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Simultaneidade e agregamento de fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes brasileiros

Simultaneidade e agregamento de fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes brasileiros

Autores:

Fabiana Lucena Rocha,
Gustavo Velasquez-Melendez

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.23 no.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 29-Jul-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0320

INTRODUÇÃO

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são responsáveis por 41 milhões de mortes anualmente, o que equivale a 71% de todas as mortes no mundo. As doenças cardiovasculares representaram em 2015 a maioria das mortes por DCNT, seguidas de câncer, doenças respiratórias e diabetes. Esses quatro grupos de doenças são responsáveis por mais de 80% de todas as mortes prematuras por DCNT1 e compartilham quatro fatores de risco, comportamentais e modificáveis: dieta inadequada, inatividade física, uso de álcool e tabaco2.

Destaca-se que esses fatores de risco geralmente ocorrem de forma simultânea3 e evidências mostram que e envolvimento em múltiplos comportamentos de risco está associado à maior risco de doença crônica e mortalidade em comparação com o envolvimento em um ou nenhum comportamento de risco4.

Atualmente, as agendas de saúde priorizam intervenções voltadas para fatores de risco comuns em adultos, estimuladas pelas estimativas que mostram que 70% das mortes prematuras em adultos são em grande parte causadas por comportamentos iniciados na adolescência, tais como tabagismo, obesidade, baixos níveis de atividade física e consumo de álcool5.

A maioria dos estudos sobre o assunto trata esses fatores de risco de forma isolada6-11. Pesquisas sobre a simultaneidade de fatores de risco para DCNT, apenas com adolescentes, são escassas e recentes no Brasil, tendo investigado além da prevalência de fatores de risco simultâneos12, agregamento13,14 e fatores associados14,15. Embora tragam resultados relevantes, trata-se de estudos locais, não tendo representatividade nacional, justificando a relevância deste estudo.

Resultados de edições anteriores da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) mostram prevalências de comportamentos de risco em adolescentes de forma isolada16. Contudo, ainda não há dados sobre a prevalência simultânea desses fatores de risco com amostra representativa de adolescentes escolares brasileiros.

Estimar a prevalência e o agregamento não aleatório de fatores de risco simultâneos pode ser útil para que gestores e formuladores de políticas de saúde reconheçam grupos com características semelhantes, baseadas em padrões de comportamentos de risco, direcionando estratégias de prevenção, reduzindo a expsoição precoce ao risco. Assim, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência da simultaneidade de fatores de risco para DCNT e o agregamento não aleatório destes em adolescentes escolares brasileiros, utilizando dados da PeNSE 2015.

MÉTODO

Estudo epidemiológico, transversal, descritivo, com dados secundários da 3ª edição da PeNSE 2015, disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (http://www.ibge.gov.br). A população-alvo foi escolares que frequentavam o 9º ano do Ensino Fundamental e estudantes de 13 a 17 anos de idade que frequentavam do 6º ano do Ensino Fundamental até a terceira série do Ensino Médio, matriculados no ano letivo de 2015 e frequentando regularmente escolas públicas e privadas situadas nas zonas urbanas e rurais de todo o Território Nacional17,18.

O processo de amostragem foi por conglomerados (planos complexos), utilizando três estágios de seleção: no primeiro foram selecionados os municípios ou grupos de municípios (Unidade Primária de Amostragem - UPA); no segundo, as escolas (Unidade Secundária de Amostragem - USA); e no terceiro, as turmas (Unidade Terciária de Amostragem - UTA). Todos os alunos presentes no dia da coleta nas turmas sorteadas foram convidados a participar da pesquisa. O dimensionamento do tamanho da amostra em cada estrato considerou um erro amostral máximo aproximado de 3%, para estimar uma proporção de 50%, com um nível de confiança de 95%17.

O planejamento resultou em duas amostras, com planos amostrais distintos. A amostra que contempla os escolares frequentando o 9º ano (antiga 8ª série) do Ensino Fundamental foi denominada Amostra 1; e a composta por estudantes de 13 a 17 anos de idade, frequentando do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e da 1ª a 3ª série do Ensino Médio foi denominada Amostra 2. O processo de amostragem foi realizado de modo que pudesse gerar estimativas populacionais para ambas as amostras, nos estratos geográficos considerados. O detalhamento do processo de amostragem, as especificidades das duas amostras e o cálculo dos pesos amostrais da PeNSE 2015 estão disponíveis no relatório completo da PeNSE 201517. Os dados foram coletados após contato e divulgação entre as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, com a direção das escolas selecionadas em cada município e com os pais dos alunos das turmas escolhidas para esclarecer os objetivos e procedimentos do estudo.

