versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.30 no.9 Rio de Janeiro set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00114113
O relatório do Instituto de Medicina dos Estados Unidos, intitulado To Err is Human: Building a Safer Health System 1, tornou o tema segurança do paciente uma questão central nas agendas de muitos países. Essa publicação foi um marco na segurança do paciente e alertou para os erros no cuidado à saúde e para os danos ao paciente.
A preocupação com a segurança do paciente levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a criar o programa The World Alliance for Patient Safety em 2004 2, com o objetivo de desenvolver políticas mundiais para melhorar o cuidado aos pacientes nos serviços de saúde. Entre as iniciativas desse programa, destaca-se a tentativa de conceituar as questões envolvidas com a segurança do paciente. Foi desenvolvida a Classificação Internacional de Segurança do Paciente, na qual incidente é definido como todo evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente 2.
Neste estudo, evento adverso é definido como incidente que resulta em dano ao paciente 3 e os fatores contribuintes são circunstâncias, ação ou influência que se pensa ter desempenhado um papel na origem ou desenvolvimento de um incidente, ou aumentar o risco de acontecer um incidente 3. Compreende-se por tipos de evento adverso, neste estudo, a origem do incidente relacionado ao cuidado – se foi pela medicação; pela falta, atraso ou erro de diagnóstico; pelo tratamento não medicamentoso ou procedimento realizado 4. Em 2006, o Comitê Europeu de Segurança do Paciente reconheceu a necessidade de considerar a segurança do paciente como uma dimensão da qualidade em saúde em todos os níveis de cuidados de saúde, desde a promoção da saúde até o tratamento da doença 5.
Embora a maioria dos cuidados seja prestada em nível da atenção primária à saúde, as investigações sobre a segurança dos pacientes têm sido centradas em hospitais. Os cuidados hospitalares são mais complexos e é natural que este ambiente seja o foco dessas investigações.
A OMS, em 2012, constituiu um grupo para estudar as questões envolvidas com a segurança na atenção primária à saúde 5, cujo objetivo é fazer avançar o conhecimento sobre os riscos para os pacientes em cuidados de saúde primários, e a magnitude e a natureza dos eventos adversos devido a práticas inseguras.
Vários métodos têm sido adotados para avaliar erros e eventos adversos. Discute-se pontos fortes e fracos de cada um deles para escolher o mais adequado para o que se quer medir. Entretanto, são métodos utilizados em pesquisa em hospitais. Uma revisão sistemática realizada entre os anos 1966 a 2007 mostrou que o estudo da segurança do paciente na atenção básica ainda está no início 6. Enquanto nos hospitais a maioria dos eventos adversos é associada à ciurgia e ao medicamento, na atenção primária à saúde os eventos adversos mais frequentes estão associados ao medicamento e ao diagnóstico 7. A maioria dos estudos hospitalares utiliza a revisão retrospectiva de prontuários 7, e nos estudos em atenção primária à saúde o método mais utilizado é a análise de notificação de incidentes feita por profissonais de saúde ou pacientes 6. Nos hospitais, a média com eventos adversos por 100 pacientes internados encontrada nos estudos foi 9,2, e a proporção média de eventos adversos evitáveis foi de 43,5% 7. Na atenção primária à saúde as estimativas de incidentes variaram muito, de 0,004 a 240,0 por 1.000 consultas, e as estimativas de erros evitáveis variaram de 45% a 76% dependendo do método empregado na pesquisa 6.
Os objetivos deste estudo foram: identificar as metodologias utilizadas para avaliação de incidentes na atenção primária à saúde, os tipos, a gravidade dos incidentes na atenção primária à saúde e seus fatores contribuintes, e as soluções para tornar a atenção primária à saúde mais segura.
Para atingir o objetivo proposto foi realizada uma revisão da literatura. As bases de dados utilizadas foram: MEDLINE (via PubMed), Embase, Scopus, LILACS, SciELO e o banco de teses e dissertações da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com corte temporal de 2007 até novembro 2012. A estratégia de busca foi a mesma para todas as bases de dados (MEDLINE, Embase, Scopus, LILACS, SciELO e Periódicos Capes). As palavras-chave foram pesquisadas empregando-se o português, o inglês e o espanhol como idiomas, conforme demonstrado na Tabela 1.
Tabela 1 Estratégia de busca nas bases de dados eletrônicas.
Estratégia | Palavras-chave |
---|---|
#1 | Family practice OR primary care OR primary health care OR general practice [Inglês] Cuidados primários OU cuidados primários de saúde OU atenção primária OU médico de família OU clínico geral [Português] La atención primaria O de atención primaria O médico de familia O médico general [Espanhol] |
#2 | Medical error OR medication error OR diagnostic error OR iatrogenic disease OR malpractice OR safety culture OR near failure OR near miss OR patient safety method OR patient safety indicator OR patient safety measure OR patient safety report OR safety event report [Inglês] Erro médico OU erro de medicamentos OU erro de diagnóstico OU doença iatrogênica OU imperícia OU cultura de segurança OU método segurança do paciente OU indicador segurança do paciente OU medida de segurança do paciente ou relatório de segurança do paciente OU relatório de eventos de segurança [Português] El error médico o medicamento error O error de diagnóstico O de enfermedad iatrogénica O negligencia O de la cultura de seguridad O cerca de fracaso O método de seguridad del paciente O el indicador de la seguridad del paciente O medida de seguridad de los pacientes O el informe de seguridad del paciente O el informe de eventos de seguridad [Espanhol] |
#3 | #1 AND #2 |
O início da revisão foi definido em 2007, em função da existência de outro estudo de revisão sistemática 6 que usou estratégia de busca similar, com consulta às bases de dados MEDLINE, CINAHL, Embase, entre os anos de 1966 e 2007.
Para a seleção dos artigos usou-se os seguintes critérios de inclusão: (i) artigos relacionados ao tema segurança do paciente na atenção primária à saúde; (ii) artigos nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram excluídos os estudos: (i) no formato de cartas, editoriais, notícias, comentários de profissionais, estudos de caso e revisões; (ii) sem resumo disponível; (iii) sobre um processo específico de cuidado na atenção primária; (iv) sobre incidentes hospitalares; (v) sobre um tipo específico de patologia ou de incidente; (vi) publicados em outros idiomas que não português, inglês ou espanhol.
Uma busca inicial para a seleção dos títulos dos artigos foi realizada pelos dois autores de forma independente; os artigos que não foram excluídos na etapa anterior seguiram para avaliação independente dos resumos, após serem excluídos os artigos por duplicidade e por resumo indisponível; os artigos não excluídos foram lidos por revisores independentes. Após a leitura dos artigos na íntegra e de forma independente, eles foram selecionados. Os dados foram extraídos com base em informações sobre o autor, o título e ano de publicação e as características dos estudos, tais como objetivo, método empregado, resultados encontrados, limitações descritas e algumas observações relevantes.
