versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.14 no.4 Porto Alegre out./dez. 2015 Epub 01-Dez-2015
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.04315
O mundo moderno trouxe muitos benefícios e conforto para o homem, porém levou a modificações importantes no estilo de vida. Se, em épocas remotas, o homem deveria gastar quantidades grandes de calorias na tentativa de conseguir seu alimento, hoje este panorama é bem diferente. Observa-se, nas populações mundiais, aumento do sedentarismo e aumento do consumo de gorduras e açúcares, sendo estes vinculados normalmente aos alimentos industrializados. A consequência disso rapidamente se manifestou na redução da desnutrição e no baixo peso para o aumento do sobrepeso/obesidade. Estima-se que a proporção de obesos no Brasil seja de 17,1% e, quanto ao sobrepeso, as porcentagens são também alarmantes: 49,1% das mulheres e 56,5% dos homens1.
Associadas ao sobrepeso e à obesidade, estão outras alterações metabólicas e fisiológicas que se manifestam na forma de Diabetes do tipo 2 (DM2) e Síndrome Metabólica (SM), que agravam o risco de desenvolver doenças cardiovasculares (DCVs) e câncer, que são as doenças crônico-degenerativas que mais causam morbimortalidade na atualidade. Estas alterações metabólicas envolvem alteração no metabolismo dos carboidratos resultante da diminuição da resposta insulínica, principalmente no tecido muscular e adiposo (TA), levando à hiperglicemia e também a alterações no metabolismo dos lipídeos, acarretando as dislipidemias. Além disso, modificam o padrão de resposta imune, tendo como consequência a instalação de um processo inflamatório que culminará em um círculo vicioso de exacerbação das alterações bioquímicas/aumento da produção de mediadores inflamatórios2,3.
A preocupação com o aumento da incidência das doenças crônico-degenerativas é crescente e muitos estudos mostram as mais diferentes abordagens quanto à complexidade e aos aspectos etiopatogênicos; porém, é consenso que as modificações no estilo de vida são a forma mais eficaz de melhorar ou prevenir os fatores de risco. A modificação na alimentação e a prática regular de exercício físico modifica o perfil metabólico e inflamatório, levando a um quadro de equilíbrio metabólico4.
Este levantamento bibliográfico propõe uma abordagem dos aspectos principais dos processos inflamatórios envolvidos na obesidade, na Síndrome Metabólica (SM) e nas DCVs.
Esta revisão bibliográfica baseou-se em levantamento de artigos publicados principalmente nos últimos cinco anos e foram utilizadas as seguintes bases de dados: Medline, Scielo, Pubmed, Scopus e Lilacs. A busca retrospectiva se limitou a artigos científicos indexados, que envolveram seres humanos e animais.
A SM tornou-se um problema de saúde pública em ambos os gêneros, em razão de sua alta prevalência. É caracterizada por uma série de fatores de risco, normalmente associados à resistência à insulina e à deposição de gordura na região abdominal. Estes fatores de risco estão interligados por aspectos bioquímicos, fisiológicos, clínicos e metabólicos, e aumentam diretamente o risco de desenvolver DM2 e DCV. Pode variar de incidência em diferentes populações de acordo com etnia, idade, gênero e região (urbana ou rural), e de acordo com o critério diagnóstico. Segundo o International Diabetes Federation – IDF (2005), um quarto da população adulta mundial é portadora desta síndrome5-7.
Foi denominada de Síndrome X Metabólica e é delineada por vários critérios de diagnóstico, como o EGIR – European Group for the Study of Insulin Resistance (1999), o AACE – American Association of Clinical Endocrinologists (2003) e o IDF (2005); contudo, o National Cholesterol Education Program - Adult Treatment Panel III (2001) é o recomendado pela Primeira Diretriz Brasileira de Síndrome Metabólica (IDBSM, 2005). Estes critérios de diagnóstico incluíram desvios na glicemia relacionados à resistência à insulina (RI), valores aumentados de IMC, níveis elevados de triglicerídeos e diminuídos de HDL-c (lipoproteína de densidade alta), e pressão arterial elevada5,8-10.
É consensual, na literatura recente, de que há, pelo menos, seis critérios que definem a presença de SM: obesidade, circunferência abdominal (CA) > 102 cm no sexo masculino ou > 88 cm no sexo feminino, RI (glicemia de jejum acima de 100mg/dL), elevados níveis de triglicerídeos (> 150 mg/dL) e baixos níveis de HDL-c (< 40 mg/dL no sexo masculino ou < 50 mg/dL no sexo feminino), presença de hipertensão arterial (> 130⁄85 mm Hg) e um estado pró-inflamatório e pró-trombótico. É considerado portador aquele indivíduo que possuir três ou mais dos fatores descritos acima4,7,11-14.
