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Serviços de atenção ao estomizado: análise diagnóstica no Estado de Minas Gerais, Brasil

Serviços de atenção ao estomizado: análise diagnóstica no Estado de Minas Gerais, Brasil

Autores:

Juliano Teixeira Moraes,
Carlos Faria Santos Amaral,
Eline Lima Borges,
Mauro Souza Ribeiro,
Eliete Albano de Azevedo Guimarães

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400010015

ABSTRACT

This study aimed to describe the characteristics of the structure and processes dimensions of ostomized patients' Health Care Services (SASPO) in the State of Minas Gerais, Brazil. It's a cross-sectional and descriptive survey carried out in 28 SASPO of Minas Gerais in 2011. Criteria related to structure and processes were analyzed in these 28 health care units distributed in 13 health macro-regions. The data were obtained from structured questionnaires based on governmental regulations for reference service to ambulatory of the ostomized patients. Frequency distribution was used for the descriptive analysis. The results showed that 72% of the units have a structure able to register the patients and dispense devices, and that 40% of them correspond to the service classified as type II. Regard to the processes, 96% of the units relied on nurses, but 52% of them had no qualification. It was also observed that these professionals are more involved in actions related to the program implementation than in health care. It was concluded that the SASPO of Minas Gerais have structure and processes related to registration, control and dispensing of collector bags and devices.

Key words: ostomy; health services evaluation; services structure

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 garantiu o direito à assistência à saúde com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Seus princípios direcionam para a democratização das ações e dos serviços de saúde que deixaram de ser restritos e centralizados e passaram a ser universais e descentralizados1.

O primeiro registro da atenção à saúde do estomizado no SUS ocorreu em 1993, com a portaria MS/GM no 116 de 9 de setembro de 1993. Nesta foi estabelecida a tabela SIA/SUS com os recursos financeiros destinados aos atendimentos ambulatoriais. Ainda no ano de 1993, a portaria MS/GM no 146 de 14 de outubro de 1993, estabeleceu a rotina do atendimento aos estomizados em regime ambulatorial2.

A atenção ao estomizado ganhou nova dimensão após a publicação do Decreto Lei no 3.298 de 20 de dezembro de 1999, que passou a considerar a pessoa estomizada como deficiente físico, e com a instituição da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, por meio da portaria MS/GM no 1.060 de 5 de junho de 2002. Essa política teve como objetivos gerais proteger e reabilitar a pessoa com deficiência em sua capacidade funcional e em seu desempenho humano, a fim de contribuir para a sua inclusão em todas as esferas da vida social e prevenir agravos que determinam o aparecimento de deficiência2.

Dessa forma, a atenção ao estomizado passou a ser associada ao Programa de Saúde da Pessoa com Deficiência e a ser assistida pelo Programa de Órtese e Prótese para a distribuição de dispositivos e bolsas coletoras.

Em 2009 foi publicada a portaria no 400, de 16 de novembro de 2009, na qual foram estabelecidas as Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do SUS, a serem observadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Essa portaria determinou a obrigatoriedade de vistoria, acompanhamento, controle e avaliação dos Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas (SASPO), o que demonstra uma preocupação com a eficiência, eficácia e efetividade dos serviços. Entende-se por SASPO aquelas unidades de saúde que prestam cuidados à saúde da pessoa estomizada e fornecem dispositivos necessários para o autocuidado, como as bolsas coletoras3.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), por meio da Deliberação CIB-SUS/MG no 363 de 19 de julho de 2007 e da resolução SES-MG no1.249 de 20 de julho de 2007, definiu os critérios, as normas operacionais e os procedimentos para assistência a pessoas com derivação intestinal ou urinária no sistema ambulatorial e hospitalar, constituindo a Rede Estadual de Assistência aos Pacientes Portadores de Derivação Intestinal ou Urinária. Nesta, as Unidades Prestadoras de Serviço (UPS) habilitadas para a assistência aos estomizados passam a ser integradas por Serviço de Referência Ambulatorial e Serviço de Referência Hospitalar4,5.

