versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.5 São Paulo maio 2019 Epub 07-Mar-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190040
A ablação por cateter de radiofrequência (ACRF) é um procedimento padrão para pacientes com fibrilação atrial (FA) não responsivos a tratamentos prévios, que tem sido cada vez mais considerada como terapia de primeira linha. Nesse contexto, o screening para fatores de risco perioperatório tornou-se importante. Um estudo prévio mostrou que uma pressão do átrio esquerdo (AE) elevada está associada a recorrência de FA após a ablação, podendo ser secundária a um AE rígido.
Investigar, por meio de revisão sistemática e metanálise, se a rigidez do AE é um preditor de recorrência de FA após ACRF, e discutir seu uso na prática clínica. Métodos: A metanálise foi realizada seguindo-se as recomendações do MOOSE. A busca foi realizada nas bases de dados MEDLINE e Cochrane Central Register of Controlled Trials, até março de 2018. Dois autores realizaram triagem, extração de dados e avaliação da qualidade dos estudos.
Todos os estudos obtiveram boa qualidade. Um gráfico de funil foi construído, não identificando viés de publicação. Quatro estudos prospectivos observacionais foram incluídos na revisão sistemática e 3 deles na metanálise. Foi adotado o nível de significância estatística de p < 0,05. Rigidez do AE foi um forte preditor independente da recorrência de FA após ACRF (HR = 3,55, IC 95% 1,75-4,73, p = 0,0002).
A avaliação não invasiva da rigidez do AE antes da ablação pode ser utilizada como um potencial fator de rastreamento para a seleção ou acompanhamento de pacientes com maiores riscos de recorrência de FA e desenvolvimento da síndrome do AE rígido.
Palavras-chave: Fibrilação Atrial; Ablação por Cateter/métodos; Átrios do Coração; Taquicardia Paroxística; Metanálise
Radiofrequency catheter ablation (RFCA) is a standard procedure for patients with atrial fibrillation (AF) not responsive to previous treatments, that has been increasingly considered as a first-line therapy. In this context, perioperative screening for risk factors has become important. A previous study showed that a high left atrial (LA) pressure is associated with AF recurrence after ablation, which may be secondary to a stiff left atrium.
To investigate, through a systematic review and meta-analysis, if LA stiffness could be a predictor of AF recurrence after RFCA, and to discuss its clinical use.
The meta-analysis followed the MOOSE recommendations. The search was performed in MEDLINE and Cochrane Central Register of Controlled Trials databases, until March 2018. Two authors performed screening, data extraction and quality assessment of the studies.
All studies were graded with good quality. A funnel plot was constructed, which did not show any publication bias. Four prospective observational studies were included in the systematic review and 3 of them in the meta-analysis. Statistical significance was defined at p value < 0.05. LA stiffness was a strong independent predictor of AF recurrence after RFCA (HR = 3.55, 95% CI 1.75-4.73, p = 0.0002).
A non-invasive assessment of LA stiffness prior to ablation can be used as a potential screening factor to select or to closely follow patients with higher risks of AF recurrence and development of the stiff LA syndrome.
Keywords: Atrial Fibrillation; Catheter Ablation/methods; Heart Atria; Tachycardia, Paroxysmal; Metanalysis
A ablação por cateter de radiofrequência (ACRF) é um procedimento padrão para o tratamento de fibrilação atrial (FA) em pacientes não responsivos a tratamentos prévios.1 Contudo, há evidências crescentes de baixas taxas de recorrência de FA e menor carga da doença em pacientes com FA paroxística submetidos à ablação como opção terapêutica de primeira linha.2 Além disso, a ablação por cateter, realizada precocemente, parece retardar a evolução da FA paroxística para FA persistente. Assim, essa estratégia tem sido cada vez mais considerada como tratamento de primeira linha, o que torna ainda mais importante o uso de fatores de rastreamento para um acompanhamento próximo de pacientes em risco elevado de recorrência de FA e complicações após o procedimento.
