versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.24 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201600020133
The health and nutrition status of Brazilian children is still worrying. This study aimed to characterize the morbidity and nutritional profile of children assisted in public daycare centers in the city of Campina Grande, Paraíba.
This is a descriptive study of prevalence in a probabilistic sample of 299 children. Data on the socio-demographic condition (age, sex, area of residence, benefit from social programs), nutritional status (birth weight, height/age, weight/height, weight/age, micronutrients nutritional status), family food security of situation and health (health problems in the last 15 days, signs of subclinical infectious processes, eosinophilia, parasitism) of children were collected.
The most frequent anthropometric deviations were stunting (7.0%) and overweight (8.3%). Food insecurity was found in 68.9% of families. Anemia was found in 16.97% of children and zinc deficiency in 13.28%. Children presented high frequency of health problems in the last 15 days reported by the mother (68.6%), eosinophilia (65.5%), parasitism (82.7%) and poly-parasitism (46.4%).
Children assisted in daycare centers presented infectious diseases and nutritional deficiencies during epidemiologic transition predominance periods. Food insecurity stands out in the food and nutrition status, with significant prevalence of stunting and overweight.
Keywords: child day care centers; body height; overweight; anemia; zinc deficiency
As melhorias ocorridas na saúde de mães e de crianças no Brasil evidenciam como o país evoluiu em termos de determinantes sociais e de sistemas e condições de saúde1-3. Apesar desses progressos, desafios importantes, como as altas frequências de nascimentos pré-termo1, de doenças infecciosas4, de excesso de peso e de doenças crônicas não transmissíveis5, ainda persistem.
No contexto da nutrição infantil, existem ainda problemas que estão relacionados ao déficit de estatura e às carências de micronutrientes, e que devem considerar tanto as características epidemiológicas desses agravos quanto as consequências negativas na saúde e desenvolvimento humano, caracterizando problemática importante de saúde pública1. Esses agravos apresentam-se acompanhados do aumento nos casos de excesso de peso e associados aos processos infecciosos na infância6-9. Inclusive resultados de pesquisas nacionais10-12 sustentam a problemática derivada dos indicadores de nutrição infantil.
Dessa forma, o Brasil insere-se em uma atualidade caracterizada pela emergência de novos problemas de saúde e pela persistência de outros antigos sem adequadas medidas de enfrentamento. Nesse contexto, predominam disparidades socioeconômicas e regionais, além de importantes mudanças decorrentes do processo de urbanização que sinalizam oportunamente a necessidade de se continuar avançando na melhoria da condição de vida de grande parte da população2,3,9.
Nessa conjuntura, as crianças assistidas em creches representam um grupo com exposições de risco à saúde coligado à condição socioeconômica13,14, e os indicadores de saúde e de nutrição infantil são referências fundamentais sobre as condições de vida1,15.
O presente estudo tem como objetivo caracterizar o perfil nutricional e de morbidade das crianças assistidas em creches públicas do município de Campina Grande, na Paraíba.
Trata-se de um estudo descritivo de prevalência integrado ao projeto “Saúde e nutrição das crianças assistidas em creches públicas do município de Campina Grande, Paraíba”. A coleta de dados aconteceu no período de outubro a novembro de 2011, em creches públicas do município de Campina Grande, no Estado da Paraíba, pertencentes à Secretaria Municipal de Educação. Ao todo funcionavam, no momento da coleta de dados, 25 creches – 23 na zona urbana e 2 na zona rural – em bairros distintos do município, situadas, geralmente, em áreas carentes. De acordo com a faixa etária, 8 creches apresentavam atendimento em berçário (entre 4 e 20 meses) e 17 atendiam apenas a crianças maiores de 20 meses. Assim, do total de crianças atendidas, 93% tinham 24 meses ou mais de idade.
O universo de estudo foi de 2.749 crianças devidamente cadastradas e frequentando as creches, assim distribuídas: 2.473 na zona urbana e 276 na zona rural, com 199 atendidas em berçário. A população elegível incluiu todas as famílias, exceto aquelas com crianças gêmeas ou adotadas e com mães com idade inferior a 18 anos. Esses critérios de exclusão foram estabelecidos considerando a oportunidade de separar a contribuição desses fatores no crescimento das crianças: no caso da gemelaridade, como meio de distinguir entre os efeitos de tendências recebidas no nascimento e aquelas impostas pelo ambiente; no caso da adoção, devido às possíveis diferenças em traços comportamentais/psicológicos; no caso da idade materna inferior a 18 anos, por suas possíveis consequências em termos de complicações no estado de saúde e de nutrição do filho. Além disso, foram excluídos os casos de crianças com problemas físicos que dificultassem a avaliação antropométrica. Em situações em que havia crianças com irmãos matriculados nas creches, uma delas foi sorteada para o estudo.