A SES-MG, por meio da Rede Estadual de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas, fornece os equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança para pessoas com estoma intestinal e/ou urinário assim como os serviços de apoio nutricional e psicológico em regime ambulatorial e hospitalar5. Entretanto, a despeito do estabelecimento da política de atenção ao estomizado em Minas Gerais, a estrutura e os processos de atendimento a esses pacientes ainda não passaram por um processo de avaliação.

Diante de tal apontamento, o objetivo deste estudo foi descrever as características conceituais da estrutura e dos processos de funcionamento dos SASPO no estado de Minas Gerais. Espera-se que por meio desta análise diagnóstica seja possível subsidiar o processo de tomada de decisão dos gestores para a melhoria dessa assistência.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal descritivo no qual foram analisados indicadores e/ou critérios relacionados à estrutura e aos processos dos SASPO no Estado de Minas Gerais no ano de 2011. O Estado é composto por 853 municípios, distribuídos em 13 macrorregiões de saúde. No momento da coleta de dados, foram contatadas todas as 28 unidades de SASPO implantadas no Estado, assim distribuídas: 3 unidades na macrorregião Centro; 3 na Centro-Sul; 1 na Jequitinhonha; 2 na Leste; 2 na Leste do Sul; 2 na Nordeste; 1 na Noroeste; 3 na Norte; 3 na Sudeste; 5 na Sul; 2 na Triângulo do Norte e 1 na Triângulo do Sul. Até o ano de 2012 a região Oeste de Minas não contava com serviço montado e referenciava os seus pacientes para a região Central.

A pesquisa foi fundamentada em aspectos clássicos da avaliação da qualidade: estrutura, processo e resultado6. Essa tríade tem sido considerada como uma importante abordagem para se avaliar a qualidade dos serviços de saúde7. Para os fins desta pesquisa, foram considerados os recursos empregados e sua organização (estrutura), além dos serviços prestados (processo). A dimensão estrutura corresponde aos recursos necessários ao processo assistencial, incluindo a área física, o pessoal, os recursos materiais e os financeiros, os sistemas de informação e os instrumentos normativos, técnicos e administrativos. A dimensão do processo compreende as atividades relacionadas à utilização dos recursos nos seus aspectos quantitativos e qualitativos6.

Para subsidiar a análise diagnóstica, foi construído o modelo lógico8 do SASPO que permitiu visualizar graficamente a constituição dos componentes do programa e da sua forma de operacionalização, no qual foi possível discriminar todas as etapas necessárias ao cumprimento das metas (Tabela 1).

Tabela 1. Modelo Lógico dos Serviços de Atenção à Saúde da Pessoa Estomizada no Brasil* 

Entrada do Usuário na Rede Serviço de Assistência Estrutura Profissionais Atividades (Processo) Resultado
Atenção Primária
Demanda espontânea
Atenção Terciária
SASPO I - mesa para escritório;
-computador/impressora;
- arquivos;
- armários;
- mesa para telefone;
- linha de telefone;
- fichários;
- lixeira;
- sanitário exclusivo com ducha higiênica
- maca revestida
- escada de dois degraus
- estetoscópio
- esfigmomanômetro
- mesa auxiliar com rodízios
- balança antropométrica
- balança pediátrica
- foco frontal
-espelho com dimensões mínimas de 120x50 cm
-pia para higiene das mãos
- Sala de reuniões para atendimento em grupo
- Sanitários feminino e masculino com duchas higiênicas e trocador
- 1 Assist. Social
- 1 Enfermeiro
- 1 Médico Clínico
I - atendimento individual;
II - atendimento em grupo;
III - orientação à família;
IV - atividades de inclusão na sociedade;
V - planejamento quantitativo e qualitativo dos equipamentos;
VI - orientação aos profissionais da atenção básica.
- assistência clínica e distribuição de equipamentos e coletores à pessoa estomizada;
- reinserção social do estomizado na sociedade;
- menor número de complicações;
- melhor qualidade de vida da pessoa estomizada.
SASPO II - 1 médico (médico clínico ou proctologista ou urologista ou gastroenterologista, cirurgião geral ou cirurgião pediátrico ou
cancerologista cirúrgico ou cirurgião de cabeça e pescoço ou cirurgião torácico)
- 1 enfermeiro (com capacitação em assistência às pessoas com estoma)
- 1 psicólogo
- 1 nutricionista
- 1 assistente social
I - atendimento individual (complicações);
II - atendimento em grupo;
III - orientações à família;
IV - atividades de inclusão na sociedade;
V - planejamento quantitativo e qualitativo dos equipamentos;
VI - atividades de orientação aos profissionais da atenção básica e hospitalares;
VII - capacitação para técnicas especializadas aos profissionais das unidades hospitalares e equipes de saúde do SASPO I.

