Compartilhar

Sensibilização central e crenças entre pacientes com dores crônicas em uma unidade de atenção primária de saúde

Sensibilização central e crenças entre pacientes com dores crônicas em uma unidade de atenção primária de saúde

Autores:

Gustavo Henrique Dionísio,
Victor Yoshioka Salermo,
Alexandre Padilha

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.3 no.1 São Paulo jan./mar. 2020 Epub 14-Fev-2020

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20200010

INTRODUÇÃO

É classificada como dor crônica (DC) a que persiste por um período superior a três meses, e essa definição é consistente com diversas referências epidemiológicas amplamente utilizadas1. Os atuais estudos sobre DC sugerem a existência de uma relação dinâmica entre mudanças biológicas, estado psicológico e contexto social, enfatizando que esses fatores têm papéis distintos na DC, incapacidade e desajuste emocional2.

Existem fortes evidências de que as DC podem estar associadas à incapacidade física, distúrbios emocionais e dificuldades sociais. Além disso, tem sido reconhecido que fatores emocionais, cognitivos e sociais mediam a experiência subjetiva da dor3.

A dor física, tanto aguda ou crônica, é frequentemente relatada juntamente com desordens de ansiedade e depressão4-6. Revisões sistemáticas e estudos transversais recentes concluíram que a combinação de um transtorno depressivo, ou de ansiedade, com a dor está associada a um pior desfecho clínico e ao aumento do uso do sistema de saúde e dos custos de cuidados de saúde do que quando a dor se apresenta de forma isolada7,8.

De acordo com o modelo biopsicossocial de dor9, a manifestação e manutenção de DC são funções dinâmicas de predisposições, estímulos e respostas preceptoras e fatores mantenedores, variáveis essas que podem incluir fatores genéticos, processos de aprendizagem e fatores ocupacionais. Os estímulos preceptores podem ser externos e internos e envolvem estressores e valores capazes de disparar diversas respostas autonômicas e musculoesqueléticas (p. ex.: ativação simpática e tensão muscular). Tais respostas são mediadas pela percepção e interpretação de processos fisiológicos ou sintomas e podem envolver expectativas, processos de aprendizagem e crenças, bem como estratégias de enfrentamento. As variáveis mantenedoras podem ser influenciadas por processos de aprendizagem e outros fatores psicossociais. Segundo esse modelo, os aspectos biológicos podem iniciar, manter ou modular as alterações físicas; os fatores psicológicos influenciam a avaliação e percepção de sinais fisiológicos, e os fatores sociais modelam as respostas comportamentais do paciente à percepção de suas alterações físicas9,10.

Revisões recentes têm destacado a contribuição dos distúrbios do sono para experiência da dor11,12. Diversos estudos indicam que a privação do sono leva a uma série de complicações à saúde geral, como respostas hiperalgésicas em humanos13 e o prejuízo da função dos sistemas endógenos de inibição da dor14.

O tratamento biopsicossocial que reconhece e visa os fatores físicos, psicológicos e sociais subjacentes à dor e deficiência é atualmente aceito como a abordagem mais eficaz para a DC15,16 e superior ao tratamento usual e terapia física isolada17.

A presença de DC é frequentemente associada à presença de outros sintomas clínicos, incluindo fadiga, sono insatisfatório, déficits cognitivos, dores de cabeça, depressão e ansiedade18. Estudo19 propôs o termo “síndrome de sensibilidade central” (CSS-SC) para categorizar os distúrbios inorgânicos relacionados à dor com dimensões sobrepostas de sintomas, sendo a sensibilização central (SC) a etiologia comum. A SC tem sintomas sobrepostos em um espectro de doença estrutural, daqueles com nocicepção persistente, por exemplo, osteoartrite, e para aqueles sem lesão física tecidual, como fibromialgia e síndrome de dor miofascial20.

Estratégias não farmacológicas com o objetivo maior de reduzir os gastos em saúde associados ao tratamento da dor e em relação ao seu custo-eficácia surgem como ótima opção à implementação de programas de compreensão da dor. Esses programas se concentram em uma abordagem biopsicossocial, de forma multiprofissional, concluindo que pode ser mais econômico para o sistema de saúde, além de prover maior qualidade de vida para as pessoas com dor21 em comparação com a utilização unilateral da medicina convencional22.