É possível observar a presença de SM também em pessoas com IMC normal; assim, pode-se dizer que a obesidade é fator de risco, mas não está presente na totalidade dos portadores4.
Estudos mostram que a SM também pode estar relacionada a patologias, como esteatose hepática, câncer, depressão, doenças respiratórias e reumáticas15,16.
Há muito se sabe que as doenças coronarianas estão entre as principais causas de morte no mundo moderno e os custos decorrentes para os Sistemas de Saúde Pública são altíssimos, sendo a prevenção a melhor alternativa para redução destes custos e dos altos índices de morbidade/mortalidade. Com isso, inúmeros algoritmos têm sido utilizados para delinear os fatores de risco destas doenças. Entre os mais conhecidos, estão os escores de risco de Framingham, de Reynolds, os níveis de Proteína C Reativa Ultrassensível (PCR-us), também denominada de alta sensibilidade (PCR-hs), e a espessura da íntima média da carótida17. Contudo, a utilização de muitas destas ferramentas pode não ser viável na prática clínica diária; no entanto, algumas destas podem ser úteis na predição dos eventos cardiovasculares.
Alguns estudos mostram que a PCR pode ser utilizada como um marcador inflamatório para detecção inicial de doenças ateroscleróticas10,15,18. A PCR recebe atenção especial nesta revisão em virtude de ser o marcador de inflamação mais estudado e mais utilizado na predição de eventos cardiovasculares.
Algumas citocinas, como a Interleucina-1 (IL-1), IL-6 e o Fator de Necrose Tumoral-α (TNF-α), podem regular a síntese de PCR. Estudos prévios mostram que esta proteína pode exercer importantes efeitos pró-inflamatórios e, quando se liga a moléculas resultantes de inflamação ou infecção, desencadeia a ativação do complemento, o que leva à lesão tecidual19-21.
Dados da literatura mostram que há forte correlação entre valores elevados de PCR em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. A presença de hiperglicemia, a dislipidemia, os valores aumentados de PCR e o risco de SM também são afetados pelo sobrepeso/obesidade em crianças, o que leva ao risco de comorbidades futuras22,23.
Além disso, tem-se demonstrado que a PCR-us tem forte correlação com eventos vasculares recorrentes. Há, também, na literatura, correlação positiva entre os valores de PCR-us elevados e a presença de hiperglicemia, hipertensão, tabagismo e presença de SM ou valores alterados nos lipídeos plasmáticos6,15,23-25.
A hiperglicemia relaciona-se à inflamação devido à formação de produtos avançados de glicação (AGEs), que podem levar à síntese de IL-6, à ativação de macrófagos e ao estresse oxidativo, o que culminaria com a produção de PCR, contribuindo para a inflamação. Os AGEs derivam da reação não enzimática da glicose (além de sua oxidação) com proteínas, lipídeos e também ácidos nucleicos, levando ao estresse oxidativo e ao subsequente desenvolvimento de processos inflamatórios e trombóticos; essas condições explicam, em parte, a relação do DM com os eventos cardiovasculares. Os AGEs elevam a produção de espécies reativas de oxigênio, prejudicando a função dos sistemas antioxidantes. Por outro lado, os AGEs também são produzidos em situações de oxidação, o que contribui para as complicações crônicas do DM. Sua ação inicia-se pela sua ligação ao receptor de AGE (RAGE). Esta interação leva à ativação de JAK (Janus Kinase), ρ-GTPase, cinases reguladas por sinalização extracelular e cinase mitógeno ativada p38. A interação com o receptor também ativa NADPH oxidases e eleva a formação intracelular de espécies reativas de oxigênio, o que, por sua vez, aumenta a formação de AGES. Ocorre também ativação de NF-κB (fator nuclear - kappa β), que ativa a transcrição de citocinas pró-inflamatórias, como a IL-6 e o MCP-1 (peptídeo 1 quimiotático de monócitos), intensificando a resposta inflamatória26-28.
