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Sintomas de disfagia em crianças com fissura labial e/ou palatina pré e pós-correção cirúrgica

Sintomas de disfagia em crianças com fissura labial e/ou palatina pré e pós-correção cirúrgica

Autores:

Jordana da Silva Freitas,
Maria Cristina de Almeida Freitas Cardoso

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.30 no.1 São Paulo 2018 Epub 05-Mar-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017018

INTRODUÇÃO

Entre as malformações craniofaciais congênitas estão as fissuras labiais e/ou de palato devido a um erro de fusão dos processos faciais embrionários, precisamente, nos processos branquiais ou faríngeos, entre a 4° e a 9º semana de vida embrionária(1). Essas malformações são consideradas comuns, apresentam uma prevalência de 1/1000 nascidos no Brasil, sua etiologia é multifatorial e pode estar associada a fatores como hereditariedade, aspectos maternos, estresse, infecções, medicamentos e irradiações(1,2).

A classificação para os tipos de fissuras, usualmente encontrada na literatura brasileira, tem como ponto de referência uma estrutura limite entre o palato primário e secundário, ou seja, o forame incisivo(3). Essa classificação divide os tipos de fissura em quatro categorias: fissura pré-forame incisivo, acometendo lábio, rebordo alveolar e pré-maxila, podendo ser unilateral, bilateral ou mediana, completa ou incompleta; fissura pós-forame incisivo, afetando a úvula e o palato, total ou parcialmente, sendo classificada como completa ou incompleta e geralmente mediana; fissura transforame incisivo, unilateral ou bilateral, abrangendo o lábio, rebordo alveolar e toda a extensão do palato; e as fissuras raras de face, oblíquas ou transversais, do lábio inferior ou do nariz; entre outras(3).

A correção cirúrgica é possível e tem diferentes cronologias e técnicas, dependendo do tipo e da extensão da fissura, cujo fator decisório fica a critério do cirurgião. Para correção das fissuras de lábio e/ou palato, os procedimentos realizados são denominados queiloplastia, da reparação de lábio; estafilorrafia, do palato mole; e palatoplastia, do palato duro(2).

Portadores de fissura labial e/ou palatina apresentam dificuldades funcionais nos mecanismos de deglutição, sucção, mastigação e fonação devido às alterações anatômicas do sistema estomatognático(4).

A deglutição é definida como o processo de condução do alimento da boca até o estômago, e se divide em três fases principais: oral, faríngea e esofágica, sendo a ação voluntária na fase oral e involuntária nas fases faríngea e esofágica. Todo o processo de deglutição envolve a participação neuromuscular das estruturas do sistema estomatognático(4,5).

A disfagia é definida como uma dificuldade no processo de deglutição, sendo caracterizada como um distúrbio diante dos problemas no transporte de alimentos ou saliva, da boca até o estomago, podendo ocorrer em qualquer fase do processo de deglutição(5-7).

Para que haja uma deglutição segura, faz-se necessário que as estruturas envolvidas estejam íntegras, que aconteça uma correta sincronia entre as suas fases, que não ocorram estases, presença do alimento na cavidade oral e/ou faríngea, e que haja um correto fechamento glótico para proteção das vias aéreas, impedindo que ocorra escape do alimento para o trato respiratório inferior(5,7,8).

A classificação do comprometimento das disfagias em pediatria, com o uso de protocolo de avaliação, é de deglutição normal, disfagia orofaríngea leve, disfagia orofaríngea moderada à grave e/ou disfagia orofaríngea grave(9). Os sintomas mais comuns da disfagia são: escape anterior; escape posterior prematuro dos alimentos; redução da sensibilidade oral; atraso no início das fases da deglutição; penetração ou aspiração laríngea, gerando sinais como tosse, engasgos e vômito durante ou após a alimentação(9,10). Crianças disfágicas podem apresentar atraso no desenvolvimento das funções motoras orais, doenças respiratórias crônicas, refluxo gastroesofágico, perda de peso, desnutrição e seletividade de alimentos e de consistências(11).

Estudos relatam que as principais queixas das mães, sobre o processo inicial de alimentação das crianças com fissuras, são refluxo nasal, engasgos, tosse e dificuldades no processo de sucção(8,10).

