
Não identificado | 14 | 37,8 |
*Índice de Desenvolvimento Humano, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2014.
No Quadro 1, as prevalências de TMC obtidas pelo GHQ-12 variaram de 18,5% a 48,7%, sendo inferiores a 20% em estudos realizados com alunos de medicina39,40, na Hungria. Identificou-se prevalências de 20 a 40% em cinco estudos, sendo três realizados em países desenvolvidos (enfermagem)41-43 e dois em países em desenvolvimento (enfermagem e fisioterapia; e em outro não foi possível identificar a população)44,45. Outros cinco estudos, realizados em países desenvolvidos, encontraram prevalências superiores a 40%46-50. Dados obtidos pelo SRQ-20, indicaram variação nas prevalências de sofrimento psíquico de 33,7 a 49,1%, sendo em seis pesquisas brasileiras7-11,51 de 33,7 a 44,9% e em dois na Etiópia52,53 de 40,9 a 49,1%. O instrumento K-10 foi utilizado em cinco pesquisas54-59, com prevalências acima de 50% de sofrimento em dois estudos com alunos de medicina na Arábia Saudita (57% e 63%)54,55 e abaixo de 30% em estudo realizado nos EUA56 e Austrália57.
Quadro 1 Características dos estudos selecionados sobre sofrimento psíquico em estudantes universitários, prevalências, fatores de risco e de proteção.
Ano | Autor | Periódico | Delineamento | Curso | N | País | Desfecho | Instrumento | Prevalência | Associações |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2006 | Frey et al.51 | Psychology of Women Quarterly | transversal | não identificado | 245 | EUA | sofrimento psíquico | Outcome Questionnaire-45 | não menciona | FR: ter dificuldade no relacionamento com amigos, professores e com a comunidade. FP: Receber apoio dos pais; apresentar traço de personalidade autenticidade; apresentar empoderamento; ter bom relacionamento com a comunidade. |
2006 | Lima et al.7 | Revista de Saúde Pública | transversal | medicina | 551 | Brasil-São Paulo | TMC | SRQ-20 | 44,7% | FR: ter dificuldade para fazer amigos; avaliação “ruim” sobre desempenho escolar; pensar em abandonar o curso; não receber apoio emocional de que necessita. |
2007 | Pryjmachuk e Richards52 | International Journal of Mental Health Nursing | transversal | enfermagem | 1362 | Inglaterra | TMC | GHQ12 | não menciona | FR: atuar no atendimento a adultos e a pessoas com necessidades especiais. |
2007 | Pryjmachuk e Richards41 | British Journal of Health Psychology | transversal | enfermagem | 1362 | Inglaterra | TMC | GHQ12 | 33,7% | FR: sentir-se pressionado; ter pelo menos um filho em idade escolar; apresentar estratégia de coping focado na emoção; pensar em abandonar o curso. FP: preocupação com problemas clínicos; sentir-se pouco pressionado; apresentar estratégia de coping focado no problema. |
2007 | Warbah et al.43 | Nurse Educ Today | transversal | enfermagem | 145 | India | TMC | GHQ12 | 20,7% | FR:apresentar característica de personalidade “neurotiscismo”; ter problemas de ajustamento/adaptação na saúde, em casa, na vida social e emocional. FP:apresentar característica de personalidade “extroversão”. |
2008 | Abdulghani53 | Pakistan Journal of Medical Sciences | transversal | medicina | 775 | Arabia Saudita | sofrimento psíquico | K10 | 57% total e 19,6% severo | FR: estar no 1º ano; ter problemas de saúde; excesso de atividades de trabalho/estudo; dias perdidos de trabalho |
2008 | Gorter et al.46 | Eur J Dent Educ | coorte | odontologia | 132 | Europa (5 universidades) | TMC | GHQ12 | 44,0% | FR: estar no 5º ano; apresentar sintomas de estresse e Síndrome de Burnout. |
2008 | Pryjmachuk e Richards37 | Midwifery | transversal | enfermagem | 120 | Inglaterra | TMC | GHQ12 | superior a 40% | FR: referir estresse; tabagismo. FP: apresentar estratégias de coping focado no problema. |
2008 | Stallman54 | Australian Family Physician | transversal | não identificado | 384 | Austrália | sofrimento psíquico | K10 | não menciona | FR: maior idade; percepção de ter limitações no trabalho e atividades reduzidas por incapacidades. |
2009 | Tesfaye55 | East Afr J Public Health | transversal | não identificado | 1198 | Etiópia | TMC | SRQ-20 | 49,1% | FR: ter dificuldade em fazer amigos; ter vida sexual ativa; referir conflitos nos dormitórios com colegas; renda baixa; falta de acesso a materiais acadêmicos solicitados na universidade; não ter acesso a instalações sanitárias adequadas e instalações recreativas; referir preocupação com a segurança pessoal. |
