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Rouquidão: apresentação incomum de linfoma primário de tireoide com infiltração da laringe

Rouquidão: apresentação incomum de linfoma primário de tireoide com infiltração da laringe

Autores:

Ozan Gökdoğan,
Ahmet Koybasioglu,
Erkin Ismail,
Timucin Erol,
Gokcen Alagoz,
Banu Yagmurlu,
Seref Komurcu

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.6 São Paulo out./dez. 2016

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.05.006

Introducão

O linfoma primário de tireoide (LPT) é uma doença relativamente rara da glândula tireoide. LPT representa aproximadamente 1-5% das malignidades tireoidianas e menos do que 2% dos linfomas extranodais, geralmente com bom prognóstico.1 Os linfomas de tireoide são mais comuns em mulheres, com predominância de 3-4:1.2

A principal manifestação clínica do LPT é a presença de tumor de rápido crescimento, sobretudo na sétima década de vida. Aproximadamente 30-50% dos pacientes apresentam sintomas de compressão das estruturas adjacentes: disfagia, estridor, rouquidão, tosse e sensação de pressão no pescoço. Os sintomas B clássicos - febre, suores noturnos e perda de peso - são menos comuns. Ao que parece, tireoidite de Hashimoto é fator de risco para linfoma de tireoide, embora tal associação seja objeto de debate.1,2

O tipo histopatológico mais comum de linfoma de tireoide é o linfoma não-Hodgkin com origem no linfócito B. Doença de Hodgkin e linfoma T são tumores raros. Pacientes com linfoma do tecido linfoide associado à mucosa (MALT; mucosa-associated lymphoid tissue) tendem a apresentar uma evolução mais indolente e com melhor prognóstico, em comparação com pacientes com os tipos de linfoma difuso de grandes células B ou subtipos histológicos mistos, que podem ter curso mais agressivo.3

O percentual geral de sobrevida após cinco anos para pacientes com LPT é de aproximadamente 90%; assim, em geral, um bom planejamento terapêutico, com um diagnóstico acurado prontamente estabelecido, resultará em bom prognóstico.4

Relato de caso

Mulher, 52 anos, admitida no departamento de otorrinolaringologia em decorrência de rouquidão e otalgia esquerda, com dois meses de duração. A paciente não tinha queixa respiratória ou de deglutição. Antes da internação em nossa clínica, a paciente tinha sido tratada clinicamente para laringite em duas ocasiões, mas suas queixas não melhoraram.

Apresentava história de diabete melito, hipertensão e hipotireoidismo (tireoidite linfocítica crônica) e também de uma colecistectomia.

Ao exame físico, a corda vocal esquerda estava fixa na linha média, com aumento do volume da falsa corda vocal. Ambos os lobos da tireoide exibiam nódulos e, além disso, estavam hipertrofiados; o lobo esquerdo estava ligeiramente mais firme e aumentado, em comparação com o direito. Não havia tumor palpável ou linfadenopatia cervicais em ambos os lados.

As provas de função tireoidiana estavam dentro da faixa de normalidade, embora a paciente fizesse uso de hormônios tireoidianos para tratamento de hipotireoidismo. Uma biópsia da tireoide tinha sido realizada dois anos antes, com resultado histopatológico de tireoidite linfocítica crônica.

À avaliação radiológica, a paciente exibia tumor na falsa corda vocal esquerda, com erosão da cartilagem tireoidiana com continuidade para a tireoide. Foram observados nódulos nos dois lobos tireoidianos (fig. 1).

Figura 1 Infiltração da laringe com invasão da cartilagem pelo tumor tireoidiano. 

Terminado o exame, suspeitou-se de uma doença de laringe originária das estruturas laríngeas esquerdas, com erosão da cartilagem tireoidiana e extensão para a glândula tireoide. Planejamos uma biópsia laringoscópica direta do ventrículo laríngeo esquerdo, além de uma biópsia aspirativa com agulha fina dos nódulos de ambos os lobos da tireoide.

O relatório histopatológico referente à biópsia da falsa corda vocal esquerda resultou em linfoma difuso de grandes células B. A biópsia aspirativa com agulha fina dos dois lobos da tireoide teve como resultado presença de linfócitos atípicos (figs. 2 e 3). Os fatores prognósticos de linfoma foram contabilizados como: índice proliferativo Ki-67 = 80-90% e LDH (lactato desidrogenase) e sedimentação normais. A paciente tinha perdido 20 kg nos últimos quatro meses. O escore do índice internacional de prognóstico (IIP) foi zero.

Figura 2 Infiltrações linfoides difusas sob a mucosa da laringe (com ampliação × 100 no exame patológico). 

Figura 3 O tumor é composto de células linfoides atípicas que exibem um grande núcleo vesicular e um nucléolo significativo. Essas células exibem positividade de membrana com o marcador CD20 (com ampliação × 400 no exame patológico). 

Uma tomografia por emissão de pósitrons com fluordesoxiglicose (FDG-PET) para discriminação da lesão (se linfoma primário de tireoide ou se envolvimento da tireoide por doença sistêmica) revelou apenas envolvimento difuso do lobo tireoidiano esquerdo (fig. 4).