Os objetivos deste estudo foram avaliar os aspectos emocionais e de saúde mental ligados à SC, às crenças disfuncionais e aos hábitos relacionados à perpetuação das DC e à autopercepção do sono. Além disso, elaborar e realizar uma aula de Educação em Dor com base em neurociência com linguagem acessível, em grupo, com estímulo à participação dos pacientes na compreensão do que é dor, e na reconceitualização dos seus sintomas, investigando sua aceitabilidade.

MÉTODOS

Estudo transversal descritivo com breve intervenção educacional, foi realizado com pacientes com DC de uma Unidade Básica de Saúde localizada na cidade de Guarulhos, no estado de São Paulo.

Em um primeiro contato, os pacientes preencheram questionários que avaliaram subjetivamente o nível de dor sentida, o impacto da dor nas atividades diárias, a SC, e as crenças e conhecimentos relacionados ao cuidado da dor musculoesquelética, e questões quanto ao uso de álcool, tabaco, autopercepção de atividade física e qualidade do sono. Também foram questionados quanto ao número de fármacos em uso para o controle da dor, contabilizando os fármacos prescritos e não prescritos. Foram excluídos os pacientes neurológicos, politraumatizados, ou com grandes déficits funcionais.

Para avaliar a qualidade do sono durante o último mês foi usada a Escala de Pittsburgh (PSQI-BR) traduzida e validada para a população brasileira23, que consiste de um questionário com 19 itens, sendo selecionadas as quatro primeiras questões que avaliam, durante o último mês, o horário que habitualmente foi dormir; o tempo em minutos que leva habitualmente para adormecer; o horário que habitualmente desperta; o número de horas de sono; e autoavaliação da qualidade do sono.

Para avaliar o grau de SC foi usado o Questionário de Sensibilização Central (BP-CSI), validado e traduzido para o português, constituído por questionário composto por duas partes, onde a parte A contém 25 afirmações que podem ser pontuadas em uma escala do tipo Likert temporal de 5 pontos de zero a quatro. Quanto maior o valor, maior o grau de SC, podendo variar de zero a 100 pontos no total. A parte B avalia se o paciente já foi previamente diagnosticado com alguma das doenças incluídas na síndrome da SC e o ano de diagnóstico. Dada à condição da população estudada, e o difícil acesso a médicos especialistas, a parte B do questionário foi dispensada, porém os diagnósticos de saúde com sinais de SC foram pautados durante a aula de aspectos biopsicossociais da dor24.

Para avaliar a intensidade da dor na última semana foi usada a Numeric Rating Scale (NRS), de zero a 10, onde zero representa “nenhuma dor” e 10 representa “a pior dor imaginável”. Também em escalas de zero a 10, os pacientes classificaram o quanto a dor interferiu em suas atividades de autocuidado, no cuidado de casa e em atividades fora de casa, também o quanto eles evitam sair de casa devido à dor.

Para avaliar algumas crenças disfuncionais relacionadas à dor, os pacientes responderam sim ou não para questões como: quando a dor aumenta, você acredita que é o seu corpo “se machucando mais”’? “você acredita que o estresse ou ansiedade podem aumentar sua dor”?; “você acredita que exercícios ou movimentos podem piorar sua dor”?; “você acredita que exames de imagem radiografia, ressonância nuclear magnética definem sua condição?

Após a avaliação, os pacientes se reuniram em grupos para a aula expositiva-participativa sobre os aspectos neurofisiológicos da dor e fatores psicossociais que se relacionam com a cronificação das dores.

Com duração de 01h30 minutos, com espaços para a livre exposição e questionamento dos pacientes, a aula foi construída com uma linguagem acessível, utilizando metáforas e exemplos corriqueiros de como as emoções têm papel central na experiência dolorosa. O objetivo da aula foi estimular a reflexão e reconceitualização, reconhecendo os comportamentos e pensamentos disfuncionais relacionados ao fenômeno doloroso.

Explicar a dor, ou educar sobre dor, se refere a uma gama de intervenções educacionais que visam a mudança da compreensão sobre os múltiplos aspectos da dor, baseados em evidência, para que a compreensão seja um mecanismo de redução da dor, baseada na psicologia educacional, nas estratégias de mudança conceitual, para ajudar os pacientes a entender a biologia da dor. Educação em dor não é o aconselhamento comportamental ou cognitivo, também não nega a contribuição potencial de sinais nociceptivos periféricos para a experiência da dor25.

