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Revisão sistemática: influência da obstrução nasal na apneia do sono

Revisão sistemática: influência da obstrução nasal na apneia do sono

Autores:

Debora Petrungaro Migueis,
Luiz Claudio Santos Thuler,
Lucas Neves de Andrade Lemes,
Chirlene Santos Souza Moreira,
Lucia Joffily,
Maria Helena de Araujo-Melo

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.2 São Paulo mar./abr. 2016

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.05.018

Introdução

A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é um distúrbio muito prevalente, podendo ocasionar morbi-mortalidade cardiovascular, além de consequências metabólicas, neurológicas e comportamentais. Na população brasileira, essa síndrome constitui um problema de saúde pública, afetando 32,8% das pessoas.1 A SAOS é uma anormalidade anatômica e funcional, resultante do colapso neuromuscular parcial ou total das vias aéreas superiores (VAS) durante o sono, principalmente com pressões negativas na inspiração. Essa obstrução ocasiona fragmentação do sono e hipóxia intermitente. As principais áreas obstrutivas são nariz, palato e língua, podendo ser multifatorial.2 Atualmente, acredita-se que a obstrução nasal comprometa a qualidade do sono, em tese, devido a distúrbios respiratórios, além de afetar a adaptação e a adesão da pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP), padrão ouro para tratamento da SAOS.3 Entretanto, estudos recentes não conseguiram relacionar objetivamente qualidade do sono e obstrução nasal.4

Segundo o European Position Paper on Rhinosinusitis and Nasal Polyps (EPOS 2012), a obstrução nasal pode ser causada por diversos tipos de rinossinusites crônicas (RSC) ou agudas.5 Alguns estudos sugeriram que queixas de sono em pacientes com RSC eram comuns, podendo, inclusive, afetar a qualidade de vida, mas há pouca informação sobre essa associação.6 A última revisão sobre o tema, realizada em 2013 por Meen EK et al., evidenciou que intervenções nasais medicamentosas e cirúrgicas não melhoraram o índice de apneia e hipopneia, nem a SAOS, porém, melhoraram sintomas subjetivos da doença, como a sonolência excessiva diurna e a qualidade de vida.4 Essa e outras revisões sistemáticas mais recentes, contudo, não avaliam o índice de despertares, RERA (esforço respiratório relacionado ao despertar) e índice de distúrbios respiratórios.

O objetivo principal desta revisão sistemática foi avaliar a influência da obstrução nasal na SAOS e em outros índices polissonográficos associados a eventos respiratórios, na última década.

Método

A seleção dos artigos usou como critério estudos prospectivos do tipo ensaio clínico controlado e coorte, cujos pacientes foram submetidos a polissonografia tipo 1 (supervisionada pelo técnico em laboratório de sono) de noite inteira, antes e após intervenções conservadoras ou cirúrgicas, para melhorar a respiração nasal durante o sono. Dois observadores selecionaram a literatura relevante de 2003 a 2013 no MEDLINE (Bireme e PubMed), em inglês ou português, sobre a associação entre obstrução nasal e SAOS. Artigos relacionados e referências foram também incluídos a partir desta revisão. Foram selecionados apenas estudos originais com tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos da obstrução nasal, realizando a polissonografia do tipo 1 antes e após a intervenção. Foram excluídos: cartas ao editor, série de casos (com menos de dez pacientes), artigos de revisão, pesquisa básica, estudos sem intervenção ou sem polissonografia do tipo 1 de noite inteira. Também foram eliminados estudos com neuropatas, cardiopatas, idade inferior a 18 anos e cirurgias multinível ou outras intervenções cirúrgicas não nasais em um mesmo momento.

As intervenções avaliadas foram: uso de medicações (descongestionantes nasais e corticoides tópicos), dilatadores e cirurgias nasais (rinosseptoplastia, septoplastia com ou sem turbinectomia, cirurgia sinusal endoscópica funcional). Nesta revisão sistemática, o sucesso do tratamento foi avaliado de acordo com a melhora subjetiva da obstrução e/ou a melhora da resistência nasal. Além disso, os índices polissonográficos relacionados a eventos respiratórios e eletroencefalográficos pré e pós-intervenção foram comparados, para avaliar a influência da obstrução nasal na SAOS.

