versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.6 São Paulo jun. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180090
A prevalência de fatores de risco cardiovascular ainda é pouco estudada em populações indígenas brasileiras. Nas duas últimas décadas, observaram- se importantes mudanças no estilo de vida e no perfil epidemiológico dos Xavante.
Avaliar a prevalência de fatores de risco cardiovascular na população adulta Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande - MT.
Estudo transversal realizado com 925 indígenas Xavante com 20 ou mais anos de idade, no período de 2008 a 2012. Foram considerados os indicadores: níveis séricos de triglicérides (TG), colesterol (total, LDL e HDL), Índices de Castelli I (CT/HDL-c) e II (LDL-c/HDL-c), razão TG/HDL-C, relação Apo B/Apo A1, escore de Framingham, proteína C reativa (PCR), Índice de Massa Corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), cintura hipertrigliceridêmica (CH), glicemia e pressão arterial. Foram utilizados os testes Kolmogorov-Smirnov, t de Student e Qui quadrado (χ2), sendo considerado um nível de significância de 5%.
Verificaram-se altas prevalências de risco cardiovascular elevado, em homens e mulheres, respectivamente, segundo os indicadores HDL-colesterol (66,2% e 86,2%), TG (53,2% e 51,5%), razão TG/HDL-c (60,0% e 49,1%), PCR (44,1% e 48,1%), IMC (81,3% e 81,7%), CC (59,1% e 96,2%), CH (38,0% e 50,6%) e glicemia (46,8% e 70,2%). Os indivíduos de 40 a 59 anos foram os que apresentaram maior risco cardiovascular.
Os Xavante apresentam elevado risco cardiovascular segundo vários indicadores avaliados. Este inquérito fornece subsídios para ações de prevenção e tratamento precoce, a fim de minimizar os potenciais danos causados por doenças cardiovasculares entre os Xavante.
Palavras-chave Doenças Cardiovasculares / epidemiologia; Fatores de Risco; População Indígena; Adulto; Obesidade; Dislipidemias
The prevalence of cardiovascular risk factors is little known in Brazilian indigenous populations. In the last two decades, important changes have occurred in the lifestyle and epidemiological profile of the Xavante people.
to assess the prevalence of cardiovascular risk factors in Xavante adults in São Marcos and Sangradouro/Volta Grande reserves, in the state of Mato Grosso, Brazil.
Cross-sectional study carried out with 925 Xavante people aged ≥ 20 years between 2008 and 2012. The following indicators were assessed: triglycerides (TG), total, LDL and HDL-cholesterol, Castelli index I and II, TG/HDL-cholesterol ratio, apo B / Apo A1 ratio, Framingham risk score, C-reactive protein, body mass index (BMI), waist circumference (WC), hypertriglyceridemic waist (HW), glycemia and blood pressure. Kolmogorov-Smirnov, Student's t test and Chi-square test (χ2) were used for statistical analysis, and significance level was set at 5%.
High prevalence of elevated cardiovascular risk was observed in men and women according to HDL-cholesterol (66.2% and 86.2%, respectively), TG (53.2% and 51.5%), TG/HDL-cholesterol ratio (60.0% and 49.1%), C-reactive protein (44.1% and 48.1%), BMI (81.3% and 81.7%), WC (59.1% and 96.2%), HW (38.0% and 50,6%) and glycemia (46.8% and 70.2%). Individuals aged 40 to 59 years had the highest cardiovascular risk.
The Xavante have a high cardiovascular risk according to several indicators evaluated. The present analysis of cardiovascular risk factors provides support for the development of preventive measures and early treatment, in attempt to minimize the impact of cardiovascular diseases on this population.