A aplicação do modelo biopsicossocial tem focado no impacto da dor no paciente e nos que o rodeiam. A importância de fatores psicossociais como mediadores do sofrimento tem sido reconhecida pela literatura, e vários tratamentos e formas de abordagem reconhecem a educação em dor como estratégia efetiva para modular os fatores que determinam a experiência dolorosa25.

Ao final da aplicação dos questionários e da aula sobre aspectos biopsicossociais da dor, os pacientes também responderam, em escalas visuais de zero a 10, quanto à satisfação na participação da aula e a importância do tema. Se observada a necessidade de apoio psicológico, o paciente foi encaminhado para a equipe de suporte psicológico.

Após a aula, os pacientes foram agendados individualmente para consultas e orientações com fisioterapeutas sobre os melhores cuidados e elaboração de condutas.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Nove de Julho, de parecer CAAE: 04098618.1.0000.5511, realizado entre os meses de março e maio de 2019.

RESULTADOS

Foram incluídos 30 pacientes, com o total de 8 grupos, com média de idade de 55,5±12,32 anos, sendo 22 mulheres e 8 homens. As regiões com o maior número de queixas de DC foram a coluna lombar, seguido de joelho e ombro. O tempo de queixa dolorosa foi de 50,96±46,83 meses (Tabela 1).

Tabela 1 Características da amostra (n=30) 

Variáveis
Idade (média±DP) 54,5±12,32
Sexo (homens / mulheres) 8/22
Número de filhos (média±DP) 3,23±2,11
Renda familiar em número de salários mínimos
(R$ 998,00) (média±DP)
1,64±0,73
Número de queixas crônicas de dor por localização
''Em todo o corpo'' 4
Cabeça 1
Pescoço 2
Ombro 6
Coluna lombar 15
Joelho 8
Membro superior 3
Membro inferior
Tempo da queixa dolorosa (média ± DP)
1
50,96±46,83
Fármacos em uso para dor prescritos (média±DP) 1,33±1,39
Fármacos em uso para dor não prescritos
(média±DP)
0,56±0,50

Entre os hábitos de vida, 93,3% dos pacientes se consideram sedentários, 44,4% convivem próximos a fumantes. Cinquenta por cento consideram a qualidade do sono ruim, 26,66% muito ruim, com uma média de horas de sono de 5,75±1,99. Outros valores sobre hábitos de vida e autopercepção da qualidade do sono são apresentados na tabela 2.

Tabela 2 Hábitos de vida e autopercepção da qualidade do sono 

n (%)
Sedentários (não realizam atividade física) 28 (93,3)
Fazem uso de cigarro 3 (10)
Convivem próximo a fumantes 13 (44,4)
Fazem uso de bebida alcoólica 5 (16,6)
Autoavaliação da qualidade do sono
Muito bom 3 (10)
Bom 4 (13,33)
Ruim 15 (50)
Muito ruim 8 (26,66)
Horas totais de sono (média ± DP) 5,75±1,99

A tabela 3 apresenta os valores relacionados ao nível de dor e impacto nas atividades diárias utilizando a escala de estimativa numérica de zero a 10, onde os valores encontrados, tanto para o nível de dor recente como para o nível de dor em atividades dentro e fora de casa foram altos.

Tabela 3 Valores relacionados ao nível de dor e impacto nas atividades diárias de acordo com a escala de estimativa numérica de zero a 10 

Média ± DP
Nível de dor sentido na última semana 7,96±1,99
O quanto a dor atrapalha o seu autocuidado 7,36±2,47
O quanto a dor atrapalha as atividades domésticas 7,43±2,66
O quanto a dor atrapalha as atividades fora de casa 7,63±2,39
O quanto você evita sair de casa devido à dor 7,93±3,03

A pontuação média encontrada com a aplicação do questionário de SC foi de 49,86±16,14. A tabela 4 mostra os valores para os itens do questionário CSS que apresentaram uma pontuação média mais elevada entre os participantes.