A busca no PubMed foi realizada em agosto de 2014, com os termos "Nasal Obstruction"[Mesh] AND "Sleep Apnea, Obstructive"[Mesh], obtendo 140 artigos. Na biblioteca virtual de saúde, utilizando os termos: "nasal obstruction and Obstructive Sleep Apnea", foram selecionados 613 artigos. Após avaliar títulos e resumos, a primeira observadora obteve 21 artigos no PubMed e 33 na Bireme. Excluindo artigos que se repetiam em ambas as fontes, restaram 52 estudos. Pelos títulos e resumos, a segunda revisora selecionou 21 artigos no PubMed e 42 na Bireme. Após eliminar os comuns, obteve 46 artigos.

Entre os artigos selecionados por ambas, 25 eram repetidos e, ao avaliar em conjunto os títulos e resumos, restaram 73 artigos para serem lidos na íntegra e realizar a seleção final. Além destes, foram incluídos, também, outros artigos por busca manual nas referências avaliadas (fig. 1).

Figura 1 Como foi realizada a revisão de literatura. Pelas palavras-chave, na BIREME e no PubMed, foram obtidos os artigos. Cada revisor avaliou inicialmente 753 artigos. Após a exclusão dos repetidos entre as fontes, foram avaliados em conjunto títulos e resumos, restando 73 artigos vistos na íntegra. Houve 25 artigos em comum e 13 foram avaliados segundo os critérios do STROBE. Além destes, sete foram incluídos por busca manual nas referências avaliadas. 

O nível de significância foi fixado em 5% (α = 0,05) para a rejeição da hipótese de nulidade. Os valores são apresentados com o respectivo intervalo de confiança a 95% (IC 95%), que expressa com 95% de certeza a faixa de valores dentro da qual o verdadeiro valor se encontra na população.7 Foi calculada a mediana de idade e IMC, como medida de tendência central. Além disso, todos os artigos selecionados atendiam aos critérios estabelecidos pelo STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) e aplicado para estudos de coorte.8

Resultados

Após selecionar os artigos completos e avaliar a metodologia, p valor, intervalo de confiança, ausência de viés e presença de todos os critérios determinados pelo checklist do STROBE, 11 artigos foram selecionados para esta revisão sistemática. Os pacientes com obstrução nasal foram submetidos a intervenções clínicas e cirúrgicas para melhora da respiração nasal, comparando índices polissonográficos pré e pós- operatórios. Avaliou-se a sonolência excessiva diurna através da Escala de Sonolência de Epworth (ESE)9 e da melhora clínica.

Os parâmetros polissonográficos avaliados foram: índice de apneia e hipopneia (IAH), índice de distúrbios respiratórios (IDR), presença de dessaturação e roncos, índice de despertares, arquitetura do sono, sono REM (Rapid Eye Movement) e sono de ondas lentas (antiga fase do sono N3+N4), segundo os critérios do Manual da AAMS.10

Um total de 297 pacientes foi avaliado, sendo a mediana das idades de 46 anos e o IMC médio, 27,9 kg/m2.

Dos três ensaios com tratamento medicamentoso (tabela 1), todos obtiveram redução da resistência nasal e melhora da qualidade subjetiva do sono, sem modificar os roncos. Após o tratamento conservador, o índice apneia hipopneia (IAH) e o índice de dessaturação sofreram redução significativa apenas no estudo de Kiely et al.11 Dois ensaios com uso de descongestionantes12,13 não evidenciaram melhora da sonolência excessiva diurna, pela escala de sonolência de Epworth (ESE). Em dois estudos com intervenções clínicas,11,12 houve um aumento relevante no sono de ondas lentas, e apenas Lean et al.12 evidenciaram menor índice de despertares, maior eficiência do sono e aumento do percentual do sono REM e do sono de ondas lentas (tabela 2).