Neste estudo, foram analisados os dados referentes à Amostra 1 da PeNSE 2015, que teve como amostra final 102.072 estudantes. As variáveis utilizadas foram:

  1. Sexo (Masculino, Feminino);

  2. Idade em anos (< 13 anos, 13, 14, 15, 16 anos e mais);

  3. Raça/Cor (branco, preto, amarelo, pardo e indígena);

  4. Escolaridade materna (Nenhuma ou Fundamental incompleto, Fundamental completo/Médio incompleto, Médio completo/Superior incompleto, Superior completo, Não informado);

  5. Uso de álcool nos últimos 30 dias (percentual de escolares que afirmaram ingerir um copo ou pelo menos uma dose de bebida alcoólica, pelo menos uma vez, nos 30 dias que antecederam a pesquisa, categorizada em: “Não, nenhum” ou “Sim, um ou mais nos últimos 30 dias”)19;

  6. Uso de tabaco nos últimos 30 dias (percentual de escolares que afirmaram fumar, pelo menos uma vez, nos 30 dias que antecederam a pesquisa, independentemente da frequência e da intensidade, categorizado em: “Não, nunca fumei, nenhum dia” ou “Sim, um ou mais dias nos últimos 30 dias”)19;

  7. Baixo consumo de frutas e legumes (percentual de escolares que consumiram menos de cinco porções de frutas e legumes nos últimos sete dias que antecederam a pesquisa)20;

  8. Inatividade física, medida pela atividade física globalmente estimada (A atividade física globalmente estimada refere-se ao número de dias que os escolares declararam fazer, pelo menos uma hora por dia de atividade física, nos sete dias anteriores à pesquisa, com o tempo estimado em minutos. Foram considerados ativos aqueles que contabilizaram um tempo ≥ 300 minutos e inativos aqueles que contabilizaram um tempo < 300 minutos)17,19.

A variável dependente “Fator de risco simultâneo” foi gerada por meio da soma de escores dos quatro fatores (álcool, uso de tabaco, inatividade física e consumo inadequado de frutas e legumes) que varia de 0 a 4, onde “0” representa ausência de qualquer um desses fatores e os demais valores representam o número de fatores presentes simultaneamente. Cada variável foi categorizada em “0” para indicar ausência e “1” para indicar presença.

As análises estatísticas foram realizadas no software Stata 15.0, considerando a complexidade do plano amostral. Para isso foram utilizados os pesos distintos das observações que influenciam as estimativas pontuais de parâmetros da população total por meio do comando survey. As proporções individuais dos fatores de risco foram estratificadas por sexo e as estimativas foram produzidas para a população. Para avaliar a diferença entre grupos foi utilizado o Teste Qui-Quadrado de Pearson. Foi adotado um Intervalo de Confiança de 95% (IC95%) e um nível de significância de 5%.

Foram estimadas as prevalências observadas das 16 possíveis combinações de fatores de risco. O agregamento não aleatório de fatores de risco foi verificado quando a Prevalência Observada (PO) da combinação de fatores excedeu a Prevalência Esperada (PE). A PE de um padrão específico de agregamento de fatores de risco foi calculada pela multiplicação das probabilidades individuais de cada fator de risco ocorrer na amostra. Portanto, foi possível investigar quais combinações foram maiores ou menores que os valores esperados, assumindo que os fatores de risco ocorrem de forma independente na população estudada. O resultado entre a razão da PO pela PE (PO/PE) superior a 1 indica a existência de agregamento não aleatório de fatores21,22.

A PeNSE 2015 foi aprovada na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, do Conselho Nacional de Saúde - CNS, que regulamenta e aprova pesquisas em saúde envolvendo seres humanos, por meio do Parecer CONEP n. 1.006.467, de 30.03.2015.