Tabela 4 Itens do inventário central de sensibilização com maior pontuação apresentada 

Pontuação média geral (zero-100) Média±DP
Itens com maiores médias de pontuação
2 - Sinto minha musculatura enrijecida 3,23±1,16
15 - O estresse piora meus sintomas 2,93±1,33
17 - Tenho pouca energia 2,89±1,04
18 - Tenho tensão muscular no pescoço e
nos ombros
2,80±1,24
12 - Durmo mal 2,63±1,37

As questões sobre crenças relacionadas à dor foram respondidas com sim ou não pelos voluntários. As respostas são apresentadas na tabela 5.

Tabela 5 Crenças disfuncionais relacionadas à dor 

% (n)
Sim Não
Quando a dor aumenta, você acredita que é o seu corpo ''se machucando mais''? 96,60 (29) 3,40 (1)
Você acredita que exercícios ou movimentos pioram seus sintomas? 63,30 (19) 36,70 (11)
Você acredita que o estresse ou ansiedade podem aumentar sua dor? 80 (24) 20 (6)
Você acredita que exames de imagem (p. ex.: radiografia, ressonância nuclear magnética) conseguem definir e justificar sua condição? 93,30 (28) 6,60 (2)

Ao final da atividade, os participantes foram questionados quanto à satisfação com a atividade e sobre a importância do tema para eles, que responderam em uma escala Likert de zero a 10, sendo zero totalmente negativo/insatisfeito e 10 totalmente positivo/satisfeito. A resposta média para cada item foi a seguinte: 1 - O quanto você considera importante o conteúdo da aula que você participou? 9,80±0,48; 2 - Que nota você dá para a forma com que essas informações foram apresentadas? 9,96±0,18; 3 - Você considera bom outros pacientes saberem do conteúdo dessa aula? 9,80±0,80; 4 - Você acredita que ter conhecimento desses fatos irá mudar a forma como você encara a sua dor? 9,93±0,36.

DISCUSSÃO

A dor é um sintoma extremamente prevalente. Em uma revisão de trabalhos sobre a prevalência de DC na população brasileira encontrou-se uma variação de 29,3 a 73,3%, tendo afetado mais mulheres que homens e o local mais prevalente foi a região dorsal/lombar26.

A maior prevalência de DC na população brasileira idosa é associada significativamente com ser do sexo feminino, ter menor escolaridade e pior situação econômica27. Essa influência socioeconômica também influencia na resignação dessas pessoas na notificação de dor, e em seu cuidado28. Na população estudada, a média de idade dos pacientes com DC foi de 54,5±12,32 anos, sendo a maioria mulheres, com renda familiar média de 1,64±0,73 salários mínimos.

Entre os aspectos comportamentais, 93,3% dos pacientes envolvidos se consideraram sedentários, 44,4% convivem próximos a fumantes, 50% consideram a qualidade do seu sono ruim e 26,66% muito ruim. Maior prevalência de tabagismo foi consistentemente observada em diagnósticos de dor, incluindo fibromialgia, dor nas costas e cefaleia, assim como o sedentarismo e a má qualidade do sono que contribuem para maior prevalência e pior desfecho da DC13,14,27,29.

O maior número de queixas de DC foi na coluna. No Brasil, as características associadas à maior prevalência de DC de coluna, em ambos os sexos, foram: aumento da idade; baixa escolaridade; história de tabagismo; consumo elevado de sal; sobrepeso e obesidade; doenças crônicas como hipertensão e colesterol elevado30. A lombalgia é heterogênea em sua apresentação e em seus mecanismos subjacentes para o desenvolvimento e progressão dos sintomas. Uma enorme literatura descreve características biológicas, psicológicas e sociais que explicam as variações individuais na apresentação da doença31.

Dentre os aspectos biológicos estão implicadas variações na doença tecidual, sobrecarga sobre tecidos e estruturas por postura, alinhamento e ativação muscular, sedentarismo, neurologia da dor, alterações centrais e periféricas no processamento da dor32-34. No domínio psicológico, existe uma diversidade equivalente de fatores associados como a forma que a pessoa lida com a dor, autoeficácia, catastrofização da dor, evitação, cinesiofobia, depressão, ansiedade, angústia e comportamento de dor, todas tendo implicações diferentes dentro de um tratamento35-37. O domínio social é igualmente diversificado, incluindo questões como satisfação no trabalho, suporte e convívio social35,38.