Foi realizada uma avaliação da qualidade dos estudos selecionados, utilizando a ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), adaptada para o português, que dispõe de uma lista de verificação com 22 itens, denominada STROBE Statement 8.
A busca inicial nas bases de dados, que ocorreu entre os meses de maio e novembro de 2012, identificou 1.956 títulos de artigos relevantes para o trabalho. A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção dos estudos.
Os trabalhos selecionados são todos de países desenvolvidos, sendo 14 realizados nos Estados Unidos (41%), cinco no Reino Unido (16%), cinco na Nova Zelândia (16%), três na Holanda (9%), dois na Espanha (6%), um na Escócia (3%), na Austrália (3%), no Canadá (3%) e na Europa (3%) (Tabela 2).
Tabela 2 Características dos estudos avaliados.
Referência (ano) | Local | Desenho do estudo/Fonte de dados/População estudada | Definições relevantes | Resultados dos estudos e conclusões relevantes dos autores | Itens não contemplados integralmente na avaliação STROBE |
---|---|---|---|---|---|
Wallis & Dovey 32 (2011) | Nova Zelândia | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes de médicos, de família e de pacientes | Não houve definições relevantes para o estudo | Em 83% das notificações encontrou-se danos de menor gravidade e 12% com danos de maior gravidade. A medicação é o cuidado com maior risco ao paciente | Limitações do estudo; interpretação dos resultados |
McKay et al. 19 (2009) | Reino Unido | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes de GPs | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não paciente | Em 32,5% das notificações encontrou-se erro de diagnóstico (mais frequente), sendo que em 25,1% houve dano ao paciente. Em 80,1% das notificações de EAs havia medidas sugeridas para melhorar a prática clínica, como: divulgação de protocolos de Práticas Seguras; capacitação dos profissionais da equipe de saúde; programas para melhorar a comunicação médico/paciente | Não houve |
Gaal et al. 22 (2010) | Europa | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; questionário aplicado em 10 países europeus | Não houve definições relevantes para o estudo | Foram analisadas 10 dimensões de segurança do paciente, em que medicação e segurança nas estruturas físicas apresentaram associação mais potente com a segurança do paciente | Financiamento |
Parnes et al. 9 (2007) | Estados Unidos | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes de médicos e funcionários | O estudo usou o termo erro medicamentoso que pode ter causado dano ou não ao paciente | De 754 ocorrências notificadas, foi possível identificar que em 60 houve interrupção de uma cascata de erros antes que estes afetassem pacientes na atenção primária à saúde. Em um participante foi possível interromper a progressão do evento antes de alcançar ou afetar o paciente. Apesar de muitos métodos individuais e sistemáticos para evitar erros, um sistema para evitar todos os potenciais erros não é viável | Limitações do estudo; interpretação dos resultados |
Kuo et al. 13 (2008) | Estados Unidos | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de erros de medicamentos registrados por médicos de família e profissionais de saúde | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não ao paciente | Setenta por cento dos erros de medicação foram por prescrição, 10% por erros na administração da medicação, 10% erros de documentação do paciente, 10% erros de distribuição e controle do medicamento. 24% dos erros atingiram pacientes. Concluiu-se que o envolvimento de médicos, das equipes multidisciplinares e dos pacientes, combinado com a tecnologia, melhora o processo de gestão de medicamentos, reduzindo erros de medicação | Desfecho |
Graham et al. 14 (2008) | Estados Unidos | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes; 8 clínicas da AAFP | Não houve definições relevantes para o estudo | 25% de erros tinham evidência de mitigação; estes erros mitigados resultaram em danos menos frequentes e graves aos pacientes. A capacitação de médicos e demais profissionais e desenvolvimento de protocolos para orientar são as melhores medidas para reduzir EAs | Não houve |
Hickner et al. 15 (2008) | Estados Unidos | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes; 243 médicos e pessoal administrativo de oito unidades de saúde da AAFP | O estudo não fez distinção se o EA representou dano ou não ao paciente | Em 18% houve algum dano. As perdas foram financeiras e de tempo (22%), atrasos no atendimento (24%), dor/ sofrimento (11%) e consequências clínicas adversas (2%). As notificações de EAs devem ser integradas aos registros médicos eletrônicos | Não houve |
Bowie et al. 38 (2012) | Reino Unido | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de erros | O estudo usou o termo EA significando que houve lesão decorrente do cuidado | O método utilizado na pesquisa não conseguiu identificar riscos de erros no cuidado, de alta relevância para os GPs. É importante a realização de novas pesquisas nesta área | Participantes |
Buetow et al. 23 (2010) | Nova Zelândia | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; grupo focal; 11 grupos homogêneos de 5-9 pessoas, sendo 8 grupos de pacientes e 3 grupos de profissionais de saúde do norte da Nova Zelândia | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não ao paciente | Apontadas quatro questões relacionadas à segurança do paciente: melhora nos relacionamentos interprofissionais, permitir que pacientes e profissionais reconheçam e gerenciem EAs, capacidade compartilhada de mudanças na equipe, e motivação para agir em prol da segurança do paciente. Essa metodologia pode ajudar a reduzir a tensão entre profissionais e o paciente no processo de trabalho e o erro no cuidado em saúde | Não houve |
Manwellet al. 20 (2009) | Estados Unidos | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; grupo focal; 9 grupos focais com 32 médicos de família e clínica geral de 5 áreas do Meio-oeste americano e da cidade de Nova York | Não houve definições relevantes para o estudo | Os médicos descreveram fatores que afetam a segurança do paciente na atenção primária à saúde: pacientes são clinicamente e psicossocialmente complexos; pressão do seguro saúde; comunicação é complicada devido a vários idiomas; pressão de tempo no atendimento; sistemas de informação inadequados; falta de insumos; falta de medicamentos; resultados de testes diagnósticos demorados; principais decisões administrativas são tomadas sem participação | Contexto/Justificativa do método |
Wallis et al. 33 (2011) | Nova Zelândia | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; entrevistas com 12 médicos de família | Cultura de segurança é definida como valores compartilhados, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento indivídual ou coletivo | The Manchester Patient Safety Framework adaptado foi testado e pode ser utilizado para avaliar a cultura de segurança da atenção primária à saúde na Nova Zelândia | Não houve |
