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Saúde: desigualdades, vulnerabilidade e políticas públicas

Saúde: desigualdades, vulnerabilidade e políticas públicas

Autores:

Élida Azevedo Hennington,
Mônica Martins,
Simone Monteiro

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.5 Rio de Janeiro maio 2020 Epub 08-Maio-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020255.06422020

O número temático “Saúde: desigualdades, vulnerabilidades e políticas públicas” teve como objetivo discutir a temática e também dar visibilidade à produção científica dos programas de pós-graduação em saúde coletiva stricto sensu, fomentando a publicação discente-docente. Fomos surpreendidas pela robusta resposta da comunidade científica com a submissão de 262 artigos, o que impôs novos critérios de seleção dos textos: limitação de um artigo por autor e priorização dos oriundos de programas brasileiros da área de saúde coletiva. Estamos cientes de possíveis perdas de artigos de interesse, mas deste modo foi possível compor um painel abrangente da produção nacional sobre a temática.

Na abertura do número contamos com a importante contribuição das pesquisadoras da CEPAL1 que apontam questões preocupantes no cenário latino-americano, como o aumento da pobreza, deterioração dos indicadores relacionados ao mercado de trabalho e estagnação na redução da desigualdade de renda a partir de 2015.

Os 25 artigos restantes compõem um mosaico que abrange produções de programas de pós-graduação das cinco regiões do país e reflexões com recorte de raça, gênero, etnia e orientação sexual. Os temas abordados foram diversos: nutrição, saúde indígena, saúde e trabalho, atenção primária, dengue e zika, drogas, mortalidade, homicídios, aborto, violência sexual, cuidado, desempenho e gestão em saúde, iniquidade e pobreza. Foram enfocadas populações em situação de vulnerabilidade: adolescentes, mulheres apenadas, LGBTT, refugiados, negros e trabalhadores. Há abordagens quanti e qualitativa: estudos epidemiológicos, geoprocessamento, estudo de caso, etnografia, revisões e ensaios.

Em recente e premiada tese, Souza2 adverte que, para analisar a história da desigualdade no Brasil, é preciso olhar para o topo, onde se concentra a maior parte da renda do país. O autor evidencia a relação entre mais democracia e menos desigualdade, ligada à presença de um conjunto de determinantes combinados: mecanismos rápidos como guerras e forte regulação da economia e mecanismos lentos como expansão da educação, emprego feminino, proteção ao trabalho, regulação do setor financeiro e reforma tributária. No Brasil, historicamente, a desigualdade sempre foi muito alta com algumas oscilações que variaram de quedas lentas a elevações bruscas. Depois da II Guerra Mundial a concentração da renda cai lentamente apesar do crescimento econômico, mas se altera bruscamente na ditadura militar (1964-1968), quando se dá “uma das mais rápidas elevações da desigualdade”3 no país. Na década de 1990 nota-se nova tendência de queda lenta e constante; mas, na segunda metade dos anos 2000, apesar da queda da desigualdade na base da distribuição, a posição dos ricos se manteve3. Hoje, a concentração de renda entre os ricos assume cifras assustadoras: 1% mais rico recebe quase 25% da renda nacional2.

Diante das desigualdades no Brasil que cimentam um contexto de vulnerabilidades em saúde, cabe a nós ajudar a combatê-las, por meio de reflexões, ações e políticas e, especialmente, da defesa intransigente da democracia e do SUS. A partir das resistências, intervenções e políticas sinérgicas de proteção social, possíveis numa sociedade democrática, talvez possamos assumir o desafio de inventar uma “receita inédita”2 na qual a redução da desigualdade a níveis aceitáveis seja prioridade política e objetivo a ser atingido sem grandes tragédias, fruto de um novo contrato social rumo à construção de uma sociedade mais justa e feliz.

REFERÊNCIAS

1 Abramo L, Cecchini S, Ullman H. Enfrentar la desigualdad em salud en América Latina: el rol de la protección social. Cien Saude Colet 2020; (5):1587-1598.
2 Souza PHCF. Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. São Paulo: Hucitec/Anpocs; 2018.
3 Medeiros M. Prefácio. In: Souza PHCF. Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. São Paulo: Hucitec/Anpocs; 2018. p. 13-17.