2009 | Verger et al.56 | Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology | transversal | medicina | 1743 | França | sofrimento psíquico | MH-5 | 25,7% | FR: sexo feminino; estar pouco adaptado; quantidade excessiva de horas de estudo; sentir-se pouco adaptada. FP: apresentar domínio próprio (mastery); ter apoio social. |
2010 | Biro et al.39 | Soc Psychiat Epidemiol | transversal | medicina | 100 | Hungria | TMC | GHQ12 | 18,5% | FP: senso de coerência. Elevado. |
2010 | Costa et al.50 | Revista Brasileira de Psiquiatria | transversal | medicina | 473 | Brasil - Sergipe | TMC | SRQ-20 | 40%. Quando excluídos os calouros, a prevalência geral aumentou para 42,5%. | FR: não acreditar nas próprias habilidades para se tornar um bom médico; sentir-se menos confortáveis com as atividades do curso; sentir-se emocionalmente estressados; crença de que o curso não correspondia às expectativas; ter recebido diagnóstico prévio de transtorno mental. |
2010 | Fiorotti et al.8 | Jornal Brasileiro de Psiquiatria | transversal | medicina | 229 | Brasil-Espírito Santo | TMC | SRQ-20 | 37,1% | FR: ter dificuldade para fazer amigos; sentir-se rejeitado pelos amigos; não receber apoio emocional necessário; ter recebido tratamento psiquiátrico; ter feito tratamento psicoterapêutico; sentir dificuldade para conciliar os estudos e lazer; sentir desconforto físico no período das avaliações. |
2010 | Park et al.57 | Personality and Individual Differences | transversal | não idntificado | 522 | Korea | sofrimento psíquico | BSI | não menciona | FR: apresentar estratégia de coping não adaptativo; traço de personalidade perfeccionismo; apresentar baixa auto-estima. |
2011 | Abdulghan et al.58 | Journal of Health, Population and Nutrition | transversal | medicina | 775 | Arabia Saudita | sofrimento psíquico | K10 | 63% total e 25% severo | FR: sexo feminino; estar no 1º ano; ter problemas de saúde. |
2011 | Biro et al.40 | Bmc Public Health | transversal | saúde pública | 194 | Hungria | TMC | GHQ12 | 19,0% | FR: estar nos últimos anos do curso. FP: ter apoio social. |
2011 | Gibbons et al.59 | Journal of Advanced Nursing | transversal | enfermagem | 171 | UK | TMC | GHQ12 | não menciona | FR: ter preocupações com aprendizado e ensino; apresentar estratégia de coping fuga/esquiva. FP: Apresentar auto-eficácia, Apoio e Controle disposicional. |
2012 | Byrd e McKinney60 | Journal of American College Health | transversal | não identificado | 2203 | EUA | sofrimento psíquico | OMHI | Média: 66,4 (DP±15,3) | FR: apresnetar tendências suicidas; ter percepções negativas sobre o clima no campus (discriminação). FP: referir habilidades de coping; ter confiança nas habilidades de comunicação; ter identidade espiritual; ter autoconfiança; ter engajamento social; ter satisfação com a instituição. |
2012 | Vazquez,et al.61 | Psychological Distress and Related Factors in Female College Students | transversal | mão identificado | 1043 | Espanha | sofrimento psíquico | Symptom Checklist-90 | não menciona | FR entre os mais jovens: apresentar hostilidade e pouca sensibilidade interpessoal. FR entre os que referiram não ter companheiro(a): pouca sensibilidade interpessoal; sintomas depressivos; ideação paranoide; sintomas psicóticos. FR entre os que referiram independência financeira: apresentar somatização; ideação paranoide; sintomas psicóticos. FR entre os que cursavam do 1º ao 3º ano do curso: FP: apresentar maior sensibilidade interpessoal. |
2012 | Wei et al.62 | Journal of Counseling Psychology | transversal | não identificado | 188 | China | sofrimento psíquico | Hopkins Symptom Checklist; The Aculturative Scale for International Students | não menciona | FR: ter baixa adaptação cultural; apresentar estratégia de coping forbearance (tendência a não compartilhar seus problemas com as pessoas mais próximas para não sobrecarrega-los). |
2014 | Bastos et al.63 | Cadernos de Saúde Publica | transversal | não identificado | 424 | Brasil-Rio de Janeiro | TMC | GHQ12 | não menciona | FR: ter sofrido discriminação. |
2014 | Carnicer e Calderón64 | Electronic Journal of Research in Educational Psychology | transversal | estudantes da educação | 90 | Espanha | sofrimento psíquico | BSI | não menciona | FR: apresentar estratégias de coping fuga/esquiva, aceitação/resignação, busca por soluções alternativas; referir estresse; referir descarga emocional. FP: apresentar coping resolução de problemas. |
2014 | Concepcion, et al.42 | Journal of American College Health | transversal | não identificado | 963 | Chile | TMC | GHQ12 | 24,3% | FR: maior idade; ter sonolência diurna excessiva; ter qualidade do sono ruim; referir tabagismo. |