Recentemente, a importância do estudo da rigidez do átrio esquerdo (AE) cresceu exponencialmente, uma vez que ela tem sido associada à síndrome do átrio esquerdo rígido (SAER), uma consequência grave da ACRF.3 Além disso, um estudo prévio mostrou que um aumento na pressão do AE está associado com recorrência da FA após ablação.4 Uma vez que um aumento na rigidez do AE pode causar aumento na sua pressão,5 por si só, poderia ser usado como preditor de recorrência de FA após a ACRF e, assim, contribuir para um acompanhamento mais próximo dos pacientes com risco elevado de recorrência de FA e desenvolvimento de SAER. Contudo, até o momento, não foi publicada nenhuma revisão sistemática ou metanálise investigando essa relação, apesar desses estudos serem considerados os de maior e mais forte qualidade de evidência.
Portanto, esta revisão sistemática e metanálise tem como objetivo investigar se a rigidez do AE poderia ser um preditor de recorrência de FA após a ACRF, e discutir a utilidade clínica desse novo preditor.6
Uma revisão sistemática foi realizada utilizando os critérios estabelecidos pelo grupo MOOSE (Meta-analysis of Observational studies in the Epidemiology Group).
Dois pesquisadores (ETOC e ETM) realizaram uma busca nos bancos de dados MEDLINE e Cochrane até março de 2018. Realizamos a busca de uma combinação de termos em inglês e descritores MeSH (English terms and Medical Subject Headings), consistindo de sete palavras-chave: [("left atrial" OR "left atrium") AND ("stiff" OR "stiffness" OR "compliance") AND ("ablation" OR "pulmonary vein isolation")]. Também realizamos uma busca manual das referências para identificar possíveis estudos para inclusão. Quando necessário, obtivemos a tradução do inglês para o português dos títulos dos artigos. Cada título e resumo foram analisados de forma independente pelos dois pesquisadores, que selecionaram os artigos relevantes para a revisão. Em seguida, os textos dos artigos remanescentes foram revisados para selecionar quais seriam incluídos nas análises qualitativa e quantitativa. Em caso de desacordo, a decisão foi feita por discussão e consenso dos autores.
Incluímos estudos observacionais (natureza prospectiva ou retrospectiva) realizados em humanos, cujo objetivo foi estudar a associação entre rigidez do AE e recorrência de FA após a primeira ACRF. Para a análise qualitativa, incluímos estudos com as seguintes características: 1) O estudo avaliou recorrência de FA após a primeira ACRF em humanos; 2) Estudos observacionais retrospectivos ou prospectivos; 3) O período médio de acompanhamento foi superior a seis meses; 4) O estudo incluiu mais de 20 indivíduos.
Para a análise quantitativa, incluímos estudos que preencheram os critérios mencionados acima e relataram razão de risco (hazard ratio - HR) e intervalos de confiança (IC) de 95% da rigidez do AE como preditores de recorrência de FA.
O risco de viés nos estudos foi avaliado utilizando o instrumento de avaliação de qualidade para estudos de caso (Quality Assessment Tool for Case Series Studies) do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue (National Heart, Lung and Blood Institute).7 A avaliação foi realizada independentemente por dois avaliadores (ETOC e LMSB), e em caso de discordância, a decisão foi tomada por consenso entre os pesquisadores. As seguintes características foram avaliadas: 1) A pergunta ou objetivo do estudo estava claramente apresentado no estudo?; 2) A população do estudo estava descrita de maneira clara e completa?; 3) Os casos eram consecutivos?; 4) Os indivíduos eram comparáveis?; 5) A intervenção estava claramente descrita?; 6) Os desfechos estavam claramente definidos, eram válidos, confiáveis e usados de maneira consistente em todos os participantes do estudo?; 7) O tempo de acompanhamento foi adequado?; 8) Os métodos estatísticos estavam bem descritos?; 9) Os resultados estavam bem descritos?
Depois que essas características foram avaliadas, os autores atribuíram aos estudos uma classificação de qualidade (boa, suficiente ou baixa). Estudos foram avaliados como de 'baixa' qualidade se preenchessem menos de três critérios, 'suficiente' se atingisse de três a cinco critérios, e de 'boa' qualidade se preenchessem mais que cinco critérios. Todos os quatro artigos selecionados atingiram quase todos os critérios e receberam uma boa classificação de qualidade pelos dois avaliadores. A avaliação de qualidade dos quatro estudos está descrita na Tabela 1.