A elevação da PCR também está presente na gênese da aterosclerose e mesmo modestas alterações podem ser preditoras de eventos cardiovasculares. Seus níveis aproximadamente triplicam na presença de risco de doenças vasculares periféricas. Dessa forma, a PCR pode predizer eventos cardiovasculares, já que representa um fator de risco independente de desenvolver DCV. Alguns estudos mostram que, ao relacionar com múltiplos fatores de risco para doenças cardiovasculares, em especial a gordura visceral, aqueles indivíduos com altos níveis de PCR, independente do grau de dislipidemia, apresentam grande risco de sofrer infarto agudo do miocárdio6,29,30.
Em conclusão, pode-se inferir que a PCR associa-se à morbidade cardiovascular e está fortemente relacionada ao número de componentes da SM; porém, há uma correlação mais forte com a adiposidade do que com a sensibilidade insulínica ou o controle glicêmico. No entanto, algumas limitações devem ser levadas em consideração, pois seus níveis séricos podem elevar-se transitoriamente por duas a três semanas depois de uma grande infecção, trauma ou evento isquêmico agudo6,20,22,23,31.
A avaliação da PCR pode ser importante até mesmo em adultos com valores não preocupantes de Lipoproteína de Densidade Baixa (LDL-c) e é um preditor para uso ou não de estatina. Esta indicação está baseada nas recomendações no estudo JUPITER (Justification for the Use of Statins in Prevention: an Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin), que mostra os possíveis efeitos benéficos desta medicação em pessoas aparentemente saudáveis, mas que apresentam valores de LDL-c < 130mg/dL associados a valores de PCR acima de 2 mg/dL32,33. Vale ressaltar que o aumento da PCR-us é um fator de risco independente para doenças cardiovasculares17.
A SM tem herança poligênica, em que o acúmulo de gordura abdominal exerce papel fundamental para a alta morbidade-mortalidade. Esse depósito de gordura abdominal tem forte relação com o desenvolvimento de RI e consequente hiperglicemia de jejum. Como dito anteriormente, a RI e o aumento da CA são acompanhados por aumento na liberação de mediadores pró-inflamatórios, principalmente no tecido adiposo (TA), no fígado e no músculo esquelético17,34,35.
O TA também está relacionado à inflamação, pois há bastante tempo deixou de ser considerado como mero local de armazenamento de triacilglicerídeos, sendo, na verdade, considerado um órgão endócrino produtor de diversas adipocinas, tais como IL-6, adiponectina, leptina, Inibidor do ativador do plasminogênio-1 (PAI-1) e TNF-α. O desbalanço na liberação destes mediadores químicos modifica vários fatores associados às doenças cardiovasculares (balanço energético, sensibilidade à insulina, pressão arterial, metabolismo lipídico, imunidade e homeostase), favorecendo o desenvolvimento de um processo inflamatório de baixa intensidade, que origina uma resposta imune local caracterizada por aumento de biomarcadores inflamatórios, como a PCR e espécies químicas oxidativas36,37.
Quando o indivíduo está com IMC caracterizando obesidade (maior ou igual a 30 kg/m2), há expansão dos adipócitos pré-existentes no TA, principalmente por armazenamento de triacilglicerídeos. Em um indivíduo magro, pode-se observar liberação de adipocinas anti-inflamatórias que refletem em bom controle metabólico, oxidativo e inflamatório. Já em um indivíduo com obesidade moderada, pode-se observar uma mudança no padrão secretório pelo início da liberação de adipocinas pró-inflamatórias, como IL-6, IL-18, resistina, lipocalina-2 e TNF-α, entre outras; porém, há ainda liberação de pequena quantidade de adipocinas anti-inflamatórias, como a adiponectina. Observa-se, então, um aumento da inflamação, uma redução do controle metabólico e há, ainda, alteração no endotélio vascular. Quando o indivíduo é considerado obeso, cessa a liberação de adipocinas anti-inflamatórias e aumenta a liberação das pró-inflamatórias, levando a um aumento exacerbado da inflamação, um sério descontrole metabólico e uma disfunção endotelial38.
O aumento do TA pode atingir uma proporção em que se produzem mediadores que interferem na utilização da glicose da dieta, levando a uma situação de RI. A consequência disto é o avanço de um processo inflamatório crônico de baixa intensidade. Este processo, que tem início local, tem efeitos sistêmicos em razão da liberação de inúmeras adipocitocinas. Em uma primeira fase, pode-se dizer que os mediadores pró-inflamatórios são liberados pelos adipócitos expandidos, mas a intensificação da expansão do TA também decorre da infiltração de macrófagos39.