*Em conformidade com a Portaria SAS/MS n. 400 de 16 de novembro de 20093.

Com base no modelo lógico, foram elaborados dois questionários estruturados segundo as Normas para o Serviço de Referência Ambulatorial a Portadores de Derivação Intestinal e Urinária, publicada na resolução SES/MG no 1.249, de 20 de maio de 2007, e a portaria no 400, da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), de 16 de novembro de 2009, que definem critérios, normas operacionais e procedimentos para assistência ao estomizado. Portanto, foram elaborados a fim de atender a esse público: 1) avaliação da estrutura dos Serviços de Atenção ao Estomizado, que diz respeito aos dados referentes ao cadastro da unidade de saúde e levantamento de infraestrutura e recursos humanos; e 2) avaliação dos Processos de Atenção à Saúde do Estomizado, que trata dos dados referentes às atribuições do Serviço de Atenção ao Estomizado, das atividades desenvolvidas e das ações de planejamento.

Os questionários foram apresentados à Coordenadoria de Assistência à Saúde da Pessoa com Deficiência (CASPD) da SES-MG. Depois de tê-los autorizado, a SES-MG, por meio da Referência Técnica de Atenção à Saúde do Estomizado, encaminhou os dois questionários pelo Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica (SIGAF) para todas as Gerências Regionais de Saúde (GRS) ou Superintendências Regionais de Saúde (SRS). Cada GRS/SRS se encarregou de responder e retornar os questionários à SES-MG.

Utilizaram-se também dados obtidos de documentos que registram a assistência ao estomizado cedidos pela SES-MG.

Foram incluídas no estudo as unidades prestadoras de assistência à saúde do estomizado que atendiam pacientes estomizados vinculados à área de abrangência da respectiva GRS/SRS e os municípios que aceitaram participar do estudo e responderam os questionários.

As variáveis deste estudo foram decompostas segundo a estrutura, que diz respeito ao tipo de serviço, à existência de atendimento ao estomizado, ao número de equipamentos disponíveis para uso, ao número de profissionais (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, técnicos de enfermagem, agentes administrativos) e à existência de núcleo de distribuição de bolsas coletoras. As variáveis relacionadas aos processos compreenderam a organização, o cadastro e a atualização dos dados dos pacientes atendidos no serviço, a compra e a dispensação de dispositivos, as atividades de assistência clínica e de orientação e capacitação dos profissionais, os atendimentos (individual, em grupo e às famílias), além de critérios de dispensação de bolsas coletoras e a forma de registro das complicações observadas.

Para caracterizar os serviços, foi realizada a distribuição de frequências das variáveis analisadas. Utilizou-se o software SPSS 20.0(r)(Statistical Package for the Social Sciences) para a tabulação e a análise dos dados.

O trabalho foi desenvolvido após autorização da Coordenação da Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, que concedeu acesso a tais documentos e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais por meio do parecer no 3.5643/2012.

