versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.5 São Paulo set./out. 2019 Epub 07-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.04.001
O sarcoma sinovial de cabeça e pescoço é muito raro e o sarcoma de laringe e hipofaringe ainda mais. Assim, um diagnóstico correto e a tomada de decisão em relação a cirurgia e terapias adjuvantes representam desafios clínicos para o otorrinolaringologista. Apresentamos um caso de sarcoma sinovial de hipofaringe e revisão da literatura.
Uma mulher de 77 anos apresentou-se com rouquidão intermitente e episódios de asfixia dispneica ao engolir. A panendoscopia mostrou uma lesão lisa, cística, na prega ariepiglótica posterior direita (fig. 1). A biópsia inicial mostrou apenas displasia leve de mucosa. No entanto, o laudo da avaliação urgente por tomografia computadorizada (CT) mostrou uma massa com aparência maligna, no polo superior direito da tireoide. Biópsia guiada por ultrassom mostrou células fusiformes; diagnósticos diferenciais foram variante de carcinoma anaplásico da tiroide de células fusiformes ou tireoidite de Riedel, mas a amostra era muito pequena para o diagnóstico definitivo.
O caso foi revisado pela equipe multidisciplinar de oncologia de cabeça e pescoço, composta por dois consultores em radiologia, dois consultores em oncologia e quatro cirurgiões de cabeça e pescoço, bem como especialistas em fonoaudiologia e enfermeiras especializadas em câncer. Para este caso também houve a participação de um cirurgião da tireoide. Considerou-se que a qualidade do primeiro CT tornou difícil estabelecer a origem da massa; portanto, a paciente foi submetida a uma nova tomografia computadorizada. Nessas imagens, um plano de tecido visível separava a massa e o lóbulo direito da tireoide (fig. 2), o que indicava que a massa tinha de fato sua origem na hipofaringe. Outra biópsia foi feita sob anestesia local e enviada para o comitê regional de sarcoma. A análise por hibridização fluorescente in situ (FISH) foi consistente com rearranjo do SS-18. O diagnóstico foi sarcoma sinovial de hipofaringe.
Figura 2 Tomografia computadorizada do pescoço com contraste. A, Corte axial em C5/6 mostra o contraste no lóbulo direito da tireoide (seta verde) e a massa sem contraste na hipofaringe (seta branca). Um plano de separação é claramente visível no meio. B, Corte coronal da massa da hipofaringe (seta branca).
Nossa paciente tinha um histórico de fibrose pulmonar idiopática, com dispneia progressiva aos mínimos esforços. Foi oferecida à paciente cirurgia curativa; no entanto, ela repetidamente recusou qualquer terapia e explicou que queria passar o tempo que lhe restava com a família e preservar sua qualidade de vida pelo maior tempo possível. Com o apoio da equipe de cuidados paliativos, ela veio a óbito em casa, nove meses após a confirmação do seu diagnóstico.
O sarcoma sinovial (SS) é um tumor maligno distinto de tecidos moles não epiteliais. O nome é um equívoco histórico, pois agora é reconhecido que ele não surge a partir da articulação sinovial. É mais comumente visto como um tumor de crescimento lento nas extremidades de adolescentes e adultos jovens; estima-se que, de cerca de 200 casos de SS por ano no Reino Unido, 90% estão localizados nas extremidades.1 Eles apresentam metástases principalmente hematológicas, no pulmão e nos ossos. SS da cabeça e pescoço foi relatado pela primeira vez na faringe, em 1954,2 mas ainda permanece um uma lesão de diagnósticos mal feitos e mal compreendidos.
Na revisão da literatura na língua inglesa, encontramos 31 casos de SS de laringe ou hipofaringe (a tabela 1 mostra uma seleção de casos relatados). A mediana da idade foi de 21 anos (de 11 a 79), com 72% de preponderância do sexo masculino. Os sintomas mais comuns foram disfagia (58%), seguido de disfonia (54%), apresentações semelhantes a outras doenças malignas laringofaríngeas.
