versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.4 São Paulo out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082016md3740
A sarcopenia é a principal característica da caquexia do câncer e está associada à redução da qualidade de vida e sobrevida.(1,2) É definida como baixa massa musculoesquelética, força de preensão e velocidade de marcha.(3) Há diversas razões para perda de massa muscular em pacientes com câncer, como gasto energético exacerbado, anorexia, inflamação e metabolismo do câncer desequilibrado.(1,4,5) Algumas evidências sugerem que a massa tumoral seja responsável por: (1) produção de citocinas inflamatórias (por exemplo: fator de necrose tumoral e interleucina-1), que leva à liberação de diversas proteínas miofibrilares relacionadas à sarcopenia, já que, por exemplo, a ativina A age em seu receptor, ativando as SMADs 2/3, inibindo a sinalização de AKT/mTOR e levando à atrofia muscular; ao mesmo tempo, ocorre a ativação da (MuRF-1-muscle RING finger-containig protein 1) e da proteína MAFbx (atrogina), potencializando perda do músculo esquelético e da velocidade da marcha, e, consequentemente, aumento da fragilidade; (2) moléculas inflamatórias que reduzem o apetite; e (3) mediadores lipolíticos que induzem a lipólise do tecido adiposo, por meio da ativação de vias adrenérgicas como a estimulação da proteína quinase A, lipase hormônio-sensível (HSL) e lipase de triglicerídeos de tecido adiposo (ATGL), liberando ácidos graxos livres.(5-9) Além disso, esses fatores etiológicos da sarcopenia no câncer também aparecem em tratamentos oncológicos, como cirurgia, quimioterapia e radioterapia, que levam a náusea, vômito, perda de paladar, fadiga e dor. Quando administradas ao mesmo tempo, a combinação de fatores deletérios na composição corporal com tratamentos para o câncer conecta o eixo de tecidos adiposo, muscular e hipotalâmico, potencializando a sarcopenia e a desnutrição em pacientes oncológicos. A figura 1 ilustra esses achados.
Na caquexia do câncer e nos indivíduos obesos, a sarcopenia pode ser definida por um índice de tecidos moles magros apendiculares quando quantificados por absorciometria de raios X de dupla energia (DEXA) abaixo de 7,26kg/m2 para homens e 5,45kg/m2 para mulheres.(1,3) Embora os desfechos da sarcopenia envolvam diferenças entre os sexos, e sua caracterização esteja relacionada principalmente a medida pelo DEXA, os pacientes com câncer são muitas vezes diagnosticados e monitorados por meio da tomografia computadorizada (TC), após a quimioterapia.(10-13) A TC em pacientes sarcopênicos com câncer pode ser usada, levando-se em conta não apenas as mudanças na massa muscular, adiposa e tumoral, mas também de acordo com idade, etnia, local do tumor e estado do câncer. Dessa forma, a escolha de apenas um método para avaliar e tratar nossos pacientes pode proporcionar informações resumidas e pontuais sobre medidas antropométricas e relacionadas ao tumor. Embora os critérios para a classificação da sarcopenia em pacientes com câncer não estejam ainda totalmente claros,(1) usa-se a TC para medir a massa muscular lombar no nível da L3, e o ponto de corte de ≤38,5cm2/m2 para mulheres e ≤52,4cm2/m2 para homens tem sido adotado para a definição de sarcopenia.(12)
Sabemos que pacientes sarcopênicos com câncer têm sobrevida global reduzida.(14) Por exemplo, indivíduos com câncer apresentam alta prevalência de sarcopenia, com variação entre 21 a 71% para homens e mulheres.(13-19) Além disso, a quimioterapia neoadjuvante em pacientes oncológicos pode aumentar a prevalência de sarcopenia em 17% até o fim do tratamento.(20) A sarcopenia causa toxicidade de alto grau em pacientes com câncer renal metastático, o que pode levar a uma toxicidade limitadora de dose de tratamento já no primeiro ciclo em aproximadamente 30% dos pacientes.(21) Com base na alta prevalência e nas despesas de saúde com o tratamento para sarcopenia, procuramos revisar os aspectos etiológicos e fisiopatológicos, a prevalência e os custos da sarcopenia em indivíduos com câncer.
Para alcançar nosso objetivo, adotamos uma revisão narrativa da literatura, e incluímos os estudos clínicos publicados em inglês no banco de dados PubMed MEDLINE®. As palavras-chave para busca foram “sarcopenia”, “câncer”, “inflamação”, “força” e “lipólise”.
As despesas de saúde com a sarcopenia em comunidades americanas mais idosas representam cerca de 1,5% do total de despesas com saúde por ano, com gastos estimados em 10,8 bilhões de dólares para homens, e 7,7 bilhões de dólares para mulheres, em 2000.(22) Esses custos e as consequências da depleção da massa muscular esquelética, como aumento da deficiência física e funcional, estão estimados, mundialmente, para a população idosa e as pessoas com doenças inflamatórias.