RESULTADOS

Este estudo analisou os dados da Amostra 1 da PeNSE 2015 composta de 102.072 indivíduos. Para fins dessa análise, foi utilizada uma subpopulação, considerando as observações cujas variáveis de interesse para este estudo não tinham dados faltantes. Assim, essa amostra é composta de 99.738 indivíduos, sendo a maioria do sexo feminino (51,6%; IC: 50,9-52,2), com 14 anos de idade (51,2%; IC95%: 50,3-52,1), média etária 14,3 anos (DP: ± 0,012; IC: 14,2-14,3), cor parda (43,1%; IC95%: 42,2-44,0) e estudantes de escola pública (85,3%; IC: 83,1-87,3). Os adolescentes cujas mães não tinham nenhuma escolaridade ou apenas o Fundamental incompleto corresponderam a 24,7% (IC95%: 24,0-25,4) e 26,6% (IC95%: 26,0-27,3) não sabiam informar a escolaridade materna (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição das variáveis sociodemográficas e fatores de risco segundo sexo. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015. 

Variáveis Total % (IC95%) Sexo p valor
Masculino % (IC95%) Feminino % (IC95%)
Idade em anos
< 13 0,4 (0,3-0,5) 0,3 (0,2-0,4) 0,5 (0,4-0,6) p < 0,0001
13 18,0 (17,0-19,0) 15,7(14,7-16,8) 20,1 (18,9-21,3)
14 51,2 (50,2-52,1) 49,0 (47,9-50,0) 53,3 (52,1-54,4)
15 19,6 (18,9-20,4) 22,1 (21,2-23,1) 17,3 (16,6-18,1)
16 e mais 10,8 (10,2-11,4) 12,9 (12,2-13,6) 8,8 (8,2-9,5)
Cor ou raça
Branco 36,3 (35,2-37,3) 37,6 (36,4-38,8) 35,0 (33,8-36,3) p < 0,0001
Preto 13,2 (12,7-13,8) 15,3 (14,7-16,1) 11,3 (10,7-11,9)
Amarelo 4,1 (3,9-4,4) 3,5 (3,3-3,9) 4,6 (4,3-5,0)
Pardo 43,1 (42,2-44,0) 40,0 (38,9-41,0) 46,1 (44,9-47,2)
Indígena 3,3 (3,1-3,5) 3,6 (3,6-4,0) 3,0 (2,7-3,3)
Localização da Escola
Urbana 91,7 (90,5-92,9) 92,0 (90,7-93,1) 91,6 (90,7-93,1) p = 0,1625
Rural 8,3 (7,1-9,5) 8,0 (6,9-9,3) 8,4 (7,3-9,8)
Região Geográfica
Norte 9,6 (9,1-10,1) 9,6 (9,1-10,1) 9,6 (9,1-10,2) p < 0,0001
Nordeste 27,7 (26,7-28,8) 26,4 (25,3-27,5) 29,0 (27,8-30,2)
Sudeste 43,4 (42,0-44,9) 44,4 (42,8-46,0) 42,5 (40,9-44,1)
Sul 11,8 (11,2-12,5) 12,0 (11,4-12,8) 11,6 (10,9-12,4)
Centro-Oeste 7,5 (7,1-7,9) 7,6 (7,2-8,1) 7,3 (6,9-7,8)
Escolaridade materna
Superior completo 13,4 (12,5-14,4) 14,2 (13,1-15,3) 12,7 (11,7-13,7) p < 0,0001
Médio compl./Superior incompleto 22,7 (22,0-23,3) 22,9 (22,1-23,7) 22,5 (21,7-23,4)
Fundamental compl./Médio incompleto 12,6 (12,2-13,0) 12,6 (12,1-13,2) 12,6 (12,0-13,2)
Nenhuma/Fundamental incompleto 24,7 (24,0-25,4) 22,8 (21,9-23,7) 26,4 (25,6-27,3)
Não sabe informar 26,6 (26,0-27,3) 27,5 (26,7-28,4) 25,8 (25,0-26,6)
Fatores de risco individuais
Álcool 23,8 (23,2-24,4) 22,5 (21,7-23,3) 25,1 (24,3-25,9) p < 0,0001
Tabaco 5,6 (5,2-5,9) 5,8 (5,3-6,3) 5,3 (4,9-5,8) p = 0,1497
Inatividade física 79,5 (79,0-80,0) 71,7 (71,0-72,5) 86,9 (86,3-87,4) p < 0,0001
Baixo consumo de frutas e legumes 80,6 (80,1-81,2) 80,5 (79,8-81,2) 80,8 (80,0-81,5) p = 0,5173

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015.