Balla et al. 39 (2012) | Reino Unido | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; entrevistas com 21 GPs | O estudo usou o termo EAs significando que houve lesão decorrente do cuidado | Os GPs descreveram fatores de risco para a segurança do paciente: incerteza no diagnóstico dos pacientes e pressões relacionadas ao tempo de trabalho. As melhorias na atenção primária à saúde poderiam ser alcançadas com feedback entre GPs e médicos especialistas. Os autores recomendaram reuniões regulares para discutir casos clínicos | Contexto/ Justificativa do método |
Gaal et al. 24 (2010) | Holanda | Estudo observacional prospectivo descritivo; entrevistas semi-estruturadas com 29 médicos e enfermeiros | As definições foram dadas pelos profissionais entrevistados | Médicos e enfermeiros da atenção primária à saúde descreveram problemas com medicamentos, como a questão de segurança mais importante. Alguns profissionais citaram “não prejudicar o paciente” como uma breve definição para a segurança do paciente | Não houve |
Gaalet al. 25 (2010) | Holanda | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; entrevistas semiestruturadas com 68 GPs | Não houve definições relevantes para o estudo | Os GPs descreveram como fatores de risco para a segurança do paciente: registros médicos e prescrição de medicamentos. Dos 10 casos clínicos apresentados para o GP, 5 foram considerados inseguros (50%) | Não houve |
Ely et al. 40 (2012) | Estados Unidos | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; questionário enviado para uma amostra aleatória de 600 médicos de família, clínicos gerais e pediatras | O estudo usou o termo erro de diagnóstico que causou dano ou não ao paciente | Os médicos descreveram 254 lições aprendidas com erros de diagnósticos. As três queixas dos pacientes mais frequentemente associadas com erros de diagnósticos foram dor abdominal (13%), febre (9%) e fadiga (7%). O diagnóstico do paciente é um trabalho solitário, sendo mais sucetível a erros. Recomendou-se reforçar o trabalho em equipe | Não houve |
De Wet et al. 16 (2008) | Escócia | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; questionário enviado para 49 equipes de atenção primária à saúde | A cultura de segurança é definida como valores individuais e/ou de grupo, atitudes, percepções e padrões de comportamento que determinam uma equipe ou o compromisso da organização para gestão da segurança | A cultura de segurança medida entre as equipes de atenção primária à saúde apontou os seguintes fatores contribuintes de incidentes: treinamento dos profissionais, experiência profissional, comunicação. Os dados levantados só fornecem uma descrição superficial e parcial das condições em um determinado momento. Captar a complexidade e os aspectos mais profundos da cultura de segurança requer mais estudos | Não houve |
Kistler et al. 26 (2010) | Estados Unidos | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; questionário para uma amostra de 1.697 pacientes | Não houve definições relevantes para o estudo | Os pacientes responderam ter percebido erro médico (15,6%); relataram um diagnóstico errado (13,4%); relataram um tratamento errado (12,4%); relataram ter mudado de médicos por causa de um erro (14,1%). Cerca de 8% relataram “um ou mais” danos graves percebidos, para erros de diagnóstico e tratamento | Contexto/Justificativa do método |
Mira et al. 27 (2010) | Espanha | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; questionário para 15.282 pacientes atendidos em 21 centros de saúde de atenção primária à saúde na Espanha | O estudo usou o termo EAs significando que houve lesão decorrente do cuidado | Para a maioria dos participantes, o aumento na frequência dos EAs está relacionado com a comunicação entre médicos e pacientes. Fatores como tempo de duração da consulta e estilo de trabalho dos GPs influenciam no resultado. Os protocolos relacionados com a informação prestada aos pacientes devem ser revistos | Limitações |
Singh et al. 10 (2007) | Estados Unidos | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; 1 questionário para 45 profissionais de saúde de cuidados primários rurais | Não houve definições relevantes para o estudo | O tipo/fatores contribuintes de erros de acordo com os entrevistados: não se identificam os casos de emergência na triagem; medicação incorreta/dose errada; paciente errado; leitura incorreta dos resultados dos exames; atraso dos resultados de exames; comunicação incorreta dos resultados; mau funcionamento do equipamento; enfermeiro cansado, estressado, doente e com pressa | Contexto/Justificativa do método |
Hick-ner et al. 28 (2010) | Estados Unidos | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; questionário para 220 médicos e profissionais de saúde | O estudo usou o termo erro medicamentoso que pode ter causado dano ou não ao paciente | Setenta por cento incluíram erros de medicação, 27% envolveram EAs e 2,4% incluíram ambos. Fatores contribuintes mais frequentes para EAs relacionados a medicamentos foram problemas de comunicação (41%) e o déficit de conhecimento (22%). 1,6% dos eventos relatados levou à internação. A pressão do tempo e a cultura punitiva foram as principais barreiras à comunicação de erros de medicação. Os autores sugeriram um sistema informatizado como facilitador para notificação de erros de medicação | Não houve |
O’Beirne et al. 34 (2011) | Canadá | Estudo observacional, prospectivo, descritivo; questionário para 958 profissionais de saúde em Calgary | O estudo usou o termo incidente significando que pode ter havido dano ou não decorrente do cuidado | Médicos e enfermeiros foram mais propensos a relatar incidentes do que o pessoal administrativo. Danos foram associados com 50% dos incidentes. A grande maioria dos incidentes relatados era evitável com gravidade limitada. Apenas 1% dos incidentes teve um grave impacto. Os principais tipos de incidentes relatados foram referentes a: documentação (41,4%), medicamentos (29,7%), gestão (18,7%) e processo clínico (17,5%) | Não houve |
Cañada et al. 35 (2011) | Espanha | Estudo observacional, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes; análise baseada em observação direta das práticas seguras; e grupos focais; 21 centros de saúde em Madri | Não houve definições | Quarenta e duas práticas seguras foram identificadas e recomendadas para aplicação na atenção primária à saúde. Principais barreiras na implementação das práticas seguras das unidades de atenção primária à saúde estão relacionadas com a formação das equipes profissionais, cultura, liderança e gestão, e pouca divulgação das práticas seguras | Contexto/Justificativa do método |
Kostopoulou et al. 11 (2007) | Reino Unido | Estudo observacional, misto, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes; análise baseada em observação direta dos eventos de segurança do paciente e entrevistas com 5 GPs | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não ao paciente | Setenta e oito relatórios foram relevantes para a segurança do paciente, destes, 27% com EAs e 64% com near miss. 16,7% tiveram consequências graves ao paciente, incluindo uma morte. Apenas 60% dos relatórios continham informações suficientes para análise cognitiva. A maioria dos relatos relaciona EAs à organização do trabalho, isto incluía tarefas excessivas (47%) e fragmentação do serviço (28%). Recomendou-se que mais pesquisas sejam realizadas para melhorar as informações nos registros eletrônicos sobre EAs | Não houve |