2014 | Costa. et al.9 | Rev. Assoc. Med. Bras. | transversal | medicina; odontologia; enfermagem | 172 | Brasil-Nordeste | TMC | SRQ-20 | 33,7% | FR: sexo feminino; referir expectativa ruim com o futuro; crença de que o curso é uma fonte de tensão; sentir-se tenso. |
2014 | Silva e Cavalcanti Neto11 | Motricidade | transversal | medicina; educação física; odontologia; enfermagem; farmácia; nutrição; ciências biológicas | 220 | Brasil-Alagoas | TMC | SRQ-20 | 43,2% | FR: praticar menos atividade física. |
2014 | Deasy et al.48 | Health Promotion International | transversal | enfermagem; obsterícia; estudantes da educação | 1557 | Irlanda | TMC | GHQ12 | 41,9% | FR: sexo feminino; dieta alimentar “ruim”, aumento do consumo de alimentos “convenientes”, inatividade física e tabagismo. |
2014 | Liebana-Presa et al.45 | Revista Da Escola De Enfermagem Da Usp | transversal | enfermagem; fisioterapia | 1840 | Espanha | TMC | GHQ12 | 32,2% | FR: sexo feminino. FP: ter engajamento acadêmico; apresentar vigor. |
2014 | Liu et al.65 | Personality and Individual Differences | transversal | não identificado | 412 | China | TMC | GHQ12 | não menciona | FP: resiliência; apresentar afeto positivo e auto-estima. |
2014 | Saïas et al.66 | BMC Public Health | transversal | não identificado | 946 | França | sofrimento psíquico | MH-5 | 13,8% | FR: baixa renda, história de ter sofrido assalto sem abuso sexual nos últimos 12 meses, baixa participação social. |
2014 | Silva et al.10 | Revista Brasileira de Epidemiologia | transversal | medicina | 434 | Brasil-São Paulo | TMC | SRQ-20 | 44,9% | FR: sentimento de rejeição pelos amigos no ano passado; pensar em abandonar o curso; e baixa “interação” social na escala MOS. |
2015 | Dachew et al.67 | Plos One | transversal | não identificado | 836 | Etiópia | TMC | SRQ-20 | 40,9% | FR: Sexo feminino; ter pouco interesse pelo campo de estudo; não ter amigos íntimos; não ter prática religiosa; ter conflito com amigos; referir problemas financeiros; história familiar de doença mental; fazer uso de substâncias psicoativas; ter pouco período de férias ou descanso; ter “caído de turma”; baixo apoio social. |
2015 | Harris et al.49 | N Z Dent J | transversal | medicina; odontologia | 100 | Nova Zelândia | TMC | GHQ12 | não menciona | FR:referir estratégias de coping negativo/”destrutivo” (comer, gastar dinheiro). FP: referir estratégias de coping positivo (conversar com amigos, ter hobbies, etc). |
2015 | Rose et al.44 | Psychology, Health and Medicine | transversal | não identificado | 2538 | Peru | TMC | GHQ12 | 32,9% | FR: sexo feminino; referir má qualidade do sono; sonolência diurna excessiva. |
2016 | Budescu e Silverman68 | Journal of Child and Family Studies | transversal | não identificado | 530 | EUA | sofrimento psíquico | K10 | 23% sofrimento leve; 18% moderado e 7% severo | FR: estar 1º ano e com maior idade. FP: ter apoio dos pais/parentes. |
2016 | Deasy et al.69 | Nurse Education Today | transversal | enfermagem; obsterícia | 406 | Irlanda | TMC | GHQ12 | 48,7% | FR: sexo feminino; estar no 2º e 3º anos do curso (últimos anos do curso); referir tabagismo; apresentar estratégia de coping passiva; crença de que a vida na universidade é estressante. |
2016 | Wang et al.70 | Journal of Religion & Health | trasnversal | medicina | 1812 | China | sofrimento psíquico | K10 | não menciona | FP: ter apoio social; ter religiosidade. |
FR-Fatores de Risco; FP- Fatores de Proteção; GHQ-12- General Health Questionnaire; SRQ-20-Self-Reporting Questionnaire; K-10-Kessler Psychological Distress Scale-10; MH-5-Mental Health Scale; SC-53-Brief Symptom Checklist 53; MHI-Overall Mental Health Index; CS-90- Symptom Checklist-90; OQ-45-Outcome Questionnaire-45; HSCL-Symptom Checklist-90
Os fatores associados a sofrimento psíquico/TMC entre estudantes foram agrupados em seis categorias: Sociodemográficas – idade, sexo, arranjo de moradia, dados familiares, renda e religiosidade; Saúde – condições e percepções sobre a sua saúde, estilo de vida e histórico de tratamentos psicológico/ou psiquiátrico; Relacionais – percepção sobre relacionamentos sociais/apoio social; Acadêmicas – características do curso, percepções sobre o curso, ambiente educacional e desempenho acadêmico; Psicológicas – traços de personalidade, estratégias de coping e resiliência; e Sociais/Violência – discriminação e violência social.
