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Satisfação e autoconfiança na aprendizagem de estudantes de enfermagem: Ensaio clínico randomizado

Satisfação e autoconfiança na aprendizagem de estudantes de enfermagem: Ensaio clínico randomizado

Autores:

Raphael Raniere de Oliveira Costa,
Soraya Maria de Medeiros,
Verónica Rita Dias Coutinho,
Alessandra Mazzo,
Marília Souto de Araújo

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.24 no.1 Rio de Janeiro 2020 Epub 13-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0094

INTRODUÇÃO

Estratégias de ensino-aprendizagem são caminhos que facilitarão o estudante a alcançar os objetivos técnico-profissionais de desenvolvimento pessoal e tornar-se agente transformador.1 No contexto da formação do enfermeiro, ao pensar nessas estratégias, deve-se considerar as questões éticas, a segurança do paciente, os avanços tecnológicos, a ciência da enfermagem, a complexidade dos cuidados, as exigências do mundo do trabalho atual e a emancipação dos sujeitos.2

Além disso, durante o planejamento das atividades do docente, é indispensável que este reflita sobre os objetivos da aprendizagem e sua contribuição para a facilitação do conhecimento. Para tanto, é preciso ter clareza dos papéis dos diversos atores envolvidos no processo ensinar-aprender, e dispor de diferentes formas de contemplar o que foi planejado.

Hoje, é indispensável que os educadores atuem como pesquisadores e sejam capazes de avaliar as estratégias que optam por adotar. Para tal, é preciso que os docentes estejam disponíveis para se afastarem das suas zonas de conforto.3

No contexto da formação em enfermagem, três estratégias de ensino e aprendizagem estão comumente presentes: as aulas expositivas e dialogadas, o treino de habilidades e o desenvolvimento de cenários clínicos simulados. Nessa perspectiva, acresce-se aqui a necessidade de um olhar mais apurado para a identificação da satisfação com o ensino-aprendizagem, e o desenvolvimento de autoconfiança no estudante que experimenta tais estratégias durante sua formação. Ou seja, uma vez que a satisfação e a autoconfiança do aprendiz são variáveis que permitem identificar e avaliar a eficácia das estratégias de ensino e aprendizagem utilizadas durante a formação.4

A satisfação é um anseio de prazer ou desapontamento, que decorre do resultado de um acontecimento e das expectativas anteriores do indivíduo em relação a si próprio. É uma reação afetiva, alcançada ou não referente a um serviço. Nas atividades de ensino-aprendizagem, ela geralmente está pautada pela experiência de aprendizagem e sua relação com as expectativas dos aprendizes,5-6 e pode ser manifestada de forma global, no âmbito do processo como um todo, ou para cada etapa da experiência vivenciada.7 No ensino simulado, a satisfação pode ser considerada um importante componente, não só pelo sucesso frente ao item almejado, mas sobretudo pelo reforço positivo na autoconfiança e nas experiências que construirão o perfil do futuro profissional.

A satisfação é o contentamento, um sentimento de prazer advindo do que se espera. No contexto da simulação, se refere ao contentamento com o aprender por intermédio dos cenários.8 Além disso, está associada a maior envolvimento e motivação no processo de ensino e aprendizagem, pois o estudante motivado aprende mais e melhor.9 Já a autoconfiança é o confiar na solidez do próprio julgamento e desempenho.10 Confiar no desempenho pode ser um fator influente e sinônimo de melhor transição do conhecimento teórico para a prática clínica.

Para a National League for Nursing, a simulação é definida como uma tentativa de imitar aspectos essenciais de uma situação clínica, objetivando entender e gerenciar melhor a situação quando ocorre na prática clínica real. Trata-se de estratégia que usa uma situação ou um ambiente, criados para permitir que as pessoas experimentem a representação de um evento real, com a finalidade de prática, aprendizado, avaliação, teste ou para obter entendimento de sistemas ou ações humanas.11

Por ser uma estratégia valiosa, vem ganhando aceitação dos estudantes, docentes e órgãos de acreditação em saúde. Entretanto, as pesquisas no ramo da simulação ainda estão atrasadas em relação ao grande número de tecnologias disponíveis.3,12 A literatura aponta as diversas contribuições da simulação no contexto do ensino de enfermagem. Não obstante, existe uma lacuna no que se refere aos resultados de percepções sobre satisfação e autoconfiança.13,14

Essa lacuna ganha um destaque ainda maior quando se buscam evidências de comparações dessas percepções entre as diferentes estratégias de ensino e aprendizagem. Ao reconhecer essa carência, o estudo teve por objetivo identificar e comparar a satisfação e a autoconfiança na aprendizagem de estudantes de enfermagem a partir do uso da simulação e do ensino tradicional, em cenários de imunização de adultos, no contexto da Atenção Primária à Saúde.