Weiner et al. 29 (2010) | Estados Unidos | Estudo experimental com gravações de áudio de consultas médicas simuladas; 8 atores-pacientes abordaram 152 médicos de 14 unidades de saúde | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não ao paciente | Oitenta e um por cento dos médicos acreditavam que estavam vendo um paciente real durante a visita. Médicos investigaram menos informações contextuais (51%) do que informações biomédicas (63%). Desatenção à informação contextual, tais como as necessidades de transporte de um paciente, situação econômica, ou responsabilidades do cuidador, podem levar a erro, o que não está medido em avaliações de desempenho médico | Limitações e financiamento |
Avery et al. 36 (2011) | Reino Unido | Estudo observacional, descritivo; análise baseada em observação direta; método de obtenção de consenso de especialistas (12 GPs) para identificar indicadores para avaliar a qualidade da prescrição médica | Não houve definições relevantes para o estudo | Trinta e quatro indicadores de segurança foram considerados apropriados para avaliar a segurança da prescrição de medicamentos | Contexto/Justificativa do método |
Singh et al. 41 (2012) | Estados Unidos | Estudo observacional, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes; revisão de prontuários; entrevistas a pacientes de Houston, Texas | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não ao paciente | Os autores identificaram erros de diagnóstico em 141 registros dos 674 detectados como possíveis positivos para erros de diagnóstico. Nenhum dos métodos de avaliação de erro de diagnóstico foi confiável | Participantes |
Wetzels et al. 21 (2009) | Nova Zelândia | Estudo observacional, misto, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes pelos médicos de atenção primária à saúde; revisão de prontuários; total de 8.000 pacientes de 5 médicos de família de Nijmegen | O estudo usou o termo EAs como potencial causador de dano ao paciente | Cerca de 50% dos eventos não tiveram consequências para a saúde, mas 33% levaram à piora dos sintomas resultando em internação hospitalar não planejada, 75% dos incidentes com potenciais danos para a saúde. Recomendou-se que programas de segurança do paciente não sejam concentrados apenas em danos | Participantes |
Wetzels et al. 17 (2008) | Nova Zelândia | Estudo observacional, descritivo; utilizadas 5 fontes de dados diferentes para avaliar EAs na atenção primária à saúde (Nijmegen) | O estudo usou o termo EAs como potencial causador de dano ao paciente | As pesquisas com notificação de pacientes representaram maior número de EAs ocorridos, e notificação de farmacêutico representou o número mais baixo. Na avaliação de prontuários a análise dos erros foi de tratamento e comunicação. Houve 1,5 evento por 10 óbitos. Nenhum dos métodos para identificação de EAs provou ser melhor | Participantes |
Harmsen et al. 30 (2010) | Holanda | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes; estudo prospectivo de incidentes por meio de entrevistas; questionário sobre gestão | O estudo usou o termo incidente significando que pode ter havido lesão ou não decorrente do cuidado | Dificuldades em estimar frequência dos incidentes na atenção primária à saúde, pois depende da precisão dos registros dos pacientes e há falta de consenso dos profissionais sobre o reconhecimento dos incidentes. O estudo demonstrou que na atenção primária à saúde quase não há registro ou sistema de notificação de incidentes. Há a necessidade de implantação de registro de EAs eletrônicos para a atenção primária à saúde | Outras análises do resultado e financiamento |
Wessell et al. 31 (2010) | Estados Unidos | Estudo observacional, descritivo; método de obtenção de consenso com 94 especialistas para selecionar indicadores de erros de medicamentos; envio de questionários para pacientes e grupo focal; estudo em 14 estados norte-americanos | O estudo usou o termo EAs considerando qualquer dano devido ao uso de medicamentos | Trinta indicadores de segurança de medicamentos foram selecionados. Os indicadores: tratamento inadequado, interações medicamentosas e interações medicamento/doença foram adequados em 84%, 98% e 86% das prescrições elegíveis do banco de dados, respectivamente. Identificar erros é uma tarefa difícil, porém crucial para melhorar a segurança de medicamentos | Não houve |
Singh et al. 12 (2007) | Estados Unidos | Estudo observacional descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de erro de diagnóstico; revisão de prontuários por 2 revisores independentes, de forma cega, determinaram a presença ou ausência de erro de diagnóstico, e questionários para pacientes | O estudo usou o termo erro diagnóstico que podem ter causado dano ou não ao paciente | A taxa de erro do sistema foi de 4%. Os erros primários mais comuns no processo de diagnóstico foram: insuficiência ou demora na obtenção de informações e interpretação na consulta. Os erros secundários mais comuns foram falhas em reconhecer a urgência da doença ou suas complicações | Participantes |
Makeham et al. 18 (2008) | Austrália | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes de 84 GPs | O estudo usou o termo erro decorrente do cuidado que pode ter causado dano ou não ao paciente | Setenta por cento dos erros relatados eram devidos a problemas no cuidado sem evidências de deficiências no conhecimento e nas habilidades profissionais. O estudo apontou que os pacientes com doenças crônicas são mais sucetíveis aos EAs | Contexto/Justificativa do método |
Gordon & Dunham 37 (2011) | Estados Unidos | Estudo observacional, retrospectivo, descritivo; análise de dados de sistemas de notificações de incidentes por médicos e profissionais de atenção primária à saúde | O estudo usou o termo EA significando que houve dano ou não decorrente do cuidado | Trezentos e vinte e seis EAs no sistema foram notificados pelos GPs relacionados ao ambiente (63), ao laboratório (49) e ao fluxo do paciente e agendamento (38). Os pacientes com problemas crônicos de saúde podem ser mais vulneráveis a EAs. Autorrelato foi raro acontecer, sugerindo que as pessoas poderiam ter sido relutantes em admitir erros | Não houve |
AAFP: American Academy of Family Physicians [Academia Americana de Médicos de Família]; EA: evento adverso; GPs: médicos generalistas.
Houve um equilíbrio na distribuição dos anos em que os artigos foram publicados: quatro em 2007 9 , 10 , 11 , 12, seis em 2008 13 , 14 , 15 , 16 , 17 , 18, três em 2009 19 , 20 , 21, dez em 2010 22 , 23 , 24 , 25 , 26 , 27 , 28 , 29 , 30 , 31, seis em 2011 32 , 33 , 34 , 35 , 36 , 37 e quatro em 2012 38 , 39 , 40 , 41 (Tabela 2).
Quanto ao desenho, 32 estudos foram observacionais e apenas um experimental 25. Todos os estudos foram descritivos. Nove trabalhos foram retrospectivos 9 , 13 , 14 , 15 , 18 , 19 , 32 , 37 , 38, 14 prospectivos 10 , 16 , 20 , 22 , 23 , 24 , 25 , 26 , 27 , 28 , 33 , 34 , 39 , 40 e dez transversais 11 , 12 , 17 , 21 , 29 , 30 , 31 , 35 , 36 , 41.