Na Tabela 2, observa-se que as variáveis mais frequentes como fatores de risco para sofrimento psíquico foram as classificadas na categoria Acadêmicas (24 estudos), chamando-se a atenção para a subcategoria série do curso (três referindo-se às primeiras e dois às últimas séries), ter pensado em abandonar o curso, excesso de horas de estudo ou dificuldade para conciliar estudo, lazer/descanso em dois estudos, assim como apontar o curso como fonte de estresse/tensão, ter expectativas ruins em relação ao futuro profissional, insatisfação com o curso/ter pouco interesse pelo mesmo e sentir desconforto durante as avaliações. Em relação aos fatores inseridos na categoria Saúde (22), destaca-se maior sofrimento entre os que afirmaram ser tabagista, ter problemas de saúde, não realizar atividade física e vivenciar estresse. Em relação aos fatores identificados na categoria Sociodemográficas (18), a terceira mais frequente como risco para sofrimento psíquico, destacam-se sexo feminino, ter maior idade e baixa renda. Além dessas, associaram-se significativamente as subcategorias: não ter religião, residir em área sem saneamento básico, ter filho em idade escolar, e não ter companheiro(a). Entre as características inseridas na categoria Relacionais (15), destaca-se: ter dificuldade no relacionamento com os amigos, não se sentir adaptado à vida acadêmica, baixo apoio social (medido/referido), sentir-se rejeitado pelos amigos e não receber apoio emocional. Na categoria Psicológicas também foram identificadas como risco (9): estratégias de coping focalizadas na emoção, descarga emocional (sentimentos negativos), coping forbearance (não compartilhar problemas), coping negativo/destrutivo (comer muito/gastar dinheiro), neuroticismo, perfeccionismo e baixa autoestima. Por fim, na categoria Social/Violência, como ter sofrido discriminação (racial, idade, classe), perceber o clima da universidade como tenso em relação à discriminação (gênero, raça, orientação sexual), ter tido preocupação com a segurança pessoal e ter sofrido agressão estiveram associados a sofrimento psíquico.
Tabela 2 Frequência de categorias e variáveis de risco associadas ao sofrimento psíquico dos estudantes universitários identificadas nos artigos (n = 37).
Fatores de Risco | ||
---|---|---|
| ||
Categorias | Variáveis | n |
Socioemográficas | Sexo (feminino) | 8 |
(n = 18) | Idade (Maior) | 3 |
Renda (baixa) | 3 | |
Religião (Não) | 1 | |
Residência sem saneamento básico | 1 | |
Ter filho em idade escolar (Sim) | 1 | |
Ter companheiro (a) (Sim) | 1 | |
Saúde | Tabagismo (Sim) | 4 |
(n = 22) | Problemas de saúde (Sim) | 2 |
Atividade física (Não) | 2 | |
Referir estresse (Sim) | 2 | |
Dieta alimentar (Ruim) | 1 | |
Sonolência diurna excessiva (Sim) | 1 | |
Percepção de limitações/incapacidades (Sim) | 1 | |
Qualidade do sono ruim (Sim) | 1 | |
Sentir-se tenso (Sim) | 1 | |
Dias perdidos de trabalho por saúde (Sim) | 1 | |
Ter recebido diagnóstico de TM (Sim) | 1 | |
Uso de substância (Khat chewing) (Sim) | 1 | |
Ter recebido tratamento psicológico (Sim) | 1 | |
Histórico familiar de Transtorno Mental (Sim) | 1 | |
Tendência suicida (Sim) | 1 | |
Vida sexual ativa (Sim) | 1 | |
Relacionais | Dificuldades no relacionamento com amigos (Sim) | 5 |
(n = 15) | Adaptação à vida acadêmica ou outros aspectos da vida (Não) | 3 |
Sentir-se rejeitado pelos amigos (Sim) | 2 | |
Apoio social (Não) | 2 | |
Receber apoio emocional necessário (Não) | 2 | |
Dificuldade em relacionar-se com as pessoas (Sim) | 1 | |
Acadêmicas | Série do curso (Primeiras séries) | 3 |
(n = 24) | Série do curso (Últimas séries) | 2 |
Excesso de horas de estudo/Dificuldade conciliar estudo x lazer (Sim) | 3 | |
Ter pensado em abandonar o curso (Sim) | 3 | |
Curso como fonte de tensão ou estresse (Sim) | 2 | |
Expectativa com o futuro profissional (Ruim) | 2 | |
Satisfação com o curso ou interesse pelo curso (Não) | 2 | |
Desconforto com as atividades do curso ou durante as avaliações (Sim) | 2 | |
Preocupações com aprendizado e ensino (Sim) | 1 | |
Disponibilidade de materiais para o curso (Pouca) | 1 | |
Auto avaliação do desempenho acadêmico (Ruim) | 1 | |
Ter “caído de turma” (Sim) | 1 | |
Atuação: adultos e necessidades especiais | 1 | |
Psicológicas | Coping fuga/esquiva, aceitação/resignação, busca por soluções alternativas, descarga emocional (Escores elevados) | 1 |
(n = 9) | Coping fuga-esquiva (Escores elevados) | 1 |
Coping forbearance (Escores elevados) | 1 | |
Coping passivo (Escores elevados) | 1 | |
Coping focado na emoção (Escores elevados) | 1 | |
Referir Coping negativo ou destrutivo (comer, gastar dinheiro) (Sim) | 1 | |
Coping não adaptativo (Escores elevados) | 1 | |
Neuroticismo (Escores elevados) | 1 | |
Perfeccionismo e baixa auto-estima (Escores elevados) | 1 | |
Social/Violência | Percepção de discriminação (raça, idade, e classe) (Sim) | 1 |
(n = 4) | Percepção de clima ruim na universidade em relação à discriminação | 1 |
Preocupação com a segurança pessoal (Sim) | 1 | |
Ter sofrido agressão (Sim) | 1 |
Na Tabela 3, destacam-se as características identificadas como fatores de proteção para sofrimento dos alunos: Psicológicas (12), como: coping focalizado no problema, ter referido coping positivo (conversar com amigos, ter atividades de lazer), senso de coerência, autoeficácia, afeto positivo, autoestima, resiliência, extroversão, domínio mastery (estar sob o controle dos eventos da vida e não ser fatalista). Os fatores inseridos na categoria Relacionais (6) foram apoio social elevado, ter recebido apoio dos pais, ter habilidades comunicacionais e engajamento social.
