versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.35 supl.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 19-Ago-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00130819
Desde seu primeiro volume, em 1985, CSP publicou dois fascículos temáticos que abordaram a temática da saúde dos povos indígenas 1,2. Passados 18 anos desde o último, este terceiro temático apresenta um conjunto de artigos que abordam, de forma específica, questões ligadas à saúde da criança e do adolescente indígena no Brasil e na América Latina.
Ao longo das duas últimas décadas houve uma reestruturação do sistema de atenção à saúde indígena no Brasil, o que levou a avanços importantes nas políticas públicas sociais e de saúde direcionados a estes povos. A despeito de todas as dificuldades na implementação do subsistema e a permanência de indicadores de saúde desfavoráveis, é inegável que temos hoje participação ativa dos próprios indígenas nos espaços e nas lutas pelos seus direitos no campo da saúde.
No plano acadêmico-científico, as últimas décadas foram marcadas por um aumento significativo nas pesquisas sobre saúde indígena no Brasil, o que tem incluído análises de bancos de dados oficiais e a realização de inquéritos populacionais com a geração de dados primários, dentre outras perspectivas de investigação. Ainda que persistam lacunas, há hoje a possibilidade de se debater a saúde dos povos indígenas sob uma ótica mais específica, tanto em contextos locais quanto nacionais. Se os dois fascículos temáticos anteriores sobre saúde indígena publicados por CSP foram de caráter geral, o acúmulo de conhecimento e experiências ao longo do tempo permite atualmente dar um passo mais além. Nesse sentido, o conjunto de estudos aqui reunidos aborda questões de saúde de segmentos etários específicos e suas particularidades, trazendo assim um caráter inovador e interdisciplinar dos temas mais recentes sobre a saúde da criança e do adolescente indígena.
O desafio de se trabalhar esta temática é revestido de complexidades pelo panorama de saúde dos povos indígenas no Brasil e na América Latina em geral, caracterizado por elevadas cargas e sobreposições de doenças e altas taxas de mortalidade associadas às mudanças socioeconômicas, políticas e ambientais, ocorridas de formas e velocidades diferentes ao longo do tempo 3,4,5,6,7. Em consonância com esse cenário, estudos internacionais evidenciam grandes disparidades entre a saúde dos indígenas quando comparados aos não indígenas, incluindo a América Latina 8.
Este Suplemento é composto por um conjunto de artigos que, além de destacar marcantes iniquidades em saúde, discutem uma ampla gama de aspectos relevantes no campo da saúde coletiva. Nesse sentido, há contribuições sobre agravos em saúde cuja ocorrência tem se destacado nesse segmento etário, como transição nutricional, violência e suicídio. Além de análises no campo da antropologia voltadas para a temática da saúde da mulher indígena, a questão do pré-natal é também abordada neste temático. Diversos estudos baseados em dados primários e secundários trazem um panorama atual na América Latina da persistência de altas taxas de mortalidade e de morbidade por doenças infecciosas e parasitárias entre crianças e adolescentes indígenas.
Portanto, este Suplemento buscou apresentar diferentes perspectivas da saúde de crianças e adolescentes indígenas da América Latina, tornando o debate visível para a sociedade e fortalecendo a discussão de desigualdades e iniquidades em saúde no Brasil e América Latina. O atual contexto político e socioeconômico da América Latina traz riscos reais a garantias dos direitos dos povos indígenas, o que já está ocasionando repercussões diretas na saúde e nos perfis de morbimortalidade infantil. Que esta leitura propicie reflexões acerca da importância dos diversos níveis de atenção à saúde oferecidos aos povos indígenas, respeitando sempre suas particularidades e aspectos culturais.