versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.1 São Paulo jan./fev. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.013
Sialolitíase é uma das doenças mais comuns de glândulas salivares. 1,2 Trata-se de uma condição caracterizada por um fenômeno obstrutivo causado por um cálculo em uma glândula salivar ou em seu ducto excretório. 1 Em geral, a apresentação clínica se caracteriza por edema e dor locais, infecção da área afetada e dilatação do ducto salivar. 1 Normalmente, a sialolitíase afeta adultos entre a terceira e quarta décadas de vida, com uma frequência de 12:1000. 3 O número de casos em pacientes do sexo masculino é cerca de duas vezes maior do que em pacientes do sexo feminino. 3 Estima-se que 80-90% dos casos ocorram na glândula submandibular, enquanto que 10-20% ocorrem na glândula parótida. 3 O tamanho dos cálculos varia, desde menos de um milímetro até alguns centímetros. Embora a frequência da sialolitíase seja relativamente alta, é rara a ocorrência de sialolitos gigantes medindo mais de 1,5 cm em qualquer dos seus diâmetros. Por essa razão, são poucos os estudos publicados na literatura médica pertinente. 1,4
O presente artigo descreve um caso de um sialolito gigante em um homem de 42 anos de idade, abordando os aspectos clínicos, diagnósticos e a cirurgia do reparo do ducto realizada para a restauração do fluxo salivar.
O paciente, um homem negro com 42 anos, compareceu a uma consulta odontológica em março de 2014. Após exame radiográfico de rotina, foi encaminhado para consulta com um cirurgião e traumatologista bucomaxilofacial, em abril do mesmo ano. Durante a anamnese, o paciente negou história de qualquer doença. Informou apenas uma cirurgia na perna direita, sem maiores intercorrências. O exame físico revelou anquiloglossia e, durante a palpação, um endurecimento na glândula salivar submandibular direita. Para um aprofundamento da investigação, foram solicitados exames de imagem ( fig. 1A ). A hipótese diagnóstica estabelecida foi a de sialolitíase no ducto da glândula submandibular direita.
Figura 1 A, Tomografia computadorizada (axial) revelando tecido mineralizado com densidade heterogênea e dimensões aproximadas de 3,0 × 1,0 cm. B, Imagem tridimensional do sialolito e da mandíbula.
Tendo em vista que o sialolito exibia dimensões exuberantes, foi proposta excisão cirúrgica, seguida de reconstrução do ducto da glândula submandibular. Foram solicitados exames de sangue e de risco cirúrgico para o paciente.
No dia 21 de maio de 2014, o procedimento foi realizado por uma abordagem intrabucal. O sialolito foi removido por curetagem, após incisão direta do ducto. A presença de mineralização parcial favoreceu a fragmentação da parte distal do cálculo. Um verdadeiro cisto de glândula salivar foi removido, juntamente com os cálculos ( fig. 2 ).
Figura 2 A, O cálculo fragmentado, visto à esquerda. À direita, tecido correspondente ao cisto salivar. B, Secção histológica do cisto revelando um epitélio oncocítico cístico compatível com epitélio ductal (HE. 400×).
Para o tratamento da anquiloglossia, foi realizada uma frenulectomia da língua e, para a restauração do fluxo salivar, uma sonda uretral número 8 foi inserida no coto ductal residual. A mucosa foi suturada em torno da sonda com fio de sutura Vicryl 3-0, para reparar o ducto da glândula submandibular.
Os outros tecidos foram suturados em planos anatômicos e não houve complicações durante o procedimento cirúrgico.
Dois dias após a cirurgia, uma ultrassonografia demonstrou que a sonda se encontrava no interior do ducto da glândula submandibular ( fig. 3 ). À ordenha da glândula, observou-se presença de um líquido cristalino fluindo do interior do tubo ( fig. 4 ). Oito dias após a cirurgia, o paciente informou aumento no volume salivar e ocorrência de contrações na região da glândula submandibular.
As suturas e o dreno foram removidos 14 dias após a cirurgia. Uma manobra de ordenha da glândula demonstrou salivação copiosa, indicativa de que a técnica cirúrgica efetuada tinha sido bem-sucedida na reconstrução da estrutura ductal. As consultas de seguimento realizadas até dois meses após a cirurgia não revelaram complicações ou queixas.
Sialolitíase é uma doença que pode afetar qualquer faixa etária, com maior prevalência em adultos do sexo masculino. 2,5 A sialolitíase afeta principalmente a glândula submandibular. 6 Apesar de ser uma doença comum na população, a presença de um cálculo gigante é extremamente rara; a maioria dos sialolitos não excede 1,5 cm. 3,5 O cálculo, no presente caso, tinha dimensões de, aproximadamente, 3,0 × 1,0 cm e, portanto, foi considerado como um sialolito gigante. 1
Habitualmente, os sintomas relatados são dor e edema na área da glândula, que pioram às refeições ( tabela 1 ). 2-4,6,7 No presente relato, o paciente se encontrava assintomático, apesar das dimensões exuberantes do cálculo.