MÉTODO

Trata-se de um ensaio clínico controlado e randomizado, aplicado em grupo experimental e grupo controle aleatórios.15 Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa n.º 1.958.827 e CAAE n.º 64874817.3.0000.5537, e obtenção do Registro Brasileiro de Ensaio Clínico (RBR-9sqr6b e UTN: u1111-1195-2580), o estudo foi realizado em uma universidade pública federal brasileira, no período de maio a junho de 2017.

Todas as questões éticas foram respeitadas. A participação no estudo foi voluntária. Além disso, garantiu-se o anonimato, a confidencialidade, a liberdade de desistência a qualquer momento da formação e o caráter de formação complementar, sem interferência na avaliação de unidades curriculares do curso de enfermagem com o qual estavam vinculados.

Participaram do estudo os estudantes regularmente matriculados entre o 5.º e 9.º semestres do curso de graduação em enfermagem que obtiveram frequência igual ou superior a 75% em um curso de formação de 40 horas. Foram excluídos: os participantes que responderam parcialmente aos instrumentos de pesquisa; estudantes bolsistas e colaboradores que contribuíram para a execução do estudo. A amostra inicial, do tipo não probabilística por conveniência foi de 58 estudantes. Após serem aplicados os critérios de inclusão, a amostra final foi constituída de 34 estudantes, conforme detalhado na Figura 1.

Fonte: Elaborada pelos autores

Figura 1 Fluxograma de seguimento. Natal, RN, Brasil, 2019 

Os estudantes foram alocados em dois grupos, composição amostral feita por um estatístico independente e não vinculado ao projeto de investigação. Após a randomização, os estudantes participaram de curso de 40 horas referente à imunização de adultos. A carga horária foi distribuída da seguinte forma: 20 horas para atividades de ensino, 16 horas para atividades avaliativas, e 4 horas para atividades de conclusão e feedback da formação.

O grupo controle participou da formação com estratégias tradicionalmente utilizadas - aula expositiva e dialogada e treino simulado de habilidades. Já o grupo experimental foi direcionado ao grupo de simulação, com uso de cenário clínico - aula expositiva, treino de habilidades e cenário simulado.

As aulas expositivas foram construídas a partir dos conteúdos disponibilizados em documentos oficiais do Ministério da Saúde, referentes à imunização. Ofertaram-se três encontros presenciais de 4 horas/aula cada. As aulas foram ministradas pelos pesquisadores.

Para o treino de habilidades, disponibilizaram-se guias do tipo checklist. Foram montadas quatro estações de habilidades no laboratório de enfermagem da universidade onde o estudo foi realizado. Ofertou-se um encontro presencial de 4 horas/aula. Nas estações, trabalharam-se as habilidades de: a) administração de doses de imunobiológicos, b) rotinas e organização da sala de vacina, c) aprazamentos e d) análise da carteira de vacinação. Os estudantes foram divididos em quatro subgrupos. Após a realização das tarefas propostas em cada estação, receberam feedback pela equipe da pesquisa.

Para o grupo experimental, criaram-se três cenários de simulação clínica. Nessa etapa, seguiram-se todas as orientações de design de simulação quanto aos objetivos de ensino-aprendizagem, à fidelidade, à resolução de problemas, ao apoio ao estudante e ao debriefing.7 O processo de construção dos cenários foi realizado com base na revisão da literatura e colaboração de experts na área clínica. Três docentes - enfermeiros, doutores, em enfermagem com atuação profissional na área da Atenção Básica - foram consultados.

Foram construídos cenários de alta complexidade e fidelidade, validados em aparência e conteúdo por um grupo de cinco especialistas. Tais especialistas eram docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, com doutorado e experiência na área de simulação. Houve concordância de 100% entre eles.

Em consonância com os cenários, foram estabelecidos três objetivos de aprendizagem, a saber: no cenário 1, o objetivo era que o estudante realizasse o manejo - do ponto de vista da imunização - de um paciente que sofreu acidente traumático; no cenário 2, objetivou-se que o estudante realizasse o aprazamento e a administração de imunobiológicos conforme necessidade do paciente; e no cenário 3, o objetivo era que o estudante reconhecesse uma situação de contraindicação de imunobiológicos.