Keywords Cardiovascular Diseases / epidemiology; Risk Factors; Indigenous Population; Adult; Obesity; Dyslipidemias
As doenças cardiovasculares (DCVs) constituem a principal causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo. Aproximadamente um terço de todos os óbitos ocorre devido às DCVs. Além disso, constituem uma das principais causas de internação hospitalar prolongada e de gastos em saúde no Brasil.1,2
A maior parte das DCVs resulta de um estilo de vida pouco saudável e de fatores de risco modificáveis. Perfil lipídico alterado, diabetes mellitus, tabagismo, idade avançada, história familiar, sedentarismo e excesso de peso são os principais fatores que predispõem ao aparecimento de DCVs.1-3 A s DCVs têm início numa fase precoce da vida, progridem silenciosamente e encontram-se já avançadas quando aparecem as primeiras manifestações clínicas. Quanto mais precocemente forem identificados os fatores de risco, maior a possibilidade de prevenção e de redução das suas complicações.2
A prevalência de fatores de risco cardiovascular ainda é pouco estudada em populações indígenas brasileiras. Entre os Xavante, a despeito de uma significativa literatura sobre suas condições de saúde, não há estudos abordando essa temática. Sabe-se que essa população vem passando, nas duas últimas décadas, por importantes mudanças nos hábitos alimentares e na frequência e intensidade da atividade física, o que contribui para o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis.4,5 No entanto, não há dados específicos sobre risco cardiovascular.
Considerando que as DCVs geram elevado número de mortes prematuras e incapacidades, perda de qualidade de vida, além de impactos econômicos para as famílias, comunidades e a sociedade em geral, o conhecimento da prevalência de fatores de risco cardiovascular é de grande importância para o estabelecimento de estratégias de prevenção.2
O objetivo dest e estudo foi avaliar a prevalência de fatores de risco cardiovascular na população adulta Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande - MT.
Trata-se de estudo transversal, envolvendo a população adulta Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande - MT.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, pela CONEP e FUNAI.
Os Xavante vivem em oito reservas indígenas no estado do Mato Grosso, Brasil. Este inquérito foi realizado nas reservas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande, em viagens periódicas à região, no período de outubro de 2008 a janeiro de 2012. A população total dessas reservas está estimada em 4020 índios, sendo 1582 com 20 anos ou mais de idade.6 Todos os indivíduos com 20 anos ou mais de idade foram convidados a participar do estudo.
O exame físico, incluindo antropometria e a coleta de amostras de sangue foram realizados nas aldeias. Os líderes indígenas e os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e deram seu consentimento, em sua maioria por escrito. Para os que eram analfabetos (14%), os termos de consentimento foram lidos por agentes de saúde indígena. As impressões digitais foram usadas para documentar a sua aprovação.
Foram consideradas as variáveis sexo, idade, peso (kg), altura (m), circunferência da cintura (CC) (cm), níveis séricos de triglicérides (TG) (mg/dl), colesterol total (CT) (mg/dl), lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) (mg/dl), lipoproteína de alta densidade (HDL-c) (mg/dl), apolipoproteínas A1 e B (apo A1 e apo B) (mg/dl), glicemia capilar inicial e de 2ª hora (mg/dl), pressão arterial sistólica e diastólica (mm/Hg), proteína C reativa (PCR) ultras sensível (mg/L).
O peso foi avaliado com a utilização de balança eletrônica (Plenna®), com capacidade máxima de 150 kg. A estatura foi verificada com estadiômetro portátil (Alturexata®). A partir dos dados de peso e altura, foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC) - [peso (kg)/altura(m)2].7 A CC foi mensurada com fita milimétrica inelástica, no ponto médio entre o último arco intercostal e a crista ilíaca, com o indivíduo na posição ereta.
As amostras de sangue foram coletadas com indivíduos em jejum de 8 a 10 horas, por via venosa, sendo utilizados coletores estéreis e descartáveis (Vacutainer®). As amostras foram condicionadas a -20ºC e transportadas para o laboratório na cidade de São Paulo. Os níveis séricos de TG, CT, LDL-c, HDL-c, apo A1 e apo B foram quantificados por métodos enzimáticos. A dosagem de PCR ultrassensível foi realizada por imunoturbidimetria.
A pressão arterial (PA) foi aferida no braço esquerdo do indivíduo sentado, após cinco minutos de repouso, utilizando o aparelho de pressão digital de braço automático (OMRON HEM-742INTC®). A pressão arterial foi aferida três vezes, sendo considerada a média das duas últimas aferições.
A glicemia capilar inicial e a glicemia duas horas após sobrecarga de 75 g de glicose anidra (Glutol®) foram medidas por um glicosímetro portátil (HemoCue® Glucose 201, HemoCue AB).