O cálculo para estimar o tamanho da amostra baseou-se no procedimento para descrição da proporção. Considerou-se uma prevalência estimada (p) de déficit de estatura em crianças menores de 5 anos de 7%10, um erro amostral (d) de 3% e um nível de confiança de 95% (Zα2=1,962), utilizando a Fórmula 1:
O valor calculado (252) foi acrescido em 10% para perdas e recusas, com efeito de delineamento amostral de 1,2, perfazendo uma amostra de 335 sujeitos. Tamanhos amostrais proporcionais foram considerados para o estudo de crianças segundo a zona de localização da creche (urbana e rural), a idade da criança (menores de 2 anos e com 2 anos ou mais) e o porte da creche (pequeno: 60-79 crianças; mediano: 80-99 crianças; grande: 100 ou mais crianças).
Para a seleção da amostra, 14 creches foram selecionadas por sorteio aleatório simples, das quais uma foi selecionada entre as localizadas na zona rural, e duas, entre aquelas com atendimento de berçário. Posteriormente, com posse da lista das crianças assistidas nas creches, foram selecionadas de forma sistemática: 15 crianças de 24 meses ou mais por creche de pequeno porte (3 creches), 20 por creche de mediano porte (3), 25 por creche de grande porte (5) e 35 na creche sorteada da zona rural. Em cada uma das sorteadas com atendimento de berçário, foram selecionadas 35 crianças menores de 2 anos.
A coleta de dados contou com a participação de uma equipe treinada, composta por professores e por alunos de graduação da área de saúde ou áreas correlatas. No que se refere a este estudo, foram contempladas informações sobre as crianças a respeito das condições sociodemográficas (idade, sexo, zona de residência, benefício do Programa Bolsa Família); nutricionais (peso ao nascer, estatura/idade, peso/estatura, peso/idade, estado nutricional de ferro, estado nutricional de zinco); de segurança alimentar e nutricional familiar; de saúde (problemas de saúde nos últimos 15 dias, sinais de processos infecciosos subclínicos, eosinofilia, parasitismo).
A data de nascimento, o sexo e o peso ao nascer foram retirados da caderneta de saúde das crianças. As informações sobre a zona de residência, o benefício do Programa Bolsa Família e os problemas de saúde nos últimos 15 dias foram obtidas por meio de um questionário estruturado aplicado às mães das crianças, no qual, para este último item, foram questionadas a necessidade de levar a criança a um atendimento no serviço de saúde e a presença de sinais e sintomas, considerando a ocorrência de diarreia, febre, vômitos, tosse e verminose. A pergunta foi realizada com alternativas de respostas “sim” ou “não”, admitindo-se resposta positiva na presença de alguma das condições consideradas. A idade da criança foi calculada em meses, mediante a diferença entre as datas de entrevista e de nascimento.
As crianças menores de 2 anos tiveram o comprimento medido por meio de antropômetro infantil de madeira (Alturexata®) com amplitude de 130cm e subdivisões de 0,1cm. As que tinham 2 anos ou mais tiveram a altura medida por meio de estadiômetro (WCS®) com amplitude de 200cm e subdivisões de 0,1cm. Todas as crianças foram pesadas em balança eletrônica do tipo plataforma com capacidade para 150kg e graduação em 100g (Tanita UM-080®). Na pesagem, foi permitida apenas uma peça íntima leve, mas, no caso de crianças que usavam fraldas, estas foram retiradas. O peso de crianças de colo foi calculado pela diferença entre o peso da mãe com a criança no colo e o da mãe sozinha. As medições de estatura foram realizadas em duplicata, aceitando-se variação máxima de 0,3mm, e de acordo com normas técnicas padronizadas, obedecendo aos procedimentos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)16. A medida final resultou da estimativa da média das duas medições.