Diversas fontes de dados foram utilizadas. Houve estudos que utilizaram os dados administrativos dos sistemas de notificação de incidentes alimentados, quer por profissionais de saúde 9 , 13 , 14 , 15 , 18 , 19 , 37 , 38, quer por profissionais de saúde e pacientes e familiares 32. Dados também foram obtidos por meio de grupos focais com médicos e outros profissionais de saúde 23, com profissionais de saúde e pacientes e familiares 20. Alguns estudos utilizaram entrevistas para obter os dados, seja com médicos 25 , 33 , 39, seja com médicos e outros profissionais de saúde 24. O questionário foi outro recurso utilizado por alguns autores para extrair os dados, tendo sido respondido por médicos 22 , 40, por médicos e outros profissionais de saúde 10 , 16 , 28 , 34 e por paciente e familiares 26 , 27. Outros trabalhos utilizaram uma combinação de métodos como fonte de dados: sistemas de notificações de incidentes, observação direta e grupos focais 35; sistemas de notificações de incidentes, observação direta e entrevistas 11; observação direta com gravação de áudio 29; observação direta e obtenção de consenso de especialistas 36; sistemas de notificações de incidentes, revisão de prontuário e entrevistas 41; sistemas de notificações de incidente e revisão de prontuário 21; sistemas de notificações de incidente, entrevista e questionário 30; obtenção de consenso com especialistas, questionários para pacientes e grupo focal 31; sistemas de notificações de incidentes, revisão de prontuário e questionário 41 (Tabela 2). Seis estudos 12 , 17 , 21 , 30 , 31 , 41 utilizaram uma combinação de fontes de dados. Os sistemas de notificação foram os que mais contribuíram como fontes de dados – 15 (45%) estudos 9 , 11 , 12 , 13 , 14 , 15 , 18 , 19 , 21 , 30 , 32 , 35 , 37 , 38 , 41.
Houve diferenças na definição de eventos adversos, sendo que a grande maioria dos estudos não apresentou uma definição para estes eventos. Quatro estudos 26 , 31 , 38 , 39 apresentaram uma definição para evento adverso relacionando-o à existência de um dano ao paciente causado pelo cuidado. Em outros quatro estudos 15 , 17 , 21 , 37 o evento adverso não expressou necessariamente um dano ao paciente em decorrência do cuidado. Em dois estudos 16 , 33, a cultura de segurança do paciente foi definida de forma semelhante, sendo definida como valores individuais e/ou de grupo, atitudes, percepções e padrões de comportamento que determinam uma equipe ou o compromisso da organização para a gestão da segurança (Tabela 2).
A população estudada foi composta por médicos e outros profissionais de saúde 9 , 10 , 13 , 14 , 15 , 16 , 19 , 20 , 22 , 24 , 25 , 28 , 30 , 32 , 33 , 34 , 35 , 36 , 39 , 40, de paciente e familiares 26, de profissionais de saúde e pacientes e familiares 11 , 21 , 23 , 27 , 29 , 31 , 41, sendo que em alguns trabalhos não foi descrita integralmente a população estudada 17 , 22 , 38 (Tabela 2).
Os fatores contribuintes de incidentes relatados nos diversos estudos foram: falhas na comunicação interprofissional e com o paciente; falhas na gestão, tais como: falta de insumos medico-cirúrgicos e de medicamentos, profissionais pressionados para serem mais produtivos em menos tempo, falhas em prontuários, falhas na recepção dos pacientes, planta física da unidade de saúde inadequada, descarte inadequado de resíduos da unidade de saúde, tarefas excessivas e falhas no cuidado. As falhas no cuidado foram diversas: falhas no tratamento medicamentoso (principalmente erro na prescrição); falha no diagnóstico; demora na realização do diagnóstico; demora na obtenção de informações e interpretação dos achados laboratoriais; falhas em reconhecer a urgência da doença ou suas complicações; déficit de conhecimento profissional.
Para melhor apresentar o resultado foram organizados três grupos de estudos de acordo com o seu objetivo. Oito estudos 13 , 14 , 15 , 17 , 21 , 27 , 32 , 34 tiveram como objetivo conhecer os tipos, a gravidade dos incidentes na atenção primária à saúde e seus fatores contribuintes; 19 estudos 9 , 11 , 16 , 18 , 19 , 20 , 22 , 23 , 24 , 25 , 26 , 29 , 30 , 33 , 35 , 37 , 39 , 40 tiveram como objetivo indicar soluções para tornar a atenção primária à saúde mais segura para o paciente; e seis estudos 12 , 28 , 31 , 36 , 38 , 41 buscaram avaliar os instrumentos de melhoria da segurança do paciente na atenção primária à saúde.
Oito estudos 13 , 14 , 15 , 17 , 21 , 27 , 32 , 34 avaliaram os tipos, a gravidade dos eventos adversos na atenção primária à saúde e seus fatores contribuintes (Tabela 3). Apenas dois 27 , 32 definiram o evento adverso relacionando-o ao dano causado pelo cuidado. Quatro 14 , 15 , 21 , 34 que não relacionaram evento adverso com o dano, mas apresentaram o impacto e/ou a gravidade do incidente no paciente. Esses quatro estudos não discriminaram os incidentes que causaram danos dos que não causaram. Um estudo 13 diferenciou se o incidente atingiu ou não o paciente e se foi necessária alguma intervenção (monitoramento, acompanhamento clínico, inclusive hospitalização). Apenas um estudo 17, que avaliou fatores contribuintes, não definiu evento adverso nem apresentou o impacto e/ou a gravidade do incidente.
Tabela 3 Estudos com o objetivo conhecer os tipos e/ou os fatores contribuintes e a gravidade dos eventos adversos (EAs) na atenção primária à saúde.