*IC95%: Intervalo de Confiança de 95%.

A proporção de fatores de risco isolados foi maior para o baixo consumo de frutas e legumes (80,6%; IC95%: 80,1-81,2) e a inatividade física (79,5%; IC95%: 79,0-80,0), seguida do consumo de álcool (23,8%; IC95%: 23,2-24,4). O fator de risco com menor proporção foi consumo de tabaco (5,6%; IC95%: 5,2-5,9). Houve diferença significativa entre os sexos para o uso de álcool (22,5% para o sexo masculino e 25,1% para o sexo feminino, p < 0,0001) e inatividade física (71,7% para o sexo masculino e 86,9% para o sexo feminino, p < 0,0001) (Tabela 1).

A Figura 1 mostra a proporção dos fatores de risco simultâneos: álcool, tabaco, inatividade física e baixo consumo de frutas e legumes para o total da amostra e estratificado por sexo. A maior proporção foi de dois fatores de risco simultâneos (56,1%; IC95%: 55,5-56,6). Ao comparar por sexo, as proporções de dois (58,5; IC95%: 57,7-59,3), três (16,6%; IC95%: 16,0-17,2) e quatro (3,2%; IC95%: 2,9-3,6) fatores de risco simultâneos foram maiores para o sexo feminino, havendo diferença significativa entre os grupos (p<0,0001).

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015.

Figura 1 Proporção de fatores de risco simultâneos para DCNT em adolescentes escolares brasileiros. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015. 

A Figura 2 mostra as proporções de fatores de risco simultâneos por regiões geográficas do Brasil entre os adolescentes do sexo feminino e masculino. Observa-se que as maiores proporções encontradas entre o sexo feminino foi para quem tinha até dois fatores de risco simultâneos nas cinco regiões, sendo maiores as proporções de dois fatores de risco nas regiões Nordeste (62,7%) e Norte (62,5%), respectivamente. Entre as adolescentes com três e quatro fatores de risco, as maiores proporções foram encontradas nas regiões Sul (22,7% para três e 4,4% para quatro fatores de risco) e no Sudeste (17,1% para três e 3,6% para quatro fatores de risco simultâneos).

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015.

Figura 2 Proporção de fatores de risco simultâneos para DCNT em adolescentes por região geográfica. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015. 

As maiores proporções encontradas entre os adolescentes do sexo masculino também foram para aqueles que tinham dois fatores de risco. Porém, ao comparar por sexo, em todas as regiões, as proporções de dois e três fatores de risco foram inferiores entre os adolescentes do sexo masculino, quando comparados ao sexo feminino. Entre os adolescentes com quatro fatores de risco, as proporções da região Nordeste foram semelhantes em ambos os sexos. Na região Norte foi ligeiramente superior entre os homens e, nas demais regiões, as proporções entre os adolescentes do sexo masculino foram inferiores às proporções encontradas entre adolescentes do sexo feminino.

A Tabela 2 descreve as prevalências observadas e esperadas das diferentes combinações de fatores de risco para DCNT e seus agregamentos em adolescentes. A combinação mais prevalente foi “Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física” (PO: 66%; IC95%: 65,8-66,9). Todos os fatores de risco apresentaram aglomeração, exceto “Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física + Álcool” (PO/PE: 1,1; IC95%: 1,0-1,1). Destaca-se que as maiores razões de prevalências observadas e esperadas foram para as seguintes combinações: “Tabagismo + Álcool” (PO/PE: 79,0; IC95%: 73,8-84,2); “Baixo consumo de frutas e legumes + Tabagismo + Álcool” (PO/PE: 15,9; IC95%: 14,7-17,1) e “Inatividade física + Tabagismo + Álcool” (15,3; IC95%: 14,2-16,5).

Tabela 2 Prevalência e agregamento de fatores de risco simultâneos e razões entre as prevalências observadas e as esperadas. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015. 