Tabela 1 Características dos estudos incluídos
Estudo, ano | Região | Delineamento do estudo | Número de pacientes | Estratégia de ablação | Medida da rigidez do AE | Método de detecção da FA | Acompanhamento, meses | Período sem recorrência após ablação | Achados | Qualidade |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Machino Ohtsuka et al., 2011 | Ásia | Unicêntrico, prospectivo, série de caso | 155 | PVI | Razão da diferença entre pico de pressão da onda V no AE e nadir da pressão da onda x no AE do S-LAs [(PAE-v - PAE-x) / global S-LAs] | ECG 12-derivações, sintoma relacionado à arritmia, monitoramento Holter 24 horas e monitoramento ECG portátil | Acompanhamento médio de 33,8 ± 12,2 meses (14 a 54 meses) | 3 | Índice de rigidez do AE foi um preditor independente de recorrência de fibrilação atrial (HR: 2.88; IC95%I: 1,75 a 4,73; p < 0,001) | Bom |
Park et al., 2015* | Ásia | Unicêntrico, prospectivo, série de caso | 334 | PVI | Medida direta da pressão do pulso da AE (diferença entre pico da PAE e nadir da PAE) e assumindo uma mudança mínima no volume do AE com base em estudos fisiológicos prévios | ECG e monitoramento por Holter 24 ou 48 horas | Período médio de acompanhamento de 16,7±11,8 meses (3 a 47 meses) | NR | Baixa complacência do AE associou-se de maneira independente com risco duas vezes maior de recorrência de FA (HR: 2,202; IC95%: 1,077 -4,503; P = 0,031) | Bom |
Kawasaki et al, 2016 | Japão | Unicêntrico, prospectivo, série de caso | 109 | IVP | Rigidez do AE foi obtida usando PEAP estimada como PEAP estimada/strain do AE obtido por STE | ECG e Holter | Mínimo 12 meses | 1 | Índice de rigidez do AE não foi um preditor de recorrência de FA (OR: 0,37; IC95%: 0,041 a 3,462, p = 0,39) | Bom |
Khurram et al., 2016† | América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, série de caso | 160 | IVP | Razão da mudança na PAE /mudança no volume do AE durante enchimento do AE | Holter 24-horsa ou monitoramento de evento por 30 dias | Acompanhamento médio de 10,4 ± 7,6 meses | 3 | Índice de rigidez do AE foi um preditor do desfecho da FA após ablação (HR: 8,22; IC95%: 3,54 a 19,11; p < 0,001) | Bom |
AE: átrio esquerdo; PAE: pressão no átrio esquerdo; IVP: isolamento da veia pulmonar; NR: não relatado; ECG: eletrocardiograma; S-LAs [(PAE-v - PAE-x) / global S-LAs]: valores médios para pico de strain durante sístole ventricular (S-LAs) obtidos de visualizações de duas câmaras e de quatro câmaras; PAE: pressão de encravamento da artéria pulmonar; STE: ecocardiografia speckle-tracking.
*A análise incluiu somente populações de pacientes com coração de estrutura normal.
†Somente os 160 pacientes incluídos na análise de desfecho estão representados nesta tabela.
A extração dos dados foi realizada por dois pesquisadores (ETOC e OMPS), utilizando-se um formulário padrão, e verificada por um terceiro pesquisador (ETM). Os dados extraídos incluíram: 1) O sobrenome do primeiro autor; 2) Características dos estudos incluídos: número de pacientes, região do estudo, delineamento do estudo, estratégia de ablação, método usado na medida da rigidez do AE, método de detecção da FA, período de acompanhamento, período de tempo sem FA após o tratamento (blanking period) e principais achados; 4) Desfechos: HR e IC de 95% da rigidez do AE como preditores de recorrência da FA na análise multivariada.