RESULTADOS

As unidades de análise de estrutura compreenderam 26 (93%) dos SASPO de Minas Gerais. Para a avaliação de processos, foram considerados 20 (71%) dos SASPO (6 municípios não retornaram os questionários à secretaria). Apenas 1 município se recusou a participar e não respondeu os questionários e 8 (29%) participaram parcialmente da pesquisa.

Foi observado que nenhum SASPO está completamente equipado para a prestação da assistência ao estomizado de acordo com a infraestrutura básica proposta pela portaria no 400 e resolução no1.249, com destaque para a falta de banheiros adaptados para o estomizado e de espelho em 44% e 20% dessas unidades, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2. Infraestrutura dos serviços de atenção à saúde das pessoas estomizadas em Minas Gerais em 2011 

Equipamentos e materiais (estrutura) SASPO
n %
Equipamentos e materiais para a assistência clínica
Sanitário exclusivo com ducha higiênica 11 42
Sanitário adaptado para pessoa estomizada 11 42
Maca revestida de material impermeável 23 88
Escada de dois degraus 24 92
Estetoscópio 23 88
Esfigmomanômetro 22 84
Mesa auxiliar com rodízios 14 53
Suporte de soro 11 42
Escrivaninha 21 80
Armário 25 96
Cadeiras 25 96
Balança antropométrica 18 69
Balança pediátrica 9 34
Balde para lixo com tampa e controle de pedal 21 80
Espelho com dimensões mínimas de 120x50 cm 5 19
Pia para higiene das mãos 2 8
Sala de reuniões para atendimento em grupo 19 73
Sanitários feminino e masculino com ducha higiênica e trocador 5 19
Equipamento e materiais para cadastro e dispensação de dispositivos
Local destinado para estocagem das bolsas 24 92
Mesa para escritório 26 100
Telefone (e linha de telefone) 19 73
Computador 23 88
Acesso à internet 21 80
Impressora 19 73
Cadeiras 26 100
Arquivo 24 92
Armário 25 96
Fichários 23 88
Lixeira 26 100

Fonte: Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica/ Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, referente aos 26 SASPO estudados

SASPO: Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas.

Verificou-se que 72% dos SASPO estão preparados estruturalmente para o cadastro dos pacientes e a dispensação de dispositivos, já que esses serviços têm em média 89% dos equipamentos para essa atividade. Para o atendimento clínico, as unidades tinham uma média de 68% dos recursos materiais necessários à assistência.

A assistência médica foi evidenciada em 76% dos serviços, sendo a cirurgia geral (28%), a clínica médica (24%) e a urologia (24%) as principais especialidades. Constatou-se também que todas as unidades pesquisadas contavam com enfermeiros, porém 52% deles não tinham capacitação para a assistência ao estomizado e apenas 12% eram enfermeiros estomaterapeutas. A maioria dos SASPO (88%) dispunha ainda de assistente social e 60% contavam com nutricionistas e psicólogos. Outros profissionais encontrados foram os agentes administrativos (68%) e auxiliares/técnicos de enfermagem (56%).

Ao classificar a estrutura das unidades de acordo com os critérios propostos pela portaria no 400, verificou-se que 40% dos SASPO podem ser classificados em serviços do tipo II, 8%, em serviços do tipo I e 52% não podem ser classificados por não apresentarem o quadro mínimo de profissionais exigidos para cada nível.

No que diz respeito aos processos organizacionais, o estudo revelou que os profissionais dos SASPO afirmam que as principais atividades realizadas são cadastro de usuários (90%), dispensação de dispositivos coletores (90%) e consultas individuais (90%) (Tabela 3).

Tabela 3. Principais atividades realizadas nos Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas em Minas Gerais em 2011 

n %
Cadastro de usuários 18 90
Dispensação de bolsas e dispositivos 18 90
Consultas individuais 18 90
Atividades de orientação 20 100
Atividades de capacitação de profissionais 3 15
Outra 1 5

Fonte: Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica/ Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.

Mesmo não tendo sido referenciada como uma das principais atividades realizadas no serviço, constatou-se que em 55% dos SASPO são realizadas as capacitações de profissionais da saúde da atenção básica.

