versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.24 no.1 Rio de Janeiro 2020 Epub 24-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0042
A transição demográfica brasileira, decorrente da diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade, implicou no aumento do número de idosos ao longo dos últimos anos. Esse processo de envelhecimento é marcado por doenças crônicas, tais como dislipidemia, hipertensão, diabetes e depressão, repercutindo no aumento do consumo de fármacos, uma condição conhecida como polifarmácia.1
Nesse sentido, o uso concomitante de dois ou mais medicamentos em muitos casos se faz necessário, porém traz a possibilidade de interação entre eles. A interação medicamentosa é definida como o evento clínico cujos efeitos de um fármaco são alterados em função de outro.2 Algumas interações medicamentosas apresentam potencial para causar danos, e são responsáveis pela deterioração clínica do paciente, aumento no tempo de internação, enquanto que outras são leves e não exigem medidas especiais.3
Estima-se que 35 a 60% dos pacientes idosos estão expostos a potenciais interações medicamentosa, destas, 5 a 10% evoluem para uma reação adversa grave, ou seja, reação nociva e desagradável, resultante de intervenção relacionada ao uso de um medicamento.4 Essas reações adversas podem predispor o idoso à ocorrência de diversos eventos adversos, como quedas, fraturas, confusão pós-operatória, sangramentos gastrointestinais, constipação, piora no quadro de insuficiência cardíaca congestiva, depressão, déficit cognitivo e disfunção renal.5
Uma parcela significativa desses eventos adversos pode ser evitada durante o processo de administração segura do medicamento. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, ressaltou a necessidade de reduzir os riscos e danos evitáveis ao paciente, decorrentes da assistência à saúde e recomendou a todos os países que desenvolvessem estratégias para a promoção do cuidado seguro, trazendo como terceira meta internacional a segurança na prescrição, no uso e na administração de medicamentos.6
Para atender a essa proposta, no Brasil foi instituído, em 2013, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) para contribuir com a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos do território nacional, a fim de promover o gerenciamento de risco e um ambiente seguro.7
Nas instituições que acolhem os idosos, para que esse cuidado ocorra de forma efetiva e segura, devem ser consideradas as várias mudanças fisiológicas decorrentes do próprio processo de senescência. Alterações como a redução da função hepática e da função renal podem acarretar modificações na farmacodinâmica e farmacocinética de vários medicamentos, podendo contribuir para o aparecimento de reações adversas.8
Assim, diante da complexidade do tratamento farmacológico em idosos e da sua fragilidade ocasionada pela multimorbidade, é necessária a avaliação contínua da qualidade da terapia prescrita aos idosos institucionalizados, a fim de identificar eventuais reações adversas e/ou efeitos colaterais que prejudiquem a sua qualidade de vida.1
No entanto, os estudos nessa área, realizados com idosos em instituições de longa permanência, ainda são incipientes.9 Pesquisas internacionais destacam a necessidade de avaliar a gravidade das interações medicamentosas e não apenas a taxa de prevalência, destacando a limitação de estudos realizados com idosos institucionalizados, que são mais susceptíveis ao uso de um número maior de medicamentos, em contraste com extensas pesquisas sobre os potenciais danos das terapias medicamentosas direcionadas a idosos hospitalizados.10-9,9
Dessa forma, considerando a necessidade de prevenção e redução dos riscos à saúde aos quais ficam expostos os idosos residentes em instituições de longa permanência, o reconhecimento de interações medicamentosas e seus efeitos são fundamentais para uma gestão de terapia farmacológica mais cuidadosa, a fim de evitar desfechos clínicos negativos.
A vista do exposto, surge o seguinte questionamento: Quais são as potenciais interações medicamentosas em idosos institucionalizados? Portanto, o estudo tem como objetivo identificar as potenciais interações medicamentosas em idosos institucionalizados.
Trata-se de um estudo documental, retrospectivo, com abordagem quantitativa, desenvolvido em duas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), localizadas no Nordeste do Brasil.
A Instituição A é filantrópica e atende 217 idosos, onde a clientela varia de baixa, média e alta renda, prevalecendo os de condição socioeconômica baixa. A instituição B possui 88 idosos, é mantida por recursos públicos e recebe idosos em situação de vulnerabilidade social.