A condição de obesidade induzida pela dieta pode modificar o padrão secretor do TA, havendo mudança do estado de macrófagos alternativamente ativados, denominados M2, para o estado de macrófagos classicamente ativados, denominados M1. Os M2 têm perfil de secreção de citocinas anti-inflamatórias, enquanto os M1 têm perfil de secreção pró-inflamatório. Esta troca, ou mudança de estado, leva à secreção de quimiotáticos como o TNF-α, contribuindo ainda mais para o processo inflamatório36,39-42.
Além dos macrófagos, células T killers, mastócitos e outras células do sistema imunológico também têm sua produção aumentada no TA na condição de obesidade e contribuem com o estado pró-inflamatório neste ambiente. Nesta circunstância, observa-se também uma diminuição da razão de células CD8+ / Treg CD4+ (células T reguladoras CD4+) no TA. No tecido adiposo de obesos, há um decréscimo no número dos linfócitos Treg CD4+, cuja atividade é imunossupressora; estes reconhecidamente secretam citocinas anti-inflamatórias, as quais, por sua vez, inibem a migração de macrófagos. Isto leva a crer que o aumento do TA na obesidade e sobrepeso associa-se diretamente à ativação do sistema imune inato, que coordena respostas inflamatórias39.
A IL-4 e a IL-13 mostram principalmente propriedades pró-padrão M2, enquanto que IFN-γ (Interferon gama) e GM-CSF (fator estimulador das colônias de macrófagos-granulócitos), também secretados pelo TA, relacionam-se à ativação do padrão M1. Estreitamente relacionada à polarização dos macrófagos, está a mudança para o padrão T-helper cells 1 (TH1) ou T-helper cells 2(TH2), e a alteração da atividade das Treg. Na obesidade, quando há consumo de dieta hiperlipídica, são ativadas as células pró-inflamatórias TH1 e macrófagos M1, com consequente produção de IFN-γ, TNF-α e IL-12, enquanto a diferenciação de células T virgens para células TH2 (que secretam IL-4, IL-10 e IL-13) é reduzida, assim como a atividade da Treg36.
Apesar da necessidade de mais estudos em relação à liberação de mediadores na obesidade e na SM, sabe-se que IL-2, IL-6 e TNF- α estão muito aumentados em indivíduos obesos, enquanto que IL-4, IL-5, IL-12, IL-13 e IFN-γ elevam-se na SM. Há estudos que mostram que tanto na obesidade generalizada quanto na central, há elevação significativa de IL-5, IL-10, IL-12, IL-13, IFN-γ. Na generalizada, também se observa elevação de TNF-α e, consequentemente, de seus efeitos inflamatórios. Outro dado interessante é que se observa um aumento dos níveis de IL-4, IL-12 e IL-13 em indivíduos com obesidade generalizada que não praticam atividade física36,39,43-45.
Desta maneira, o padrão secretório do TA pode contribuir para os distúrbios metabólicos associados à obesidade e esta, por sua vez, resulta em um estado metabólico pró-inflamatório, com associação direta com a disfunção endotelial e o desenvolvimento das DCV46,47.
Assim como os conhecimentos sobre o papel endócrino do TA avançaram a passos largos nos últimos anos, também evoluiu o que se conhece sobre a aterosclerose. Por muito tempo, esta foi considerada simplesmente como resultante de um acúmulo de lipídios na parede arterial. No entanto, nas últimas duas décadas, o crescente aumento de estudos no campo vascular tem fornecido inúmeros detalhes à definição inicial da doença aterosclerótica22.
Os fatores de risco de formação de placas aterogênicas têm relação com o estilo de vida (dieta aterogênica, sedentarismo, obesidade, tabagismo, etilismo) e outros fatores como a RI (ou DM), a hipertensão arterial, a hipertrigliceridemia, os baixos níveis de HDL-c e LDL-c oxidado, e as alterações nos valores de homocisteína, de PCR-us, do fator VII de coagulação, do ativador tecidual do plasminogênio e do PAI-124,48.
A aterosclerose é uma DCV, caracterizada pela inflamação crônica da parede da artéria e consequente formação de placas, assim como pela ativação de diferentes células inatas do sistema imune que estão envolvidas diretamente na gênese do depósito das substâncias constituintes destas placas, que são compostas principalmente de lipídios, cálcio e células inflamatórias. As lesões ateroscleróticas são, de fato, uma série de respostas celulares e moleculares altamente específicas e dinâmicas, essencialmente inflamatórias, por natureza. Em pacientes vulneráveis, a aterosclerose se desenvolve por meio da influência de condições que traumatizam o endotélio, como envelhecimento, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, hipercolesterolemia, diabetes e a própria obesidade. Esses fatores danificam o endotélio e estimulam uma reação inflamatória/proliferativa na parede vascular. O interessante é que a relação entre os fatores de risco mostra ser de multiplicação e não simplesmente de adição24,49.