Tabela 3 Frequência de categorias e variáveis de risco associadas a sofrimento psíquico por artigo (n = 37).
Fatores de Proteção | ||
---|---|---|
| ||
Categorias | Variáveis | n |
Demográficas (n = 2) | Ter religião (Sim) | 2 |
Relacionais (n = 6) | Apoio social (Alto) | 3 |
Receber apoio dos pais (Sim) | 1 | |
Ter habilidades de comunicação (Sim) | 1 | |
Apresentar engajamento social (Sim) | 1 | |
Acadêmicas (n = 2) | Apresentar engajamento acadêmico (Sim) | 1 |
Sentir-se pressionado (Pouco) | 1 | |
Psicológicas (n = 12) | Coping focado no problema (Escores elevados) | 2 |
Apresentar autenticidade e empoderamento (Escores elevados) | 1 | |
Coping resolução de problemas (Escores elevados) | 1 | |
Referir habilidades de coping, em geral; e ter auto-confiança (Escores elevados) | 1 | |
Coping positivo (falar com amigos/hobbies) (Sim) | 1 | |
Apresentar senso de coerência (Escores elevados) | 1 | |
Apresentar auto-eficácia e controle disposicional (Escores elevados) | 1 | |
Apresentar vigor (Escores elevados) | 1 | |
Apresentar afeto positivo; auto-estima; e resiliência (Escores elevados) | 1 | |
Apresentar extroversão (Escores elevados) | 1 | |
Apresentar domínio próprio mastery (Escores elevados) | 1 |
Nesta revisão, identificou-se prevalências e fatores de risco e proteção para sofrimento psíquico entre universitários nos últimos dez anos. Dez artigos foram identificados em 2014, sendo seis7-11,50 brasileiros que investigaram TMC utilizando o SRQ-20 e o GHQ-1238. Destaca-se a constância mantida no número de publicações ao longo desses anos, com exceção de 2013.
Observou-se, também, variabilidade dos desfechos investigados, bem como dos instrumentos utilizados, fato já identificado em revisão sistemática que incluiu publicações entre 1980 e 2005 sobre sofrimento psíquico em estudantes do curso de medicina71.
Dos 37 estudos avaliados, apenas um não apresentou delineamento transversal, provavelmente devido à dificuldade de se realizarem estudos longitudinais com essa população56,66. Os estudos transversais analisados utilizaram medidas de força que evidenciaram associações entre as características e os aspectos individuais, inter-relacionais e institucionais60 dos estudantes ao sofrimento psíquico; no entanto, características próprias do desenho transversal não permitem a identificação de causalidade.
Do total da amostra, 16 investigaram TMC com o GHQ-1239-69,52,59,65,63 e oito com o SRQ-207-11,50-55. Observou-se maior variação das prevalências obtidas pelo GHQ-12, comparativamente às obtidas pelo SRQ-20, aplicado predominantemente em alunos de universidades brasileiras, chamando atenção para a diferença na amplitude de variação das prevalências desses instrumentos (Quadro 1). Apesar de ambos apresentarem melhores propriedades psicométricas, comparativamente ao K-10, K-6 e ao Patient Health Questionnaire, segundo Patel et al.38, o GHQ-20 apresentou melhores índices do likelihood ratio refletindo maior sensibilidade e especificidade do teste. Além disso, sugere-se que a amplitude obtida pelo GHQ-12 nas prevalências ocorreu por ter sido aplicado em vários países, com diferenças culturais, e o SRQ-20 ter sido predominantemente utilizado em estudos brasileiros.