A associação entre recorrência de FA e rigidez do AE após a ACRF foi medida pelo HR e IC 95%. Foram usados HRs ajustados, uma vez que todos os estudos incluídos na análise quantitativa empregaram análise multivariada pelo modelo de riscos proporcionais de Cox para ajuste quanto a potenciais fatores de confusão. Log do HR foi obtido calculando-se seus logaritmos naturais. Em seguida, os erros padrões da escala logarítmica e IC 95% correspondentes foram calculados. O método do inverso da variância foi usado para ponderar os estudos na análise estatística global. Valores de p < 0,05 foram considerados como estatisticamente significativos. A heterogeneidade entre os estudos foi avaliada pelo teste Q de Cochran Q e estatística I2, e em seguida por valores de I2. I2 menores que 30% foram definidos como baixa heterogeneidade; menor que 60% como heterogeneidade moderada; e mais que 60% como alta heterogeneidade.8 O modelo de efeitos aleatórios foi escolhido devido aos diferentes métodos de medida da rigidez do AE usados nos estudos, o que poderia ser causa de heterogeneidade. Análise de sensibilidade foi realizada excluindo-se alguns estudos e avaliando-se a consistência do efeito total estimado. Não foi realizada meta-regressão devido ao pequeno número de estudos incluídos. Os resultados estão apresentados em um gráfico em floresta (forest plot) com IC 95%. A presença de viés de publicação foi verificada por um gráfico de funil, apesar de que somente 3 estudos foram incluídos, o que dificulta a interpretação. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa Review Manager 5.3.
Inicialmente, 62 estudos foram identificados nas bases de dados PubMed e no registro central de ensaios controlados da Cochrane (Central Register of Controlled Trials). Na análise dos estudos em duplicata, foram identificados dois estudos, os quais foram excluídos. Após uma leitura cuidados dos títulos e resumos, 57 dos 62 estudos foram excluídos por não estarem relacionados à revisão. Cinco estudos foram analisados na íntegra, e quatro deles incluídos na análise qualitativa. No estudo excluído, de Marino et al.,9 somente 20 pacientes foram analisados e o período médio de acompanhamento foi inferior a 6 meses. Para a análise quantitativa, um artigo completo foi excluído por não haver utilizado o HR e IC 95% da rigidez do AE como preditores de recorrência de FA.10 Por fim, quatro estudos foram incluídos na análise qualitativa e três na análise quantitativa. O fluxograma da seleção dos estudos está apresentado na Figura 1.
Quatro estudos foram incluídos nesta revisão,10-13 todos estudos de série de casos, unicêntricos, prospectivos (Tabela 1). O estudo de Machino-Ohtsuka et al.11 incluiu 155 pacientes, e no estudo de Khurram et al.,13 160 pacientes do estudo foram incluídos na análise dos desfechos e, portanto, incluídos na presente revisão. No estudo de Park et al.,12 1038 pacientes foram analisados, porém somente 334 pacientes apresentavam o coração com estrutura normal, e foram incluídos nas análises. Apesar de Kawasaki et al.,10 terem avaliado 137 indivíduos, somente 109 foram submetidos à primeira ablação, e foram incluídos nesta revisão. Ao todo, 758 pacientes foram incluídos em nossa análise qualitativa, respectivamente. O período médio de acompanhamento variou entre 10,4 a 33,8 meses. Os estudos utilizaram diferentes métodos para medir a rigidez do AE, representados na Tabela 1. Todos os estudos realizaram isolamento da veia pulmonar como estratégia de ablação, e exame de Holter para o diagnóstico de FA. Ainda, em três10-12 dos quatro estudos utilizou-se eletrocardiograma (ECG) para o diagnóstico. Khurram et al.,13 não realizaram um ECG, apesar de terem realizado um monitoramento de 30 dias quanto à ocorrência de eventos. O tempo sem recorrência de FA (blanking period) após a ACRF foi de três meses em dois estudos,11,13 um mês em um estudo,10 e não foi mencionado no estudo de Park et al.,12 As características de todos os estudos incluídos estão resumidas na Tabela 1.
Dois11,13 dos quatro estudos encontraram que a rigidez do AE foi o preditor mais importante de recorrência de FA pós-ablação em uma análise multivariada, entre outros fatores, tais como volume do AE e FA persistente.