Nas fissuras de lábio e/ou de palato, encontram-se dificuldades no estabelecimento de uma sucção eficiente e segura, por fraca pressão intraoral durante a realização dessa função, assim como pelos transtornos na coordenação entre sucção/deglutição/respiração. A alteração anatômica exacerbada da pré-maxila palatina opõe-se aos movimentos da língua, o que dificulta a pega do mamilo ou do bico de mamadeira, que, associada à posição posteriorizada da língua em repouso, torna o impulso muscular não efetivo na pega, e/ou pelo acoplamento indesejável entre cavidade oral e nasal, fatores esses que acentuam o prejuízo do processo alimentar(8).

As alterações nas estruturas orofaríngeas geradas pelas fissuras labiais e/ou palatinas são consideradas fatores de risco para o desenvolvimento de disfagia. O grau e as características das dificuldades alimentares nessa população estão diretamente ligados à extensão e ao tipo da fissura(5,10,11).

O objetivo deste estudo foi verificar a ocorrência dos sintomas de disfagia em crianças com fissura labial e/ou palatina pré e pós-correção cirúrgica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, de caráter quantitativo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente sob o protocolo número 1573164/2016.

Os critérios de inclusão e/ou exclusão foram de crianças com fissura labial e/ou palatina, sem outras síndromes associadas, atendidas pelo serviço de Fonoaudiologia de um ambulatório de especialidades do Sistema Único de Saúde (SUS) de um hospital pediátrico na cidade de Porto Alegre (RS). O atendimento Fonoaudiólogo dessas crianças é feito por seis alunas do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA, pertencentes ao projeto de extensão intitulado “Atendimento ao Portador de Fissura Labiopalatina”, supervisionado por três professoras do departamento de Fonoaudiologia desta mesma instituição.

Os responsáveis pelos pacientes foram convidados pela pesquisadora assistente para participarem da pesquisa, durante o atendimento fonoaudiológico, em sala de espera, enquanto aguardavam consulta, ou por contato telefônico, com a solicitação de comparecimento à consulta fonoaudiológica, mediante o agendamento em data e horário compatíveis. Todos os responsáveis pelos participantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e as crianças alfabetizadas assinaram o termo de assentimento da pesquisa.

O questionário elaborado pelas pesquisadoras foi lido pela pesquisadora assistente e respondido pelos pais ou responsáveis legais. Esse é composto de dados gerais (idade, data de nascimento e gênero) da criança e seus pais, histórico familiar de possível hereditariedade e classificação da fissura. Questões fechadas e abertas, de caráter recordatório, foram solicitadas sobre: gestação, cirurgias de correção realizadas, via de alimentação ao nascer, tempo de permanência desta via de alimentação, informações recebidas pelos pais por profissionais quanto à postura e informações gerais sobre alimentação, e idade de introdução das demais consistências alimentares (pastosa e sólida). A identificação de ocorrência dos sintomas de tosse, engasgo, vômito e escape nasal, nas consistências líquidas, pastosas e sólidas, também compõe o questionário. Por fim, a comparação dos sintomas de disfagia no momento pré-correção cirúrgica e o desaparecimento ou não desses pós-correção cirúrgica foi solicitada.

Os dados obtidos foram armazenados em um banco de informações, construído no software Microsoft Exel® 2010 e transferidos para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 16.0 para Windows®, no qual foi realizada a análise estatística dos dados utilizando-se a distribuição das amostras. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar os sintomas de disfagia antes e após a correção cirúrgica, foi utilizado o teste Quiquadrado de McNemar. Para a associação entre os sintomas com o tipo de fissura, foi realizado o teste exato de Fisher. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p≤0,005.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 23 crianças, sendo 69,6% do gênero masculino e 30,4% do feminino, com idade mínima de 15 meses e máxima de 132 meses. A mediana de idade foi de 48 meses. Quanto ao histórico familiar de hereditariedade, cinco (21,7%) relataram ter caso(s) de fissura na família e 18 (78,3%) não. Os tipos de fissura encontrados foram: 13 (56,5%) de fissura transforame incisivo unilateral, três (13,0%) de fissura transforame incisivo bilateral, dois (8,7%) com fissura pré-forame incisivo incompleta, um (4,3%) de pós-forame incisivo completa e quatro (17,4%) de fissura pós-forame incisivo incompleta.