Para a realização das simulações, os alunos receberam materiais de apoio, discutidos previamente antes de cada simulação visando capacitação e desenvolvimento dos cenários. Esse material consistia em um documento contendo as informações gerais - como os recursos do cenário - e o contexto dos casos que foram simulados - elementos descritivos básicos antes da realização de um cenário.

Os cenários foram realizados em um laboratório de práticas simuladas, localizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. Em cada cenário, disponibilizou-se, aos estudantes, uma descrição do caso clínico semiestruturado, contendo informações como exames clínicos, condições de saúde, motivo da busca ao serviço, entre outras.

Para garantir a qualidade das informações durante o desenvolvimento do cenário, foi elaborado e utilizado um roteiro. Nas simulações, utilizou-se a ferramenta paciente-padrão, que são atores treinados para atuar e reproduzir comportamentos de usuários em diversas situações e estabelecimentos de assistência à saúde.11 Os atores foram preparados a partir de reuniões, envolvendo-os juntamente com os pesquisadores, esclarecendo e definindo as formas de atuação e as falas. Após esse procedimento, os cenários passaram pela testagem e validação de especialistas quanto a aparência e conteúdo.

O tempo da intervenção foi de 50 minutos, sendo cinco minutos de reconhecimento do cenário, 15 para o desenvolvimento, e 30 minutos de debriefing. Para essa atividade, foi ofertado um encontro presencial de 4 horas/aula.

O debriefing é uma forma estruturada de conduzir os estudantes à reflexão sobre a ação. Essa técnica ajuda na consolidação do saber e na correção de comportamentos inadequados. Logo, é uma etapa fundamental na simulação.16

Existem várias formas de realização do debriefing.17 Nesta pesquisa, após a participação nos cenários clínicos simulados, os estudantes do grupo intervenção eram convidados a: descrever sensações e atividades realizadas durante a simulação; analisar comportamentos e tomada de decisão; e refletir sobre as condutas e o aprendizado a partir da vivência nos cenários. Três estudantes participaram diretamente da execução do cenário. É importante destacar que os estudantes se candidataram voluntariamente para realizar o cenário. Os demais participaram ativamente, com os estudantes anteriores, na sessão de debriefing.

Após a participação dos estudantes nas práticas simuladas, aplicou-se o questionário de Satisfação e Autoconfiança na Aprendizagem - para todos os estudantes -, com a finalidade de medir a sua satisfação e capacidades para a realização de intervenções de enfermagem após as experiências e conclusão de simulação.11 Neste estudo, o instrumento foi aplicado tanto no GC quanto no GE, pelo entendimento de que o treino de habilidades também se caracteriza como prática simulada de baixa fidelidade. É importante destacar que esse questionário foi desenvolvido pela National League for Nursing. No estudo, utilizou-se a versão da escala Student Satisfaction and Self-Confidence in Learning validada para a língua portuguesa.17

O instrumento aplicado é composto por duas subescalas: satisfação e autoconfiança, total de treze itens. A subescala de satisfação contém cinco itens de avaliação. Já na escala de autoconfiança, oito itens estão incluídos. Ambas são compostas por uma escala tipo Likert de cinco itens, a saber: 1 = discordo fortemente da afirmação; 2 = discordo da afirmação; 3 = indeciso - nem concordo nem discordo da afirmação; 4 = concordo com a afirmação; e 5 = concordo fortemente com a afirmação.10

Os dados foram analisados pelo SPSS (Pacote Estatístico para Ciências Sociais) versão 24. Para a caracterização do perfil sociodemográfico, utilizou-se a estatística descritiva. Na análise da satisfação e autoconfiança na aprendizagem, aplicou-se o teste de Mann - Whitney, para um nível de significância de 5%. Já para a descrição intragrupos, nas variáveis das subescalas do instrumento utilizado, traçou-se a média, o Desvio Padrão (DP) e a moda. Os resultados foram apresentados na forma de tabelas.

RESULTADOS

Quanto ao perfil dos participantes do estudo, verificou-se que a maioria dos estudantes era do sexo feminino (79,4%). A faixa etária mais frequente foi de 21 a 23 anos (61,8%), com idade mínima de 18 e máxima de 34 anos.