Nº de FR Combinações de Fatores de Risco PO PE PO/PE# (IC95%)
4 Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física + Tabagismo + Álcool 2,9 0,93 3,1 (2,9-3,4)
3 Inatividade física + Tabagismo + Álcool 3,4 0,22 15,3 (14,2-16,5)
3 Baixo consumo de frutas e legumes + Tabagismo + Álcool 3,7 0,23 15,9 (14,7-17,1)
3 Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física + Álcool 15,5 14,6 1,1 (1,0-1,1)
3 Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física + Tabagismo 3,8 2,95 1,3 (1,2-1,4)
2 Tabagismo + Álcool 4,3 0,05 79,0 (73,8-84,2)
2 Inatividade física + Álcool 18,3 3,43 5,4 (5,2-5,5)
2 Inatividade física + Tabagismo 4,3 0,69 6,3 (5,8-6,7)
2 Baixo consumo de frutas e legumes + Álcool 19,5 3,65 5,3 (5,2-5,5)
2 Baixo consumo de frutas e legumes + Tabagismo 4,7 0,74 6,5 (6,0-6,9)
2 Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física 66,0 46,3 1,4 (1,4-1,5)
1 Álcool 23,8 0,86 27,8 (27,1-28,5)
1 Tabagismo 5,6 0,17 32,1 (30,0-34,1)
1 Inatividade física 79,5 10,9 7,3 (7,2-7,4)
1 Baixo consumo de frutas e legumes 80,6 11,6 7,0 (6,9-7,1)
0 Nenhum fator de risco 4,7 2,71 1,7 (1,6-1,8)

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015.

*FR: Fatores de Risco; PO: Prevalência Observada; PE: Prevalência Esperada;

#PO/PE: Razão entre a prevalência observada e a esperada; O cálculo da razão foi feito considerando os pesos amostrais. Portanto, o resultado pode diferir do cálculo de uma razão simples. IC95%: Intervalo de Confiança de 95%.

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou a ocorrência isolada e simultânea dos quatro principais fatores de risco para DCNT e o agregamento desses fatores em uma amostra representativa de adolescentes escolares brasileiros, com dados da PeNSE 2015.

A proporção de fatores de risco isolados, tais como o baixo consumo de frutas e legumes e a inatividade física, foi alta. Ao examinar a proporção de múltiplos fatores de risco, mais da metade apresentou pelo menos dois fatores. A combinação de fatores de risco mais prevalente foi o baixo consumo de frutas e legumes com a inatividade física. Apenas 4,7% dos adolescentes não apresentou nenhum fator.

A comparabilidade com outros estudos similares fica restrita, uma vez que a inclusão de fatores de risco foi variada, inclusive pelo fato de serem estudos de abrangência local. Pesquisas internacionais sobre simultaneidade de fatores de risco em diversos grupos populacionais foram realizadas utilizando inquéritos populacionais, cujos indicadores utilizados foram os mesmos deste estudo: tabagismo, consumo de álcool, inatividade física e dieta pobre em frutas e vegetais. Esses estudos encontraram as seguintes prevalências para dois ou mais fatores de risco simultâneos: 68% nas pessoas com 16 anos ou mais na Inglaterra21; 34% em homens e 26% em mulheres com 25 anos ou mais na Suíça23 e 39,2% em homens; e 24,6% nas mulheres adultas na Finlândia24.

Diferenças regionais também foram observadas neste estudo, sendo que nas regiões Norte e Nordeste foram encontradas maiores proporções para quem tinha dois fatores de risco em ambos os sexos. Os adolescentes com maiores proporções de três e quatro fatores de risco residiam nas regiões Sul e Sudeste. Estudo de meta análise mostrou que a prevalência de dois e três fatores de risco simultâneos em adolescentes em países de média e baixa renda de todo o mundo foi 40% e 10%, respectivamente, tendo variado conforme região geográfica estudada19. Os autores não conseguiram explicar as diferenças regionais encontradas no estudo, mas acreditam que normas sociais e culturas podem moldar o comportamento de saúde dos adolescentes e fatores políticos e econômicos podem influenciar essas escolhas, sendo relevante para explicar essas diferenças19.

A alta prevalência de adolescentes com dois ou mais fatores de risco simultâneos descrita nos nossos resultados tem implicações importantes, considerando que evidências de estudos longitudinais sobre comportamentos de risco para a saúde mostram mudanças nos comportamentos relacionados à atividade física, à ingestão de frutas, ao tabagismo e à embriaguez conforme as normas sociais predominantes sobre esses comportamentos em diferentes idades, desde a adolescência até a idade adulta25. Ressalta-se que os comportamentos podem variar ao longo da adolescência, podendo ser um misto de comportamentos saudáveis e não saudáveis26.