Tabela 1 Total de estudos com intervenção clínica e cirúrgica 

Autores e ano de publicação Período de acompanhamento Modelo de estudo Pacientes (n) Homens (%) Média de edade Média de IMC Intervenção nasal Manual AMMS
Kiely et al.11 2004 2 meses Ensaio clínico 23 82,6 46 27,9 Fluticasona spray 100 mcg 2´/dia por um mês e placebo por um mês. Crossover design 1999
Lean et al.12 2005 2 PSG com um dia entre elas Ensaio clínico 10 90 46,5 27 Descongestionante nasal 1 h antes do lights-out e dilatador nasal. Crossover design 1999
Clarenbach et al.13 2008 3 semanas Ensaio clínico 12 83,3 49,1 30,7 Pacientes com SED, SAOS e queixas nasais em dois grupos randomizados: Xylometazoline tópica e outro com placebo por sete dias. Crossover design 1992
Nakata et al.14 2005 PSG pré e pós op Ensaio clínico 12 100 54,2 27 Turbinectomia inferior e septoplastia. Sinusotomia em um paciente. Uso de CPAP pré e pós-operatório 1999
Virkkula et al.15 2006 2 a 6 meses Estudo prospectivo 40 100 44,2 27,9 Septoplastia com (2) ou sem turbinectomia inferior parcial e rinosseptoplastia (dois pacientes) 1999
Koutsourelakis et al.16 2008 PSG pré e pós op Ensaio clínico 49 75,5 38,3 30,15 27 septoplastias com (18) ou sem turbinectomia inferior parcial, 22 cirurgias placebo 1999
Li et al.17 2008 3 meses Ensaio clínico 51 98 39 26 Septoplastia e sinusectomia 1999
Tosun et al.18 2009 3 meses Ensaio clínico 27 81,5 40,37 23,87 FESS em pacientes com polipose nasossinusal (obstrução ≥ 50% de cada passagem nasal) 1999
Bican et al.19 2010 4 meses Estudo prospectivo 20 100 47,5 31 Rinosseptoplastia, com ênfase na melhora da válvula nasal, e CPAP pré e pós-operatório 1999
Choi et al.20 2011 3 meses Estudo prospectivo 22 100 41,3 25,5 Após uso de esteroides tópicos, sem melhora da obstrução nasal, foram submetidos a cirurgia nasal (5 endoscópicas, 17 septoplastias com turbinectomias) 2007
Sufioğlu et al.21 2012 3 meses Estudo prospectivo 31 83,9 53 30,3 Cirurgias: (1) três septoplastias, (2) duas rinosseptoplastias, (3) 18 septoplastias e turbinectomias, (4) quatro sinusectomias, septoplastias e turbinectomias (5) quatro turbinectomias inferiores bilaterais 2007

SED, sonolência excessiva diurna; SAOS, síndrome da apneia obstrutiva do sono; Pré-op, pré-operatório; Pós-op, pós-operatório; FESS, cirurgia endoscópica sinusal funcional; PSG, Polissonografia; CPAP, continuous positive airway pressure.

Tabela 2 Modificações com o tratamento clínico 

Autores e ano Resistência nasal Roncos após intervenção Melhora clínica Polissonografia após intervenção IAH e IDR Índice de despertares
Kiely et al. 2004 Reduçãoa com tratamento ativo Sem redução Melhora do alerta diurno pelo registro diário e na qualidade do sono Efeito limitado no tratamento da SAOS IAH e índice de dessaturação reduzirama com fluticasona Não informado
Aumentoa do SOL
Lean et al. 2005 Reduçãoa com tratamento ativo Não informado Reduçãoa da respiração oral no sono e melhora parcial da qualidade do sono Melhoraa da eficiência do sono Sem redução Reduçãoa com tratamento ativo
Sem redução da ESE Aumentoa de REM e SOL
Clarenbach et al. 2008 Reduçãoa com tratamento ativo Sem redução Sem redução da ESE Sem alteração no SOL ou REM Sem redução Sem redução

IAH, índice de apneia e hipopneia; IDR, índice de distúrbios respiratórios; ESE, escala de sonolência de Epworth; SOL, sono de ondas lentas; CPAP, continuous positive airway pressure; Índice de dessaturação, número de dessaturações ≥ 4% por hora de sono.

a Diferença estatisticamente significante.

Entre os oito estudos com intervenção cirúrgica14-21 (tabela 1), todos alcançaram redução significante da resistência nasal. Apenas um ensaio com intervenção cirúrgica15 não obteve mudança significante na ESE, enquanto os demais evidenciaram redução da sonolência excessiva diurna. Entretanto, após a intervenção, apenas dois que utilizavam CPAP (Bican I.19 e Sufioğlu I.21) evidenciaram redução relevante do IAH e da pressão do CPAP. Após as cirurgias e uso de CPAP, em Nakata et al.14 houve redução da pressão do CPAP, sem diminuir o IAH.