A consistência interna do instrumento utilizado, assim como nas versões originais e no processo de validação para o Brasil, apresentou altos índices de consistência interna14; o questionário de satisfação e autoconfiança na aprendizagem apresentou um Alpha de Cronbach de 0,848, e a subescala de satisfação com a aprendizagem apresentou Alpha de Cronbach de 0,851 e a na subescala de autoconfiança na aprendizagem, o Alpha de Cronbach foi de 0,795.

A Tabela 1 apresenta a distribuição quanto à média, desvio padrão, moda, máximo, mínimo e os percentis das subescalas de satisfação com a aprendizagem atual e a autoconfiança na aprendizagem.

Tabela 1 Satisfação dos estudantes e autoconfiança na aprendizagem (n=34) - Natal, 2017. 

Variáveis Média DP Mediana Moda Max Min P25 P50 P75
Satisfação com a aprendizagem atual 4,65 0,38 4,80 5,00 5,00 3,80 4,35 4,80 5,00
A autoconfiança na aprendizagem 4,37 0,43 4,37 4,00 5,00 3,38 4,06 4,37 4,68

Ambas as subescalas apresentaram médias superiores a 4,00. Entretanto, a subescala de satisfação com a aprendizagem atual apresentou média superior e menor desvio padrão em relação à da autoconfiança na aprendizagem (Média = 3,65 e DP 0,38).

A Tabela 2 apresenta as subescalas e a significância estatística para ambas. A partir do teste U de Mann-Whitney, para um nível de significância de 5%, não foi encontrada significância estatística entre os Grupos Controle (GC) e Grupo Experimental (GE).

Tabela 2 Satisfação com a aprendizagem atual e autoconfiança na aprendizagem dos estudantes dos grupos controle e experimental e significância estatística - Natal, 2017. 

Variáveis Posto médio U de Mann-Whitney Z P-valor*
GC GE
Satisfação com a aprendizagem atual 17,6 17,94 137,000 -0,268 0,812
A autoconfiança na aprendizagem 14,41 19,44 94,500 -1,504 0,136

Fonte: originária da própria pesquisa

*Mann-Whitney tests

Na Tabela 3, são apresentados a média, o desvio padrão e a moda das variáveis referentes às subescalas aplicadas junto ao GC e GE. Foi possível identificar que, na subescala de satisfação com a aprendizagem atual, o GE apresentou médias superiores em três dos cinco itens em relação ao GC. No que se refere à subescala de autoconfiança na aprendizagem, o GE apresentou médias superiores em seis dos oito itens em relação ao GC.

Tabela 3 Satisfação dos estudantes e autoconfiança na aprendizagem - Natal, 2017. 

Satisfação com a aprendizagem atual GC (n=17) GE (n=17)
Média DP Moda* Média DP Moda*
1. Os métodos de ensino utilizados nesta simulação foram úteis e eficazes. 4,52 0,51 4,00 4,58 0,50 5,00
2. A simulação forneceu-me uma variedade de materiais didáticos e atividades para promover a minha aprendizagem do currículo com tópicos de Atenção Primária (imunização de adultos). 4,76 0,43 5,00 4,82 0,39 5,00
3. Eu gostei do modo como meu professor ensinou através da simulação. 4,64 0,49 5,00 4,64 0,49 5,00
4. Os materiais didáticos utilizados nesta simulação foram motivadores e ajudaram-me a aprender. 4,64 0,49 5,00 4,64 0,60 5,00
5. A forma como o meu professor ensinou por meio da simulação foi adequada para a forma como eu aprendo. 4,00 0,70 4,00 4,23 0,56 4,00
A autoconfiança na aprendizagem Média DP Moda* Média DP Moda*
6. Estou confiante de que domino o conteúdo da atividade de simulação que meu professor me apresentou. 4,05 0,74 4,00 4,64 0,60 5,00
7. Estou confiante que esta simulação incluiu o conteúdo necessário para o domínio do currículo com tópicos de Atenção Primária (imunização de adultos). 4,52 0,62 5,00 4,58 0,61 5,00
8. Estou confiante de que estou desenvolvendo habilidades e obtendo os conhecimentos necessários a partir desta simulação para executar os procedimentos essenciais em um ambiente clínico. 4,64 0,49 5,00 4,82 0,39 5,00
9. O meu professor utilizou recursos úteis para ensinar a simulação. 4,23 0,83 4,00 4,76 0,43 5,00
10. É minha responsabilidade como o aluno aprender o que eu preciso saber por meio da atividade de simulação. 4,35 0,70 5,00 4,58 0,61 5,00
11. Eu sei como obter ajuda quando eu não entender os conceitos abordados na simulação. 4,05 0,65 4,00 4,41 0,79 5,00
12. Eu sei como usar atividades de simulação para aprender habilidades. 3,82 0,88 3,00 3,70 1,10 3,00
13. É responsabilidade do professor dizer-me o que eu preciso aprender na temática desenvolvida na simulação durante a aula. 4,64 0,49 5,00 4,58 0,61 5,00

