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Rouquidão, desconforto do trato vocal e fatores de risco associados em controladores de tráfego aéreo

Rouquidão, desconforto do trato vocal e fatores de risco associados em controladores de tráfego aéreo

Autores:

Gustavo Polacow Korn,
Anna Carolina Villar,
Renata Rangel Azevedo

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.3 São Paulo maio/jun. 2019 Epub 10-Jul-2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.02.009

Introdução

O uso profissional da voz é definido como a comunicação oral por pessoas que dependem da voz para fazer as atividades de trabalho.1 Aproximadamente um terço das profissões atuais usa a voz em graus variados.2 Entre os profissionais que dependem de suas vozes, os professores são o foco da maioria dos estudos sobre uso profissional da voz.3-10

Entre outros trabalhadores que fazem uso profissional da voz, os controladores de tráfego aéreo (CTA) têm sido o foco de poucos estudos sobre problemas de voz e competência de comunicação.11

Um CTA é um profissional que desempenha funções de controle de tráfego aéreo em unidades de controle de tráfego aéreo sob o Comando Aeronáutico Brasileiro. Esses profissionais são responsáveis pelo controle das várias etapas de um voo.12

Uma aeronave normalmente passa por três níveis de controle de tráfego entre a decolagem e o pouso. A torre é responsável pela aeronave até perder contato visual, enquanto o Controle de Aproximação (APP) e o Centro de Controle de Área (ACC) são responsáveis pela direção do avião no ar.11

A função dos controladores de APP é assegurar uma distância mínima entre os aviões sob seu comando perto do aeroporto e indicar por rádio as coordenadas (headings), velocidades e altitudes que o piloto deve adotar para voar com a máxima segurança e evitar colisões.12 Essa é uma tarefa altamente dinâmica que requer a atenção especial desses controladores porque, além de fornecer a sequência final para o pouso, os CTA devem manter uma distância entre a aeronave que pousa daquelas que decolam. Sua voz é, portanto, de extrema importância e quaisquer alterações vocais que influenciem a transmissão de sua voz para os pilotos, mesmo que temporárias, podem colocar em risco centenas de vidas.11

O Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP) é responsável por uma área de aproximadamente 260 km e foi responsável pelo movimento de 320.179 aeronaves em 2015, o que representa 17,6% do movimento anual de aeronaves em aeroportos administrados pela Companhia Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária.13

Os CTA que trabalham nessa área de controle, portanto, tendem a apresentar maior risco de disfonia porque, além do estresse natural de seu trabalho, estão sujeitos a maiores demandas sobre suas vozes do que aquelas experimentadas por CTA de outros órgãos operacionais.11

Recentemente usamos uma pesquisa de autoavaliação de voz, elaborada pelo Ministério do Trabalho para professores,14 para obter um perfil epidemiológico de queixas de voz (rouquidão e desconforto no trato vocal) e fatores de risco em professores universitários.6-8 Professores universitários apresentam alta porcentagem de rouquidão e desconforto no trato vocal (39,6% e 50,8%, respectivamente). Fatores como tempo de ensino, gênero, organização do trabalho, condições de trabalho, além de hábitos e estilo/qualidade de vida estão relacionados a esses sintomas autorrelatados.7,8

Em outro estudo recente sobre o Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP), Villar et al.11 usaram uma análise perceptual-auditiva da vogal /a/ e observaram que uma alta porcentagem de CTA apresentava alterações vocais (44%), mesmo em um grupo de indivíduos sem queixas vocais.

Não encontramos estudo sobre autoavaliação em CTA. O uso dessa autoavaliação de voz adaptada para CTA pode fornecer informações sobre a prevalência de rouquidão e desconforto no trato vocal e fatores de risco relacionados nesse importante grupo de usuários profissionais da voz.

O objetivo deste estudo é comparar a rouquidão autopercebida e o desconforto no trato vocal e os fatores de risco em Controladores de Tráfego Aéreo (CTA) no Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP).

Método

Este estudo transversal foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CAAE 49357115.6.0000.5505) e foi autorizado pelo Comando Brasileiro de Aeronáutica, a partir do qual os dados foram coletados.