O processo inflamatório, além de aumentar o risco de hipertensão e DM2, também promove elevação dos níveis de citocinas, o que está diretamente relacionado a recrutamento de monócitos e infiltração de macrófagos na parede arterial, com formação da placa. Como são processos lentos e assintomáticos, os sinais podem demorar anos para se manifestar; assim, o uso de marcadores como a PCR-us é importante indicador. A presença de hipertensão também se relaciona com o aumento do estresse oxidativo e consequente desencadeamento do processo inflamatório na parede dos vasos24,29,50.
A hiperglicemia e o desenvolvimento do DM relacionam-se com o desenvolvimento da aterosclerose por diferentes mecanismos. Talvez o mecanismo mais bem estudado seja o que tange aos AGEs, que se relacionam à gênese da placa, mas também podem ser acumulados nas lesões. Estes produtos são mediadores de lesão endotelial, inflamação e alterações lipídicas – como, por exemplo, a oxidação da LDL-c – que, nesta condição, são altamente aterogênicas, pois os macrófagos envolvidos na formação da placa têm receptores scavenger para captação de LDL-c oxidada; observe-se que, com o tempo, esses macrófagos se tornam células espumosas. Também há estimulação pelos AGEs da expressão do gene para MCP-1, da molécula 1 de adesão intercelular (ICAM-1), molécula de adesão da célula vascular 1 (VCAM-1) e PAI-1. Estes eventos são seguidos pelo recrutamento de células inflamatórias para a parede dos vasos. Os AGEs também exercem propriedades aterogênicas por interferir na produção de óxido nítrico (•NO), por diminuição da atividade da óxido nítrico sintase. O •NO tem importante papel na regeneração endotelial, na vasodilatação e na inibição da agregação plaquetária. Assim, a deficiência em sua produção auxilia na disfunção endotelial e na formação da placa28,51.
O aumento do tecido adiposo visceral associa-se diretamente à elevação dos níveis de PCR e esta associação dos níveis é diretamente proporcional ao acúmulo de tecido adiposo visceral e aos componentes da síndrome da resistência insulínica. Esta relação permite correlacionar diretamente o aumento do tecido adiposo visceral exercendo papel fundamental no desenvolvimento da aterosclerose. Dessa forma, a síndrome da resistência insulínica, o aumento do IMC (obesidade, principalmente a visceral) e a aterosclerose estão intimamente relacionados e podem ser determinantes na resposta exacerbada dos eventos inflamatórios do endotélio vascular. A PCR estimula ainda a expressão e a atividade do PAI-1 em células endoteliais. Esta situação é exacerbada quando há hiperglicemia, uma vez que são gerados mais mediadores de inflamação. A elevação dos níveis de PAI-1 no DM e na SM ocorre em razão, também, da estimulação dos monócitos e das células endoteliais pela PCR, que, nestas situações, se encontra significativamente aumentada. Essa proteína também induz a expressão de várias moléculas, como as ICAM-1, VCAM-1, selectinas e MCP-1. Em monócitos, a PCR-us também está relacionada com a estimulação da produção do fator tecidual, que é um ativador extrínseco da cascata de coagulação. A PCR também atua como reguladora da produção de óxido nítrico no endotélio vascular e coordena a produção e a secreção de várias citocinas pró-inflamatórias por adipócitos6,20,31,35,52.
Dados da literatura mostram que a elevação dos níveis de fibrinogênio, fibrina e produtos de degradação do fibrinogênio tem relação com a formação e o desenvolvimento da placa de ateroma. O fibrinogênio exerce papel fundamental na formação e no crescimento da placa de ateroma, além de ser precursor de trombos murais. Ele também está envolvido nos mecanismos de agregação plaquetária e injúria da célula endotelial, que exercem papel na formação do trombo. Valores elevados de fibrinogênio associados à presença de outros fatores de risco, como hipertensão, tabagismo, sedentarismo, dislipidemia e RI, elevam os riscos de formação de trombos. Assim como a PCR-us, o fibrinogênio é considerado um fator de risco independente para a DCV. O aumento de fibrinogênio, fibrina e produtos de degradação do fibrinogênio podem levar à esclerose das paredes dos vasos e ao estreitamento do lúmen, além de contribuírem com a ruptura da placa52-54.