*Os itens foram extraídos da Escala de Satisfação de Estudantes e Autoconfiança na Aprendizagem.4

DISCUSSÃO

A identificação das formas pelas quais os estudantes aprendem mais e melhor, a partir do que lhes motivam e que os tornam confiantes, pode ser uma evidência relevante para a melhoria da qualidade da formação e preparação do profissional enfermeiro em prol do mundo do trabalho atual em saúde.

Neste estudo, identificou-se que tanto os métodos tradicionais de ensino quanto a simulação promovem satisfação e autoconfiança na aprendizagem entre os estudantes de enfermagem. Embora tais sentimentos estejam presentes em ambas as estratégias, é relevante destacar que os estudantes do GE, em comparação aos do GC, apresentaram médias superiores na maioria das variáveis de ambas as subescalas do instrumento utilizado.

Os resultados deste estudo são compatíveis com outras pesquisas publicadas sobre esses fenômenos. Estudo envolvendo 79 estudantes da pós-graduação em enfermagem revelou que eles ficaram satisfeitos com as experiências de simulação, e a autoconfiança aumentou em todas elas.18

Outro estudo, desenvolvido com 117 estudantes de enfermagem na Arábia Saudita, mostrou que a simulação como estratégia para a educação clínica promove a satisfação dos alunos com a aprendizagem e melhora sua autoconfiança.19 Um estudo com 50 estudantes em um curso de liderança e gerenciamento de enfermagem mostrou que estes ficaram mais satisfeitos após a vivência em simulação, e sentiram-se mais confiantes diante das situações vividas após a experiência simulada. 20

Sobre o estudo com 199 estudantes do curso de graduação em enfermagem - que examinou a percepção sobre a sua satisfação e autoconfiança na simulação, usando simuladores de alta e média fidelidades e atores - concluiu que os pesquisados ficaram satisfeitos com a experiência e sentiram-se confiantes no seu desempenho.14

O estudante satisfeito fica mais motivado a aprender. A satisfação que as práticas simuladas geram no estudante gira em torno do experimentar diferentes realidades em um ambiente controlado e protegido. A partir da experimentação, este se sente mais proativo e o que foi vivido ganha significado. É possível também refletir sobre práticas, contextos, cenários, atitudes, e minimizar arestas do ponto de vista teórico e clínico. Logo, o estudante se sente mais autoconfiante. Autoconfiança é a possibilidade de demonstrar numa situação crença no sucesso, nos poderes, nas habilidades. A autoconfiança leva a bons resultados, organização do pensamento, ações, a autoeficácia.21-23

Na subescala de satisfação com a aprendizagem atual, em ambos os grupos, as variáveis 3 “Eu gostei do modo como meu professor ensinou por meio da simulação” e 4 “Os materiais didáticos utilizados nesta simulação foram motivadores e ajudaram-me a aprender” apresentaram média, desvio padrão, e moda semelhantes.4 Tais resultados evidenciam a satisfação dos estudantes quanto à condução da formação e à escolha dos recursos utilizados pelos pesquisadores. Além disso, pode ter relação com a postura e a condução da formação, em ambos os grupos, pelos pesquisadores da intervenção, no sentido de facilitar a aprendizagem de forma não enviesada.

No que se refere à autoconfiança, o GE apresentou médias superiores nas variáveis 6, 7, 8 9, 10 e 11. Essas variáveis estão relacionadas à busca pelo conhecimento, o desenvolvimento de habilidades, a responsabilidade, a ajuda, e outros fatores que favorecem o desenvolvimento de estudantes mais autoconfiantes.