Os dados foram coletados no período de setembro de 2016. Todas as prescrições médicas, dos últimos três meses, foram analisadas por meio de um formulário adaptado de um estudo que determinou a prevalência de IM em unidades de terapia intensiva.11
O instrumento é dividido em duas partes, a primeira contendo informações gerais do paciente (sexo, idade, data de admissão) e a segunda com informações sobre os medicamentos prescritos, horários da administração, avaliações das interações medicamentosas e dos efeitos clínicos. Ao total, foram analisadas 286 prescrições. Destaca-se que essas prescrições são renovadas trimestralmente, exceto quando o idoso necessita de uma avaliação médica por uma condição clínica aguda.
Para identificação das potenciais interações medicamentosas foi utilizado o software Drug-Reax® da base de dados Micromedex da Truven Health Analytics. O software fornece informações sobre os efeitos clínicos ou as reações adversas a medicamentos resultantes da interação, além de classificar as interações em relação à gravidade (grave, moderada, leve e contraindicada), ao tempo de início (rápida, lenta ou não especificado) e a documentação (excelente, boa, pobre e desconhecida).12
Quanto à gravidade, as interações foram classificadas em grave (quando apresentam ameaça a vida, necessitando de intervenção médica imediata); moderada, (quando o quadro clínico do paciente piora e há necessidade de alterar a terapia medicamentosa); leve (quando o paciente apresenta alteração no quadro clínico, porém não exige alterações na terapia medicamentosa); e contraindicada (quando a administração simultânea não é recomendada).12 Essa classificação seguiu o critério nacional de classificação de Medicamentos Potencialmente Inapropriados para Idosos (MIP), baseados nos Critérios de Beers e o Screening Tool of Older Person’s Prescriptions (STOPP).13
Em relação ao tempo previsto do início da terapia até o aparecimento dos eventos adversos (velocidade de ação), as interações foram classificadas em rápida (quando os eventos adversos ocorrem em menos de 24 horas); lenta (quando os eventos aparecem depois de 24 horas); e não especificada (quando não está documentado na literatura o tempo de início do surgimento dos eventos adversos após a administração simultânea dos fármacos).12
Quanto à documentação, as interações foram classificadas em excelente (quando existem estudos clínicos que comprovem a existência da interação medicamentosa); boa, (quando há documentação da interação, entretanto necessita de estudos clínicos controlados); moderada (quando existem poucos estudos que comprovam a interação, porém há considerações farmacológicas para a ocorrência da interação); pobre (quando a literatura está restrita a estudos de casos); e desconhecida (quando não existe documentação que comprove a interação medicamentosa).12
A base de dados do Micromedex® é considerada uma ferramenta de apoio na tomada de decisões médicas, a fim de prevenir a ocorrência de eventos adversos e promover uma prática clínica melhor. Os dados foram complementados com a literatura consultada.
Os dados foram organizados no Excel 2010 e no Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 e analisados utilizando o teste de correlação de Pearson (valores de p≤ 0,05 foram considerados significativos). Para a descrição dos resultados, foram utilizadas tabelas contendo frequências absolutas e relativas, médias e desvios-padrão.
O estudo foi realizado de acordo com a Resolução de Nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará, obtendo parecer favorável na data de 31 de maio de 2016, com o número de protocolo 1.574.473.
Nas 286 prescrições analisadas, 209 da Instituição A e 77 da Instituição B, foram identificadas 136 (47,5%) potenciais interações medicamentosas, 66 (48,5%) na Instituição A e 70 (51,4%) na Instituição B. Ao analisar as prescrições médicas, 53 (25,4%) idosos da instituição A e 29 (37,7%) idosos da Instituição B apresentaram pelo menos uma interação. Por sua vez, a maioria dos idosos que apresentou interação medicamentosa era do sexo masculino (51,2%), com média de idade de 75 anos (±9) na Instituição A e 76 anos (±10) na Instituição B. Não foi estabelecida uma correlação significativa entre a presença de interação medicamentosa e sexo e a idade.