Formulários de autoavaliação de voz, elaborados pelo Ministério do Trabalho para professores14 e adaptados para CTA foram completados pelos 76 CTA pertencentes à APP-SP por um mês em 2016.

As variáveis analisadas relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal foram selecionadas dos formulários de autoavaliação e agrupadas da seguinte forma:

  • Variáveis de identificação: idade, sexo e tempo de trabalho como CTA (em anos);

  • Variáveis de organização do trabalho: atividades profissionais além de CTA e atividade profissional que consome mais tempo;

  • Variáveis do local de trabalho: ruído, poluição do ar, ar condicionado (os CTA escolheram entre três opções: confortável, tolerável e intolerável); e estresse e ansiedade devido à atividade (três opções: leve, moderada e muito tensa e estressante);

  • Variáveis de cuidados com a voz: cuidados ou medicação para a garganta ou voz, busca de atendimento médico por causa de sintomas vocais e o grau de dificuldade de usar a voz durante o trabalho (nenhum, leve, moderado e grave);

  • Variáveis de hábitos e estilo/qualidade de vida fora da APP: uso da voz, estresse e ansiedade (calmo, tenso e ansioso, e muito tenso e ansioso), consumo de água/hidratação, dieta, tabagismo, consumo de álcool, consumo de café e cuidados com a saúde (distraído, controlado/cuidadoso ou preocupado).

Foram consideradas diferenças nas taxas de rouquidão e de desconforto no trato vocal para cada variável. As análises estatísticas foram feitas com o pacote estatístico SPSS para Windows, versão 13.0. O teste t de Student foi usado para comparar as taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal com as variáveis numéricas; o teste do qui-quadrado foi usado para comparar a rouquidão e o desconforto no trato vocal com as variáveis categóricas; e o teste exato de Fisher ou teste de razão de verossimilhança foi usado quando necessário. Usou-se um nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados

A incidência de rouquidão e desconforto no trato vocal na amostra de 76 CTA foi de 19,7% e 38,2%, respectivamente. Dos CTA, 13,16% apresentaram os dois sintomas. O tempo médio e desvio-padrão do tempo trabalhando como CTA foi de 7,8 ± 6,6 anos (variação de um a 37 anos). A idade dos CTA era de 29,2 ± 6,5 anos e eram predominantemente do sexo masculino (57,9%).

Variáveis de identificação e de organização do trabalho

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal para as variáveis de identificação e de organização do trabalho (tabelas 1 e 2, respectivamente).

Tabela 1 Comparação de variáveis de identificação relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal 

Variáveis Rouquidão p-valor Desconforto no trato vocal. p-valor
Sim Não Sim Não
Tempo de trabalho em anos como CTA
Média (DP) 7,3 (3) 8 (7,3) 0,708b 8,2 (5) 7,6 (7,5) 0,741b
Mediana (Mín.-Máx.) 7 (3-14) 7 (1-37) 7 (2-25) 6 (1-37)
Total 15 61 29 47
Idade
Média (DP) 28,5 (3,3) 29,4 (7,1) 0,626b 29,9 (6,5) 28,8 (6,6) 0,454b
Mediana (Mín.-Máx.) 29 (24-35) 27 (22-55) 28 (23-48) 27 (22-55)
Total 15 61 29 47
Gênero (porcentagem da população entre parênteses)
Feminino 9 (60) 23 (37,7) 0,202a 13 (44,8) 19 (40,4) 0,890a
Masculino 6 (40) 38 (62,3) 16 (55,2) 28 (59,6)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)

aTeste qui-quadrado.

bTeste t de Student.

Tabela 2 Comparação de variáveis de organização do trabalho relacionadas à rouquidão e desconforto no trato vocal 

Variáveis Rouquidão p-valor Desconforto no trato vocal p-valor
Sim Não Sim Não
Outras atividades profissionais que não sejam CTA
Sim 0 (0) 9 (14,8) 0,191a 2 (6,9) 7 (14,9) 0,469a
Não 15 (100) 52 (85,2) 27 (93,1) 40 (85,1)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Atividade profissional que consome mais tempo
CTA 0 (0) 6 (66,7) Não calculado 2 (100) 4 (57,1) 0,500a
Outras 0 (0) 3 (33,3) 0 (0) 3 (42,9)
Total 0 (0) 9 (100) 2 (100) 7 (100)

aTeste exato de Fisher.Porcentagem de população entre parênteses.