Em quatro estudos,17,18,20,21 houve redução dos roncos, sendo que Sufioğlu et al.21 relataram que essa melhora foi subjetiva. Somente dois estudos14,19 evidenciaram aumento da saturação mínima de oxigênio noturno no pós-operatório. Além disso, Bican et al.19 e Choi et al.20 apresentaram aumento no tempo total de sono e do percentual do sono REM. Apenas um estudo21 apresentou aumento do sono N3+N4 (sono de ondas lentas). Nenhum estudo com intervenção cirúrgica avaliou ou apresentou modificação no índice de despertares (tabela 3).

Tabela 3 Alterações com tratamento cirúrgico 

Autores e ano Resistência nasal Roncos após intervenção Melhora clínica Polissonografia após intervenção Índice de despertares IAH e IDR
Nakata S 2005 Reduçãoa Não informado Reduçãoa na ESE Redução da pressão do CPAP em cinco pacientes Não informado Não alterou o IAH com CPAP pré e pós-op.
Melhor adaptação ao CPAP Aumentoa na saturação mínima de oxigênio
Virkkula P 2006 Reduçãoa Sem reduçãoa Sem melhora na respiração noturna e na ESE pós-op. Sem redução do índice de dessaturação, despertares e duração do ronco em pessoas com cefalometria normal ou não Sem alteração Não alterou o IAH em pessoas com cefalometria normal ou não
Koutsourel akis I 2008 Reduçãoa Não informado Reduçãoa na ESE após cirurgia nasal, diferentemente do placebo Não informado Não informado Não alterou o IAH com cirurgia nasal ou placebo
Li HY 2008 Reduçãoa Roncos reduzirama Melhoraa da respiração nasal pela escala visual de obstrução nasal em 98% dos pacientes Sem alterações na saturação mínima de oxigênio três meses pós-op. Não informado Sem alteração
Melhoraa subjetiva do sono
Reduçãoa na ESE
Tosun F 2009 Reduçãoa Roncos reduzirama em todos os pacientes e desapareceram completamente em nove dos 27 Reduçãoa na ESE Melhoraa da qualidade do sono Sem alteração Sem alteração
Sem alterações na saturação mínima de oxigênio no pós-op.
Bican A 2010 Reduçãoa Não informado Reduçãoa na ESE no pós-op de pacientes com CPAP Aumentoa do REM Não informado IAH reduziua
Aumentoa em N1, N2 e do tempo total de sono, no pós op. Reduçãoa da pressão para o CPAP no pós-op.
Sem diferença no sono N3+N4
Melhoraa do conforto subjetivo do fluxo nasal Aumentoa na saturação mínima de oxigênio
Choi JH 2011 Reduçãoa Roncos reduzirama. Reduçãoa na ESE Aumentoa do REM Sem alteração Não alterou o IAH nem a saturação mínima de oxigênio, com cirurgia nasal isolada
Aumentoa do tempo total de sono e eficiência do sono
Autores e ano Resistência nasal Roncos após intervenção Melhora clínica Polissonografia após intervenção Índice de despertares IAH e IDR
Sufioğlu M 2012 Reduçãoa Melhoraa apenas subjetiva de roncos Reduçãoa na ESE Aumentoa do N3+N4 Não informado Não alterou o IAH. O IAH reduziu para menos de 5/h em cinco pacientes, o que significa a cura da SAOS
Aumentoa da tolerância ao CPAP
Melhoraa da queixa subjetiva de obstrução, ronco, apneia e sonolência diurna Redução da pressão do CPAP pós-op. Reduçãoa da duração total de apneias e hipopneias

IAH, índice de apneia e hipopneia; IDR, índice de distúrbios respiratórios; ESE, escala de sonolência de Epworth; TTS, tempo total de sono; N3+N4, sono de ondas lentas; CPAP, continuous positive airway pressure.

a Diferença estatisticamente significante (p < 0,05).

Discussão

Os distúrbios respiratórios do sono (DRS), segundo a terceira Classificação Internacional de Desordens do Sono (International Classification of Sleep Disorders - ICSD-3),22 são caracterizados por anormalidades na ventilação durante o sono e, às vezes, podem estar presentes na vigília, sendo divididos em diferentes categorias, como por exemplo: síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), síndrome da apneia central do sono, hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono e síndrome de resistência das vias aéreas superiores (SRVAS), sendo possível apresentar mais de um DRS. Esta revisão mostra uma série de 297 casos, nos quais pacientes com diversas causas de obstrução nasal foram submetidos a intervenções clínicas e cirúrgicas, sendo avaliados em relação a índices polissonográficos e melhora clínica.