Quanto ao número de medicamentos, 96,3% dos idosos da Instituição A e 87,5% dos idosos da Instituição B tomam no mínimo um medicamento todos os dias. Com relação ao número de medicamento administrados nas 24 horas, a média da Instituição A foi equivalente a 5 (±3) e da Instituição B foi de 4 (±2). Quanto ao tempo de institucionalização dos idosos que apresentaram potenciais interações medicamentosas, a média foi de seis anos para a Instituição A e de 11 anos para a Instituição B (Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização dos idosos que apresentaram potenciais interações medicamentosas na Instituição A e B. Brasil, 2016.
Instituição A N (53) | Instituição B N (29) | |||
---|---|---|---|---|
Variáveis | f | % | f | % |
Sexo | ||||
Masculino | 30 | 56,6 | 12 | 41,4 |
Feminino | 23 | 43,3 | 17 | 58,6 |
Número de idosos com interação | ||||
Sim | 53 | 25,4 | 29 | 37,7 |
Não | 156 | 74,6 | 48 | 62,3 |
Número de interações detectadas* | 66 | - | 70 | - |
Número de medicamentos administrados nas 24h* | ||||
1-5 | 53 | 100 | 26 | 89,7 |
5-10 | - | - | 2 | 6,9 |
>10 | - | - | 1 | 3.4 |
Tempo de institucionalização* | ||||
Instituição A: Média: 6 (±6,2) Mínimo:1; Máximo: 33 | ||||
Instituição B: Média: 11 (±9,8) Mínimo: 1; Máximo: 41 | ||||
Idade | ||||
Instituição A: Média: 75(± 9) Mínimo: 60; Máximo: 101 | ||||
Instituição B: Média: 76(± 10) Mínimo: 61; Máximo: 99 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2016.
Nota: *p<0,05
Na análise da correlação de Pearson, o número de potenciais interações medicamentosas detectadas apresentou correlação estatisticamente positiva com o tempo de institucionalização (p=0,04) e forte correlação com a quantidade de medicamentos administrados no dia (p=0,000).
Quanto à classificação das potenciais interações medicamentosas identificadas (Tabela 2), em geral, a severidade foi classificada como grave; o tempo de início, quando especificado, foi considerado tardio; e a documentação foi pobre. Em relação ao manejo clínico adequado, na instituição A os sintomas dos pacientes e os parâmetros laboratoriais necessitariam de monitoramento (56,1%), por sua vez na Instituição B, a conduta clínica mais prevalente foi o ajuste da dose dos medicamentos (37,7%).
Tabela 2 Classificação das potenciais interações medicamentosas identificadas na Instituição A e B. Brasil, 2016.
Instituição A | Instituição B | |||
---|---|---|---|---|
Variáveis | f | % | f | % |
Severidade | ||||
Grave | 45 | 68,2 | 47 | 67,1 |
Moderada | 20 | 30,3 | 22 | 31,5 |
Leve | 1 | 1,5 | 1 | 1,5 |
Tempo de início | ||||
Imediato | 11 | 16,7 | 7 | 10,0 |
Tardio | 17 | 25,8 | 23 | 32,9 |
Não especificado | 38 | 57,6 | 40 | 57,1 |
Documentação | ||||
Pobre | 33 | 50,0 | 34 | 48,6 |
Boa | 26 | 39,4 | 33 | 47,1 |
Excelente | 7 | 10,6 | 3 | 4,3 |
Manejo Clínico | ||||
Monitorar os sintomas clínicos e parâmetros laboratoriais | 37 | 56,1 | 16 | 22,9 |
O médico deverá ajustar a dose | 18 | 27,3 | 26 | 37,7 |
O médico deverá substituir por outro medicamento | 9 | 13,6 | 25 | 35,7 |
O enfermeiro deverá modificar o horário de aprazamento | 2 | 3,0 | 1 | 1,5 |
Não especificado | - | - | 2 | 2,9 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2016.
No estudo foram encontrados 100 tipos diferentes de interações fármaco-fármaco, entretanto destacaram-se os 61 tipos que apresentaram maior frequência e que foram classificados com severidade moderada e grave, ressaltam-se as interações anlodipino + sinvastatina (3,7%), carbamazepina + quetiapina (3,7%), seguida por carbamazepina + risperidona (2,9%) e carvedilol + metformina (2,9%) (Tabela 3).
Tabela 3 Descrição das interações medicamentosas segundo efeito clínico, severidade e frequência, encontradas nas ILPIs. Brasil, 2016.