Variáveis do local de trabalho

Em termos de poluição do ar, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que consideravam o local de trabalho intolerável do que entre aqueles que consideravam seu local de trabalho confortável e tolerável.

A porcentagem de desconforto no trato vocal também foi maior entre aqueles que consideravam seu local de trabalho um ambiente muito tenso e estressante do que aqueles que consideravam seu local de trabalho um ambiente leve ou moderadamente tenso e estressante.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na taxa de rouquidão e desconforto no trato vocal para as demais variáveis (tabela 3).

Tabela 3 Comparação de variáveis do local de trabalho relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal 

Variáveis Rouquidão p-valor Desconforto no trato vocal p-valor
Sim Não Sim Não
Local de trabalho em termos de ruído
1. Confortável 0 2 0 2
2. Tolerável 8 (53,3) 40 (67,8) 0,456a 15 (51,7) 33 (73,3) 0,099a
3. Intolerável 7 (46,7) 19 (32,2) 14 (48,3) 12 (26,7)
Total 15 (100) 59 (100) 29 (100) 45 (100)
Local de trabalho em termos de ar condicionado
1. Confortável 1 (6,7) 10 (16,4) 0,425a 4 (13,8) 7 (14,9) 0,292a
2. Tolerável 7 (46,7) 32 (52,5) 12 (41,4) 27 (57,4)
3. Intolerável 7 (46,7) 19 (31,1) 13 (44,8) 13 (27,7)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Local de trabalho em termos de poluição do ar
1. Confortável 1 (6,7) 13 (21,3) 0,042a 2 (6,9) 12 (25,5) 0,014a
2. Tolerável 7 (46,7) 38 (62,3) 16 (55,2) 29 (61,7)
3. Intolerável 7 (46,7) 10 (16,4) 11 (37,9) 6 (12,8)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Local de trabalho em termos de estresse e ansiedade
Levemente tenso e estressante 0 1 0 1
Moderadamente tenso e estressante 7 (46,7) 24 (40,0) 0,860a 6 (20,7) 25 (54,3) 0,008a
Muito tenso e estressante 8 (53,3) 36 (60,0) 23 (79,3) 21 (45,7)
Total 15 (100) 60 (100) 29 (100) 46 (100)

As categorias em amarelo foram excluídas da análise porque havia três ou menos controladores de tráfego aéreo no grupo.

aTeste de qui-quadrado.Valores em negrito significam valores significativos de p.Porcentagem de população entre parênteses.

Variáveis de cuidados com a voz

A porcentagem de rouquidão foi maior entre aqueles que haviam procurado cuidados médicos por causa da rouquidão. A porcentagem de rouquidão também foi maior entre aqueles que experimentaram dificuldade moderada no trabalho devido a problemas vocais.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na taxa de rouquidão e desconforto no trato vocal para a outra variável (tabela 4).

Tabela 4 Comparação de variáveis de cuidado vocal relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal 

Variáveis Rouquidão p-valor Desconforto no trato vocal. p-valor
Sim Não Sim Não
Grau de dificuldade no uso da voz durante o trabalho
Nenhum 4 (26,7) 27 (44,3) < 0,001a 8 (27,6) 23 (48,9) 0,115a
Leve 3 (20) 30 (49,2) 14 (48,3) 19 (40,4)
Moderado 8 (53,3) 4 (6,6) 7 (24,1) 5 (10,6)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Cuidados ou medicamentos para a garganta ou a voz
Sim 0 (0) 9 (14,8) 0,191a 4 (13,8) 5 (10,6) 0,725a
Não 15 (100) 52 (85,2) 25 (86,2) 42 (89,4)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Busca de cuidados médicos por causa de sintomas vocais
Sim 4 (26,7) 3 (4,9) 0,025a 4 (13,8) 3 (6,4) 0,417a
Não 11 (73,3) 58 (95,1) 25 (86,2) 44 (93,6)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)

aTeste exato de Fisher.Valores em negrito significam valores significativos de p.Porcentagem da população entre parênteses.