No Brasil, as prevalências de TMC em universitários foram superiores ao identificado na população geral1 e entre adolescentes2, mas inferiores às obtidas em usuários da Estratégia da Saúde da Família3. Destaca-se que a maior prevalência de casos de TMC (49,1%)55 foi encontrada em universitários da Etiópia, superior às identificadas entre alunos da saúde de países desenvolvidos e em desenvolvimento55. A Etiópia é um país onde grande parte da população vive em condições precárias e com preocupação constante em relação à segurança pessoal55.
Elevadas prevalências de sofrimento psíquico, avaliado pelo K-10, foram identificadas em estudantes na Arábia Saudita58,53. Fatores econômicos podem predispor os alunos a maior sofrimento1. TMC tem sido apontado como mais prevalente em pessoas com baixa renda, com baixos níveis de educação e residentes em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento1,52. Neste estudo, as menores prevalências identificadas (13,8%, 18,5% e 19,0%) foram em pesquisas realizadas na França53,56 e na Hungria39,40, países com elevado IDH. Ambos os estudos realizados na Hungria tiveram uma amostra menor que as de outros estudos aqui descritos e a pesquisa desenvolvida na França obteve os dados por meio de entrevistas telefônicas, diferenças metodológicas que devem ser consideradas.
Dado que elevadas prevalências de sofrimento psíquico têm sido obtidas entre universitários, em diversos países, investigar características desses jovens e aspectos associados pode favorecer o planejamento de estratégias de prevenção e de cuidado com essa população e a diminuição da evasão escolar60.
Identificou-se que sexo feminino9,44,45,48,69-67, maior idade42,68,54 e baixa renda67,55,66 foram as características sociodemográficas mais associadas a sofrimento psíquico entre universitários, características também obtidas em revisão sistemática71. Esses dados reforçam que condições socioeconômicas desfavoráveis, acentuadas pela ainda vigente discriminação de gênero em muitas culturas, podem contribuir para o sofrimento psíquico. Fatores genéticos e fisiológicos podem influenciar padrões de morbidade e mortalidade de homens e mulheres, porém sabe-se que distintos valores, processos de socialização e coping são observados e podem determinar o adoecimento. Além disso, possivelmente as mulheres tenham maior facilidade de identificar e relatar sintomas, buscando ajuda ou apoio social, enquanto homens busquem alívio para o sofrimento através do uso de substâncias, como o álcool72.
Nesta revisão, os dois estudos realizados na Etiópia identificaram como fatores de risco para sofrimento psíquico não ter religião67 e residir em local sem saneamento básico55. Duas pesquisas, uma nos EUA (n = 2203)60 e outra com estudantes de uma universidade chinesa (n = 1812)70, encontraram que religiosidade/identidade espiritual foi fator de proteção, supondo que aspectos culturais exercem influência no desenvolvimento de TMC73. Ter filhos em idade escolar52 e não possuir companheiro(a)61 foram indicados como risco para sofrimento psíquico nesta revisão, sugerindo que estudantes com dificuldades financeiras e dependentes possuem maior chance de apresentar sofrimento67,66.
Mais da metade dos estudos apresentou associação entre sofrimento psíquico e aspectos da saúde de graduandos. Estes podem comportar-se como modificadoras e/ou mediadoras, acentuando ou atenuando o sofrimento58,53. Identificou-se que tabagismo foi fator de risco para TMC em quatro pesquisas40,42,47,69. Na Etiópia67, alunos que utilizavam substância psicoativa Khat Chewing, com ação estimulante, apresentaram maior prevalência de sofrimento psíquico. Considera-se que provavelmente o uso de substâncias ocorra para atenuar o estresse48, sendo uma estratégia de coping, do tipo fuga/esquiva que, dependendo da intensidade e frequência, pode acarretar prejuízos aos indivíduos47,67. Além disso, foram identificados como fatores de risco para TMC não praticar atividades físicas e apresentar dieta alimentar inadequada, mais frequentes em estudantes dos últimos semestres11. A prática de atividades físicas regulares e a alimentação saudável podem exercer função de proteção à saúde dos indivíduos reduzindo os níveis de estresse48. Sonolência, má qualidade do sono42,44, estresse46,47 e tensão9 também associaram-se significativamente à sofrimento psíquico entre universitários. Essas condições são frequentes, considerando-se a rotina de estudos imposta para atingir as exigências acadêmicas e da grade curricular dos cursos9,15-18,28,31,71.
Nesta revisão, identificou-se que estresse e Síndrome de Burnout (SB) associaram-se à TMC em alunos de odontologia na Europa. Em análise de fatores de mediação, observou-se efeito direto do estresse na saúde física dos estudantes e indireto na saúde mental, tendo sido este mediado por SB46. Analisar os “caminhos” que levam ao sofrimento psíquico pode contribuir no planejamento de estratégias para minimizar os problemas de saúde53,54. O estresse pode “passar despercebido” pelos indivíduos ou ser considerado “normal”; porém, quando elevado pode-se observar o sofrimento psíquico46. Revisão sobre estresse em universitários de odontologia corrobora com os dados aqui obtidos74.