Identificou-se ainda que as atividades técnico-administrativas são realizadas diariamente por diversos profissionais com frequência média de 73% (Tabela 4).

Tabela 4. Atividades técnico-administrativas, frequência com que são realizadas e profissionais da saúde dos Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas de Minas Gerais em 2011 

Atividades Frequência n % Profissional n %
Organização da demanda e o atendimento Diariamente 14 70 Enfermeiro 18 90
1x/semana 2 10 Agente Administrativo 9 45
2x/semana 1 5 Assistente Social 10 40
Mensalmente 1 5 Outros 14 70
Outro 1 5
Cadastro e atualização dos dados Diariamente 14 70 Assistente Social 18 90
1x/semana 4 20 Enfermeiro 17 85
2x/semana 1 5 Agente Administrativo 11 55
Outro 2 10 Médico 10 50
Outros 13 65
Administração e controle dos equipamentos Diariamente 16 80 Enfermeiro 19 95
1x/semana 2 10 Agente Administrativo 11 55
2x/semana 1 5 Assistente Social 8 40
Mensalmente 2 10 Outros 12 60

Fonte: Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica/Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.

Observou-se que os profissionais estão mais envolvidos com as ações relacionadas à operacionalização do programa do que à assistência clínica. Nota-se que o profissional enfermeiro geralmente se vincula à organização da demanda do atendimento (90%) e realiza atividades de administração e controle dos equipamentos (95%), enquanto o assistente social realiza predominantemente atividades de cadastro (90%) (Tabela 4).

No que tange à dispensação de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança para estomias intestinais e urinários, os produtos mais distribuídos são as bolsas de colostomia classificadas em uma peça aberta opaca (90%), uma peça aberta transparente (75%), bolsa de urostomia (75%) e protetor cutâneo (70%) (Tabela 5).

Tabela 5. Equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança e seus critérios de indicação nos Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas de Minas Gerais em 2011 

n %
Equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança Bolsa para colostomia sistema 1 peça aberta transparente 15 75
Bolsa para colostomia sistema 1 peça aberta opaca 18 90
Bolsa para colostomia sistema 2 peças aberta transparente 11 55
Bolsa para colostomia sistema 2 peças aberta opaca 13 65
Bolsa para urostomia 15 75
Protetor cutâneo (pasta) 14 70
Critério de indicação dos Equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança Marca do produto 8 40
Adesividade 18 90
Conforto 19 95
Confiança 16 80
Custo 5 25

Fonte: Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica/Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.

Notou-se ainda que o enfermeiro participa de todas as indicações dos dispositivos, e os principais critérios considerados por esse profissional são conforto (95%), adesividade (90%), confiança (80%) e marca do produto (40%) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A análise diagnóstica permite compreender e interpretar as condições gerais de infraestrutura e processo e busca as possíveis explicações para a situação dos serviços analisados, configurando-se em uma análise situacional9. Entretanto, apesar de os diagnósticos avaliativos fazerem parte da gestão em saúde, de certa forma ainda são incipientes nos serviços de saúde10.

Este trabalho comprova que a estrutura e os processos propostos para a organização da Rede de Atenção à Saúde da Pessoa Ostomizada em Minas Gerais, com base na resolução SES-MG nº 1.249, de 20 de julho de 2007 e portaria nº400, de 16 de novembro de 2009, não correspondem aos encontrados nos SASPO do Estado de Minas Gerais3,5.

As unidades de SASPO estão mais preparadas estruturalmente para o cadastro e a dispensação de dispositivos (bolsas coletoras) do que para o atendimento clínico. Deve ser ressaltado que a concessão de dispositivos foi uma conquista importante da pessoa com deficiência, resultante das portarias no 116/1993 e no146/1993, por intermédio do Programa de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência do Ministério da Saúde2,3. Entretanto, a política de atenção à saúde do estomizado considera a necessidade de promoção da assistência na perspectiva da integralidade do cuidado. Assim, a assistência está relacionada à busca do profissional e do serviço e compreende um conjunto de necessidades de ações e serviços de saúde que um estomizado demanda. Dessa forma, a organização e a assistência devem ser voltados à articulação das práticas de saúde com as políticas governamentais11.