Tabela 1 Tabela comparativa dos casos consultado
Autor | Dimensões do sialolito | Sintomas | Método de remoção | Idade (anos) | Gênero |
Gupta et al. (Caso 1) | 2,8 × 1,1 cm | Sensação intermitente de dolorimento e edema na área submandibular esquerda durante as refeições | Remoção cirúrgica por abordagem intrabucal sob anestesia local e transposição da abertura ductal | 48 | Masculino |
Gupta et al. (Caso 2) | 1,9 × 5,0 cm | Edema na boca associado à dor no lado esquerdo da face durante a ingestão de alimentos | Remoção cirúrgica por abordagem intrabucal sob anestesia local e transposição da abertura ductal | 45 | Feminino |
Iqbal et al. | 3,5 × 3,0 cm | Assintomático | Cirurgia sob anestesia local, abordagem intrabucal com marsupialização | 55 | Masculino |
Dalal et al. | 1,8 × 6,0 cm | Drenagem de secreção purulenta e dor contínua do tipo picada, de natureza aguda, com irradiação até a língua; limitação dos movimentos da língua | Sialolitotomia via abordagem intrabucal sob anestesia local | 40 | Feminino |
Fowell & MacBean | 4,1 cm | Dor no assoalho direito da boca e região submandibular, exacerbada pela deglutição | Excisão da glândula submandibular direita e do cálculo por abordagem extrabucal de rotina | 58 | Masculino |
Krishnan et al. (Caso 1) | 3,4 cm | Dor e edema recorrentes ao longo de oito anos, com piora durante as refeições. Nos últimos dois anos, assintomática. | Sialolitotomia por abordagem intrabucal sob anestesia local. A ferida cicatrizou por segunda intenção | 41 | Masculino |
Krishnan et al. (Caso 2) | 2,5 cm | Vários episódios de dor e edema na porção inferior esquerda da mandíbula, durante os últimos 4-5 anos, especialmente às refeições | Remoção cirúrgica por abordagem transbucal, com dissecção com bisturi e sob anestesia local | 32 | Feminino |
De acordo com Jensen 8 e Cawson et al., 7 os cálculos salivares podem estar associados à presença de cistos verdadeiros de glândula salivar. Essas lesões ocorrem em função da obstrução do fluxo salivar, seguida por proliferação do epitélio ductal que circunda o cálculo. Nosso espécime apresentava uma diferenciação escamosa e oncocítica em acordo com a literatura pertinente. 8
A fisiopatologia da formação do cálculo ainda não foi devidamente elucidada. 3 No entanto, acredita-se que o sialolito se forma em decorrência da deposição de sais de cálcio em torno de um "nicho" de material orgânico. 7
Em 80% dos casos, a glândula afetada é a submandibular, 7 devido a uma série de fatores sinergísticos, como: a) composição da saliva produzida pela glândula, que é mais alcalina e com importante concentração de cálcio 6 ; b) o fluxo salivar que ocorre contra a gravidade 2,9 ; e c) anatomia longa e tortuosa do ducto da glândula submandibular. 6,9 Todos esses fatores operam em conjunto na formação do cálculo na glândula submandibular. 2,6,9 Na opinião dos autores, a ocorrência dos sialolitos apresentados na literatura consultada é coerente com o nosso entendimento.
Com relação ao tratamento, a opção por um procedimento menos invasivo é de grande importância, para que seja preservado o funcionamento da glândula. 2,4,7,9 A literatura pertinente indicou alguns procedimentos cirúrgicos, como sialitotomia transoral, sialendoscopia, litotripsia por onda de choque extracorpórea e ressecção da glândula. 2,3 Nos casos de pequenos sialolitos, também são possíveis tratamentos conservadores por meio de sialogogos e massagem da glândula. 7 O presente caso descreveu o tratamento de um cálculo exuberante por meio de uma abordagem intrabucal, em associação com reparo ductal. Embora Fowell et al. 2 tenham concluído que a sialoplastia é um dos principais tratamentos para sialolitos gigantes, essa técnica não foi descrita ou utilizada pelos autores consultados. Esses estudiosos promoveram a remoção do sialolito com fechamento por segunda intenção.
Entre as possíveis complicações cirúrgicas, inclui-se a lesão do nervo mandibular. 2 A outra complicação é a estenose do ducto de Wharton. 2 Em nosso caso, não houve evidência de qualquer dessas complicações. O reparo ductal preservou o fluxo salivar entre a glândula e a cavidade bucal.
A remoção cirúrgica de sialolitos varia, dependendo do cirurgião. A abordagem preferida é principalmente realizada por meio de uma intervenção intrabucal ( tabela 1 ).
O presente relato de caso teve como objetivo descrever a remoção de um sialolito gigante. De acordo com o conhecimento dos autores, o caso descrito é singular, em função do reparo cirúrgico do ducto após excisão de um cálculo salivar.