A literatura aponta também que a simulação gera altos índices de autoeficácia quando comparada às estratégias tradicionais de ensino. Um estudo quase-experimental, realizado com 110 estudantes, visando formação em suporte básico de vida - que objetivou aferir o conhecimento e autoeficácia dos estudantes antes e após as intervenções educativas entre métodos tradicionais de ensino (apresentação PowerPoint e demonstração) e simulação de alta fidelidade -, identificou significância estatística e altos índices de autoeficácia no grupo da simulação em relação ao grupo com métodos tradicionais.24

A educação baseada em simulação de alta fidelidade pode ser componente importante na preparação dos estudantes visando uma transição bem-sucedida para a prática clínica. Além disso, esta contribui para a satisfação, conhecimento, confiança, competência e pensamento crítico do estudante. Por essas razões, as experiências simuladas podem ser uma opção para complementar os métodos tradicionais de educação em enfermagem.25

Corroborando com isso, um estudo quase-experimental do tipo pré-teste e pós-teste, envolvendo 91 estudantes de enfermagem de uma universidade da Singapura, mostrou que eles, após participarem de um curso de preparação para a prática profissional com 15 horas de duração e o uso da simulação, demostraram melhoria significativa nas avaliações pós-teste em relação ao estágio clínico de transição para a prática. Além disso, os participantes apresentaram elevados índices de satisfação com o aprendizado a partir da simulação.26

Há várias evidências de que, a partir da simulação, os estudantes aumentaram a satisfação, confiança e autoeficácia no contexto da graduação em enfermagem.3 Além disso, há também evidências de que a satisfação e a autoconfiança podem melhorar quando eles avançam de um ano para o outro a partir de experiências com a simulação.27 As estratégias, processos e/ou atividades que aumentam a confiança do estudante culminam em benefícios para a formação de enfermeiros melhor preparados.28

Sugere-se, aqui, que essa acumulação de conhecimentos e o amadurecimento por parte dos estudantes, com o ensino de situações simuladas, podem resultar em uma concentração de experiências nesse processo ensino-aprendizagem. Com isso, é possível desenvolver nesse estudante um olhar de pesquisador, pela capacidade de problematizar essas vivências e de elaborar propostas de melhorias do cuidado na prática, o que pode resultar em satisfação e autoconfiança.

No que diz respeito às médias referentes às variáveis 12 e 13 - ou seja, “Eu sei como usar atividades de simulação para aprender habilidades” e “É responsabilidade do professor dizer-me o que eu preciso aprender na temática desenvolvida na simulação durante a aula”, respectivamente -, os estudantes do GC apresentaram médias superiores (3,82 e 4,64) em relação ao GE (3,70 e 4,58).4

Sobre essas variáveis, em ambos os grupos, a moda foi 5, o que representa forte nível de concordância com as afirmações e ressalta a autonomia mínima dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo, sugere a relevância da facilitação do docente para guiá-los nos objetivos da aprendizagem. Essa autonomia pode ser traduzida como uma forma de autoconfiança.

É válido destacar também que a simulação é tão eficaz quanto os métodos tradicionais em ganhos cognitivos, desenvolvimento de habilidades, satisfação e autoconfiança. Dessa forma, pode ser aceito como um método efetivo de ensino laboratorial.29

Além disso, a simulação favorece o desenvolvimento de habilidades psicomotoras, habilidades sociais, criatividade, busca de informações, raciocínio, previsão, resolução de problemas, trabalho em equipe, avaliação, tomada de decisão, administração de medicação, priorização, conhecimento cognitivo relacionado ao conteúdo específico de enfermagem, pensamento crítico, colaboração, aprendizado clínico, desempenho de testes de alta pontuação e habilidades de comunicação.3

A simulação também é uma estratégia bastante citada no desenvolvimento de experiências interdisciplinares, para promover trabalho em equipe, colaboração, compreensão e comunicação. As pesquisas sugerem que a simulação melhora a comunicação interdisciplinar.3

É válido considerar que, no contexto da educação em enfermagem, o uso da simulação não é recente. Entretanto, somente nos últimos anos que se tem referências da inserção da simulação de alta fidelidade.15 Além disso, diversos fatores interferem na concretização da simulação no currículo de enfermagem, como, por exemplo, as jornadas de trabalho excessivas, o compromisso com a aprendizagem baseada em tecnologia, a especialização e o isolamento de docentes em áreas específicas e a falta de experiência no desenvolvimento de pesquisas.3

Neste estudo, os estudantes concordaram fortemente com a afirmação que sinaliza a responsabilidade deles perante o que precisam saber por meio da atividade de simulação. Porém, ao mesmo tempo em que afirmaram isso, apresentaram indecisão sobre a sua orientação em aprender habilidades a partir das atividades de simulação. Além disso, apontaram a responsabilidade do docente de guiá-los para a identificação dos objetivos da aprendizagem.