Variáveis de hábitos e estilo/qualidade de vida

A porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que eram estressados e ansiosos ou muito tensos e ansiosos do que entre aqueles que eram calmos. Além disso, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que se preocupavam com cuidados de saúde.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal para as demais variáveis (tabela 5).

Tabela 5 Comparação de variáveis hábitos e estilo/qualidade de vida relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal 

Variáveis Rouquidão p-valor Desconforto no trato vocal p-valor
Sim Não Sim Não
Em termos de uso de voz dentro e/ou fora do local de trabalho, você se descreve como uma pessoa que
1. Fala pouco (introvertida) 3 (20) 9 (14,8) 0,806b 5 (17,2) 7 (14,9) 0,954a
2. Fala moderadamente (comunicativa) 8 (53,3) 38 (62,3) 17 (58,6) 29 (61,7)
3. Fala muito (tagarela) 4 (26,7) 14 (23) 7 (24,1) 11 (23,4)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Em termos de estresse e ansiedade, você se qualifica como uma pessoa
1. Calma 4 (26,7) 31 (50,8) 0,118a 8 (27,6) 27 (57,4) 0,032a
2. Tensa e ansiosa 7 (46,7) 24 (39,3) 15 (51,7) 16 (34)
3. Muito tensa e ansiosa 4 (26,7) 6 (9,8) 6 (20,7) 4 (8,5)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Em termos de quanta água você bebe/hidratação, você se qualifica como uma pessoa que
1. Bebe pouco líquido (esquece ou não sente sede e urina menos de 3 × por dia) 2 (13,3) 12 (19,7) 0,448b 4 (13,8) 10 (21,3) 0,614a
2. Bebe moderadamente (1 a 2 L/dia) 9 (60) 41 (67,2) 21 (72,4) 29 (61,7)
3. Bebe muito líquido (> 2 L/dia) 4 (26,7) 8 (13,1) 4 (13,8) 8 (17)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Em termos de alimentação, você se qualifica como uma pessoa que
1. Come pouco (< 3 refeições/dia) 1 (6,7) 6 (9,8) 0,451b 3 (10,3) 4 (8,5) 0,965b
2. Come moderadamente (come 3 refeições/dia) 9 (60) 44 (72,1) 20 (69) 33 (70,2)
3. Come muito (não controla a gula e reconhece isso como um problema) 5 (33,3) 11 (18) 6 (20,7) 10 (21,3)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Cigarros (tabagismo)
1. Sim 0 (0) 3 (4,9) 0,197b 2 (6,9) 1 (2,1) 0,518b
2. Não 15 (100) 54 (88,5) 26 (89,7) 43 (91,5)
3. Ex-fumante 0 (0) 4 (6,6) 1 (3,4) 3 (6,4)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Álcool
1. Sim 4 (26,7) 22 (36,1) 0,701a 10 (34,5) 16 (34) 1,000a
2. Não 11 (73,3) 39 (63,9) 19 (65,5) 31 (66)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Café
1. Sim 10 (66,7) 43 (70,5) 0,762c 21 (72,4) 32 (68,1) 0,887a
2. Não 5 (33,3) 18 (29,5) 8 (27,6) 15 (31,9)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)
Em termos de cuidados de saúde, você se considera:
1. Distraído 5 (33,3) 16 (26,2) 0,298b 9 (31) 12 (25,5) 0,044a
2. Controlado/cuidadoso 6 (40) 37 (60,7) 12 (41,4) 31 (66)
3. Preocupado 4 (26,7) 8 (13,1) 8 (27,6) 4 (8,5)
Total 15 (100) 61 (100) 29 (100) 47 (100)

aTeste de qui-quadrado.

bTeste de razão de verossimilhança.

cTeste exato de Fisher.Os dados em negrito indicam valores de p significativos.Porcentagem de população entre parênteses.

Discussão

Em sua revisão sistemática, Cantor Cultiva et al.15 encontraram uma ampla variação na prevalência de distúrbios de voz e sugeriram que essa variação pode ser devido ao uso de termos genéricos como “queixas vocais” e “sintomas vocais” para descrever esses distúrbios. Assim, ficamos interessados em usar a pesquisa de autoavaliação de voz reformulada pelo Ministério do Trabalho, que examina sintomas como rouquidão e desconforto no trato vocal para obter um perfil epidemiológico das queixas vocais e fatores de risco no cenário de CTA. No presente estudo, a incidência de desconforto no trato vocal foi quase o dobro da rouquidão, 38,2% e 19,7%, respectivamente.