Nesse aspecto, faz-se necessário o planejamento de ações programáticas de reabilitação para as pessoas estomizadas e um atendimento multiprofissional e interdisciplinar sistematizado que tenha como base as diretrizes do SUS representadas pela universalidade, integralidade e equidade12.

A alocação de médicos nos SASPO está prevista na portaria no 400/2009. Esse profissional, juntamente com a equipe multiprofissional, é responsável pela prestação de assistência especializada que envolve a educação para o autocuidado, a avaliação das necessidades biopsicossociais do indivíduo e da família, assim como as relacionadas à estomia e aos cuidados com a pele periestomia, incluindo a prevenção e o tratamento das complicações e a indicação e prescrição de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança3. Entretanto, o estudo mostra que não existem médicos em todas as unidades, o que compromete a assistência clínica aos pacientes estomizados e reforça o caráter dos SASPO como polos de distribuição de dispositivos para estomias.

Todas as unidades contam com profissional enfermeiro para o atendimento dos pacientes cadastrados nos SASPO. Entretanto, verifica-se que, em 46% dos serviços, esse profissional não tem formação específica para o cuidado das estomias.

Isso pode comprometer a assistência, uma vez que a estomaterapia é a especialidade que qualifica o enfermeiro técnica e cientificamente para assistir as pessoas com estomias e em cuidados com as feridas, as incontinências, as fístulas e o manejo de tubos e cateteres. O estomaterapeuta atua tanto nos aspectos preventivos, terapêuticos e de reabilitação quanto nas atividades de pesquisa e ensino13.

O profissional enfermeiro, independente da área em que atua, tem como objetivo oferecer uma assistência de qualidade com complemento de novas técnicas a fim de garantir um atendimento que satisfaça as necessidades do paciente. Isso preocupa em relação à qualidade da assistência prestada, uma vez que, existindo essa lacuna na formação, pode-se esperar deficiências da atenção prestada nesse nível de assistência14,15.

Enfermeiros com interesse em atividades relacionadas à estomaterapia devem buscar a formação especializada por meio de cursos formais e reconhecidos pelos órgãos de regulamentação. Quando isso não for possível, é imprescindível a realização de cursos de atualização e aprimoramento para os profissionais dos SASPO.

Os prestadores de cuidados de saúde devem envidar esforços para promover a qualidade de vida das pessoas com estomia. E os enfermeiros, em particular, devem estar cientes de que seus conhecimentos e habilidades podem contribuir significantemente para essa qualidade de vida antes e depois da cirurgia16,17.

Espera-se que o SASPO preste assistência especializada de natureza interdisciplinar às pessoas com estoma, objetivando sua reabilitação, com ênfase na orientação para o autocuidado. Esses serviços buscam desenvolver habilidades nos estomizados para a realização de suas atividades de vida diária, prevenção de complicações nas estomias e fornecimento de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança.

Os serviços organizados em rede são categorizados como SASPO de nível I e SASPO de nível II, em uma lógica de referência e contrarreferência de serviços.

O SASPO de nível II difere daquele de nível I por dispor de uma equipe multidisciplinar maior. Nesse tipo de serviço, além do médico, do enfermeiro e do assistente social, estão previstos também o psicólogo e o nutricionista. Outra importante característica do SASPO II diz respeito ao tratamento de complicações das estomias e a capacitação de profissionais vinculados à Atenção Primária da Saúde, tanto do SASPO I como das Unidades Hospitalares de referência para o serviço.

Em uma lógica de trabalho em Rede de Atenção à Saúde, Mendes18 propõe que esses serviços funcionem em arranjos organizativos de ações e serviços de saúde de diferentes densidades tecnológicas que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado à saúde.