Das 23 crianças, duas não realizaram nenhuma correção cirúrgica até o momento da aplicação do questionário e uma realizou apenas a queiloplastia, faltando por agendar, a palatoplastia. A Tabela 1 apresenta a cronologia da correção cirúrgica dos participantes da amostra.

Tabela 1 Cronologia da correção cirúrgica 

Variáveis Cirúrgicas n (%)
Queiloplastia 16
0-3 Meses 4 (25,0%)
4-6 Meses 3 (18,8%)
7-12 Meses 5 (31,3%)
>12 Meses 4 (25,0%)
Palatoplastia 17
Até 18 Meses 12 (70,6%)
19-24 Meses 3 (17,6%)
>24 Meses 2 (11,8%)

A via de alimentação das crianças ao nascerem foi: 13 (56,5%), mamadeira; seis (26,1%), seio materno; e quatro (17,4%), sonda de alimentação. O Gráfico 1 exibe o tempo de permanência da via inicial de alimentação.

*valor discrepante 2,5 acima do desvio padrão; • valor discrepante 1,5 acima do desvio padrão

Gráfico 1 Tempo de permanência da via de alimentação 

Quanto à média de tempo relatado para alimentação, 14 (60,9%) disseram que o tempo de alimentação foi menor ou igual a 30 minutos e nove (39,1%), que este tempo foi superior a 30 minutos. Os responsáveis confirmaram terem recebido ou não orientações e informações referentes ao processo de alimentação dos participantes deste estudo, de qual profissional e em qual momento foi realizada tal orientação. Esses dados estão referidos na Tabela 2.

Tabela 2 Informações referentes ao processo de alimentação 

Variáveis n (%)
Recebeu informações sobre postura e informações gerais sobre alimentação n= 23
Sim 18 (78,3%)
Não 5 (21,7%)
Profissional informante n= 18
Fonoaudiólogo 8 (44,4%)
Médico 9 (50,0%)
Outros 1 (5,6%)
Quando recebeu a informação
Durante a gestação 0 (0,0%)
Na maternidade 9 (50,0%)
Durante acompanhamento após o nascimento 5 (27,8%)
Após atendimento clínico 4 (22,2%)

A proporção de ocorrência de sintomas de disfagia de acordo com o tipo de alimento ofertado encontra-se exposto na Tabela 3. Atualmente 18 (78,3%) das crianças têm preferência por alimentos de consistência sólida e cinco (21,7%), pastosas.

Tabela 3 Proporção de ocorrência de sintomas de disfagia de acordo com o tipo de alimento ofertado 

Variáveis n=23
Sintomas com consistência líquida n (%)
Engasgos 13 (56,5%)
Tosse 12 (52,2%)
Vômito 10 (43,5%)
Escape Nasal 21 (91,3%)
Sintomas com consistência pastosa n (%)
Engasgos 8 (34,8%)
Tosse 9 (39,1%)
Vômito 4 (17,4%)
Escape Nasal 20 (87,0%)
Sintomas com consistência sólida n (%)
Engasgos 9 (39,1%)
Tosse 9 (39,1%)
Vômito 4 (17,4%)
Escape Nasal 16 (69,6%)

A correlação entre os sintomas de disfagia no período pré e pós a realização da correção cirúrgica, por palatoplastia, apresentou diferença estatística (p≤ 0,005). Essa correspondência encontra-se exibida na Tabela 4.

Tabela 4 Comparação dos sintomas de disfagia pré e pós-correção cirúrgica por palatoplastia 

Variáveis Antes
(n=23)
Depois
(n=20)
p*
Escape Nasal 22 (95,7) 2 (8,7) <0,001
Engasgo 13 (56,5) 1 (5,0) 0,002
Tosse 14 (60,9) 0 (0,0) 0,001
Vômito 10 (43,5) 1 (5,0) 0,004

*teste de McNemar

Dos 20 participantes que realizaram a correção cirúrgica, um permaneceu com escape nasal, outro com vômito e outro com escape nasal e engasgo; esses com fissura transforame incisivo unilateral.