Em comparação com os professores universitários que usam quase a mesma autoavaliação de voz, a prevalência de rouquidão e desconforto do trato vocal nos CTA foi menor (19,7% vs. 39,6% e 38,2% vs. 50,8%, respectivamente).6,7

Uma comunicação efetiva é essencial entre os pilotos e os CTA. Além disso, os CTA trabalham em uma profissão em que qualquer distúrbio na comunicação durante os voos pode levar a uma falha de entendimento e comprometer importantes informações de voo.

Um estudo anterior relatou a presença de disfonia em 44% dos CTA, os quais nem sempre estavam conscientes da presença desse desvio vocal. O ambiente de trabalho e a presença de fatores de risco, além de altos níveis de estresse e grande demanda vocal, são combinações que podem levar à ocorrência de disfonia. Se o principal motivo para procurar cuidados médicos é estar consciente de um problema, deve-se considerar que os CTA podem não entender a gravidade da presença de disfonia, o que adia o diagnóstico e aumenta o risco de uma falha de comunicação entre os CTA e pilotos.

Neste estudo, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nas taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal para as variáveis “tempo de trabalho como CTA”, “idade”, “gênero”, “atividades profissionais além de CTA” e “atividades profissionais que consomem mais tempo”. Aproximadamente 15% dos CTA relataram outras atividades profissionais, o que é uma taxa muito menor do que em uma amostra de professores universitários de uma instituição privada de São Paulo.6

Em relação ao local de trabalho, a porcentagem de ambos os sintomas foi maior entre os CTA que consideravam a poluição do ar intolerável. Muitos estudos observaram correlações entre queixas vocais e qualidade do ar em professores;16-19 isso foi especificamente observado em um estudo-piloto com um teste provocativo por inalação.20 Além disso, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que consideravam seu local de trabalho um ambiente muito tenso e estressante. Nerrière et al. encontraram uma associação entre estresse psicológico e problemas de voz.21 De fato, deve-se notar que o estresse está associado a um padrão de fonação devido ao maior esforço dos músculos laríngeos, que geralmente é associado à constrição do trato vocal e vibração deficiente da prega vocal, o que reduz a eficiência da produção e projeção da voz. A compensação no trato vocal pode ser frequente, contribui para a pioria na produção de voz.

Embora não houvesse associação entre os sintomas vocais e o local de trabalho em termos de ruído, Ishikawa et al. (2017)22 observaram que a fala disfônica é relativamente mais difícil de entender na presença de ruído de fundo em comparação com a fala normal.

Entre os CTA, uma pequena porcentagem (14,8%) relatou receber cuidados ou tomar medicamentos para a garganta e/ou a voz. Adicionalmente, apenas 9,2% procuraram cuidados médicos por causa de sintomas vocais. Além disso, a porcentagem de rouquidão foi maior entre aqueles que experimentavam dificuldade moderada por causa de problemas vocais, o que pode explicar a maior porcentagem de rouquidão entre aqueles que procuraram cuidados médicos por causa da rouquidão. Como afirmado anteriormente em estudos com professores universitários,7 é interessante como sintomas vocais específicos influenciam acentuadamente o fato de os indivíduos procurarem cuidados médicos.

Em contraste, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que eram estressados e ansiosos e entre aqueles preocupados com o cuidado de sua saúde.

Esses achados justificam a necessidade de maior cuidado e orientação dados aos CTA, não apenas no local de trabalho, mas em qualquer ambiente.

As limitações deste estudo incluem o fato de que a amostra veio de um único APP; portanto, esses dados não podem ser generalizados para controladores de tráfego aéreo em outros APPs em todo o país.

Conclusão

Entre os CTA, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi quase o dobro da rouquidão. Ambos os sintomas estavam presentes em CTA que consideravam seu local de trabalho como um ambiente intoleravelmente poluído. O desconforto no trato vocal estava relacionado a ambientes tensos e estressantes e a rouquidão estava relacionada à dificuldade de usar a voz no trabalho.

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