Outro marcador de inflamação é o CD40, expresso por linfócitos T e por plaquetas ativadas, além de ser expresso por células endoteliais na superfície de células musculares lisas e em macrófagos. O sCD40L é o ligante deste marcador e, na forma solúvel, mas também pode ser encontrado como proteína transmembrana. Níveis elevados deste ligante também podem indicar risco aumentado de DCV42.
A exacerbação da inflamação aumenta a instabilidade da placa aterosclerótica, fazendo com que haja maior vulnerabilidade de eventos coronarianos recorrentes. Esta instabilidade leva à obstrução de pequenos compartimentos vasculares ou mesmo à formação de trombos, que podem levar a obstruções mais graves. A degradação da capa fibrosa por ação de metaloproteínases de matriz (MMPs) e a neovascularização nas placas são processos implicados na instabilidade da placa. As MMP-2 e MMP-8, além de VEGF (fator de crescimento de endotélio vascular), estão envolvidas diretamente nesta instabilidade. As MMP-2 têm a capacidade de degradar a proteína glutina do tipo IV, além de contribuírem com a revascularização através da degradação das matrizes. As MMP-8 relacionam-se principalmente com a degradação de laminina, fibronectina, elastina e proteína glutina dos tipos I-IV. Esta metaloproteínase, além de ativar a MMP-2, também regula a expressão de IL-1b, IL-8, CD2, CD4, CD8 e TNF-α, agravando os eventos inflamatórios54-56.
Com o exposto, pode-se reafirmar que a inflamação tem papel imprescindível na gênese e na progressão da aterosclerose. Outro fator importante, já comentado no contexto dos AGES, é o NF-κB, que induz a expressão de vários mediadores químicos de inflamação, contribuindo para a formação e o desenvolvimento da placa aterosclerótica. Vale ressaltar que, assim como o NF-κB, o efeito da proteína cinase ativada por mitógeno (MAPK) e a proteína cinase C (PKC) têm sido relacionados como sinalizadores de eventos inflamatórios. Estudos mostram que o fibrinogênio, a fibrina e os produtos de degradação do fibrinogênio podem regular a atividade de MMP-2 e VEGF, através da ativação de PKC e MAPK por influência de NF-κB54,57-59.
Vários autores mostraram a associação entre os níveis de PCR, SM e os indicadores de placas ateroscleróticas. Valores maiores no score de placas e na espessura da íntima e média do vaso foram encontrados em indivíduos portadores de SM. Estes parâmetros também podem apresentar correlação positiva quando os níveis de PCR mostram-se mais elevados6,15,60. Há autores que encontraram relação positiva entre a glicemia, o Índice de Castelli I (CT/HDL-c), a pressão arterial e a composição corporal, quando comparados com a espessura da íntima média da carótida, mostrando que os fatores de risco da SM associam-se não somente com o início do desenvolvimento da placa aterosclerótica, mas também com a progressão do aumento da mesma61.
Assim, os fatores de risco emergentes, como a PCR-us, também devem ser monitorados a fim de uma abordagem mais eficaz na estimativa dos riscos de eventos coronarianos, pois a aterosclerose representa uma condição de alto custo e suas complicações estão entre as principais causas de morte no mundo.
Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de programas eficazes de prevenção no sentido de incentivar melhores padrões de alimentação, assim como estimular a prática de atividade física. Também é necessário o tratamento da dislipidemia, da hipertensão, do DM e da obesidade, e o desencorajamento ao consumo de cigarro e álcool17,52.
Considerando-se a importância do controle dos fatores de risco e da estratificação dos mesmos no que tange à associação entre os componentes da SM, é importante delinear fatores prognósticos, adotando-os como uma ferramenta de uso diário na prevenção da DCV. Isto vai além da análise dos parâmetros antropométricos, bioquímicos e de estilo de vida tradicionais, devendo-se levar em conta os marcadores inflamatórios como a PCR-us. Este marcador está associado à morbidade cardiovascular e está fortemente atrelado ao número de componentes da SM. Deve-se considerar também que a adoção das medidas intervencionistas deve ser iniciada na infância, para que os novos hábitos se estendam até a fase adulta, aumentando, assim, não somente a expectativa de vida, mas também a sua qualidade. Assim, além da terapia medicamentosa, para que a tríade Síndrome metabólica, aterosclerose e inflamação possa ser dissociada, há necessidade de intervenções multiprofissionais.