Tabela 1 Relatórios selecionados de sarcoma sinovial de faringe ou laringe
Autor | Idade | Apresentação | Local | Tratamento | Seguimento |
---|---|---|---|---|---|
Jernstrom,2 1954 | 21/M | Dispneia, disfagia, caroço no pescoço | Hipofaringe | Morreu após laringoscopia | N/d |
Miller,6 1974 | 23/F | Dispneia, disfonia | Intra-aritenoide | Laringectomia total | Livre de doença após 2 anos |
Gatti,7 1975 | 23/F | Estridor agudo | Intra-aritenoide | Laringectomia supraglótica | Livre de doença após 2 anos |
Gatti,7 1975 | 27/M | Disfagia e disfonia | Laringofaringeal | Faringolaringectomia parcial | 1 ano - metástases pulmonares, Q-RT, morreu depois de 2,5 anos |
Fernandez-Acenero,8 2009 | 12/M | Não documentado | Supraglótica | ELA + QT | Livre de doença após 4 meses |
Bao,9
2013 |
37/M | Dor de garganta, hemoptise | Prega ariepiglótica | Laringectomia parcial + Q-RT | Morreu; metástases a distância após 41 meses |
Yang,10 2013 | 44/M | Disfagia, dispneia | Hipofaringe | Laringectomia total, faringoesofagectomia, esvaziamento cervical | Recidiva local 5 meses - RT, livre de doença após 2 anos |
Caso atual | 77/F | Disfonia + disfagia | Aritenoide | Recusou terapia | Morreu após 22 meses |
ELA, excisão local ampla; Q-RTquimiorradioterapia; QT, quimioterapia; RT, radioterapia.
Nos casos relatados, os exames de imagem não identificaram características radiológicas consistentes. Em uma revisão de imagens de ressonância magnética de seis casos de SS de cabeça e pescoço, Hirsch et al.3 relataram que as lesões eram mais comumente isointensas à substância cinzenta em imagens em T1 e podiam também ser heterogêneas, hemorrágicas e multisseptadas. Entretanto, Sigal et al.4 (três casos) e Rangheard et al.5 (oito casos) não identificaram características radiológicas consistentes. Nas revisões e nos relatos de casos, o tumor foi geralmente descrito como bem circunscrito, ao contrário de outras lesões malignas. É interessante notar que, em muitos dos casos, inclusive o nosso, o aspecto clínico dos tumores também era bem circunscrito e liso, o que sugeria doença benigna.
O diagnóstico em casos de SS, portanto, depende profundamente da histologia. Os fragmentos do exame de biópsia mostraram células fusiformes e células finas e alongadas com pouco citoplasma. Esse é um achado não específico, presente no tecido inflamatório, nas massas benignas e em várias neoplasias. O SS pode ser “monofásico”, constituído exclusivamente por essas células fusiformes, ou “bifásico”, composto por células fusiformes e elementos epiteliais. A análise imuno-histológica mostra a presença de marcadores epiteliais, inclusive citoqueratina e antígeno de membrana epitelial entre outros, e a análise genética mostra translocação t(X;18;p11;q11) em mais de 90% dos SS.1
O prognóstico e o tratamento desses tumores têm base de evidência limitada. Dos 22 casos com um ano ou mais de seguimento, 82% permaneciam livres da doença depois de um ano. Dos casos seguidos por três anos, 67% estavam livres de doença, 25% tinham morrido e um paciente teve uma recidiva. Ao todo, 46% dos casos foram submetidos a cirurgia primária isoladamente, 46% foram submetidos a cirurgia e radioterapia adjuvante e 7% a quimiorradioterapia primária. Diferentes tempos de seguimento impedem comparações significativas entre os resultados dos pacientes submetidos a diferentes estratégias terapêuticas.
O sarcoma sinovial de cabeça e pescoço é uma doença rara, mas significativa. A falta de caraterísticas clínicas e radiológicas específicas e a aparência lisa e bem circunscrita das lesões podem retardar o diagnóstico e até mesmo o reconhecimento de sua natureza maligna. Neste caso, destaca-se a importância da colaboração multidisciplinar e da suspeita inicial de sarcoma. Este caso, assim como os anteriormente relatados, servem para aumentar o reconhecimento clínico desses tumores raros, mas devastadores.