Identificou-se que indivíduos que receberam tratamento psicológico/psiquiátrico8, com histórico familiar67,54 e pessoal53 de transtornos mentais, apresentaram maior prevalência de TMC. Essa associação envolve tanto a presença de fatores hereditários/genéticos como a sobrecarga emocional decorrente dos cuidados para com o familiar doente67. O sofrimento psíquico, também, associa-se à tendência suicida entre estudantes60, avaliada por instrumento específico (MHI). Suicidalidade (ideação, planejamento, tentativas de suicídio), em especial entre alunos de medicina, é uma preocupação crescente associada à depressão75.
Constatou-se que as relações estabelecidas pelos estudantes podem ter papel de risco ou proteção à saúde mental. As características associadas a sofrimento psíquico foram: ter dificuldade em fazer amigos7,8,55,51, relações conflitivas67, sentir-se rejeitado8,10, não receber apoio emocional necessário7,8, dificuldade de adaptação43,56. Percepção de pouco apoio social associou-se em dois estudos à prevalência mais elevada de TMC10,67. Silva et al.10 identificaram que o domínio interação social positiva insuficiente (habilidade de se divertir/relaxar), avaliada pela Escala de Apoio Social, apresentou-se como fator de risco para TMC entre estudantes de medicina. Infere-se que alunos que não dispõe de amigos para compartilhar momentos sociais, apresentam maior isolamento e sofrimento. Assim, ter apoio social, possuir habilidades sociais e engajar-se em atividades de lazer são apontadas como variáveis de proteção para a saúde mental dos alunos.
Aspectos da vida acadêmica são potenciais fatores de risco para sofrimento psíquico dos estudantes, em especial, da área da saúde16-18,20,76. Nesta revisão, essas variáveis foram as mais frequentemente investigadas (Tabelas 2 e 3). Verificou-se que alunos das primeiras e últimas séries foram os que mais apresentaram sofrimento. Estudos realizados com universitários na Arábia Saudita58,53 mostraram maior chance (odds ratio) de sofrimento entre alunos do primeiro ano de medicina, e um realizado na Hungria40 identificou que estar nos últimos anos foi um fator de risco para TMC46. Diferentemente, pesquisa com alunos de enfermagem e formação de obstetrizes observou aumento progressivo da prevalência de TMC ao longo das séries58.
Pode-se considerar que, no início dos cursos, os jovens deparam-se com mudanças na vida pessoal/social (mudança de cidade, morarem sozinhos) e universitária (novos métodos de estudo, extensa grade curricular). Nos últimos anos, o contato com pacientes, proximidade com o sofrimento e a morte, preocupação com o aprendizado de procedimentos clínicos tendem a desencadear ou acentuar o estresse entre os estudantes4,15,56,71. Ao contrário, indivíduos que possuem apoio social tendem a apresentar melhor percepção do desempenho acadêmico, independentemente da série, favorecendo menor sofrimento68.
Identificou-se que alunos mais engajados nas atividades do curso45 e que se sentiam pouco pressionados43 tiveram melhores resultados em sua saúde mental. A percepção dos alunos sobre sua vivência na universidade pode influenciar a sensação de bem estar. Estudantes que haviam pensado em abandonar o curso7,41, percebiam-no como fonte de estresse9,69, desconforto50, em especial, durante as avaliações8, insatisfação com o curso50 e baixas expectativas com o futuro profissional9 apresentaram elevado sofrimento psíquico. Revisão sistemática74 também identificou que fatores acadêmicos foram os mais referidos como estressores entre alunos de odontologia, tanto na fase pré-clínica como clínica.
Revisão realizada por Dyrbye et al.71 mostrou que autoconhecimento e sensação de cumprimento dos deveres foram variáveis de proteção à saúde mental dos estudantes, enquanto perfeccionismo e supressão da raiva associaram-se a maiores escores de sofrimento. Nesta revisão, características psicológicas foram frequentemente identificadas como proteção para sofrimento psíquico, como senso de coerência (orientação que expressa sentimento de confiança)39, autenticidade e empoderamento (força pessoal que emerge da relação com o outro)51, autoeficácia (crença sobre as próprias capacidades) e controle disposicional (avaliação cognitiva em uma situação)59, autoestima elevada e afeto positivo (sentimento de engajamento prazeroso com o ambiente)65, maior vigor (energia durante o aprendizado)45, elevada resiliência65, extroversão (cheio de energia, bem relacionado)43 e escores elevados para o domínio mastery (controle dos eventos da vida), do Eisenck Personality Questionnaire56. Ao contrário, alunos que apresentaram escores para neuroticismo (ansiedade, medo, preocupação, frustração)43, perfeccionismo e baixa autoestima57 tiveram maior risco de apresentar sofrimento psíquico. Assim, salienta-se que esses resultados indicam que algumas características individuais podem exercer influência nas estratégias de coping, reduzindo a possibilidade de sofrimento77.
Estratégias de coping também foram identificadas como risco para sofrimento em universitários, como: coping focalizado na emoção41, fuga/esquiva59,64, coping passivo69, referir estratégias de coping negativas/destrutivas (comer muito, gastar dinheiro)49, coping não adaptativo57, e coping forbearance (não compartilhar problemas, omissão)62. Porém, estratégias de coping ativas como focalizadas no problema41,47, resolução de problemas64, coping positivo49 (falar com amigos, lazer), ou referir ter habilidades de enfrentamento60 associaram-se a menor sofrimento.