Foram calculados os Índices de Castelli I (razão CT/HDL-c) e II (razão LDL-c/HDL-c)8, a razão TG/HDL-c,9 a relação Apo B/Apo A110 e o escore de risco de Framingham.11
A cintura hipertrigliceridêmica (CH) foi definida como a presença simultânea de CC aumentada e elevadas concentrações de TG.12
No Quadro 1, estão apresentados os indicadores considerados no estudo e os respectivos parâmetros de risco cardiovascular.7-17
Quadro 1 Indicadores de Risco Cardiovascular
INDICADORES DE RISCO CARDIOVASCULAR | RISCO |
---|---|
Colesterol total (mg/dl)13 | ≥ 200 mg/dl |
HDL-colesterol (mg/dl)13 | < 50 mg/dl em mulheres e < 40 mg/dl em homens |
LDL-colesterol (mg/dl)13 | ≥ 130 mg/dl |
Triglicérides (mg/dl)13 | ≥ 150 mg/dl |
Índice de Castelli I8 | > 4,4 para mulheres e > 5,1 para homens |
Índice de Castelli II8 | > 2,9 para mulheres e > 3,3 para homens |
Razão TG/HDL-C9 | ≥ 3,8 |
Relação ApoB/ApoA110 | > 0,8 para mulheres e > 0,9 para homens |
Escore de Risco de Framingham11 | baixo risco - probabilidade < 10% |
médio risco - probabilidade entre 10% e 20% | |
alto risco - probabilidade > 20% | |
PCR (mg/L)14 | baixo risco - < 1,0 mg/L |
médio risco - 1,0 a 3,0 mg/L | |
alto risco - > 3,0 mg/L | |
IMC (kg/m2)7,15 | ≥ 25,0 kg/m2 para adultos |
≥ 27,0 kg/m2para idosos | |
Circunferência da cintura (cm)7 | ≥ 94 cm em homens e ≥ 80 cm em mulheres |
Cintura hipertrigliceridêmica7,13 | CC aumentada (≥ 94 cm em homens e ≥ 80 cm em mulheres) e TG ≥ 150 mg/dl |
Glicemia (mg/dL)16 | glicemia casual ≥ 200 mg/dL e/ou |
glicemia na 2ª hora ≥ 140 mg/dL e/ou | |
em uso de antidiabéticos orais ou insulina | |
Pressão arterial (mm/Hg)17 | pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg e/ou |
pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg e/ou | |
uso de medicamento anti-hipertensivo |
HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; TG: triglicerídeos; ApoB: apolipoproteína B; ApoA1: apolipoproteína A1; PCR: proteína C reativa; IMC: índice de massa corporal.
Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar se as variáveis apresentavam distribuição normal. As variáveis contínuas foram apresentadas em médias e desvio-padrão e o Teste t de Student foi utilizado para comparar as médias das variáveis nos sexos feminino e masculino. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa e para comparação das proporções utilizou-se o Teste Qui quadrado (χ2). Os dados foram analisados com o uso do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 17, sendo fixado um nível de significância de 5%.
A população de estudo é constituída por 925 indígenas Xavante, sendo 455 homens (49,2%) e 470 mulheres (50,8%). A maioria (57,0%) encontra-se na faixa etária de 20 a 39 anos.
As médias e desvios padrão dos indicadores de risco cardiovascular são apresentados na Tabela 1. As mulheres apresentaram médias mais elevadas de Apo A1, CC, IMC e glicemia. Já os homens apresentam maiores médias dos Índices de Castelli I e II, Escore de Framingham, Relação Apo B/Apo A-I e PA sistólica e diastólica.