Ressalta-se, também, que os três indivíduos que ainda não foram corrigidos cirurgicamente permanecem com a presença dos sintomas de disfagia.

Não houve significância estatística (p≥ 0,005) entre a associação dos sintomas de disfagia com o tipo de fissura, embora se observe que os participantes com fissura transforame incisivo unilateral e bilateral apresentaram maior ocorrência dos sintomas de disfagia. A comparação entre os sintomas de disfagia conforme o tipo de fissura encontra-se na Tabela 5.

Tabela 5 Comparação dos sinais e sintomas conforme tipo de fissura 

Sinais e sintomas de disfagia Transforame unilateral
(n=13)
Transforame bilateral
(n=3)
Pré-forame incisivo incompleta
(n=2)
Pós-forame incisivo completa
(n=1)
Pós-forame incisivo incompleta
(n=4)
p*
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Antes
Escape Nasal 13 (100) 3 (100) 1 (50) 1 (100) 4 (100) 0,127
Engasgo 5 (38,5) 2 (66,7) 2 (100) 1 (100) 3 (75,0) 0,318
Tosse 5 (38,5) 3 (100) 1 (50) 1 (100) 4 (100) 0,053
Vômito 7 (53,8) 0 (0,0) 2 (100) 0 (0,0) 1 (25,0) 0,408
Depois
Escape Nasal 2 (15,4) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 1,000
Engasgo 1 (7,7) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 1,000
Tosse 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) -
Vômito 1 (7,7) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 1,000

*teste exato de Fisher estimado por Monte Carlo

DISCUSSÃO

Entre os fatores de risco relevantes para a ocorrência de malformações craniofaciais está a hereditariedade(12). Neste estudo, a proporção de hereditariedade descrita foi inferior à referida na literatura, talvez pelo número reduzido da amostra. A prevalência de ser do gênero masculino e com fissura do tipo transforame unilateral, também é descrita em estudos epidemiológicos publicados, visto que, no gênero masculino, tem-se a maior incidência quando comparado ao gênero feminino(12,13), assim como o tempo de junção dos processos nasais e palatinos ser mais precoce no gênero masculino(13).

Para as correções das FLP, embora existam diferentes cronologias descritas na literatura(14-16), na maioria dos serviços especializados se tem o tempo para as correções cirúrgicas como o pós-natal, sendo esse considerado ideal para a realização da queiloplastia aos três meses ou entre três e seis meses de idade, levando-se em conta as condições clínicas necessárias para a realização de um procedimento cirúrgico de risco(2,17).

Para a palatoplastia, os estudos citam que esta deverá ser realizada aos doze meses ou entre doze e dezoito meses. Nos casos de fissura palatina completa, encontra-se referência de realização da palatoplastia posterior ou estafilorrafia junto à queiloplastia ou junto à palatoplastia ou, ainda, somente aos dezoito meses(2,17).

A cronologia cirúrgica, à qual a maioria dos participantes deste estudo foi submetida, sugere atraso na realização da queiloplastia em relação ao tempo ideal e mais frequente ao encontrado na literatura para as palatoplastias(17). A época ideal para a correção tanto de lábio como de palato deve levar em consideração a idade do paciente, os fatores funcionais e individuais como os comprometimentos anatômicos associados, buscando o melhor reparo funcional e estético(18).

Os diferentes momentos de correções cirúrgicas encontrados neste estudo são decorrentes das dificuldades para a manutenção das agendas para essas intervenções, pois demandam a estabilidade da saúde da criança, a liberação de leitos e de centros cirúrgicos junto ao SUS. A correção tardia retarda a reabilitação das alterações encontradas nas funções de sucção, mastigação, deglutição e fala.

O processo de alimentação para recém-nascidos se dá pela função de sucção, que se coordena com a respiração e deglutição. Inicialmente essa função é reflexa e é elicitada pelo toque do mamilo nos lábios do bebê, que se abrem e abocanham o mamilo, iniciando os movimentos da sucção(8,19).