A SC pode ser definida como uma amplificação da sinalização neural dentro do sistema nervoso central que provoca hipersensibilidade à dor39. Ela corresponde a critérios clínicos de diagnóstico onde a queixa de dor não pode ser devida à dor neuropática por lesões, neuropatia, doenças do sistema nervoso; ou descrita como por exemplo, tiro, queimação por picada, e não devido a processos nociceptivos ou inflamatórios como a dor proporcional à lesão ou processos inflamatórios identificáveis. Além disso, é necessário que haja evidência de dor generalizada e não apenas a queixa localizada, hipersensibilidade aos processos sensoriais em geral, por exemplo, sensibilidade à luz, som, toque, odores etc., e sintomas que são produto e contribuinte para o construto de “carga mental” como problemas de sono, intensidade da dor, labilidade afetiva, dificuldades cognitivas e falta de energia e/ou fadiga40. Um conjunto de sintomas comumente identificado em pacientes com DC é a sobreposição de sintomas, incluindo distúrbio do sono, dor de ampla distribuição, perturbação afetiva, distúrbio cognitivo e déficit de energia40,41.

O inventário central de sensibilização (CSI-BP) é uma escala de autopercepção destinada a alertar os profissionais da saúde que os sintomas apresentados por um paciente podem estar relacionados a algum nível de SC. A literatura aponta que as pontuações médias no questionário CSI em doenças com características somáticas é de 40 pontos42. Na presente amostra de 30 pacientes com DC, a pontuação média do questionário CSI foi de 49,86±16,14, sendo os itens do questionário com maior pontuação: 2 - “Sinto minha musculatura enrijecida”; 15 - “O estresse piora meus sintomas”; 17 - “Tenho pouca energia” 18 - “Tenho tensão muscular no pescoço e nos ombros” e 12 - “Durmo mal”. Esses achados demonstram o quanto a sobreposição de sintomas múltiplos pode se envolver com a gravidade e impacto da DC43 entre os pacientes.

Estudo que analisou as crenças e atitudes relacionadas à dor lombar crônica na população brasileira evidenciou que a crença “lesão física” foi a única que apresentou média próxima à orientação desejável, ou seja, para esses pacientes a dor não está necessariamente relacionada a uma lesão física43. No presente estudo, ao serem questionados se acreditam que quando a dor está intensa o seu corpo está aumentando, ou seja, relacionando a dor à lesão tecidual, 96,60% dos voluntários informaram que sim, portanto essa relação direta existiu.

Ao questionar os voluntários se acreditam que o estresse ou ansiedade podem aumentar e influenciar a experiência dolorosa, 80% responderam que sim, o que foi considerado uma orientação desejável. As três emoções mais comumente associadas à DC são humor deprimido, ansiedade e raiva. Essas emoções, por sua vez, estão associadas à redução dos limiares de dor, redução das tolerâncias à dor e aumento da intensidade da dor relatada44-46. Porém, essa consciência de que as emoções podem influenciar a experiência dolorosa não significa necessariamente que eles estão atentos a isso, de forma a tentar modificar ou intervir sobre esses fatores emocionais.

O medo do movimento e de outra lesão pode ser melhor preditor de limitações funcionais físicas do que as variáveis biofísicas ou fisiopatológicas subjacentes47. Há também fortes evidências que o medo relacionado à dor está mais associado à incapacidade percebida e ao desempenho comportamental reduzido do que à própria dor48. Ao se questionar os voluntários se eles acreditam que exercícios ou movimentos podem piorar seus sintomas, 63,30% responderam que sim, caracterizando medo relacionado ao movimento.

Ao questionar se acreditam que exames de imagem como radiografia e ressonância nuclear magnética conseguem definir e justificar sua condição, 93,30% acreditam que sim, demonstrando crença e dependência de exames de imagem para o diagnóstico e prognóstico pelos profissionais de saúde. Estudos atuais apontam para o excessivo uso e dependência de exames de imagem, que, muitas vezes, não são precisos para o estabelecimento de diagnóstico e a correlação com o nível de dor, inclusive com imagens em sujeitos clinicamente saudáveis49-51.

A combinação da educação em dor com formas convencionais de terapia é associada com melhoria na função e dor em diversas populações52-54. Então, é fundamental o conhecimento adequado do fisioterapeuta para atuar e orientar corretamente o paciente.

A aula sobre os aspectos neurofisiológicos da dor teve como objetivo estimular a reflexão e reconceitualização da dor, reconhecendo os comportamentos e pensamentos disfuncionais relacionados ao fenômeno doloroso, além de esclarecer os mitos no cuidado das DC aos pacientes55-58.