Os escores-Z de estatura/idade, peso/estatura e peso/idade foram calculados com o programa WHO Anthro 2009. Tomou-se como referência a população do Multicentre Growth Reference Study, atualmente recomendado pela OMS17, classificando as crianças com: déficit de estatura, se índice estatura/idade <–2 escore-Z; déficit de peso, se peso/estatura <–2 escore-Z; déficit de peso/idade, se peso/idade <–2 escore-Z; sobrepeso, se peso/estatura >2 escore-Z; excesso de peso/idade, se peso/idade >2 escore-Z16.
Para a avaliação da segurança alimentar e nutricional, foi utilizada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). As famílias foram classificadas em quatro categorias, considerando a quantificação do total de respostas afirmativas na escala: (a) segurança alimentar para 0 resposta positiva; (b) insegurança alimentar leve para 1-5 respostas positivas; (c) insegurança alimentar moderada para 6-10 respostas positivas; (d) insegurança alimentar grave para 11-15 respostas positivas18.
Técnicos com experiência na coleta de sangue em crianças colheram 6mL de sangue por punção venosa periférica, usando material descartável. O soro foi separado por centrifugação a 3.000 rpm, por um período de 10 a 15 minutos, e as amostras, congeladas posteriormente19. Tubos com anticoagulante K3EDTA foram utilizados para as amostras de hemoglobina, e tubos transparentes “trace free”, para as amostras de zinco no soro.
As concentrações de hemoglobina foram determinadas em contador automático (Sysmex SF-3000, Roche Diagnóstica) conforme orientações do fabricante. Valores de hemoglobina <110g/L foram utilizados para indicar anemia20. As concentrações séricas de zinco foram determinadas por espectrofotometria de absorção atômica de chama, empregando Espectrofotômetro Analyst 300 (Perkin-Elmer Norwalk, Ct, EUA), modelo 3100, a uma longitude de onda de 213nm e com ar-acetileno21. Consideraram-se concentrações de zinco sérico <65µg/dL para indicar deficiência de zinco22. A presença de infecção subclínica foi avaliada por meio da determinação da proteína C reativa (PCR), pela técnica imunoturbidimétrica (Cobas Fara Analyzer, Roche Products, Welwyn, UK), segundo orientações do fabricante. Valores de PCR ≥6mg/L foram utilizados para a identificação de infecção subclínica23. A contagem automatizada por laser condutor foi empregada para avaliar eosinófilos, tendo como valor referência 0 a 7%.
As dosagens de hemoglobina, PCR e eosinófilos foram realizadas no Laboratório de Análises Clínicas da Universidade Estadual da Paraíba, enquanto as dosagens de zinco sérico, no Instituto Hermes Pardini.
A investigação de parasitoses foi realizada por exame parasitológico de fezes, no qual se coletou uma amostra – analisada pelo método de Hoffman, Pons e Janer (sedimentação espontânea)24 – de cada criança. Para coleta do material fecal, foram utilizados frascos com conservantes rotulados com o nome da criança e a data da coleta. A leitura da lâmina foi realizada em microscopia óptica comum com aumentos de 100 e 400 vezes. Crianças com mais de um parasita foram diagnosticadas com poliparasitismo.
Com o objetivo de assegurar a validação da digitação, os dados foram digitados com dupla entrada no programa Excel. Após, os dois bancos de dados foram cruzados com a utilização do aplicativo Validate, do programa Epi Info v. 6.04b, possibilitando, assim, verificar a consistência dos dados e gerando o banco final que foi usado para análise estatística. Os cálculos de frequência foram realizados por meio do programa Rv2.10.0.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba sob o nº 0050.0133.000-11. Todas as mães cujas crianças foram avaliadas e as diretoras das creches assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os resultados da pesquisa foram divulgados nas instâncias pertinentes por meio de encontros com os dirigentes da Secretaria Municipal de Educação do município e com os pais ou responsáveis pelas crianças. A divulgação compreendeu o diagnóstico do município, por creche e por criança. Os pais ou responsáveis pelas crianças receberam uma ficha individual com informações sobre a condição de saúde e a nutrição da criança. Com base nesse diagnóstico, eles foram orientados em questões de alimentação, nutrição e saúde. Para esses fins, elaboraram-se diversos materiais de educação alimentar e nutricional compreendendo questões sobre alimentação saudável, nutrição, baixo peso, sobrepeso, baixa estatura, anemia, deficiência de zinco e parasitoses. As mães das crianças diagnosticadas com problemas nutricionais e de saúde foram orientadas a procurar atendimento na sua unidade de saúde para o recebimento dos devidos cuidados e das orientações de tratamento. Os técnicos da Secretaria Municipal de Educação e os diretores das creches também participaram de ações similares. As atividades descritas foram desenvolvidas como parte de um projeto de extensão universitária.