A SAOS foi o distúrbio mais bem estudado e aceito na comunidade médica. Caracteriza-se por obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores, denominadas hipopneias e apneias, com quedas episódicas na saturação de oxi-hemoglobina e despertares recorrentes.10 Além desses eventos, pode ocorrer despertar precedido por aumento do esforço respiratório, sem apneia ou hipopneia, mantendo o nível de oxi-hemoglobina estável durante o sono. Esses despertares têm como repercussão a fragmentação do sono e a sonolência excessiva diurna, estando relacionados a outro distúrbio respiratório do sono, denominado síndrome de resistência das vias aéreas superiores (SRVAS).23,24 Apenas Sufioğlu et al.21 avaliaram a fragmentação do sono, evidenciando repercussões na arquitetura do sono, além de falta de estudos sobre esse aspecto.

Medicações nasais não melhoraram o ronco. Dois estudos12,13 utilizaram vasoconstritores por um período curto, mas ambos apenas reduziram a resistência nasal e melhoraram aspectos subjetivos do sono. Possivelmente, seu uso crônico poderia não ter o mesmo efeito, já que, possivelmente,ocasionaria rinite medicamentosa.

Todos os estudos com intervenção cirúrgica14-21 diminuíram a resistência nasal, havendo, em sua maioria, redução dos roncos e da sonolência excessiva diurna, apesar de não diminuir o IAH. Dois estudos19,21 evidenciaram redução relevante do IAH. Sufioğlu I.21 evidenciaram aumento do percentual do sono de ondas lentas. Dois ensaios19,20 apresentaram aumento no tempo total de sono e do percentual do sono REM. Em alguns estudos, a arquitetura do sono não foi informada, indicando a necessidade de mais estudos sobre esse aspecto de importante repercussão comportamental e neurológica. Nenhuma intervenção cirúrgica avaliou ou não apresentou alteração no índice de despertares. A elevação deste índice sugere limitação do fluxo aéreo, que provoca microdespertares e consequente fragmentação do sono, e, às vezes, hipóxia intermitente. Isso ocasionaria não só distúrbios metabólicos, mas também irritabilidade, ansiedade, dificuldade na consolidação memória e redução da concentração e da atenção, podendo comprometer a produtividade do indivíduo.23,24

Em três estudos que utilizavam CPAP,14,19,21 após a intervenção, foi possível reduzir a pressão utilizada, o que melhorou a adesão ao tratamento. Somente Nakata et al.14 e Bican et al.19 evidenciaram aumento da saturação mínima de oxigênio no pós-operatório, o que pode trazer benefício metabólico e neurológico ao indivíduo.

Nesta revisão, observou-se que muitos autores valorizaram o IAH, sem avaliar o índice de despertares e a arquitetura do sono. Isso pode subdiagnosticar a SRVAS, prejudicando a compreensão da sonolência excessiva associada a ela, o que privaria o paciente de um tratamento que poderia lhe trazer benefícios.

Apenas dois estudos, realizados em 2011 e 2012, utilizaram o Manual da Academia Americana de Sono de 2007, denotando que os outros não contabilizaram RERA e o índice de distúrbios respiratórios (IDR), somatório do número de apneias, hipopneias e RERA divididos pelo tempo total de sono. Na última força-tarefa para elaboração do Manual da Academia Americana de Sono (AAMS-2012), tornou-se obrigatória a marcação do RERA, uma limitação do fluxo de ar com formação de um plateau na cânula nasal, com duração de 10 segundos, associada ao despertar. No AAMS-2007, estabelecer o número de RERA era opcional, apesar da relevância da SRVAS e do IDR.