Ao nascer, é recomendado que os bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno, até os seis meses de idade. O leite materno é um alimento completo, importante para imunização, previne infecções e alergias, além de ajudar no processo de crescimento ósseo e desenvolvimento da musculatura craniofacial da criança(20). Mesmo que com mais dificuldade, bebês com FLP têm condições de ter sucesso no processo de aleitamento materno exclusivo(6,21), considerando um posicionamento adequado e ajustes para com os intervalos da amamentação(8).

O número baixo de participantes deste estudo que foram alimentados por seio materno, assim como o baixo tempo de permanência dessa via de alimentação, concorda com os encontrados em outros estudos(4,10) e reforça a importância da presença de profissionais capacitados nas equipes de assistência ao nascimento.

O uso de mamadeira foi a via de alimentação mais encontrada e com maior tempo de uso neste estudo. A alta proporção do uso de mamadeira como via de alimentação junto às FLP pós-nascimento é, também, descrita em outros estudos(4,10,22). Esse utensílio é considerado um hábito oral deletério junto à população em geral, variando de acordo com sua frequência e a forma de uso(23,24).

Nos casos das fissuras labiais e/ou palatinas, a mamadeira, mesmo considerando que não haja consenso na literatura, pode ser uma aliada no processo de alimentação, pela existência de bicos com formato para facilitar a pega e tipo de furo adequado para a vazão do leite, auxiliando no vedamento das estruturas e favorecendo a pressão necessária para a sucção(4,6,17).

A indicação do uso de sonda de alimentação para bebês portadores de FLP se mostra necessária apenas nos casos de impossibilidade da alimentação por via oral, associada às dificuldades no ganho de peso(25). Neste estudo, 17,4% da amostra fez uso de sonda, com tempo de permanência, dessa via de alimentação, em torno de seis meses. A ocorrência do uso de sonda para alimentação foi encontrada em um estudo com análise de 137 prontuários de pacientes com FLP, de 23% da população, estando, esses dados, acima dos encontrados no presente estudo(25).

A sucção nos bebês com FLP varia em relação à descontinuidade ou não dos lábios para a sua realização. Em virtude desses fatores, essa função pode ser fraca, estando relacionada à modificação da pressão intraoral, o que pode impactar diretamente a realização da função e, consequentemente, o tempo de alimentação(6,8,22). Neste estudo, a predominância do tempo médio relatado de alimentação foi menor ou igual a trinta minutos, conferindo com os dados da literatura, nos quais se encontra um tempo maior para a alimentação dos portadores de FLP(6,17), quando comparado com o da população infantil sadia. Os estudos referem que o tempo médio de alimentação de bebês sadios se dá em torno de vinte minutos(17).

A precisão do dado tempo de alimentação, em torno de 30 minutos relatado neste estudo, pode ser questionada pelo método recordatório adotado na pesquisa, pois pode ser influenciado pela memória de longo prazo dos pais ou responsáveis. A maior parte dos pais participantes deste estudo recebeu orientações sobre postura e informações gerais referentes à alimentação, em algum momento durante a internação ou em período neonatal. Na literatura, encontra-se um estudo em que 26% das mães referem ter recebido orientações sobre alimentação(22), proporção essa abaixo da encontrada neste estudo.

As informações referentes ao posicionamento do bebê portador de FLP e sua alimentação foi dada, predominantemente, por médicos e fonoaudiólogos, sendo que 50% dos participantes referiram ter recebido essas informações durante a internação, na maternidade. É importante que pais e cuidadores de crianças portadoras de fissura labial e/ou palatina sejam informados pelos profissionais de saúde quanto à postura ideal para alimentação e os cuidados gerais para com uma alimentação segura(22), vista a possibilidade de ocorrência de transtornos de deglutição.

Após os seis meses de vida, o bebê precisa de mais nutrientes para se desenvolver, a introdução de novos alimentos se faz necessária para suprir a nova demanda nutricional. Uma introdução tardia dos alimentos pode causar uma perda de peso e déficit de nutrientes importantes para o crescimento(26).

A época de introdução de alimentos pastosos e sólidos encontrada neste estudo mostrou-se adequada, concordando com as idades sugeridas e descritas na literatura(26,27). A preferência atual dos participantes da pesquisa por alimentos sólidos sugere que o processo de introdução alimentar ocorreu de forma adequada e esperada.