Do universo de 2.749 crianças, 2.633 foram consideradas elegíveis para o estudo. Foram excluídas 60 por serem gêmeas, 38 por serem adotadas, 8 por serem de mães menores de 18 anos e 10 por apresentarem problemas físicos que comprometeriam a avaliação antropométrica. Em 14 casos, as crianças sorteadas não compareceram à creche ou não estavam acompanhadas pela mãe no dia da coleta de dados. Além disso, 13 mães recusaram participar da pesquisa e em 9 crianças foi impossível realizar a avaliação antropométrica, totalizando, dessa forma, 299 crianças para o estudo.
A Tabela 1 apresenta a distribuição das crianças segundo características sociodemográficas, com maior proporção de crianças com 24 meses ou mais (83,9%) e que residiam na zona urbana (92,3%). Observou-se também que 26,1% das crianças eram de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Tabela 1 Distribuição percentual das características sociodemográficas de crianças assistidas em creches públicas, em Campina Grande, na Paraíba, 2011
Características das crianças | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Idade (meses) 9-24 ≥24 |
48 251 |
16,1 83,9 |
14,7-17,9 80,2-85,3 |
Sexo Masculino Feminino |
164 135 |
54,8 45,2 |
53,1-57,6 44,2-47,8 |
Zona de residência Rural Urbana |
23 276 |
7,7 92,3 |
6,0-8,6 90,1-94,2 |
Benefício do Programa Bolsa Família? Sim Não |
78 221 |
26,1 73,9 |
23,3-28,4 70,7-75,6 |
IC95% = Intervalo de confiança de 95%
As prevalências de déficits antropométricos, conforme Tabela 2, foram de 6,6% de baixo peso ao nascer, 7% de baixa estatura, 0,7% de baixo peso e 2,3% de déficit de peso/idade. O sobrepeso atingiu 8,3% das crianças. Quarenta e seis crianças (17%) foram diagnosticadas com anemia, e 36 (13,3%), com deficiência de zinco. A insegurança alimentar e nutricional, por sua vez, foi constatada em 68,9% das famílias, predominando a categoria leve (35,8%) e moderada (22,4%).
Tabela 2 Distribuição percentual das características relacionadas ao estado nutricional de crianças assistidas em creches públicas, em Campina Grande, na Paraíba, 2011
Características das crianças | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Peso ao nascer (g)*
Baixo peso (<2.500) Peso adequado |
19 269 |
6,6 93,4 |
5,5-7,1 90,2-95,6 |
Estatura/idade (escore-Z) Déficit de estatura (<–2) Estatura adequada (≥–2) |
21 278 |
7,0 93,0 |
5,9-7,8 91,2-96,3 |
Peso/estatura (escore-Z) Déficit de peso (<–2) Sobrepeso (>2) Peso adequado (entre –2 e 2) |
2 25 272 |
0,7 8,3 91,0 |
0,0-2,1 7,3-9,6 86,7-93,6 |
Peso/idade (escore-Z) Déficit de peso/idade (<–2) Excesso de peso/idade (>2) Peso/idade adequado (entre –2 e 2) |
7 15 277 |
2,3 5,0 92,7 |
1,6-3,8 3,9-7,9 90,2-95,6 |
Segurança alimentar e nutricional familiar Segurança alimentar Insegurança alimentar leve Insegurança alimentar moderada Insegurança alimentar grave |
93 107 67 32 |
31,1 35,8 22,4 10,7 |
28,7-33,8 31,7-37,8 20,6-25,6 8,7-11,8 |
Hemoglobina (g/dL)**
Anemia (<110) Estado nutricional de ferro adequado (≥110) |
46 225 |
17,0 83,0 |
14,8-19,4 80,0-85,8 |
Zinco no soro (µg/dL)**
Deficiência de zinco (<65) Estado nutricional de zinco adequado (≥65) |
36 235 |
13,3 86,7 |
11,6-14,7 82,1-88,9 |
IC95% = Intervalo de confiança de 95%;
*Valores diferem do total devido às perdas na categoria de análise;
**Valores diferem do total devido às perdas na categoria de análise (n=4) e às exclusões das crianças com infecção subclínica (n=23);
Prevalências similares sem a exclusão das crianças com infecção subclínica: 17,35% de anemia e 13,27% de deficiência de zinco