Recentemente, os despertares têm sido mais estudados. Terzano et al.25 descreveram despertares com um padrão alternante cíclico (CAP) durante o sono não REM (NREM) em pacientes com IAH normal, mas com elevado índice de distúrbios respiratórios. Eles tinham SRVAS com fadiga e sonolência diurna, apesar de IAH normal, reforçando a relação entre o número de CAP, indicativo da fragmentação do sono NREM, com a escala de sonolência de Epworth. Entretanto, o CAP ainda não foi estabelecido como critério no AMMS-2012, indicando a necessidade de mais estudos que reforcem sua relevância clínica. Afinal, a inclusão de CAP alteraria alguns paradigmas. O despertar, hoje, é definido como frequências maiores que 16 Hz (não fusos), precedidas por 10 segundos de sono, com duração superior a 3 segundos; enquanto o CAP tem duração superior a 2 segundos. A inclusão, por exemplo, do CAP no AAMS poderia aumentar a sensibilidade da polissonografia, possibilitando diagnóstico, tratamento e acompanhamento de distúrbios até então negligenciados. O padrão do laudo polissonográfico da maioria estudos nesta revisão não permite quantificar aspectos com repercussões clínicas significativas.

Os artigos de Choi et al.20 e Sufioğlu et al.,21 respectivamente de 2011 e 2012, utilizaram o manual da AMMS-2007, comentando a fragmentação do sono e índice de despertares.

Alguns autores, como Friedman et al.,26 evidenciaram que pacientes com SAOS moderada a severa submetidos a reconstrução nasal apresentaram, no pós-operatório, piora objetiva no estudo do sono. Possivelmente, isso pode ser decorrente de uma alteração neuromuscular já estabelecida na via aérea superior e não corrigida com uma intervenção exclusiva ao nível nasal. Afinal, pacientes com menos fragmentação do sono podem ter mais sono REM, cursando com mais apneia e hipopneia durante o relaxamento muscular. Entretanto, esse evento paradoxal da cirurgia nasal sobre o índice de distúrbios respiratórios necessita de mais estudos.

Um fator que dificulta a definição do sucesso terapêutico é a falta de parâmetro para melhora da SAOS. Um dos critérios mais utilizados para o sucesso da intervenção é considerar a melhora do IDR ≤ 50% do valor pré-operatório, sendo o valor pré-operatório inferior a 20 eventos por hora.27 Entretanto, há críticas a respeito de sua aplicação para SAOS severa ou em pacientes com valores de IDR pré-intervenção próximos a 20 eventos por hora. Foram criados outros critérios de sucesso, como redução do IDR para menos de cinco eventos por hora, melhora da saturação para níveis acima de 90% e redução significativa dos eventos,28 mas estes não avaliam bem a melhora de pacientes com SAOS severa, por exemplo. Assim, é necessário um consenso em relação a essa definição.

Outro aspecto observado durante a seleção de artigos foi o crescente número de estudos realizados com polissonografia portátil sem a presença de um técnico (polissonografia tipo 2). Esses artigos foram excluídos desta seleção. O manual da AMMS-201210 e a ICSD-322 consideram a polissonografia portátil um instrumento útil na clínica, mas a possível perda da qualidade do exame por falta de supervisão de um técnico deve ser melhor estabelecida para a pesquisa.

Conclusão

É possível observar, nos últimos dez anos, a grande frequência de ensaios clínicos que utilizaram desvio septal e rinite alérgica como fator obstrutivo nasal. Apenas um estudo considerou polipose nasossinusal como causa de obstrução. A rinite alérgica persistente é um fator importante de obstrução nasal, porém, sua intensidade pode variar. A polipose nasal possui ferramentas mais objetivas de avaliação da gravidade dessa obstrução.

Apenas quatro estudos registraram melhora significativa nos roncos; três evidenciaram redução na pressão no CPAP; e sete relataram melhora subjetiva do sono. Dessa forma, ainda se encontra impreciso o papel nasal sobre a fisiopatologia da SAOS. Foi notada redução da sonolência excessiva diurna em alguns estudos, por meio da escala de sonolência de Epworth.

Na maioria dos ensaios, a obstrução nasal não se relacionou com o IAH, indicando ausência de melhora da SAOS, com a redução da resistência nasal. Em contrapartida, poucos pesquisadores avaliaram índices polissonográficos, como índice de despertares e percentual do sono REM, que poderiam vir alterados, uma vez que a obstrução nasal possivelmente não provoca uma obstrução completa da VAS, mas aumenta a pressão negativa intratorácica, levando à fragmentação do sono. Assim sendo, são necessários mais estudos sobre a influência da obstrução nasal na polissonografia.

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