Interação fármaco-fármaco | Efeito Clínico | Severidade | f(%) | |
---|---|---|---|---|
Anlodipino | Sinvastatina | Resulta no aumento da exposição de Sinvastatina e o aumento do risco de miopatia, incluindo rabdomiolise. | Grave | 5(3,7) |
Carbamazepina | Quetiapina | Aumento da exposição da Carbamazepina e o risco de toxicidade e eficácia reduzida de Quetiapina. Ataxia, náusea, tremores e diplopia. | Grave | 5(3,7) |
Risperidona | Aumento da depuração da Risperidona, perda da eficácia terapêutica. | Moderada | 4(2,9) | |
Carvedilol | Metformina | Pode resultar em hipoglicemia ou hiperglicemia; diminuição dos sintomas de hipoglicemia. | Moderada | 4(2,9) |
AAS | Metformina | O efeito do hipoglicemiante pode aumentar com doses moderadas do AAS | Grave | 3(2,2) |
Citalopram | Risperidona | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 3(2,2) |
Hidroxizina | Quetiapina | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 3(2,2) |
Quetiapina | Risperidona | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 3(2,2) |
Trazodona | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 3(2,2) | |
AAS | Ácido Valpróico | Aumento da concentração plasmática de Ácido Valpróico. | Grave | 2(1,5) |
Ácido Valpróico | Risperidona | Aumento da concentração plasmática de Ácido Valpróico. | Grave | 2(1,5) |
Atenolol | Metformina | O uso concomitante de agentes antidiabéticos e bloqueadores beta-adrenérgicos podem resultar em hipoglicemia ou hiperglicemia; Diminuição dos sintomas de hipoglicemia. | Moderada | 2(1,5) |
Carbamazepina | Fenobarbital | Diminuição da eficácia da Carbamazepina. | Moderada | 2(1,5) |
Haloperidol | Diminuição da concentração plasmática de Haloperidol. | Moderada | 2(1,5) | |
Zolpidem | Aumento da depuração do Zolpidem. | Grave | 2(1,5) | |
Carbolitium | Fenergam | O uso concomitante causa fraqueza, discinesias, aumento dos sintomas extrapiramidais, encefalopatia e danos cerebrais. | Grave | 2(1,5) |
Neozine | Fraqueza, discinesias, aumento dos sintomas extrapiramidais, encefalopatia, e danos cerebrais. | Grave | 2(1,5) | |
Haldol | O uso concomitante causa fraqueza, discinesias, aumento dos sintomas extrapiramidais, encefalopatia e danos cerebrais. | Grave | 2(1,5) | |
Clorpromazina | Quetiapina | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 2(1,5) |
Digoxina | Furosemida | Resulta em toxicidade da digoxina (náuseas e vômitos, arritmias cardíacas). | Moderada | 2(1,5) |
Escitalopram | Haldol | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 2(1,5) |
Risperidona | Efeitos aditivos sobre o intervalo QT. Podem resultar a risco aumentado de eventos cardíacos graves. | Grave | 2(1,5) | |
HCTZ | Enalapril | Redução da pressão arterial | Moderada | 2(1,5) |
Fonte: Dados da pesquisa, 2016.
Quanto aos principais efeitos clínicos detectados nas interações medicamentosas graves presentes estão: a cardiotoxicidade (alteração do intervalo QT), o risco de miopatia, o efeito hipoglicemiante e o aumento do risco de hemorragia.
Entre os medicamentos avaliados nas prescrições médicas, foram considerados inapropriados para idosos a amitriptilina, os benzodiazepínicos (alprazolam, clonazepam), o uso crônico (acima de 90 dias) de hipnóticos não benzodiazepínicos (zolpidem), a furosemida como monoterapia de primeira linha para hipertensão e a Espironolactona (acima de 25 mg/dia).
A predominância de mulheres residentes em ambas as instituições estudadas, corrobora com outros achados na literatura.14 Esse predomínio é justificado, em geral, pela maior expectativa de vida das mulheres quando comparada a dos homens, confirmando, assim, o fenômeno da feminização da velhice.15 No entanto, a maioria dos idosos que apresentou interação medicamentosa era do sexo masculino (51,2%), com média de idade de 75 anos (DP) na Instituição A e 76 anos (DP) na Instituição B.