Observaram-se recentemente concentrações aumentadas de proteína C-reativa (PCR) e perda acelerada de massa muscular durante ciclos de quimioterapia em pacientes com câncer avançado, como colorretal, vias biliares e do trato gastrintestinal superior. Da mesma forma, a prevalência de níveis elevados de PCR aumenta em aproximadamente 10%, do primeiro ao último ciclo de quimioterapia.(23) Além disso, a quimioterapia paliativa para pacientes com câncer de pulmão de não pequenas células, em regimes de quimioterapia com carboplatina, vinorelbina e gencitabina, também é fator de risco para sarcopenia. Existe relato de redução de massa muscular de 1,4kg após 9 semanas de quimioterapia.(18)
Estudo transversal feito com portadores de câncer de cólon de intestino em estágio III que receberam quimioterapia adjuvante (oxaliplatina, 5-fluorouracil e leucovorina) revelou que a baixa massa muscular no início do estudo estava associada ao aumento da ocorrência (67%) de todas as toxicidades induzidas pela quimioterapia de graus 3-4. O mesmo resultado aparecia após ajuste por idade, sexo, concentrações de hemoglobina e taxa de filtração glomerular.(24) Apesar do diagnóstico de sarcopenia em pacientes com câncer no cólon, pulmão, gastresofágico e outros tipos de neoplasia(18,24-27) não ter demonstrado baixa sobrevida global, mesmo com quimioterapia, houve aumento de mortalidade, pior prognósticos e menor sobrevida sem progressão da doença.(27,28)
Quando comparado pacientes com câncer obesos àqueles com câncer esofágico, desnutridos e submetidos à quimioterapia neoadjuvante (cisplatina e 5-fluorouracil), verificou-se que indivíduos sarcopênicos eutróficos ou obesos tinham uma razão de chances de 2,4 e 5,5 maior, respectivamente, para toxicidade limitadora de dose do que os indivíduos não sarcopênicos. Isso indica que a medida da massa muscular pode representar um fator determinante na dosagem da quimioterapia, principalmente em indivíduos com adiposidade aumentada e massa muscular diminuída.(17) Da mesma forma, em indivíduos com câncer gastresofágico tratados com cisplatina, 5-fluorouracil, epirrubicina e capecitabina, observou-se que a sarcopenia elevou o risco de toxicidade relacionado à dose em três vezes.(25) Ademais, a sarcopenia está associada a um aumento do risco de anormalidades pós-operatórias em carcinomatose peritoneal colorretal durante a quimioterapia intraperitoneal.(13)
Com base na toxicidade limitadora de dose, pacientes sarcopênicos com câncer de mama, tratados com capecitabina, apresentam maior grau de toxicidade do que aqueles não sarcopênicos.(29)
Em indivíduos com câncer de pulmão avançado de não pequenas células, foram observadas anorexia grave induzida por quimioterapia e uma associação entre a perda de massa muscular esquelética e fatores prognósticos de tratamento.(30) Em pacientes com câncer colorretal metastático, apenas a sarcopenia está ligada à toxicidade, correspondendo cerca de 38% dos indivíduos.(19)
Embora os estudos mostram que a anorexia e a caquexia contribuem de modo significativo para os efeitos adversos da quimioterapia, esta revisão observou que, nos últimos anos, foram encontradas diversas evidências de que a sarcopenia potencializa a toxicidade induzida pela quimioterapia e reduz a sobrevida global de pacientes com câncer submetidos a tratamento oncológico. Além disso, é interessante considerar que a sarcopenia não é exclusiva a pacientes em tratamento quimioterápico, uma vez que também ocorre naqueles em radioterapia, causando perda de peso.(31)
A dose da maioria das quimioterapias baseia-se na área de superfície corporal.(32) Porém, há cada vez mais evidências sugerindo que essa técnica e seus riscos associados a toxicidade não têm sucesso em indivíduos sarcopênicos com câncer, independente de seu índice de massa corporal.(13,18,24,32-34) Embora tenha sido sugerido em 2013 que a dose de quimioterapia em pacientes obesos com câncer deveria ser calculada pela área de superfície corporal, levando-se em conta o peso do paciente,(35) é importante que a quantificação da massa muscular esquelética pelo índice de tecido mole magro apendicular via DEXA ou TC seja utilizada em conjunto com o exame de diagnóstico, para calcular uma dose tolerável de quimioterapia.
Da mesma forma, há evidências que indicam que a depleção da massa muscular esteja associada à interrupção da quimioterapia e à redução da dose.(21,36,37) Por outro lado, sabe-se que uma diminuição de 10% na prevalência da sarcopenia economizaria aproximadamente 1,1 bilhão de dólares por ano em custos econômicos relacionados à saúde, nos Estados Unidos.(22)
Além da massa muscular, a força de preensão manual é reconhecida, na prática clínica, por avaliar a fragilidade e a função muscular, monitorar a composição corporal, e ajudar no prognóstico do câncer.(38) Portanto, novos estudos podem adotar essa estratégia como uma ferramenta simples para acompanhar as características de pacientes sarcopênicos com câncer.
Portanto, podem ser tiradas as seguintes conclusões desses dados: (1) pacientes com caquexia do câncer estão suscetíveis à perda muscular antes e depois do tratamento quimioterápico; (2) a perda da massa muscular esquelética ocorre durante os ciclos da quimioterapia, o que piora o prognóstico da doença; (3) a sarcopenia é reconhecida como anormalidade metabólica com elevados custos de saúde; (4) a sarcopenia piora a toxicidade mediada pela quimioterapia em indivíduos sarcopênicos obesos, eutróficos e desnutridos; (5) a atenuação da massa muscular pode implicar na redução da dosagem e dos ciclos de quimioterapia, o que dificulta desfechos positivos; (6) na ausência de uma ferramenta para identificar a sarcopenia, deve-se pelo menos em parte, avaliar a força de preensão manual para controlar fatores prognósticos dos portadores de câncer, uma vez que essa abordagem é mais rápida e mais barata do que outros métodos antropométricos. A figura 1 resume os possíveis achados sobre a sarcopenia como fator de risco para a toxicidade mediada pela quimioterapia.
A perda da massa muscular esquelética é um fator de risco para anormalidades mediadas pela quimioterapia, principalmente em relação à toxicidade e à baixa eficácia a tratamentos nutricionais e oncológicos.