Em relação à situação de saúde, as crianças apresentaram altas frequências de problemas de saúde nos últimos 15 dias reportados pela mãe (68,6%) e de eosinofilia (65,5%). A presença de processos infecciosos subclínicos foi detectada em 9% das crianças (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição percentual das características relacionadas à situação de saúde de crianças assistidas em creches públicas, em Campina Grande, na Paraíba, 2011
Características das crianças | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Problemas de saúde nos últimos 15 dias? Sim Não |
205 94 |
68,6 31,4 |
65,8-70,2 29,4-33,7 |
Processos infecciosos subclínicos?*
Sim Não |
23 233 |
9,0 91,0 |
7,2-10,8 88,5-94,6 |
Eosinofilia? Sim Não |
196 103 |
65,5 34,5 |
60,9-68,9 31,2-35,6 |
IC95% = Intervalo de confiança de 95%;
*Valores diferem do total devido às perdas na categoria de análise
Em relação às prevalências de parasitose, destacam-se as maiores taxas de protozoários e de alguns parasitas específicos, como giardia lamblia e entamoeba. Iodamoeba butschlii, trichuris trichiura e enterobius vermicularis apresentaram baixas prevalências. O parasitismo e o poliparasitismo tiveram prevalências de 82,7 e 46,4%, respectivamente (Tabela 4).
Tabela 4 Prevalências de parasitoses intestinais de crianças assistidas em creches públicas, em Campina Grande, na Paraíba, 2011
Parasitose intestinal | Parasitados | Prevalência (%) | |
---|---|---|---|
Pontual | IC95% | ||
Ascaris lumbricoides | 41 | 16,5 | 11,9-21,2 |
Trichuris trichiura | 2 | 0,8 | 0,0-1,9 |
Enterobius vermicularis | 2 | 0,8 | 0,0-1,9 |
Entamoeba coli | 110 | 44,4 | 38,1-50,6 |
Entamoeba histolytica | 106 | 42,7 | 36,5-48,9 |
Iodamoeba butschlii | 1 | 0,4 | 0,0-1,2 |
Endolimax nana | 28 | 11,3 | 7,3-15,3 |
Giardia lamblia | 95 | 38,3 | 32,2-44,4 |
Protozoários | 198 | 79,8 | 74,8-84,9 |
Helmintos | 42 | 16,9 | 12,2-21,6 |
Parasitose | 205 | 82,7 | 78,9-84,2 |
Poliparasitose | 115 | 46,4 | 44,1-49,4 |
IC95% = Intervalo de confiança de 95%
Os achados deste estudo mostraram prevalências expressivas de baixa estatura, sobrepeso, insegurança alimentar, anemia, deficiência de zinco e parasitismo entre crianças assistidas em creches. Além disso, a prevalência de baixo peso ao nascer (6,6%) está em sintonia com a evidenciada para o país (6,1%) na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 200610.
O peso ao nascer, além de refletir as condições intrauterinas durante o período gestacional, representa um importante preditor do crescimento infantil. Também é o fator individual de maior influência na saúde e sobrevivência da criança, bem como associa-se a complicações crônicas a partir da adolescência25-28. No contexto do processo de transição epidemiológica, é importante ressaltar que as prevalências de baixo peso ao nascer expressam a influência dos avanços tecnológicos na atenção perinatal, a qual favorece a sobrevivência de crianças prematuras com baixo peso no nascimento. A prematuridade, associada às influências típicas de fatores socioeconômicos desfavoráveis, como a instrução materna, contribui na manutenção de prevalências ainda preocupantes de baixo peso ao nascer25-27. Apesar de os resultados dos estudos mostrarem uma distribuição espacial do baixo peso no nascimento com maiores prevalências nas regiões mais desenvolvidas25,28, as taxas encontradas neste estudo indicam frequências que também precisam de atenção.