Tanto o conteúdo como o método de realização da atividade foram bem aceitos pelos pacientes que afirmaram que a atividade mudou positivamente a forma como veem o seu problema de saúde, além de considerarem importante que outros pacientes com DC também sejam orientados dessa forma.

As limitações deste estudo foram as dificuldades do serviço e o pouco tempo disponível para sua execução, impedindo o aprofundamento sobre questões socioeconômicas e a identificação de outras comorbidades de saúde associadas. Mais estudos sobre DC e seu impacto em populações vulneráveis são necessários, identificando o impacto do baixo nível educacional, de renda e de acesso a serviços de saúde, e o quanto esses fatores são determinantes no cuidado de pacientes que se queixam de dores crônicas.

CONCLUSÃO

Os resultados reforçam a necessidade de um olhar biopsicossocial sobre o manejo da dor crônica pelo fato de que o paciente com DC não apresenta apenas alterações biomecânicas ou musculoesqueléticas e sim um amplo espectro de disfunções provocadoras e mantenedoras da dor. A educação em dor é uma ferramenta útil, com boa aceitação pelos pacientes quando tomam conhecimento dos múltiplos aspectos que influenciam o fenômeno doloroso.

REFERÊNCIAS

1 Blyth FM, March LM, Brnabic AJ, Jorm LR, Williamson M, Cousins MJ. Chronic pain in Australia: a prevalence study. Pain. 2001;89(2-3):127-34.
2 Keefe FJ, Rumble ME, Scipio CD, Giordano LA, Perri LM. Psychological aspects of persistent pain: current state of the science. J Pain. 2004;5(4):195-211.
3 Pincus T, Burton AK, Vogel S, Field AP. A systematic review of psychological factors as predictors of chronicity/disability in prospective cohorts of low back pain. Spine. 2002;27(5):E109-20.
4 Trivedi MH. The link between depression and physical symptoms. Prim Care Companion J Clin Psychiatry. 2004;6(Suppl 1):12-6.
5 Means-Christensen AJ, Roy-Byrne PP, Sherbourne CD, Craske MG, Stein MB. Relationships among pain, anxiety, and depression in primary care. Depress Anxiety. 2008;25(7):593-600.
6 Stahl S, Briley M. Understanding pain in depression. Human Psychopharmacol. 2004;19(Suppl 1):S9-13.
7 Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901.
8 Gameroff MJ, Olfson M. Major depressive disorder, somatic pain, and health care costs in an urban primary care practice. J Clin Psychiatry. 2006;67(8):1232-9.
9 Turk DC, Okifuji A. Psychological factors in chronic pain: evolution and revolution. J Consult Clin Psychol. 2002;70(3):678-90.
10 Sardá Júnior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A. Psychosocial predictors of pain, incapacity and depression in Brazilian chronic pain patients. Rev Dor. 2012;13(2):111-8.
11 Smith MT, Haythornthwaite JA. How do sleep disturbance and chronic pain inter-relate? Insights from the longitudinal and cognitive-behavioral clinical trials literature. Sleep Med Rev. 2004;8(2):119-32.
12 Kundermann B, Krieg JC, Schreiber W, Lautenbacher S. The effects of sleep deprivation on pain. Pain Res Manag. 2004;9(1):25-32.
13 Lautenbacher S, Kundermann B, Krieg JC. Sleep deprivation and pain perception. Sleep Med Rev. 2006;10(5):357-69.
14 Smith MT, Edwards RR, McCann UD, Haythornthwaite JA. The effects of sleep deprivation on pain inhibition and spontaneous pain in women. Sleep. 2007;30(4):494-505.
15 Gatchel RJ, Peng YB, Peters ML, Fuchs PN, Turk DC. The biopsychosocial approach to chronic pain: scientific advances and future directions. Psychol Bull. 2007;133(4):581-624.
16 Meeus M, Nijs J, Van Wilgen P, Noten S, Goubert D, Huljnen I. Moving on to movement in patients with chronic joint pain. Pain: Clinical Updates, 2016;14:1. .
17 Kamper SJ, Apeldoorn AT, Chiarotto A, Smeets RJ, Ostelo RW, Guzman J, et al. Multidisciplinary biopsychosocial rehabilitation for chronic low back pain: Cochrane systematic review and meta-analysis. BMJ. 2015;350:h444.