Khurram et al.,13 observaram que o índice de rigidez do AE foi um preditor independente do desfecho da ablação da FA (HR: 8,22; IC95% 3,54 - 19,11; p < 0,001). Além disso, 25% dos pacientes (40 de 160) apresentaram recorrência de FA durante o período de acompanhamento de 10,4 ± 7,6 meses. Pacientes com recorrência de FA apresentaram maior índice de rigidez do AE em comparação aos sem recorrência. Esses achados também foram confirmados pelo estudo de Machino-Ohtsuka et al.,11 que também mostrou que os pacientes com recorrência (29%; 45 de 155) apresentaram maior rigidez do AE em comparação àqueles que não apresentaram recorrência durante um período de acompanhamento de 33,8 ± 12,2 meses. Ainda, o estudo também mostrou que um índice de rigidez do AE maior foi um preditor independente de recorrência de FA (HR 288; IC95% 1,75 a 4,73, p < 0,001).
Park et al.,12 mostraram que, em um período médio de acompanhamento de 16,7 ± 11,8 meses, uma baixa complacência do AE associou-se com risco duas vezes maior de recorrência de FA. Além disso, na análise multivariada, ajustada quanto a vários fatores, a rigidez do AE foi o segundo preditor mais importante de recorrência de FA após a ACRF (HR), ficando atrás somente de FA persistente.
Kawasaki et al.,10 mostraram que, em pacientes submetidos à primeira ou à segunda ablação, o grupo de pacientes que apresentou recorrência de FA apresentou maior rigidez do AE que o grupo de pacientes em que a ablação foi realizada com sucesso. No entanto, na análise multivariada, ao analisar pacientes submetidos à primeira ACRF, o índice de rigidez do AF não foi um preditor significativo de recorrência de FA (OR).
Esta metanálise mostrou que a rigidez do AE associa-se com maior recorrência de FA após ACRF (HR = 3,55, IC95% 1,75-4,73, p = 0,0002), como mostrado na Figura 2. O teste de heterogeneidade mostrou diferenças significativas entre os estudos (p = 0,05, I² = 67%). A análise de sensibilidade, realizada para se identificar a origem da heterogeneidade, mostrou que, excluindo-se o estudo de Khurram et al.,13 que utilizaram ressonância magnética cardíaca para medir a rigidez do AE, não se observou heterogeneidade entre os estudos (p = 0,55, I² = 0%). Contudo, o resultado geral, em relação ao HR e IC95%, permaneceu o mesmo (HR = 2,64, IC95% 1,75-3,97, p < 0,00001). Um gráfico de funil (Figura 3) foi usado para verificar a existência de viés de publicação. Não foi observada assimetria evidente, sugerindo então, que não houve viés de publicação.
Figura 2 Gráfico de floresta mostrando a rigidez do átrio esquerdo como preditor de recorrência de fibrilação atrial após procedimento de ablação por cateter de radiofrequência.
Conforme mencionado anteriormente, a ablação por cateter tem sido cada vez mais considerada como tratamento de primeira linha e, portanto, a importância de fatores de rastreamento também tem aumentado. Esta revisão sistemática mostrou que, em dois dos quatro estudos incluídos, a rigidez do AE foi o preditor mais importante de recorrência de FA pós-ablação em uma análise multivariada, entre outros fatores, tais como volume do AE e FA persistente. Além disso, a metanálise, incluindo três estudos, mostrou que a rigidez do AE foi um forte preditor de recorrência de FA após ACRF (HR = 3,55; IC95% 1,75-4,73, p = 0,0002). Assim, o uso rotineiro da rigidez do AE no pré-operatório pode ser útil para um acompanhamento de perto de pacientes com risco elevado de desenvolverem SAER e recorrência de FA.
Estudos prévios mostraram, apesar de algumas limitações, que pacientes com FA paroxística apresentam rigidez do AE aumentada.14,15 Além disso, o remodelamento estrutural causado pela FA leva à fibrose do AE,16 o que pode ser um mecanismo no processo de rigidez do AE. Portanto, um aumento na rigidez do AE poderia ser um mecanismo importante da gênese e propagação da FA ou consequência de seus episódios.