No que tange às práticas educativas dos SASPO, a portaria MS no 400/2009 determina o que deve ser ofertado pelos serviços em diferentes cenários. Contudo, os dados mostram que a realidade ainda não corresponde ao proposto nessa portaria. Essas atividades deveriam estar vinculadas ao autocuidado e às orientações para o convívio social e familiar. Entretanto, observou-se que os enfermeiros têm-se ocupado mais frequentemente das atividades administrativas e burocráticas que deveriam ser delegadas a outros profissionais. Ressalta-se que essas atividades visam contemplar predominantemente a organização do serviço, o que contribui para que o enfermeiro tenda a negligenciar as atividades voltadas para a assistência clínica, orientada, principalmente, para atender às necessidades globais dos pacientes19.

Os SASPO são vocacionados a dispensação de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança para estomias intestinais e urinários. Sendo assim, a SES/MG vai além do recomendado, pois oferece 15 grupos de distintos produtos para o atendimento do estomizado que, somados às especificações técnicas de cada laboratório, agrega 118 produtos. Esses materiais são oferecidos para a rede de maneira que a sua escolha seja individualizada pela necessidade da pessoa estomizada, levando-se em consideração, principalmente, o tamanho, tipo e local do estoma, a presença de complicações e o tipo de efluente, além da adaptação do usuário.

A escolha de um equipamento coletor em detrimento de outro para o indivíduo com um estoma pode ser problemático. Existem inúmeros produtos e seus fabricantes, muitas vezes, alegam que seus dispositivos são os de melhor desempenho do mercado para a clínica. Entretanto, a maioria das indicações desses dispositivos baseia-se no hábito ou na experiência clínica dos enfermeiros20.

Cabe discutir ainda que a portaria ministerial que regulamenta a atenção à saúde da pessoa estomizada no Brasil foi publicada em 2009, o que faz com que muitos serviços ainda estejam em fase de reestruturação. Como foi percebido, 52% dos SASPO, de acordo com os parâmetros para definição dos profissionais de saúde, não puderam ser classificados como Serviço de Atenção à Pessoa Ostomizada I ou II. Apesar de 40% dos serviços apresentarem estrutura compatível com o Serviço de Atenção à Pessoa Ostomizada II, os resultados desta pesquisa comprovaram que, em relação aos processos, esses serviços não atendem às exigências do Programa de Atenção à Saúde da pessoa estomizada.

CONCLUSÃO

Constata-se que os SASPO estão muito mais preparados estruturalmente para a dispensação de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança para estomias intestinais e urinárias do que para a prestação da assistência clínica.

Foi possível constatar ainda que os enfermeiros têm grande representatividade nos SASPO estudados. Entretanto, a maioria não tem formação específica para a atenção à saúde do estomizado e, portanto, têm-se ocupado mais frequentemente das atividades administrativas de operacionalização do programa do que das atividades clínicas, assistenciais e educativas que é parte processual desses serviços.

Notou-se que muitos SASPO ainda não podem ser classificados em SASPO I ou II por não contarem com o quadro mínimo de profissionais exigidos para cada nível.

Cabe ressaltar ainda que a Rede de Atenção à Saúde do Estomizado no Estado de Minas Gerais, embora disponha de um grande número de recursos materiais para o atendimento dessa clientela, distribui com maior frequência apenas seis tipos de dispositivos. Para a indicação desses produtos, o enfermeiro considera principalmente o conforto, a adesividade, a confiança e a marca do produto.

Portanto, os Serviços de Atenção à Saúde do Estomizado de Minas Gerais não atendem integralmente às recomendações da CIB-SUS/MG nº 363, de 19 de julho de 2007, e da resolução SES-MG nº 1.249, de 20 de julho de 2007, e têm estrutura e processos característicos de cadastro, controle e dispensação de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança para estomias intestinais e urinários.

REFERÊNCIAS

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