Referência (ano) | Impacto/ Gravidade dos EAs | Tipos de EAs/ Fatores contribuintes |
---|---|---|
EA definido nos estudos como incidente com dano devido ao cuidado | ||
Wallis & Dovey 32 (2011) | Dano menor (83%); dano moderado (12%); dano grave (4%), sendo metade óbitos | Os tipos de EAs foram relacionados a atraso no diagnóstico (16%), medicação (38%), tratamento odontológico (16%), injeções e vacinas (10%) e outros (20%) |
Mira et al. 27 (2010) | Sem complicações no tratamento (80,4%); com complicações no tratamento (19,6%) | Os fatores contribuintes mais frequentes dos erros foram relacionados à comunicação entre médico e pacientes (17,3%) |
EA definido nos estudos como incidente com ou sem dano devido ao cuidado | ||
Kuo et al. 13 (2008) | Não atingiu o paciente (41%); atingiu o paciente, mas não exigiu um acompanhamento (35%); atingiu pacientes e a monitorização foi necessária (8%); atingiu pacientes e intervenção foi necessária (13%); resultou em hospitalização (3%); nenhum óbito | Erros relacionados à medicação: na prescrição (70%), na administração (10%), no registro (10%), na dispensação (7 %) e outros (3%) |
Graham et al. 14 (2008) | Não atingiu o paciente – sem dano (40,3%); atingiu o paciente – sem dano (20,7%); atingiu o paciente – sem dano, mas uma ação foi necessária (11,6%); atingiu o paciente com dano emocional (8,0%); atingiu o paciente com dano físico (19,4%) | Os fatores contribuintes mais frequentes dos erros foram relacionados à comunicação e a processos administrativos |
Hickner et al. 15 (2008) | Não causou dano (54%); desconhecido (28%); causou dano (18%); dano emocional (6%); dano físico (70%); dano físico temporário (90%); dano físico temporário necessitando de internação (3%); dano permanente (7%) | Os fatores contribuintes mais frequentes dos erros foram relacionados à comunicação de resultados para o médico (24,6%), processos administrativos (17,6%), solicitação de exames (12,9%) e outros (44,9%) |
O’Beirne et al. 34 (2011) | Sem impacto ao paciente (57%); ligeiro impacto (24%); impacto moderado ou grave ( 9%); incidentes com duração permanente (1%); nenhum óbito | Os tipos e/ou fatores contribuintes de EAs foram relacionados à documentação (41,4%), medicação (29,7%) e processos administrativos (29,3%) |
Wetzels et al. 21 (2009) | Não causou dano (50%); houve agravamento dos sintomas (40%); levou à hospitalização não planejada (4%); houve deficiência irreversível (6%); nenhum óbito | Os tipos e/ou fatores contribuintes de EAs foram relacionados a processos administrativos (31%), diagnóstico (20%), tratamento (23%) e comunicação (26%) |
Wetzels et al. 17 (2008) | Gravidade não foi mencionada | Os tipos e/ou fatores contribuintes de EAs foram relacionados a processos administrativos (24%), diagnóstico (19%), tratamento (30%) e comunicação (27%) |
Os estudos que apresentaram o impacto e/ou a gravidade do dano causado ao paciente devido ao cuidado não informaram como foi definido o julgamento do impacto e/ou da gravidade, nem se uma escala foi utilizada. A forma de apresentar o impacto e/ou a gravidade variou de estudo para estudo. Foram empregados termos como dano (menor, moderado ou grave), complicação, impacto (sem, ligeiro, moderado ou grave). Alguns estudos classificaram o incidente a partir do alcance que o mesmo teve no paciente (não atingiu, atingiu mas não houve dano, atingiu e demandou alguma intervenção), chegando até ao óbito. Houve estudo 14 que fez a diferenciação entre o dano emocional ou físico. Um aspecto abordado em um trabalho 15 foi a consequência do dano, se temporário ou permanente. A maior parte dos incidentes avaliados não atingiu o paciente e quando atingiu foi de pouca gravidade (a frequência de incidentes variou entre 50 e 83%).
Alguns trabalhos optaram por apresentar os tipos de eventos adversos. A medicação foi o tipo de evento adverso mais frequente na atenção primária à saúde, segundo os estudos selecionados. Um estudo pesquisou 13, especificamente, os tipos de erros de medicação. Os incidentes relacionados com o diagnóstico foram também frequentes (Tabela 3).
Outros trabalhos 14 , 15 , 17 ,2127, 34 apresentaram os fatores contribuintes dos eventos adversos. Os processos administrativos, a comunicação interprofissional e com os pacientes, e a documentação foram os principais fatores contribuintes relacionados aos incidentes. Assim como na maioria dos estudos sobre cuidados hospitalares, o fator contribuinte mais frequente na atenção primária à saúde também foi a comunicação.
Dezenove estudos 9 , 10 , 11 , 16 , 18 , 19 , 20 , 22 , 23 , 24 , 25 , 26 , 29 , 30 , 33 , 35 , 37 , 39 , 40 indicaram soluções para a melhoria da segurança do paciente. A comunicação, quer interprofissional, quer dos profissionais de saúde com o paciente, foi considerada como fator contribuinte preponderante para a melhoria da segurança em cinco estudos 23 , 24 , 33 , 39 , 40. A troca de informação entre os médicos de família e os especialistas, o reforço do trabalho em equipe, as reuniões regulares para discutir casos clínicos, e a divulgação das práticas seguras foram apontadas como as soluções para a melhoria da comunicação interprofissional.
Nos estudos 10 , 18 , 20 , 24 , 25 , 37 , 39 , 40 em que se ouviu a opinião exclusivamente dos profissionais de saúde, os fatores contribuintes para os incidentes foram: pressão para diminuição do tempo de atendimento; falta de insumos, inclusive de medicamentos; comunicação incorreta dos resultados dos exames; atraso dos resultados de exames; problemas com medicamentos, principalmente na prescrição, medicação incorreta/dose errada, paciente errado; mau funcionamento do equipamento; enfermeiro cansado, estressado e doente; não identificação dos casos de emergência na triagem; incerteza no diagnóstico dos pacientes; problemas de comunicação; sistemas de informação inadequados; decisões administrativas tomadas sem a participação dos profissionais de saúde; registros médicos inadequados.
Esses fatores contribuintes foram relacionados a várias soluções, tais como: divulgar as práticas seguras; adequar as estruturas físicas; capacitar os profissionais da equipe de saúde; melhorar a comunicação interprofissional; melhorar a gestão das unidades de saúde, permitir que os pacientes e os profissionais reconheçam e gerenciem os eventos adversos; capacitar o profissional de saúde para compartilhar mudanças na equipe, para identificar e atuar nas situações de riscos; motivar os profissionais de saúde para agir em prol da segurança do paciente; participar (o profissional de saúde) nas decisões gerenciais; criar sistemas de avaliações de desempenho do médico. Os estudos classificados nesta seção como os que indicaram soluções para tornar os cuidados mais seguros nem sempre demonstraram que objetivo era este. Muitas vezes a solução estava implícita na avaliação dos fatores contribuintes.
Num estudo 35, as principais barreiras para a implementação das práticas seguras das unidades de atenção primária à saúde foram relacionadas com barreiras culturais devido à heterogeneidade das práticas locais; barreiras na gestão, com problemas na planta física e ambiente mais seguro; e pouca divulgação das práticas seguras, em função das dificuldades de comunicação na equipe de saúde. A dificuldade de o profissional atuar como equipe foi atribuída a vários fatores, mas em especial, ao tipo de formação acadêmica do profissional em saúde.
O estudo 9 que analisou os dados de sistemas de notificações de incidentes mostrou que em 80,1% das notificações havia também soluções sugeridas para melhorar a prática clínica. Outro estudo 19 mostrou que a prática de notificar incidentes pode ser útil como uma solução para a melhoria de desempenho de serviços de saúde. Esse estudo apresentou como as cascatas de erros podem ser interrompidas antes de atingir os pacientes.