Estudos prévios mostraram que a ablação circunferencial completa da veia pulmonar promovida pela ACRF associou-se com menor recorrência de FA.17,18 Ainda, quanto mais a cicatrização sobrepõe-se à fibrose, diminuindo a quantidade de tecido fibrótico sem ablação, melhor a taxa de sobrevida livre de episódios de arritmia.19 Assim, uma ablação extensa parece ser a melhor escolha para reduzir a recorrência de FA. No entanto, em um estudo prévio, a presença de cicatrizes no AE esteve associada com o desenvolvimento da SAER5 e, consequentemente, a piores desfechos clínicos após a ACRF.
Em 1988, Pilote et al.,20 descreveram uma condição em pacientes submetidos à cirurgia da valva mitral por cicatrização do AE, caracterizada por perda da complacência do AE, hipertensão pulmonar, disfunção do AE, e dispneia de causa recente, a chamada SAER.5 Em seguida, essa síndrome foi relatada por Gibson et al.,3 em pacientes submetidos à ACRF, com ocorrência relativamente rara (1,4%). Pacientes com baixa complacência do AE antes da ablação podem ser mais susceptíveis a desenvolverem a SAER, uma vez que a ACRF está relacionada ao aumento da rigidez do AE,21 provavelmente devido à formação de múltiplas cicatrizes na parede do AE induzidas pelo procedimento.22 Assim, pacientes com baixa complacência do AE poderiam beneficiar-se de uma medida da rigidez do AE por meio de uma avaliação não invasiva antes da ablação do AE, como parte do procedimento de rastreamento pré-operatório, ou mesmo avaliação de rotina. Isso contribuiria na prevenção de recorrência da FA e do desenvolvimento da SAER, e na promoção de um acompanhamento mais próximo desses pacientes.
Marino et al.,9 apesar das limitações do estudo, observaram uma relação linear entre o strain longitudinal do ventrículo esquerdo, e mediram a rigidez do AE (calculada durante o enchimento atrial, definida como a razão Δ pressão do AE/ Δ volume do AE). Uma vez que existe uma associação entre a deformação longitudinal do AE e o movimento do anel mitral e ventrículo adjacente, o strain longitudinal do ventrículo direito poderia ser usado para estimar a rigidez do AE.9 Com esse método de medida não invasivo, utilizando um simples ECG, a rigidez do AE poderia ser um novo fator potencial de rastreamento na avaliação de rotina no pré-operatório.
A presente revisão mostra a necessidade de estudos futuros para melhor compreender a relação entre rigidez do AE e FA. Primeiramente, um aumento no número de estudos e na amostra total poderia aumentar a confiabilidade dos resultados. Ainda, um desenvolvimento de um índice não invasivo padronizado de rigidez do AE contribuiria para o rastreamento de pacientes que não se beneficiariam de ablação. Finalmente, mais estudos são necessários para investigar se a rigidez do AE é um fator de risco real que poderia levar ao desenvolvimento e à propagação da FA, ou se é uma consequência da FA.
Esta revisão apresenta algumas limitações. Primeiro, na análise quantitativa, apenas três estudos observacionais foram incluídos. Ainda, o teste I2 mostrou alta heterogeneidade (p = 0,05; I² = 67%), apesar de o desfecho global ter permanecido o mesmo após a exclusão do estudo de Khurram et al.13 (causa da heterogeneidade). Essa heterogeneidade pode ser relevante por vários fatores. Primeiro, o estudo de Khurram et al.,13 foi conduzido na América do Norte, enquanto que os outros dois estudos na Ásia. Segundo, apesar de todos os métodos usados para a medida da rigidez do AE terem sido diferentes entre os estudos, o estudo de Khurram et al.,13 foi o mais variado em termos de método, uma vez que utilizaram ressonância magnética cardíaca, e não terem usado ECG no diagnóstico de FA. Além disso, esse estudo13 teve o menor tempo médio de acompanhamento entre todos os estudos. Finalmente, apesar de termos usados HRs ajustados, obtidos da análise multivariada, para reduzir o efeito das variáveis de confusão, eles não conseguem excluir tal efeito totalmente.
A presente revisão mostra que a rigidez do AE é um forte preditor de recorrência de FA após a ACRF (HR = 3,55; IC95% 1,75-4,73; p = 0,0002). Assim, uma medida padrão não invasiva da rigidez do AR poderia ser usada de rotina antes da ablação da FA, rastreando pacientes com maiores chances de recorrência de FA e desenvolvimento de SAER.