A situação nutricional encontrada no presente estudo, com prevalência de déficit nutricional para os índices peso/estatura e peso/idade de 0,6 e 2,34%, respectivamente, reflete o quadro epidemiológico do próprio país, considerando as prevalências de desnutrição de 1,4% (peso/estatura) e de 1,9% (peso/idade) da PNDS de 200610. Essas baixas prevalências apontam na mesma direção de outros estudos realizados no Brasil, como na cidade de São Paulo (déficit de peso/estatura=0,9% e déficit de peso/idade=3,1%)29, em Paula Cândido, no Estado de Minas Gerais (déficit de peso/estatura=1% e déficit de peso/idade=2%)30, e em Feira de Santana, na Bahia (déficit de peso/estatura=0,5%)31. Esses resultados refletem claramente um gradativo desaparecimento da desnutrição pelo índice peso/estatura e uma redução considerável desse distúrbio nutricional expressa pelo índice peso/idade, inclusive em populações mais vulneráveis como a do presente estudo.
No entanto, descrevem-se no Brasil prevalências de excesso de peso indicativas de um comportamento epidêmico de saúde na população infantil32. A proporção de crianças usuárias de creches do presente estudo com excesso de peso/estatura (8,36%) foi superior à reportada na PNDS10 para as crianças brasileiras menores de 5 anos (7,3%), bem como em relação à região Nordeste (7,1%). Nota-se ainda que a taxa de sobrepeso encontrada nesta pesquisa foi superior às encontradas em outros estudos realizados com crianças assistidas por creches públicas no Nordeste do Brasil33,34, bem como de estudos cujo cenário não foi especificamente o contexto escolar30,35. Porém prevalências concordantes ou maiores que as do presente estudo foram reportadas entre crianças nordestinas, tanto as assistidas em creches32,36 quanto as de base populacional31,37. Assim, evidencia-se a problemática do sobrepeso nas crianças brasileiras, inclusive institucionalizadas, contrastando com a diminuição do déficit de peso.
Apesar da diminuição da desnutrição aguda no Brasil, acompanhada de um aumento do sobrepeso, o déficit de estatura continua sendo um problema com proporção maior do que a de populações bem nutridas1. A persistência da baixa estatura nas crianças brasileiras mostra-se tanto em estudos de âmbito nacional10,12 quanto em estudos pontuais com amostras representativas de diferentes cenários.7,30,33,35,36,38-41 Essa situação converge com a da maioria dos países em desenvolvimento42. Esses resultados apontam a necessidade de se dar continuidade às ações de prevenção no sentido de novos avanços em relação à diminuição desse agravo. Nesse contexto, é importante destacar o reconhecimento de que no Brasil as melhoras nas condições socioeconômicas e de saúde têm sido apontadas como os principais fatores envolvidos na evolução positiva da estatura infantil43-45. Desse modo, assume-se que a manutenção do déficit de estatura entre as crianças brasileiras caracteriza-se por desfavorecer os contextos socioeconomicamente vulneráveis, sob os quais as medidas de prevenção devem centrar a atenção.
No contexto dos indicadores antropométricos, deve ser considerado que os dados de comparação de âmbito nacional utilizados são de dez anos atrás10, ou de sete para o caso do déficit de estatura12. Essa situação é preocupante, pois uma década pode ser suficiente para a alteração do perfil antropométrico das crianças, principalmente na situação de rápidas mudanças ou de transição que acompanham o mundo moderno, imprevisível e ameaçador46.
Neste estudo chama atenção também as discrepâncias entre as prevalências de insegurança alimentar e de desvios antropométricos. Resultados similares foram mostrados por outros pesquisadores36,47-49. Nesse sentido, é importante ressaltar que a interpretação de tais dados, mais do que enfocar possíveis discrepâncias, deve considerar a relevância de se considerar a segurança alimentar como indicador da situação alimentar e nutricional. A insegurança alimentar apresenta características próprias, tendo nos indicadores antropométricos informações complementares e expressão das suas consequências, em um quadro antropológico e epidemiológico no qual pobreza, fome e desnutrição constituem problemas, ao mesmo tempo, próximos e distintos48-50.