O tempo de residência mínima dos idosos nas instituições foi de um ano e o máximo de 41 anos. O tempo de institucionalização dos idosos apresentou correlação estatisticamente significativa com o número de interações medicamentosas detectadas no estudo (p=0,04). Tal fato pode ser justificado pela maior vulnerabilidade dos idosos institucionalizados a apresentarem doenças limitantes, fragilidades, baixa funcionalidade, sendo esses, os principais fatores associados à polifarmácia e, como consequência, o aumento da probabilidade de interações medicamentosas e/ou reações adversas.16
Com relação à média de idade encontrada no estudo, 75 ± 9 na Instituição A e 76 ± 10 anos na Instituição B, assemelham-se a outras pesquisas brasileiras, que apontam o aumento do perfil de idosos longevos.17,14 Os idosos com faixa etária acima de 80 anos, denominados “mais idosos” ou “idosos em velhice avançada”, constituem o segmento populacional que mais cresce nos últimos tempos, tal fato justifica-se pelo ganho sobre a mortalidade e, como consequência, o aumento da expectativa de vida.1
Concomitante a essas mudanças demográficas no País, ocorreram alterações no comportamento da morbimortalidade da população, alterando, assim, o perfil epidemiológico brasileiro, que passou a ser marcado por doenças crônicas como incapacidades, deficiências e fragilidades, as quais demandam intervenções contínuas e especializadas do sistema de saúde.18
Como consequência da predominância de doenças crônico-degenerativas, a população idosa utiliza diversos medicamentos, desencadeando a polimedicação.19 Destaca-se que 96,3% dos idosos da Instituição A tomam no mínimo uma medicação ao dia. Achados semelhantes foram encontrados em uma ILPI do Sul do Brasil que destacou que apenas 3% dos idosos não faziam uso de medicamentos.17
O estudo identificou que a quantidade média de medicamentos prescritos para os idosos das duas ILPI estudadas foi de 4,5 medicamentos/idoso. O número de potenciais interações medicamentosas detectadas apresentou forte correlação com a quantidade de medicamentos administrados no dia (p=0,000). O número de medicamentos obtido apresenta-se elevado quando comparado a uma pesquisa realizada na região Sul do Brasil, que teve uma média de 3,7 medicamentos/idoso e menor quando confrontado com os resultados encontrados em uma ILPI da região sudeste, que obteve uma média de sete medicamentos utilizados por idoso.19-20 Ao compararmos os dados dos estudos brasileiros com um estudo internacional, a média é considerada baixa. Pesquisa realizada na Finlândia constatou uma média de oito fármacos administrados regularmente a cada idoso.10
O uso simultâneo de medicamentos é prevalente na população idosa e uma preocupação constante nas ILPI nas últimas décadas. Diversas consequências negativas estão associadas com o consumo de múltiplos medicamentos, tais como: o aumento dos custos com o cuidado a saúde; o aumento do risco de eventos adversos e interações medicamentosas; a diminuição da adesão à medicação; a redução da capacidade funcional; e múltiplas síndromes geriátricas.21
Ao final da análise das prescrições do estudo, 25,4% dos idosos da Instituição A e 37,7% dos idosos da instituição B apresentaram, pelo menos, uma interação medicamentosa, sendo a maioria classificada em severidade grave. Diferentemente de uma pesquisa realizada no Sul do Brasil, que identificou um número maior de interações medicamentosas, 39,8% das prescrições analisadas, por sua vez, 64,9% destas foram de gravidade moderada.22
Além do consumo de múltiplos fármacos, outro fator que também contribui para a ocorrência de interações medicamentosas é a distribuição de medicamentos em horários padronizados, o que possibilita a administração de vários fármacos ao mesmo tempo.16
O aprazamento seguro de medicamentos é de responsabilidade do enfermeiro e que muitas vezes segue uma rotina de horário pré-estabelecido. Entretanto, é necessária a atenção para o planejamento adequado das medicações e seus intervalos, prevenindo possíveis interações medicamentosas e danos aos pacientes.23