Tabela 1 Médias e desvios padrão dos indicadores de risco cardiovascular, segundo sexo, na população adulta Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro – MT, 2008-2012
Variáveis | Média ± DP | Valor de p* | ||
---|---|---|---|---|
Total | Feminino | Masculino | ||
Idade (anos) | 42,8 ± 19,2 | 42,5 ± 19,4 | 43,2 ± 19,0 | 0,586 |
Colesterol total (mg/dl) | 146,4 ± 43,1 | 146,8 ± 43,2 | 146,0 ± 43,0 | 0,757 |
HDL-colesterol (mg/dl) | 38,9 ± 8,0 | 40,6 ± 8,2 | 37,1 ± 7,5 | < 0,001 |
LDL-colesterol (mg/dl) | 70,4 ± 24,6 | 70,0 ± 23,3 | 70,8 ± 26,0 | 0,621 |
Triglicérides (mg/dl) | 199,1 ± 171,2 | 196,4 ± 180,0 | 202,1 ± 161,7 | 0,615 |
Índice de Castelli I (CT/HDL-c) | 3,9 ± 1,3 | 3,7 ± 1,3 | 4,0 ± 1,3 | < 0,001 |
Índice de Castelli II (LDL-c/HDL-c) | 1,8 ± 0,7 | 1,8 ± 0,6 | 2,0 ± 0,8 | < 0,001 |
Razão TG/HDL-C | 5,4 ± 5,1 | 5,2 ± 5,3 | 5,7 ± 4,8 | 0,107 |
Escore de Risco de Framingham | 5,7 ± 6,5 | 5,1 ± 6,8 | 6,3 ± 6,1 | 0,006 |
Apo B (mg/dl) | 72,9 ± 18,9 | 73,2 ± 17,8 | 72,5 ± 17,9 | 0,577 |
Apo A1 (mg/dl) | 106,8 ± 4,7 | 110,1 ± 14,4 | 103,4 ± 14,1 | < 0,001 |
Relação ApoB/ApoA1 | 0,69 ± 0,18 | 0,67 ± 0,16 | 0,71 ± 0,18 | 0,001 |
Proteína C reativa | 6,1 ± 11,6 | 6,3 ± 12,7 | 5,8 ± 10,3 | 0,543 |
Circunferência da cintura (cm) | 97,3 ± 10,9 | 98,6 ± 11,1 | 95,9 ± 10,4 | < 0,001 |
IMC (kg/m2) | 30,3 ± 5,1 | 30,7 ± 5,6 | 29,9 ± 4,6 | 0,011 |
Glicemia inicial (mg/dL) | 152,5 ± 104,9 | 163,7 ± 112,4 | 140,8 ± 95,3 | 0,001 |
Glicemia 2ª hora (mg/dL) | 148,9 ± 51,8 | 158,6 ± 49,0 | 140,2 ± 52,8 | < 0,001 |
Pressão arterial diastólica (mm/Hg) | 72,7 ± 10,8 | 71,5 ± 10,6 | 74,0 ± 10,9 | < 0,001 |
Pressão arterial sistólica (mm/Hg) | 122,3 ± 17,4 | 119,7 ± 18,4 | 125,1 ± 15,8 | < 0,001 |
*Teste t de Student; TG: triglicerídeos; CT: colesterol total; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; IMC: índice de massa corporal.
Em homens e mulheres, foram verificadas elevadas prevalências de alto risco cardiovascular, segundo os indicadores HDL-c, TG, razão TG/HDL-c, PCR, IMC, CC, CH e glicemia. Por outro lado, um percentual muito reduzido de Xavante apresentou níveis elevados de CT e LDL-c. De um modo geral, os indivíduos de 40 a 59 anos foram os mais expostos ao risco cardiovascular (Tabelas 2 e 3).
Tabela 2 Frequência dos indicadores de risco cardiovascular, segundo faixa etária, em mulheres Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro – MT, 2008-2012
Indicadores de Risco Cardiovascular | 20 – 39 anos | 40 – 59 anos | ≥ 60 anos | Total | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|
Colesterol total (mg/dl) | 0,039 | ||||