18 Schur EA, Afari N, Furberg H, Olarte M, Goldberg J, Sullivan PF, et al. Feeling bad in more ways than one: comorbidity patterns of medically unexplained and psychiatric conditions. J Gen Intern Med. 2007;22(6):818-21.
19 Yunus MB. Central sensitivity syndromes: a new paradigm and group nosology for fibromyalgia and overlapping conditions, and the related issue of disease versus illness. Semin Arthritis Rheum. 2008;37(6):339-52.
20 Deitos A, Dussán-Sarria JA, Souza AD, Medeiros L, Tarragô Mda G, Sehn F, et al. Clinical value of serum neuroplasticity mediators in identifying the central sensitivity syndrome in patients with chronic pain with and without structural pathology. Clin J Pain. 2015;31(11):959-67.
21 Gatchel RJ, Okifuji A. Evidence-based scientific data documenting the treatment and cost-effectiveness of comprehensive pain programs for chronic nonmalignant pain. J Pain. 2006;7(11):779-93.
22 Smeets RJ, Vlaeyen JW, Hidding A, Kester AD, van der Heijden GJ, van Geel AC, et al. Active rehabilitation for chronic low back pain: cognitive-behavioral, physical, or both? First direct post-treatment results from a randomized controlled trial [ISRCTN22714229]. BMC Musculoskel Disord. 2006;7(5).
23 Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo IC, de Barba ME, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70-5.
24 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, et al. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22.
25 Moseley GL, Butler DS. Fifteen years of explaining pain: the past, present, and future. J Pain. 2015;16(9):807-13.
26 Vasconcelos FH, Araújo GC. Prevalence of chronic pain in Brazil: a descriptive study. BrJP. 2018;1(2):176-9.
27 dos Santos FA, de Souza JB, Antes DL, d'Orsi E. Prevalence of chronic pain and its association with the sociodemographic situation and physical activity in leisure of elderly in Florianópolis, Santa Catarina: population-based study. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):234-47. English, Portuguese.
28 Grol-Prokopczyk H. Sociodemographic disparities in chronic pain, based on 12-year longitudinal data. Pain. 2017;158(2):313-22.
29 Orhurhu VJ, Pittelkow TP, Hooten WM. Prevalence of smoking in adults with chronic pain. Tob Induc Dis. 2015;13(1):17.
30 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s. English, Portuguese.
31 Hodges PW. Hybrid approach to treatment tailoring for low back pain: a proposed model of care. J Orthop Sports Phys Ther. 2019;49(6):453-63.
32 Petersen T, Olsen S, Laslett M, Thorsen H, Manniche C, Ekdahl C, et al. Inter-tester reliability of a new diagnostic classification system for patients with non-specific low back pain. Aust J Physiother. 2004;50(2):85-94.
33 Scholtes SA, Gombatto SP, Van Dillen LR. Differences in lumbopelvic motion between people with and people without low back pain during two lower limb movement tests. Clin Biomech. 2009;24(1):7-12.
34 Marcuzzi A, Dean CM, Wrigley PJ, Chakiath RJ, Hush JM. Prognostic value of quantitative sensory testing in low back pain: a systematic review of the literature. J Pain Res. 2016;9:599-607.
35 Mallen CD, Peat G, Thomas E, Dunn KM, Croft PR. Prognostic factors for musculoskeletal pain in primary care: a systematic review. Br J Gen Pract. 2007;57(541):655-61.
36 Costa Lda CM, Maherl CG, McAuleyl JH, Hancockl MJ, Smeets RJ. Self-efficacy is more important than fear of movement in mediating the relationship between pain and disability in chronic low back pain. Eur J Pain. 2011;15(2):213-9.
37 Picavet HS, Vlaeyen JW, Schouten JS. Pain catastrophizing and kinesiophobia: predictors of chronic low back pain. Am J Epidemiol. 2002;156(11):1028-34.
38 Hoogendoorn WE, van Poppel MN, Bongers PM, Koes BW, Bouter LM. Systematic review of psychosocial factors at work and private life as risk factors for back pain. Spine. 2000;25(16):2114-25.
39 Woolf CJ. Central sensitization: implications for the diagnosis and treatment of pain. Pain. 2011;152(Suppl):S2-15.