Figura 4 Região da tireoide, com envolvimento demonstrado apenas na avaliação por PET/CT. 

Como resultado dessa bateria de exames diagnósticos, a paciente foi diagnosticada com linfoma primário da tireoide do tipo difuso de grandes células B no estágio 1E. Foi então tratada com três cursos de R-CHOP (rituximabe-ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisolona) e, em seguida à quimioterapia, foi submetida à radioterapia no campo envolvido. O curso do tratamento transcorreu sem maiores problemas e a rouquidão regrediu depois do tratamento (fig. 5).

Figura 5 TC cervical pós tratamento. Revela apenas um discreto edema de laringe, sem nenhum tumor, tanto na laringe como na glândula tireoide (um mês após o tratamento). 

Depois do tratamento quimiorradioterápico, uma equipe formada por profissionais dos departamentos de oncologia, rádio-oncologia, otorrinolaringologia e endocrinologia fez o seguimento mensal da paciente, que faz tratamento de reposição tireoidiana. Atualmente, sua tireoide está classificada no grau 3, com padrão difuso e endurecido à palpação. Ao exame, não foi possível identificar qualquer padrão nodular. As duas cordas vocais apresentam mobilidade e, na avaliação da laringe, não houve achado patológico.

Seis meses após a terapia por quimiorradiação, a paciente se encontra em bom estado, sem qualquer queixa. As avaliações física, laboratorial, radiológica e da laringe estão completamente normais, sem qualquer evidência de recidiva (fig. 6).

Figura 6 TC cervical seis meses após o tratamento. Com o passar do tempo, houve diminuição gradativa do edema de laringe. 

Discussão

Habitualmente, linfomas extranodais são considerados como linfomas não-Hodgkin (LNH), constituindo 10-29% de todos os linfomas. Comumente, LNHs no adulto têm sua origem em linfócitos B. O principal sintoma clínico é a presença de um tumor em crescimento na região da cabeça e do pescoço; contudo, também pode ter progressão clínica destrutiva.

Os linfomas de células B da zona marginal extranodal do tipo MALT podem ocorrer no estômago, órbita, intestino, pulmões, tireoide, glândula salivar, pele, tecidos moles, bexiga, rim e sistema nervoso central. Os locais extralinfáticos extranodais mais comuns são os seios paranasais, as glândulas salivares e a tireoide.4

A laringe é localização rara para um LNH primário, graças a seu conteúdo relativamente baixo de tecido linfoide. Na literatura, foram descritos menos de 100 casos de tumores linfoproliferativos originários da laringe (inclusive LNH e doenças linfoproliferativas relacionadas à imunossupressão) e um número muito menor na forma de infiltração de LPT. Não existe relatos de casos de LPT que se manifestam com rouquidão e diagnosticados por meio de biópsia laringoscópica direta, pois, normalmente, esse tumor não causa erosão da cartilagem tireoidiana.

As doenças da laringe, tanto primárias como secundárias, podem manifestar sintomas similares, por exemplo, disfonia, rouquidão, disfagia e tumor cervical. Um inchaço submucoso liso ou tumor polipoide sem ulceração são os achados habituais do exame físico em pacientes com linfomas primários de laringe. Em geral, esses linfomas se originam na região supraglótica, especificamente epiglote e pregas ariepiglóticas.5 Nosso caso também demonstra infiltração supraglótica, especialmente no ventrículo laríngeo esquerdo. Mais frequentemente, observa-se que a extensão extralaríngea do tumor envolve a hipofaringe e, menos comumente, a orofaringe e os músculos infra-hioideos.

LPT é um processo linfomatoso que se desenvolve na tireoide, sem envolvimento dos órgãos linfoides primários e nem metástases à distância no momento do diagnóstico. LPT contribui com 2-8% das malignidades da tireoide. Esses processos são principalmente diagnosticados em mulheres de meia-idade (média: 56 anos), com ligeira predominância feminina. Em geral, os pacientes informam história de hipotireoidismo ou de tireoidite e de tumor na tireoide, que pode crescer rapidamente. Dispneia, estridor, disfagia e rouquidão são sintomas comuns em pacientes com linfoma de tireoide; entretanto, o principal sintoma pode ser apenas um tumor cervical em crescimento, presente em mais de 87% dos pacientes. Contudo, LPT pode se apresentar com crescimento súbito e comprometimento das vias respiratórias.