Normal | 254 (95,5) | 94 (94,9) | 93 (88,6) | 441 (93,8) | |
Risco | 12 (4,5) | 5 (5,1) | 12 (11,4) | 29 (6,2) | |
HDL-colesterol (mg/dl) | 0,015 | ||||
Normal | 38 (14,3) | 6 (6,1) | 21 (20,0) | 65 (13,8) | |
Risco | 228 (85,7) | 93 (93,9) | 84 (80,0) | 405 (86,2) | |
LDL-colesterol (mg/dl) | 0,620 | ||||
Normal | 254 (99,2) | 86 (98,9) | 98 (98,0) | 438 (98,9) | |
Risco | 2 (0,8) | 1 (1,1) | 2 (2,0) | 5 (1,1) | |
Triglicérides (mg/dl) | < 0,001 | ||||
Normal | 161 (60,5) | 31 (31,3) | 36 (34,3) | 228 (48,5) | |
Risco | 105 (38,5) | 68 (68,7) | 69 (65,7) | 242 (51,5) | |
Índice de Castelli I | 0,054 | ||||
Normal | 230 (86,5) | 81 (81,8) | 80 (76,2) | 391 (83,2) | |
Risco | 36 (13,5) | 18 (18,2) | 25 (23,8) | 79 (16,8) | |
Índice de Castelli II | 0,571 | ||||
Normal | 247 (96,5) | 82 (94,3) | 97 (97,0) | 426 (96,2) | |
Risco | 9 (3,5) | 5 (5,7) | 3 (3,0) | 17 (3,8) | |
Razão TG/HDL-C | < 0,001 | ||||
Normal | 160 (60,2) | 35 (35,4) | 44 (41,9) | 239 (50,9) | |
Risco | 106 (39,8) | 64 (64,6) | 61 (58,1) | 231 (49,1) | |
Relação ApoB/ApoA1 | 0,018 | ||||
Normal | 242 (91,3) | 85 (85,7) | 85 (81,0) | 411 (87,8) | |
Risco | 23 (8,7) | 14 (14,3) | 20 (19,0) | 57 (12,2) | |
Escore de Risco de Framingham | < 0,001 | ||||
Baixo risco | 266 (100,0) | 85 (85,9) | 29 (27,6) | 380 (80,9) | |
Médio risco | 0 (0,0) | 12 (12,1) | 51 (48,6) | 63 (13,4) | |
Alto risco | 0 (0,0) | 2 (2,0) | 25 (23,8) | 27 (5,7) | |
Proteína C reativa (mg/L) | 0,650 | ||||
Baixo risco | 40 (15,0) | 11 (11,1) | 17 (16,2) | 68 (14,5) | |
Médio risco | 102 (38,3) | 34 (34,3) | 40 (38,1) | 176 (37,4) | |
Alto risco | 124 (46,6) | 54 (54,5) | 48 (45,7) | 226 (48,1) | |
IMC (kg/m2) | < 0,001 | ||||
Normal | 25 (9,4) | 7 (7,1) | 54 (51,4) | 86 (18,3) | |
Risco | 241 (90,6) | 92 (92,9) | 51 (48,6) | 384 (81,7) | |
Circunferência da cintura (cm) | 0,071 | ||||
Normal | 12 (4,5) | 0 (0,0) | 6 (5,7) | 18 (3,8) | |
Risco | 254 (95,5) | 99 (100,0) | 99 (94,3) | 452 (96,2) | |
Cintura hipertrigliceridêmica | < 0,001 | ||||
Normal | 162 (60,9) | 31 (31,3) | 39 (37,1) | 232 (49,4) | |
Risco | 104 (39,1) | 68 (68,7) | 66 (62,9) | 238 (50,6) | |
Glicemia (mg/dL) | < 0,001 | ||||
Baixo risco | 104 (39,1) | 15 (15,2) | 21 (20,0) | 140 (29,8) | |
Alto risco | 162 (61,9) | 84 (84,8) | 84 (80,0) | 330 (70,2) | |
Pressão arterial (mm/Hg) | < 0,001 | ||||
Baixo risco | 254 (95,5) | 76 (76,8) | 71 (67,6) | 401 (85,3) | |
Alto risco | 12 (4,5) | 23 (23,2) | 34 (32,4) | 69 (14,7) |
*Teste Qui quadrado (χ2). TG: triglicerídeos; CT: colesterol total; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; IMC: índice de massa corporal.