40 Latremoliere A, Woolf CJ. Central sensitization: a generator of pain hypersensitivity by central neural plasticity. J Pain. 2009;10(9):895-926.
41 Williams DA. Phenotypic features of central sensitization. J Appl Biobehav Res. 2018;23(2). pii e12135.
42 Neblett R, Cohen H, Choi Y, Hartzell MM, Williams M, Mayer TG, et al. The Central Sensitization Inventory (CSI): establishing clinically significant values for identifying central sensitivity syndromes in an outpatient chronic pain sample. J Pain. 2013;14(5):438-45.
43 Barbosa FM, Vieira EB, Garcia JB. Beliefs and attitudes in patients with chronic low back pain. BrJP. 2018;1(2):116-21.
44 Tang NKY, Salkovskis PM, Hodges A, Wright KJ, Hanna M, Hester J. Effects of mood on pain responses and pain tolerance: an experimental study in chronic back pain patients. Pain. 2008;138(2):392-401.
45 van Middendorp H, Lumley MA, Jacobs JW, Bijlsma JW, Geenen R. The effects of anger and sadness on clinical pain reports and experimentally-induced pain thresholds in women with and without fibromyalgia. Arthritis Care Res. 2010;62(10):1370-6.
46 Wagner G, Koschke M, Leuf T, Schlösser R, Bär KJ. Reduced heat pain thresholds after sad-mood induction are associated with changes in thalamic activity. Neuropsychologia. 2009;47(4):980-7.
47 Gatchel RJ, Peng YB, Peters ML, Fuchs PN, Turk DC. The biopsychosocial approach to chronic pain: Scientific advances and future directions. Psychol Bull. 2007;133(4):581-624.
48 Crombez G, Vlaeyen JW., Heuts PHT., Lysens R. Pain-related fear is more disabling than pain itself: evidence on the role of pain-related fear in chronic back pain disability. Pain. 1999;80(1):329-39.
49 Nakashima H, Yukawa Y, Suda K, Yamagata M, Ueta T, Kato F. Abnormal findings on magnetic resonance images of the cervical spines in 1211 asymptomatic subjects. Spine. 2015;40(6):392-8.
50 Girish G, Lobo LG, Jacobson JA, Morag Y, Miller B, Jamadar DA. Ultrasound of the shoulder: asymptomatic findings in men. AJR Am J Roentgenol. 2011;197(4):W713-9.
51 Culvenor AG, Øiestad BE, Hart HF, Stefanik JJ, Guermazi A, Crossley KM. Prevalence of knee osteoarthritis features on magnetic resonance imaging in asymptomatic uninjured adults: a systematic review and meta-analysis. Br J Sports Med. 2019;53(20):1268-78.
52 Dolphens M, Nijs J, Cagnie B, Meeus M, Roussel N, Kregel J, et al. Efficacy of a modern neuroscience approach versus usual care evidence-based physiotherapy on pain, disability and brain characteristics in chronic spinal pain patients: protocol of a randomized clinical trial. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:149.
53 Ryan CG, Gray HG, Newton M, Granat MH. Pain biology education and exercise classes compared to pain biology education alone for individuals with chronic low back pain: a pilot randomised controlled trial. Man Ther. 2010;15(4):382-7.
54 Van Oosterwijck J, Nijs J, Meeus M, Truijen S, Craps J, Van den Keybus N, et al. Pain neurophysiology education improves cognitions, pain thresholds, and movement performance in people with chronic whiplash: a pilot study. J Rehabil Res Dev. 2011;48(1):43-58.
55 Nijs J, Van Houdenhove B. From acute musculoskeletal pain to chronic widespread pain and fibromyalgia: Application of pain neurophysiology in manual therapy practice. Man Ther. 2009;14(1):3-12.
56 Castro CES, Parizotto NA, Barboza HFG. Programa mínimo sobre mecanismos de dor e analgesia para cursos de graduação em fisioterapia. Rev Bras Fisioter. 2003;7(1):85-92.
57 Smart K, Doody C. Mechanisms-based clinical reasoning of pain by experienced musculoskeletal physiotherapists. Physiotherapy. 2006;92(3):171-8.
58 Moseley L. Unraveling the barriers to reconceptualization of the problem in chronic pain: the actual and perceived ability of patients and health professionals to understand the neurophysiology. J Pain. 2003;4(4):184-9.