No que se refere às deficiências de micronutrientes, o país conta com estimativas de âmbito nacional da PNDS de 200611 que indicam prevalências de anemia em crianças pré-escolares de 20,9%, e a maior taxa é de 25,5% na região Nordeste. É consenso na literatura que a anemia constitui a principal carência nutricional das crianças brasileiras, com prevalências maiores que as nacionais em muitas localidades do país51-53 e no grupo de crianças que frequentam creches54. Ainda que a prevalência encontrada no presente estudo não seja tão alta, segundo a classificação epidemiológica da OMS55, o problema pode ser considerado de saúde pública moderado. Resultados de outros estudos em crianças assistidas em creches56,57, assim como os de âmbito nacional11, que utilizaram como método a dosagem de hemoglobina em sangue capilar e a medição por meio de hemoglobinômetro portátil, indicam prevalências de anemias superiores às encontradas no presente trabalho. Esses dados sugerem a possibilidade de prevalências de anemia enviesadas, valorizando-se a utilização de determinação de hemoglobina por sangue venoso.
Informações populacionais sobre a deficiência de zinco não estão disponíveis no Brasil1. Apesar disso, estudos sugerem um risco moderado de deficiência de zinco para a população brasileira58, o que corresponde ao nível encontrado no presente estudo.
As altas frequências de problemas de saúde nos últimos 15 dias, relatados pelas mães das crianças deste estudo, e de eosinofilia diagnosticadas podem ser interpretadas como decorrência da infecção parasitária. As parasitoses, tanto por helmintos quanto por protozoários, constituem uma das causas mais comuns de eosinofilia ocasionada por processos inflamatórios que podem acompanhar tais infecções parasitárias59. A resposta de fase aguda, por sua vez, pode ser, similarmente, decorrente, dentre outros fatores, de processos infecciosos60, sustentando a frequência de processos infecciosos subclínicos de 9% entre as crianças estudadas.
Tomando como referência o Sistema Único de Saúde (SUS), foi publicada, recentemente, uma série de artigos sobre a situação de saúde no Brasil. Relacionado ao contexto das doenças infecciosas, estas, em um dos artigos, são categorizadas como um problema de saúde pública durável, apesar das conquistas na redução do número de mortes causadas por essas doenças4. Em relação às enteroparasitoses, pesquisadores destacaram, em estudo de revisão, que elas ainda constituem um relevante problema de saúde pública no Brasil, afetando desproporcionalmente populações desfavorecidas do ponto de vista socioeconômico e de saneamento ambiental61.
Segundo a literatura, a vulnerabilidade a doenças infecciosas e parasitárias também é uma realidade entre as crianças assistidas em creches. Estudo recente de revisão concluiu que há um maior risco do desenvolvimento de parasitoses intestinais nas crianças institucionalizadas quando comparadas a crianças não institucionalizadas13. Os resultados do presente estudo convergem com essa realidade e servem de alerta sobre a continuidade do problema. Nesse contexto, cabe destacar tanto a alta prevalência de enteroparasitismo quanto de poliparasitismo, com taxas mais expressivas para os protozoários e para alguns específicos como giardia lamblia e entamoeba, dados que também concordam com a atual literatura13,61-64.
Essa conjuntura mostra que, no processo de transição nutricional do Brasil, o aumento das doenças crônicas não transmissíveis coexiste com a persistência das doenças infecciosas9, expressando a urgência de medidas que impactem diretamente nessa problemática, como melhorias no abastecimento de água, saneamento e higiene, bem como a prevenção de distúrbios nutricionais (déficits de estatura e de micronutrientes), que resultem no ciclo desnutrição-infecção13,45,65,66.
Os resultados do presente estudo mostram as prevalências de diversos agravos importantes sobre a saúde e a nutrição de crianças pré-escolares brasileiras, como a manutenção de doenças infecciosas e as carências nutricionais, em um período em que se predomina o processo de transição epidemiológica. A insegurança alimentar e nutricional destaca-se como predominante da situação alimentar e nutricional entre as famílias estudadas, com importantes prevalências de baixa estatura e de sobrepeso. Tais evidências reforçam a importância na compreensão dos fatores determinantes da coexistência desses problemas como base para o planejamento de ações que visem ao desenvolvimento social. Estudos como este podem ser muito úteis ao planejamento de saúde da criança, sugerindo a necessidade de intervenções para a promoção da saúde, nutrição e segurança alimentar.