Tanto o paciente é capaz de identificar o erro médico quanto o próprio médico. Num estudo 26, cerca de 15% dos pacientes relataram a ocorrência de algum tipo de erro médico. Em outro 40, os médicos descreveram lições aprendidas com erros de diagnósticos e que poucos estudos têm documentado lições pessoais aprendidas em função dos erros, tais como: sempre ouvir o paciente; tentar explicar ao paciente, por mais de uma vez, todas as descobertas do diagnóstico; sempre fazer exame físico completo no paciente; ampliar o diagnóstico diferencial; reavaliar e repetir a avaliação clínica, se o paciente não responde como esperado ao tratamento.
Dois estudos 16 , 33 que mediram a cultura de segurança mostraram que os profissionais de saúde estavam propensos a aprender, com base em falhas detectadas, adaptando suas práticas de trabalho, tornando-as mais segura. Sugeriu-se como facilitador da comunicação interprofissional as reuniões em grupos, compostas por profissionais de saúde, gestores e profissionais da área administrativa, a fim de capturar as percepções, de uma forma multidisciplinar 33.
Foram realizados seis estudos 12 , 28 , 31 , 36 , 38 , 41 com o objetivo de avaliar instrumentos de melhoria da segurança do paciente na atenção primária à saúde. O objetivo desses trabalhos foi direcionado para a aplicação nos serviços de saúde. Nenhum dos estudos selecionados avaliou instrumentos de pesquisa da cultura de segurança do paciente.
Três trabalhos selecionaram rastreadores de eventos ou circunstâncias, que significam riscos que podem levar a um incidente. O estudo de Bowie et al. 38 procurou demonstrar a conveniência de se ter rastreadores em prontuário eletrônico para identificar riscos que possam levar a eventos adversos na atenção primária à saúde. No trabalho de Avery et al. 36, um conjunto de rastreadores de segurança para detectar potenciais incidentes na prescrição médica em prontuário eletrônico foi apresentado a médicos para que selecionassem os mais capazes de avaliar a segurança na prescrição médica na atenção primária à saúde. No estudo de Wessell et al. 31 o objetivo foi selecionar rastreadores de segurança do paciente para a prescrição médica na atenção primária à saúde em prontuário eletrônico.
O trabalho de Hickner et al. 28 utilizou o sistema Medication Error and Adverse Drug Event Reporting System (MEADERS) para identificar o erro medicamentoso específico para a atenção primária à saúde por meio de notificação. Os pesquisadores concluíram que o sistema permite avaliar erro medicamentoso, mas a pressão do tempo e a cultura punitiva foram as principais barreiras à comunicação de erros de medicação.
O estudo de Singh et al. 12 demonstrou que a comunicação dos resultados de exames de imagens anormais pode ser melhorada usando-se um sistema de registro de resultado no prontuário eletrônico, para o contexto específico da atenção primária à saúde. O mesmo autor publicou outro artigo em 2012 41, sobre o mesmo tema da comunicação de resultados de exames, mas desta vez procurou entender, por meio de consulta aos profissionais de saúde, as dificuldades que eles tinham para notificar os resultados dos exames aos pacientes, mesmo com os recursos existentes no prontuário eletrônico. O autor concluiu que apesar de existir um prontuário eletrônico com recursos, existem desafios sociais e técnicos para garantir o registro dos resultados para os profissionais e pacientes.
O tema segurança do paciente em atenção primária à saúde vem crescendo de importância nas principais organizações internacionais de saúde 16 , 22. No campo da atenção primária à saúde há espaço para estudos sobre a segurança do paciente, visto que, a grande maioria dos cuidados em saúde acontece na atenção primária à saúde. Esta revisão utilizou termos de busca semelhantes ao estudo de revisão de Makeham et al. 6. Ao contrário da revisão de Makeham et al. 6, em que 65% dos estudos tinham por objetivo encontrar frequência e tipos de eventos adversos, os estudos atuais procuraram compreender as causas e apontar soluções para tornar os cuidados mais seguros para os pacientes na atenção primária à saúde (58%).
Os tipos de incidentes mais comuns na atenção primária à saúde foram associados a erros de medicamentos e erros de diagnósticos, tanto na revisão de Makeham et al. 6 como nesta. A frequência de incidentes associados à terapia medicamentosa nos estudos variou entre 12,4% e 83% 13 , 26 , 32 , 34, e na revisão de Makeham et al. 6 foi encontrada uma variação de 7% a 52%. De acordo com Ely et al. 40 os erros de diagnóstico também são comuns, pois a prática clínica de elaboração do diagnóstico do paciente é um trabalho solitário, portanto, uma atividade mais suscetível a erros.
Os danos causados pelos cuidados podem ser emocionais ou físicos e incapacitantes, com sequelas permanentes, elevando o custo do cuidado, aumentando a permanência hospitalar e, levando, até mesmo, à morte prematura 2. Na revisão de Makeham et al. 6, os danos causados por incidentes variaram entre 17% e 39%, com potencial de dano entre 70% e 76%. Nesta revisão, alguns estudos 34 , 37 estimaram a proporção de incidentes evitáveis do total de incidentes avaliados (42%-60%). Nos achados de Makeham et al. 6, entre 45% e 76% de todos os incidentes eram evitáveis.
Alguns estudos avaliaram, não só os tipos, a gravidade dos eventos adversos na atenção primária à saúde, mas os seus fatores contribuintes. Os fatores que mais contribuíram para os incidentes foram as falhas de comunicação, quer interprofissional, quer do profissional com o usuário (5%-41%) 14 , 15 , 17 , 21 , 27. Outro grupo de fatores contribuintes relevante estava relacionado com a gestão (41,4%-47%) 14 , 34. Em relação às falhas de comunicação, Makeham et al. 6 encontraram frequências que variaram de 9% a 56% e de 5% a 72% envolvendo a gestão. Os riscos no ambiente físico, a formação profissional, as barreiras geográficas foram outros fatores contribuintes mencionados.
A grande maioria dos estudos indicou soluções para tornar os cuidados mais seguros para os pacientes na atenção primária à saúde (58%), sendo que a melhoria da comunicação é a solução mais encontrada para mitigar os incidentes 16 , 19 , 23 , 33 , 39. Outras soluções são apresentadas, tais como: permitir que pacientes e profissionais reconheçam e gerenciem eventos adversos, capacidade compartilhada de mudanças na equipe, e motivação para agirem em prol da segurança do paciente, através de grupos de trabalho 23.
Kuo et al. 13 indicaram soluções para reduzir os erros de medicamento, que incluem a implementação de prontuário eletrônico em unidades de atenção primária à saúde, a análise de incidentes do sistema de notificação de erros, e práticas colaborativas entre farmacêuticos e médicos.
Um grupo de estudos (19%) avaliou os instrumentos de melhoria da segurança do paciente na atenção primária à saúde. À medida em que a tecnologia avança, em especial, a informática, os instrumentos vão evoluindo, sendo aperfeiçoados, adaptados à realidade da atenção primária à saúde, replicáveis, contribuindo para a melhoria da gestão do risco de incidentes na atenção primária à saúde e para a redução do dano.