A ocorrência de dificuldades na alimentação em portadores de FLP é amplamente descrita na literatura(4,6,8,10,20-22). Essas dificuldades surgem no nascimento, em virtude do comprometimento das funções de sucção e deglutição(26,27).

As FLP são foco de diferentes estudos clínicos, de casos e epidemiológicos, porém poucos, no momento atual, associam essas malformações às disfagias.

A presença do escape nasal foi o sintoma de disfagia referido, de forma mais frequente neste estudo, nas diferentes consistências. Esse dado pode ser justificado pelo maior número de fissura transforame incisivo e pós-forame incisivo, devido à presença das alterações anatômicas e estruturais de lábio, alvéolo, palato duro e palato mole que favorecem o refluxo do alimento para a cavidade nasal.

Não foi encontrada associação estatisticamente significativa dos sintomas de disfagia com o tipo de fissura, mas na literatura encontram-se dados de maior ocorrência de problemas na alimentação nas fissuras transforame incisivo e/ou pós-forame incisivo, concordando com os achados no presente estudo(6,8,28).

Conforme descrito na literatura(9,28), a ocorrência de tosse, engasgos e vômitos são considerados sintomas de disfagia. Mesmo o termo disfagia não sendo usualmente empregado na denominação das dificuldades alimentares nas FLP, os achados deste estudo demostram a presença de disfagia junto aos portadores de fissuras labiais e/ou palatinas, no momento pré-correção cirúrgica.

Este estudo evidenciou estatisticamente a não prevalência dos sintomas de disfagia na comparação entre os momentos pré e pós-correção cirúrgica, visto que os sintomas estão associados à deformidade anatômica das estruturas do sistema estomatognático(8,10).

A ocorrência dos sintomas de disfagia em momento pós-correção cirúrgica, encontrada neste estudo, de escape nasal, de engasgos e vômito pode estar relacionada à presença de fístulas, da incompetência e/ou insuficiência velofaríngea(8,17,29). A fístula palatina é uma falha no fechamento cirúrgico do palato(28), podendo ser corrigida com nova intervenção cirúrgica. A incompetência velofaríngea é gerada pela diminuição da mobilidade velar e a insuficiência pelas alterações anatômicas ou iatrogênicas, que impedem o fechamento do esfíncter velo faríngeo(8,17).

A ocorrência de disfagia em portadores de FLP, verificada desde o período neonatal, interfere na qualidade de vida e alimentação das crianças. A ausência de um acompanhamento especializado e de uma correção cirúrgica em tempo correto comprometem a sua saúde geral, podendo desencadear distúrbios nutricionais, de hidratação e desenvolvimento geral nessas crianças.

As intervenções e acompanhamentos, quando ocorrem nos tempos previstos e têm um envolvimento familiar adequado, contribuem para melhor qualidade de vida e de desenvolvimento das crianças com FLP.

Sugere-se que mais estudos sobre o assunto sejam realizados com maior número de participantes, já que o processo de correção e reabilitação das FLP acompanha o crescimento e desenvolvimento da criança e envolve um trabalho, no mínimo, multiprofissional, com o acompanhamento de profissionais das áreas da Fonoaudiologia, Ortodontia, Cirurgia Bucomaxilofacial e Cirurgias Plástica e Estética, assim como, de outras ciências.

Ressalta-se a importância da realização da correção cirúrgica no tempo adequado, visto que a disfagia e os problemas alimentares podem interferir na qualidade de vida e desenvolvimento das crianças com FLP. A reestruturação da deformidade facial e os seus desdobramentos envolvem os ciclos de vida da infância e adolescência. O acompanhamento Fonoaudiológico desta população, desde o nascimento, propõe-se a auxiliar a família com orientações e suporte clínico terapêutico à criança ao longo do seu desenvolvimento.

CONCLUSÃO

Houve a diminuição da ocorrência dos sintomas de disfagia nas crianças com fissura labial e/ou palatina após a cirurgia, e essa se mostrou um recurso de prevenção da prevalência dos sintomas de disfagia.

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