Tabela 3 Frequência dos indicadores de risco cardiovascular, segundo faixa etária, em homens Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro – MT, 2008-2012
Indicadores de Risco Cardiovascular | 20 – 39 anos | 40 – 59 anos | ≥ 60 anos | Total | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|
Colesterol total (mg/dl) | 0,871 | ||||
Normal | 238 (91,2) | 100 (90,9) | 78 (92,9) | 416 (91,4) | |
Risco | 23 (8,8) | 10 (9,1) | 6 (7,1) | 39 (8,6) | |
HDL-colesterol (mg/dl) | 0,035 | ||||
Normal | 78 (29,9) | 38 (34,5) | 38 (45,2) | 154 (33,8) | |
Risco | 183 (70,1) | 72 (65,5) | 46 (54,8) | 301 (66,2) | |
LDL-colesterol (mg/dl) | 0,448 | ||||
Normal | 242 (98,8) | 93 (96,9) | 77 (98,7) | 412 (98,3) | |
Risco | 3 (1,2) | 3 (3,1) | 1 (1,3) | 7 (1,7) | |
Triglicérides (mg/dl) | 0,003 | ||||
Normal | 120 (46,0) | 41 (37,3) | 52 (61,9) | 213 (46,8) | |
Risco | 141 (54,0) | 69 (62,7) | 32 (38,1) | 242 (53,2) | |
Índice de Castelli I | 0,128 | ||||
Normal | 225 (86,2) | 94 (85,5) | 79 (94,) | 398 (87,5) | |
Risco | 36 (13,8) | 16 (14,5) | 5 (6,0) | 57 (12,5) | |
Índice de Castelli II | 0,033 | ||||
Normal | 227 (92,7) | 94 (97,9) | 77 (98,7) | 398 (95,0) | |
Risco | 18 (7,3) | 2 (2,1) | 1 (1,3) | 21 (5,0) | |
Razão TG/HDL-C | < 0,001 | ||||
Normal | 98 (37,5) | 35 (31,8) | 49 (58,3) | 182 (40,0) | |
Risco | 163 (62,5) | 75 (68,2) | 35 (41,7) | 274 (60,0) | |
Relação ApoB/ApoA1 | 0,128 | ||||
Normal | 229 (88,4) | 102 (92,7) | 79 (95,2) | 410 (90,7) | |
Risco | 30 (11,6) | 8 (7,3) | 4 (4,8) | 42 (9,3) | |
Escore de Risco de Framingham | < 0,001 | ||||
Baixo risco | 261 (100,0) | 79 (71,8) | 1 (1,2) | 34 (74,9) | |
Médio risco | 0 (0,0) | 24 (21,8) | 21 (25,0) | 45 (9,9) | |
Alto risco | 0 (0,0) | 7 (6,4) | 62 (73,8) | 69 (15,2) | |
Proteína C reativa (mg/L) | 0,867 | ||||
Baixo risco | 47 (18,0) | 19 (17,3) | 17 (20,5) | 83 (18,3) | |
Médio risco | 102 (39,1) | 42 (38,2) | 27 (32,5) | 171 (37,7) | |
Alto risco | 112 (42,9) | 49 (44,5) | 39 (47,0) | 200 (44,1) | |
IMC (kg/m2) | < 0,001 | ||||
Normal | 33 (12,6) | 10 (9,1) | 42 (50,0) | 85 (18,7) | |
Risco | 228 (87,4) | 100 (90,9) | 42 (50,0) | 370 (81,3) | |
Circunferência da cintura (cm) | < 0,001 | ||||
Normal | 118 (45,2) | 27 (24,5) | 41 (48,8) | 186 (40,9) | |
Risco | 143 (54,8) | 83 (75,5) | 43 (51,2) | 269 (59,1) | |
Cintura hipertrigliceridêmica | 0,001 | ||||
Normal | 164 (62,8) | 54 (49,1) | 64 (76,2) | 282 (62,0) | |
Risco | 97 (37,2) | 56 (50,9) | 20 (23,8) | 173 (38,0) | |
Glicemia (mg/dL) | < 0,001 | ||||
Baixo risco | 160 (61,3) | 46 (41,8) | 36 (42,9) | 242 (53,2) | |
Alto risco | 101 (38,7) | 64 (58,2) | 48 (57,1) | 213 (46,8) | |
Pressão arterial (mm/Hg) | < 0,001 | ||||
Baixo risco | 236 (90,4) | 86 (78,2) | 51 (60,7) | 373 (82,0) | |
Alto risco | 25 (9,6) | 24 (21,8) | 33 (39,3) | 82 (18,0) |
*Teste Qui quadrado (χ2). TG: triglicerídeos; CT: colesterol total; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; IMC: índice de massa corporal.
Os achados indicam que os Xavante apresentam risco elevado de desenvolver DCV, segundo os indicadores HDL-c, TG, razão TG/HDL-c, PCR, IMC, CC, CH e glicemia. Esses resultados sugerem que há risco de aumento da prevalência de DCV nessa população nos próximos anos, o que acarretaria aumento das mortes e incapacidades, e redução da qualidade de vida dos Xavante.
Existem diversas formas e indicadores para se estimar o risco cardiovascular. As variáveis devem ser avaliadas em conjunto, uma vez que, isoladamente, não são capazes de predizer adequadamente o risco cardiovascular.