A fonte de dados mais comumente empregada nos estudos foi a dos sistemas de notificações de eventos adversos (45%), com índices superiores aos encontrados na revisão sistemática de Makeham et al. 6 (23%), sendo o grupo focal o método que menos contribuiu com dados para os estudos (9%). Essa preferência pode ser explicada porque a captação de dados utilizando-se sistemas de notificações de eventos adversos apresenta como vantagem a praticidade dos dados disponiveis, rapidez nas informações e baixo custo de investigação. Entretanto, apresenta como desvantagens a falta de cultura dos profissionais de saúde de notificar os incidentes, principalmente se o sistema não garantir o anonimato de quem notifica 12 , 37. O estudo de Wetsels et al. 17 mostrou que os médicos generalistas (GPs) foram os profissionais com mais resistência em notificar os incidentes. Os GPs entrevistados alegaram falta de tempo para parar as atividades clínicas e fazer o registro, e negaram haver um sentimento de desconfiança em relação ao sistema de notificação.
Com a preocupação de conhecer mais as causas dos incidentes, as metodologias qualitativas que avaliaram a opinião dos profissionais de saúde e também dos pacientes – questionários, entrevistas e grupos focais – foram mais utilizadas.
Os trabalhos 26 , 27 , 28 , 40 com questionários tiveram a vantagem de atingirem um grande número de profissionais de saúde e/ou pacientes, a garantia do anonimato nas respostas e baixo custo de pesquisa. Como limitação, quando utilizaram-se perguntas abertas, em alguns casos houve alguma superficialidade nas respostas. Kistler et al. 26 descreveram a aceitabilidade do método quando aplicado aos pacientes para explorar as percepções sobre erros acontecidos nos cuidados de saúde.
Os estudos 24 , 33 , 39 que utilizaram o método de entrevista destacaram como ponto positivo a proximidade do entrevistado, seja profissional de saúde ou paciente, possibilitando analisar o impacto de um acontecimento ou de uma experiência vivenciada ou assistida por ele. Limitações, sejam geográficas, de confidenciabilida- de 27 ou de amostragem 39, foram citadas. Balla et al. 39 descreveram a importância do método na análise de risco ambiental para a segurança do paciente.
Alguns trabalhos 16 , 19 , 27 , 32 , 33 procuraram avaliar a cultura de segurança na atenção primária à saúde utilizando questionário, entrevista e/ou grupo focal, devido a abordagem aos profissionais ser direta e mais simples, valorizando a subjetividade do informante, permitindo exploração de temas sensíveis aos profissionais de saúde, nas dimensões psico-afetivas, tais como: ansiedade 11 , 20 , 25 , 39, culpa sobre os incidentes 11, incerteza no diagnóstico clínico 25 , 29 , 39, pressões relacionadas à organização do trabalho 11 , 16 , 20 , 23 , 35 , 39, competência profissional 22 , 35 e motivação da equipe 23. Wallis et al. 33 descreveram que a discussão em torno da cultura de segurança nas unidades de atenção primária à saúde vem sendo ampliada para facilitar a comunicação, que é o fator contribuinte mais frequente dos erros.
Dos 33 estudos selecionados, 14 foram realizados nos Estados Unidos, seguidos pelo Reino Unido. A prevalência de estudos nesses países se deu em razão da existência de programas institucionais estabelecidos no campo da segurança do paciente na atenção primária à saúde. Assim como na revisão de Makeham et al. 6, as pesquisas ocorreram principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Não foi achado nenhum artigo na área de segurança do paciente na atenção primária à saúde em países em desenvolvimento em ambas as revisões.
O estudo de Makeham et al. 6 teve como limitante a pesquisa apenas na língua inglesa e poderia explicar a inexistência de publicações em países em desenvolvimento. Nesta revisão foram incluídos os idiomas espanhol e português nas buscas, e ainda assim não foram encontrados artigos sobre o tema nos países em desenvolvimento, particularmente no Brasil em que o modelo governamental de reorientação da atenção se baseia na Estratégia Saúde da Família (ESF). A atenção primária à saúde no Brasil avançou quantitativamente, mas ainda é considerada um modelo frágil, com grande espaço para melhorar a qualidade ofertada 42. Os resultados preliminares do Programa Brasileiro de Avaliação da Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) 43 apontaram que 62% dos profissionais de saúde não utilizam os protocolos recomendados para realizar a avaliação clínica inicial, indicando espaço para melhorias das práticas seguras. O Programa Nacional de Segurança do Paciente 44 , lançado pelo Ministério da Saúde em 2013, incluiu a atenção primária à saúde como lócus de desenvolvimento de ações para a melhoria de segurança do paciente.
Destacam-se como limitações neste estudo: (i) a dificuldade de generalização dos resultados, considerando a variação conceitual sobre a temática segurança do paciente na atenção primária à saúde, devido a múltiplos países e diferenças na clínica e no cuidado na atenção primária à saúde; (ii) a revisão ter sido na línguas inglesa, portuguesa e espanhola, o que levou à exclusão de 35 artigos; (iii) a utilização de estratégia de busca similar, com consulta restrita às bases de dados MEDLINE, CINAHL e Embase, excluindo outras bases como Web of Science e a literatura cinzenta (gray literature); (iv) a não inclusão na estratégia de busca de termos como “safety management”, “risk management”, “adverse drug reaction”; (v) não foi realizada a metanálise nesta revisão; e (vi) o uso da metodologia STROBE Statement 8 para avaliar a qualidade das pesquisas.
Existem lacunas de conhecimento, especialmente de países em transição e em desenvolvimento sobre segurança do paciente em atenção primária à saúde, sendo um campo aberto para ampliar pesquisas, e como tal, é necessária uma melhor compreensão e conhecimento da epidemiologia dos incidentes e fatores contribuintes, bem como o impacto na saúde e a efetividade de métodos de prevenção 45.
Os métodos de investigação analisados e testados nas pesquisas de segurança do paciente na atenção primária à saúde são conhecidos e replicáveis, por isto, é provável que estes sejam mais amplamente utilizados, propiciando maior conhecimento sobre este tipo de segurança.
Observamos a necessidade de ampliar a cultura de segurança na atenção primária à saúde, a fim de habilitar pacientes e profissionais para reconhecerem e gerenciar os eventos adversos, sendo sensíveis à sua capacidade compartilhada para a mudança, reduzindo erros e tensões entre profissionais e população.
Estudos mais aprofundados podem auxiliar a ação dos gestores para a realização do planejamento e desenvolvimento de estratégias organizacionais com o objetivo de melhorar a qualidade do cuidado na atenção primária à saúde.