Na maioria das vezes, os LPTs são classificados com alto grau de malignidade; apenas 30% são classificados como de baixo grau. O diagnóstico precoce e o tratamento apropriado dos linfomas de tireoide podem proporcionar longas sobrevidas.3

Cânceres anaplásicos de tireoide (CATs) também se apresentam na forma de tumores de grandes proporções e de rápido crescimento em pacientes idosos. Os CATs, que representam 1-2% das malignidades da tireoide, exibem progressão clínica similar e, portanto, devem fazer parte da lista de diagnósticos diferenciais para linfomas de tireoide. Os CATs podem progredir rapidamente e comprometer as vias respiratórias, com sobrevida média de 6-7 meses. À avaliação radiológica, o CAT se apresenta como um tumor sólido de grandes dimensões acompanhada por necrose, hemorragia, densa calcificação, invasão direta das estruturas adjacentes e metástase para linfonodos cervicais. É sabido que a necrose tumoral pode ser o parâmetro mais importante na diferenciação entre CAT e outros tumores tireoidianos. Outro preditor de carcinoma anaplásico é o baixo valor de atenuação nos scans pós-contraste (valor de atenuação < 100 HU).6

Geralmente, os nódulos tireoidianos, independentemente de serem benignos ou malignos, exibem crescimento lento, podendo ser menos de 1 cm em 38 meses. É muito rara a ocorrência de sintomas de compressão causados pelo crescimento agudo de nódulos tireoidianos; essa situação pode resultar em complicações com risco de morte (p. ex., comprometimento respiratório agudo). A ocorrência de hemorragia espontânea em um nódulo tireoidiano, ou a presença de um processo maligno como o CAT ou um linfoma, poderá resultar em um crescimento agudo.

Em geral, pacientes com LPT têm histórico de tireoidite autoimune; depois do surgimento da tireoidite autoimune o processo de desenvolvimento do LPT leva, em média, de 20 a 30 anos para ocorrer.7

A biópsia aspirativa por agulha fina (BAAF), acompanhada ou não pela ultrassonografia, é o primeiro passo na estratégia diagnóstica de um nódulo tireoidiano, mas a acurácia desse método é bastante baixa em casos de linfoma de tireoide ou de câncer anaplásico. As abordagens diagnósticas para tumor em crescimento na tireoide são: BAAF, biópsia por agulha grossa, biópsia aberta e/ou intervenção cirúrgica. O diagnóstico baseado na BAAF pode auxiliar 30-80% dos pacientes com linfoma de tireoide; portanto, nos casos de BAAF negativa, outras abordagens diagnósticas poderão ter utilidade.8 A biópsia por agulha grossa (BAG) proporciona tecido suficiente para obtenção de certeza diagnóstica de cânceres de tireoide agressivos, como os linfomas ou CATs. Portanto, BAG pode ser o primeiro passo diagnóstico quando nos deparamos com um tumor tireoidiano volumoso e agressivo na avaliação radiológica.

As análises histológicas e fenotípicas, como a citologia de fluxo ou a imuno-histoquímica, têm grande utilidade nas etapas diagnósticas da avaliação histopatológica. Em sua maioria, os linfomas de tireoide têm origem no linfócito B e são do tipo difuso de grandes células B.

Muitos pacientes se apresentam com a doença no estágio inicial IE (30-66%) ou IIE (25-66%).9 Para o estadiamento dos tumores, devem ser obtidos estudos de TC da cabeça, pescoço, abdome e pelve, ou uma FDG-PET.

As opções de tratamento são: apenas quimioterapia, apenas radioterapia e quimiorradioterapia. Embora alguns estudos tenham reportado tireoidectomia seguida por radioterapia, as séries são demasiadamente pequenas para que essa estratégia seja amplamente aceita como opção terapêutica.

As taxas de recidiva geral são 7,7, 37,1 e 43% para quimiorradioterapia, apenas radioterapia e apenas quimioterapia, respectivamente. Os percentuais de recidiva local são 2,6, 12,6 e 23% para quimiorradioterapia, apenas radioterapia e apenas quimioterapia, respectivamente.1

O regime quimioterápico mais comumente administrado é R-CHOP (rituximabe-ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisolona). Em geral, o agente biológico rituximabe, um anticorpo monoclonal anti-CD20 específico de linfócito B, é usado juntamente com a quimioterapia CHOP no tratamento do linfoma de tireoide.

Em geral, a radioterapia é introduzida depois de 3-6 cursos de CHOP, na forma de irradiação pela técnica em manta modificada, com inclusão da tireoide, pescoço bilateral, área supraclavicular e mediastino. Idade > 60 anos, níveis séricos elevados de lactato desidrogenase (LDH) e de β2 microglobulina, envolvimento de locais extranodais e estágio III-IV são fatores prognósticos sombrios.10

Nossa paciente foi tratada por quimioterapia R-CHOP e radioterapia. Atualmente, está livre de qualquer sinal da doença.

Conclusão

O presente artigo relata o primeiro caso conhecido, diagnosticado com linfoma de tireoide por meio de biópsia laringoscópica direta.

REFERÊNCIAS

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6 Green LD, Mack L, Paseieka JL. Anaplastic thyroid cancer and primary thyroid lymphoma: a review of these rare thyroid malignancies. J Surg Oncol. 2006;94:725-36.
7 Pedersen RK, Pedersen NT. Primary non-Hodgkin's lymphoma of the thyroid gland: a population based study. Histopathology. 1996;28:25-32.
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10 Matsuzuka F, Miyauchi A, Katayama S, Narabayashi I, Ikeda H, Kuma K, et al. Clinical aspects of primary thyroid lymphoma: diagnosis and treatment based on our experience of 119 cases. Thyroid. 1993;3:93-9.