Um dos fatores avaliados para identificar o risco cardiovascular é o perfil lipídico. O risco de doença aterosclerótica está associado, dentre outros fatores, a concentrações elevadas de CT e LDL-c e baixas de HDL-c.13 Já em relação aos TG, ainda há discussões se são a causa direta da aterosclerose ou se são apenas marcadores de outras condições de risco.18 Apenas um pequeno percentual dos Xavante apresentou níveis elevados de CT e LDL-c. Por outro lado, níveis elevados de TG e níveis baixos de HDL-c foram bastante frequentes entre os Xavante, assim como em outras populações indígenas.19,20
O índice de Castelli I (CT/HDL-c), o índice de Castelli II (LDL-c/HDL-c) e a razão TG/HDL-c tê m sido utilizados para avaliar a influência combinada de fatores de risco cardiovascular.8,9 Não foram verificados percentuais elevados de risco cardiovascular aumentado entre os Xavante, segundo os índices de Castelli I e II. Por outro lado, 49,1% das mulheres e 60,0% dos homens apresentaram razão TG/HDL-c indicativa de risco, o que reforça a existência de altos níveis de TG e baixos de HDL-c entre os Xavante.
Atualmente, os níveis plasmáticos das apolipoproteínas A1 e B e o índice apo B/apo A1 tê m sido descritos como melhores preditores de risco cardiovascular do que as concentrações de lipídios e lipoproteínas e os índices de Castelli I e II.21,22 As apolipoproteínas são componentes estruturais e funcionais das lipoproteínas. A apo A1 faz parte da fração lipídica não aterogênica (HDL-c) e a apo B das frações lipídicas aterogênicas (Quilomicrons, LDL, IDL e VLDL). Assim, o índice apo B/apo A1 representa o balanço entre lipoproteínas aterogênicas e antiaterogênicas.21,22 Níveis elevados de apo B, níveis reduzidos de apo A1 e aumento do índice apo B/apo A1 têm sido consistentemente associados ao risco de DCVs.22 Entre os Xavantes, 12,2% das mulheres e 9,3% dos homens apresentaram valores de índice apo B/apo A1 condizente com risco cardiovascular. Não foram encontrados estudos com outras populações indígenas que avaliaram esse indicador.
Um outro indicador avaliado foi a PCR, uma proteína de fase aguda que aparece na circulação em resposta às citocinas inflamatórias, e serve como um biomarcador de inflamação sistêmica. Estudos mostram associação entre níveis elevados de PCR e doença coronariana e acidente vascular cerebral, mesmo na ausência de dislipidemias.14 A proximadamente metade dos Xavante apresentou valores de PCR condizentes com alto risco cardiovascular. No entanto, é preciso cautela na interpretação desses dados, porque outras doenças inflamatórias podem também aumentar a PCR. Em populações indígenas, dentre elas os Xavante, doenças infecciosas e parasitárias são bastante comuns, o que pode influenciar os resultados.
O escore de Fra mingham é um dos algoritmos existentes para a identificação do risco de desenvolvimento de DCV.11 No presente estudo, 15,2% dos homens e 5,7% das mulheres apresentaram alto risco de desenvolver DCVs nos próximos 10 anos, segundo esse escore. E mbora o escore tenha sido desenvolvido para indivíduos com idade igual ou superior a 30 anos, no presente estudo optou-se por não excluir os indígenas de 20 a 29 anos, que representavam 28,0% da população de estudo. No componente "idade", eles receberam a pontuação indicada para indivíduos de 30 a 34 anos (zero). Nenhum Xavante na faixa etária de 20 a 39 anos apresentou elevado risco cardiovascular. Mesmo com elevada capacidade preditiva, o escore de Framingham apresenta limitações por não contemplar excesso de peso e sedentarismo, importantes fatores de risco o cardiovascular.23
Pesquisas têm evidenciado um aumento considerável da prevalência de sobrepeso e obesidade em populações indígenas.4,5,24 Estudos em comunidades específicas mostram que a proporção de adultos com sobrepeso e obesidade é bastante elevada, superando 50% em determinadas faixas etárias.25-27
A obesidade é um importante fator de risco para DCV s. Por um lado, está associada de forma independente com o risco para doença coronariana, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca. Por outro, a obesidade, especialmente do tipo abdominal ou visceral, associa-se com outros fatores que contribuem para um maior risco cardiovascular, como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus, hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-c.23