As maiores prevalências de dois, três e quatro fatores de risco, encontradas entre as mulheres, foram relatadas em estudo com adultos. Contudo, não se pode afirmar que as mulheres estariam em maior risco que os homens, por não haver uma explicação clara para essas diferenças, o que demanda maiores investigações. Há que considerar que muitos dos estudos sobre fatores de risco simultâneos utilizam diferentes indicadores de riscos, técnicas analíticas e pontos de corte e por isso não são conclusivos sobre qual grupo estaria em maior risco21.

A combinação mais prevalente neste estudo foi “Baixo consumo de frutas e legumes + Inatividade física”. Estudo de revisão sistemática sintetizou evidências de diferentes países e mostrou que a ocorrência simultânea de fatores de risco e as combinações mais comuns encontradas em adolescentes diferem das encontradas em adultos27.

Nossos achados também mostraram que os agregamentos mais prevalentes foram “Tabagismo + Álcool”, “Baixo consumo de frutas e legumes + Tabagismo + Álcool” e “Inatividade física + Tabagismo + Álcool”. Há evidências de que em adultos o uso de álcool e tabaco tende a se agregar27. Na Inglaterra, foram encontrados agregamentos de “Fumo, consumo de álcool e consumo inadequado de frutas e legumes” e “Inatividade física e consumo inadequado de frutas e legumes” em população com mais de 16 anos21. Em adolescentes, estudos mostraram associações entre consumo inadequado de frutas e vegetais e baixa atividade física, mas não mostraram padrões de agregamento, por não ser o foco das investigações28,29. Assim, há limitação na comparabilidade com estudos realizados em outros países verificando a existência de agregamento desses mesmos fatores de risco em adolescentes.

Chama atenção o fato de que em todos os agregamentos de fatores de risco mais prevalentes, o tabagismo e o álcool estiveram presentes. Resultados da Pesquisa Nacional Longitudinal de Crianças e Jovens, realizada com amostra representativa de crianças e adolescentes canadenses, mostraram agregamento de fumo e álcool e, exceto pela combinação de inatividade física, comportamento sedentário e alto Índice de Massa Corporal (IMC), todas as combinações de três e quatro comportamentos que se agregaram incluíram fumo e álcool30. Embora os autores tenham trabalhado com fatores de risco diferentes (inatividade física, comportamento sedentário, fumo, álcool e elevado IMC), os resultados corroboram com nossos achados quanto à importância do agregamento do “Tabagismo + Álcool”.

Pelo fato de o uso do álcool ser socialmente aceito, muitos adolescentes iniciam o uso precocemente e permanecem utilizando na vida adulta. Existe uma relação positiva entre álcool e tabaco, sugerindo que o álcool estimula o uso do tabaco. Acredita-se que isso ocorre porque esses comportamentos são mais influenciados por aspectos culturais31. Talvez isso não seja suficente, mas explique em parte o fato da prevalência observada da combinação “Tabagismo + Álcool” ter sido muito superior à esperada, quando comparada às demais combinações.

Dentre as limitações deste estudo, citamos o viés de desejabilidade social, uma vez que os adolescentes podem fornecer respostas que subestimam as prevalências de comportamentos de risco, objetivando mostrar que adotam comportamentos socialmente aceitos. Esses resultados têm como ponto forte: o rigor dos métodos utilizados na PeNSE, o fato de ter uma taxa de não resposta mínima e sua representatividade nacional.

CONCLUSÕES

Os resultados encontrados neste estudo mostram alta prevalência de fatores de risco simultâneos na população de adolescentes brasileiros e, com isso, indicam a necessidade de ações preventivas com estratégias que incluam mudanças nos comportamentos ao longo do ciclo de vida, uma vez que comportamentos são iniciados na infância e podem persistir na adolescência e fase adulta.

Este estudo tem implicações importantes para a prática, uma vez que conhecer a prevalência da simultaneidade dos principais fatores de risco para DCNT e seus agregamentos em adolescentes pode direcionar estratégias de prevenção primária, na mudança de comportamentos e na promoção de uma transição saudável entre a fase adolescente e a fase adulta.

REFERÊNCIAS

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