Destaca-se que no estudo foram encontrados 100 tipos diferentes de interações fármaco-fármaco, sendo 61 tipos de interações medicamentosas que apresentaram maior frequência nas duas instituições estudadas. Uma das interações medicamentosas graves mais prevalente foi a associação dos fármacos anlodipino e sinvastatina, observadas em 5 (3,7%) prescrições médicas. Resultado semelhante foi encontrado no sudeste brasileiro, por meio de um estudo realizado com idosos hipertensos atendidos em uma Unidade Básica de Saúde.24
O anlodipino e a sinvastatina, quando administrados em conjunto, apresentam uma interação medicamentosa grave, resultando no aumento da exposição da sinvastatina e do risco de miopatia, incluindo a rabdomiólise.12 Outra interação medicamentosa frequente no estudo foi o uso simultâneo da carbamazepina com a risperidona. Estudo realizado na Finlândia também detectou a mesma interação como uma das mais frequentes nos idosos institucionalizados.10 Essa interação provoca o aumento da depuração da risperidona, o que resulta na perda da sua eficácia.12
A escolha da terapia medicamentosa em idosos é considerada um desafio, devido ao desenvolvimento potencial de efeitos colaterais e de interações medicamentosas, ocasionada pelo uso crônico de fármacos e pela polifarmácia.8 Ademais, com as alterações fisiológicas do envelhecimento há uma modificação na farmacocinética e na farmacodinâmica das medicações, podendo contribuir para efeitos clínicos negativos.8
As implicações clínicas mais detectadas das interações medicamentosas graves foram a cardiotoxicidade (alteração do intervalo QT), o risco de miopatia, o efeito hipoglicemiante e o aumento do risco de hemorragia. Estudo realizado, no Sudeste do Brasil, com os idosos da comunidade corroborou com os achados desta pesquisa.24 Tais desfechos podem comprometer a funcionalidade e a qualidade de vida dos idosos, dessa forma, faz-se necessário o monitoramento dos sintomas clínicos, dos parâmetros laboratoriais e o ajuste de dose.24
Além da preocupação com as interações medicamentosas, alguns fármacos são considerados potencialmente inapropriados para idosos, entre eles, a prescrição de benzoadizepínicos que, em geral, aumentam o risco de comprometimento cognitivo, delirium, quedas e fraturas. Após a prescrição dessas medicações, o monitoramento dos pacientes e o conhecimento dos riscos associados ao uso desses fármacos é imprescindível para auxiliar na detecção dos efeitos adversos, ou para evitar que sejam confundidos com novas doenças.9
Diante da complexidade farmacoterápica do idoso, o equilíbrio entre os riscos e os benefícios é fundamental para o uso seguro e racional de medicamentos.1 O julgamento clínico é essencial para o estabelecimento de uma prescrição adequada, devendo levar em consideração a singularidade de cada paciente e os objetivos do tratamento.13
Dentro desse contexto, a atuação do enfermeiro é fundamental para o estabelecimento de um plano terapêutico seguro ao idoso institucionalizado, visando o seu bem-estar, sua autonomia, sua qualidade de vida e a sua melhora do estado de saúde. Para isso, a equipe de enfermagem, necessita de um maior aprofundamento farmacológico para identificar possíveis interações medicamentosas e praticar estratégias de monitoramento ao paciente.
O alto consumo de fármacos foi evidenciado nas duas ILPI estudadas, com a ocorrência de 100 tipos de interações fármaco-fármaco diferentes, além da alta prevalência de interações medicamentosas avaliadas em grave e com repercussões clínicas significantes.
A partir dos achados, o estudo contribuiu para o conhecimento das principais interações medicamentosas em idosos institucionalizados, tornando-se uma ferramenta essencial para o estabelecimento de medidas preventivas de segurança na farmacoterapia, contribuindo para uma assistência à saúde eficaz e de qualidade ao idoso.
Destaca-se como limitação da pesquisa o método empregado para análise dos dados. O uso do software fornece apenas as interações medicamentosas potenciais, o que não significa que os eventos adversos se manifestem clinicamente em todos os pacientes. Outro fator limitante é que não foram observadas a dosagem das medicações e o tempo de tratamento, dessa forma, pode ocorrer um valor superestimado de interações.
Ressalta-se a importância da realização de análises mais aprofundadas das interações medicamentosas e efeitos clínicos encontrados na pesquisa com novas variáveis intervenientes, como as comorbidades e o grau de dependência do idoso, para realização de outros testes de correlações.