Estratégias de coping podem ser definidas em duas categorias funcionais (problema e emoção), que podem ser complementares. A primeira inclui esforços para identificar o problema e buscar recursos para controlar o estressor, enquanto as focalizadas na emoção incluem comportamentos para suportar o impacto do evento77,78. Estratégias de coping77 incluem processo adaptativo de aprendizado e resultados em saúde77.
A resiliência também é uma característica que pode ser considerada como protetora à saúde dos indivíduos79, avaliada em estudos com diferentes populações com elevada carga de estresse79. Dentre estudos empíricos, uma revisão identificou que apenas cinco tiveram como foco universitários79. Na presente pesquisa, apenas um estudo investigou a associação de resiliência e TMC entre estudantes50, mostrando que resiliência influenciou positivamente a satisfação com a vida. Em outro estudo, constatou-se que estratégias de coping no problema foram preditivas para alta resiliência80. Pode-se inferir que características psicológicas influenciam positivamente padrões de resiliência impedindo a ocorrência de sofrimento psíquico.
Esta revisão identificou quatro publicações sobre saúde mental e discriminação em universitários. Identificou-se como fatores de risco para sofrimento: discriminação (racial, idade, classe, orientação sexual)60,63, ter preocupação com a segurança pessoal e ter sofrido agressão66.
Bastos et al.63, identificaram associação entre experiências de discriminação e TMC, utilizando questionário desenvolvido e adaptado para a população brasileira. Resultados apontaram que 23% dos alunos referiram ter sofrido discriminação, tendo sido mais frequente entre as mulheres, “quotistas”, com baixa renda e entre negros/pardos. Todos os tipos de discriminação associaram-se significativamente à TMC; além disso, os estudantes que referiram discriminação foram 14 vezes mais propensos a apresentar sofrimento63. Discriminação racial e de classe social entre universitários reflete a realidade do contexto sociocultural brasileiro, em que aspectos relativos às desigualdades sociais e iniquidades em saúde encontram-se atrelados a essa questão56. Byrd e McKinney60 também identificaram que percepção de discriminação (racial, sexo e orientação sexual) e insatisfação com a instituição estiveram associadas à sofrimento psíquico.
Embora não identificado nesta revisão, o trote, prática comum nas universidades brasileiras, principalmente em escolas médicas81, é uma violência escolar que requer atenção por envolver agressões, humilhações e o uso problemático de substâncias, como o álcool82. A literatura aponta que situações de violência, viver sob a preocupação com a segurança pessoal, são preditores importantes para sofrimento e piores índices de saúde entre os indivíduos83,84.
Esta revisão possibilitou traçar um panorama sobre o sofrimento psíquico/transtornos mentais comuns (TMC) entre estudantes universitários, focalizando-se especialmente os fatores de risco e proteção a eles associados. Os diferentes instrumentos de screening, com boas qualidades psicométricas38, que têm sido utilizados nos estudos, possibilitam análise comparativa de resultados entre estudantes de diferentes países e regiões. Constatou-se que pesquisas com este objetivo têm sido realizadas em diversos países, com maior frequência nos desenvolvidos e com universitários de cursos da saúde. Os resultados, no Brasil, em geral, demonstraram semelhanças em relação às prevalências de TMC, sendo estas mais elevadas que as identificadas na população geral, porém inferiores às obtidas em estudo com usuários da Atenção Primária à Saúde. Diferenças socioculturais identificadas entre as populações estudadas favoreceram a compreensão desses dados.
A análise das características que mais associaram-se ao sofrimento psíquico entre universitários evidenciou predominância dos aspectos acadêmicos (séries do curso e percepção negativa do ambiente) como fatores de risco. Alguns aspectos da saúde dos universitários (hábitos prejudiciais à saúde e problemas de saúde) associaram-se à presença de TMC e, por outro lado, indivíduos com apoio social apresentaram menor sofrimento psíquico. A maioria dos estudos identificados nesta revisão apresentaram delineamento transversal, investigando os desfechos em um único momento, tornando mais difícil indicar a existência de relação causal entre as variáveis investigadas. Assim, estudos prospectivos devem ser desenvolvidos acompanhando os estudantes ao longo das séries dos cursos.
Pode-se concluir que características da vida acadêmica e relacionais foram as que mais frequentemente associaram-se à presença de sofrimento psíquico entre universitários, fatores passíveis de modificação, mostrando a importância do planejamento de intervenções favorecendo o bem estar dos alunos e vivências mais positivas no ambiente educacional. Violência escolar, trote, bullying, discriminação social entre universitários, estruturas pedagógicas e curriculares dos cursos são aspectos que devem ser mais profundamente pesquisados, buscando-se compreender sua influência sobre os jovens e seus efeitos negativos na saúde dos indivíduos.