Mais recentemente, a CH também tem sido utilizada como indicador de risco cardiometabólico. A CH, definida como a presença simultânea de CC aumentada e elevadas concentrações de TG , pode ser utilizada para triagem de pessoas com probabilidade de serem portadoras da tríade metabólica aterogênica - hiperinsulinemia de jejum, hiperapolipoproteína B e alta proporção de pequenas partículas de LDL-c. Por esse motivo, a CH tem sido utilizada como uma ferramenta prática, viável e de baixo custo para identificar indivíduos com maior risco cardiovascular.12,28 A prevalência de CH na população Xavante (50,6% em mulheres e 38,0% em homens) foram superiores às encontradas em outros estudos brasileiros.29,30
Indivíduos diabéticos apresentam risco aumentado de duas a três vezes de sofrer um evento cardiovascular.31 Além disso, as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares são importantes causas de óbito em portadores de diabetes mellitus, sendo responsáveis por até 80% das mortes.32,33
A glicemia alterada é um problema de saúde de grande magnitude na população Xavante. No presente estudo, 70,2% das mulheres e 46,8% dos homens apresentaram diabetes ou tolerância diminuída à glicose, o que evidencia que este é um grupo particularmente vulnerável. Trata-se de uma prevalência bastante superior à verificada na população brasileira.34
A HAS é também um importante fator de risco para o desenvolvimento de DCVs.17 A prevalência de HAS nos Xavante (14,7% em mulheres e 18,0% em homens) foi inferior aos valores médios observados na população brasileira adulta, na qual a prevalência encontra-se entre 20,0%(35 )e 24,1%.36
Comparando os resultados de estudos realizados entre os Xavante de Pimentel Barbosa, é possível observar uma tendência de aumento da prevalência de HAS. Em 1962, não foram encontrados casos de HAS.37 Já em 2009, as prevalências chegaram a 8,1% entre os homens e 5,8% entre as mulheres.38
S ugere-se que o perfil encontrado seja resultado de modificações sociais, culturais, econômicas e ambientais entre os Xavante, que culminaram na redução da atividade física e mudanças nos hábitos alimentares, com aumento do consumo de alimentos industrializados, ricos em açúcar, gordura e sódio.4,27
O estudo apresenta algumas limitações. Apesar do elevado número de Xavante participantes da pesquisa, a população de estudo equivale a aproximadamente 60% do total estimado de indivíduos com 20 ou mais anos de idade nessas reservas, existindo a chance de um possível viés de seleção, pelo fato de os indivíduos mais saudáveis terem possível menor interesse em participar do estudo. Também deve ser considerado o fato de que algumas aldeias menores e de acesso mais difícil não foram incluídas no estudo, influenciando a taxa de participação no inquérito. Quanto à dificuldade de comunicação entre indígenas e pesquisadores, que poderia ocasionar um viés de aferição, ela foi atenuada com a utilização de agentes indígenas de saúde, da própria comunidade, que acompanharam a coleta de dados. Um outro aspecto relevante é que, apesar dos indígenas terem sido orientados a estar em jejum para a coleta de sangue, não foi possível garantir que todos o fizeram da maneira correta, devido a barreiras culturais para entender a necessidade do jejum para realizar exames laboratoriais, como não terem uma programação regular de refeições. Dessa forma, é preciso cautela na interpretação dos níveis de TG e razão TG/HDL-c e CH. Outra limitação refere-se à não coleta de informação sobre o hábito de tabagismo, fator essencial de risco cardiovascular, tanto de forma isolada, quanto como componente do Escore de Risco de Framingham. Em relação ao escore, todos os indivíduos receberam a pontuação referente a não tabagistas, havendo, portanto, uma possível subestimação do risco cardiovascular segundo esse indicador.
Os resultados são bastante expressivos para essa população. Além disso, não foram encontrados estudos com uma avaliação de risco cardiovascular que contemplasse essa variedade de indicadores.
Os Xavante apresentam elevado risco cardiovascular segundo vários indicadores avaliados, como HDL-c, triglicérides, razão TG/HDL-c, PCR, IMC, CC, CH e glicemia.
Considerando que as DCVs são assintomáticas no início e responsáveis por significativa morbimortalidade, o presente levantamento de fatores de risco fornece subsídios para ações de prevenção e tratamento precoce, a fim de minimizar os danos causados por ess as doenças entre os Xavante.