Na subescala de autoconfiança na aprendizagem, em relação à variável 134 “É responsabilidade de o professor dizer-me o que eu preciso aprender na temática desenvolvida na simulação durante a aula”, o GE apresentou média inferior ao GC (4,58 e 4,64, respectivamente). Tal dado pode ter relação com a estratégia do debriefing presente na simulação, pois, diferentemente das estratégias tradicionais de ensino, a simulação sugere a necessidade de reflexão do estudante acerca do conhecimento do cenário e suas ações.

Por essa razão, é importante destacar que a inserção da simulação na educação em enfermagem requer a criação de uma cultura de cooperação para o fortalecimento de capacidades técnicas entre os educadores.24 As parcerias e a cooperação entre as instituições de ensino e pesquisa parecem ser indispensáveis para o fortalecimento dessas capacidades.

É válido ressaltar que a satisfação com a aprendizagem pode ser influenciada pelos métodos de ensino utilizados, a forma como o docente ensina e conduz a aprendizagem e a motivação dos estudantes. Para tanto, o docente precisa conhecer diferentes formas de ensinar e aprender, compartilhar o conhecimento que possui conforme os objetivos da aprendizagem, apoiar os estudantes e estimulá-los a ir além.

A luta pela integração da simulação no currículo de enfermagem, a maximização de seu potencial, a avaliação de estudantes e da eficácia dessa estratégia têm sido uma atividade frequente por muitos educadores de enfermagem.3 Para que ganhem mais apoio, é preciso o desenvolvimento de pesquisas que elucidem o potencial da simulação em diferentes contextos e cenários no ensino de enfermagem. Espera-se que esse investimento melhore o ensino, as pesquisas nesta área e os resultados dos estudantes.3

Na perspectiva do ensino, espera-se que as abordagens utilizadas durante a formação possam contemplar e permitir a atuação de enfermeiros diante das exigências atuais do mundo do trabalho em saúde, da complexidade da vida e dos cuidados de enfermagem.

Do ponto de vista da pesquisa, é esperado que esta forneça evidências sólidas e contribua para a evolução da ciência da enfermagem, uma vez que a investigação em diferentes contextos de enfermagem contribui para a consolidação dessa ciência.30

Assim, espera-se que os estudantes satisfeitos e autoconfiantes sejam capazes de dominar os conteúdos que lhes são apresentados, desenvolvam competências e habilidades, estejam aptos a executar o que foi aprendido no ambiente clínico e mudem as realidades nas quais serão inseridos.

CONCLUSÃO

O estudo concluiu que tanto as estratégias tradicionais de ensino (aula expositiva e treino de habilidades) quanto a simulação promovem a satisfação e autoconfiança na aprendizagem dos estudantes. Não houve significância estatística na subescala de satisfação na aprendizagem (p valor ≥ 0,05) e a autoconfiança na aprendizagem (p valor ≥ 0,05). Entretanto, no estudo, o grupo experimental apresentou médias superiores na maioria das variáveis de ambas as subescalas. Por serem geradoras de satisfação e autoconfiança, a simulação e as estratégias tradicionais podem ser mútuas e cumulativamente utilizadas na formação em enfermagem.

A amostra (n=34) é uma das limitações do estudo. Em razão do longo período de acompanhamento dos participantes, as perdas foram inevitáveis. Além disso, a comparação do estudo com desenho e amostra semelhantes não foi possível. Ainda que constem limitações, este estudo contribui para preencher a lacuna existente na literatura no que se refere à identificação da satisfação e autoconfiança na aprendizagem de estudantes, a partir da comparação entre diferentes estratégias de ensino e aprendizagem.

Os pesquisadores sugerem que a simulação seja acrescentada no currículo de graduação em enfermagem como uma estratégia complementar às demais existentes, sobretudo no ensino de tópicos relacionados à Atenção Primária à Saúde, em que os estudos e experiências referentes à simulação ainda são incipientes. Além disso, estimula-se que as instituições promovam melhorias na infraestrutura de laboratórios e na capacitação do corpo docente para trabalhar com a estratégia da simulação.

REFERÊNCIAS

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