versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.66 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000155
The objective of this study was to analyze the symptoms and sociodemographic characteristics associated with the history of attempted suicide (TS) of cocaine and crack users hospitalized for treatment.
This is a cross-sectional study involving 160 participants who completed a semi-structured clinical interview and the Adult Self-Report (ASR) instrument. The Logistic Regression model was used to test the psychological symptoms associated with TS of this sample.
The differences between the TS and non-TS groups were significant (p < 0.001). Of the total sample, 30.6% (n = 49; p = 0.428) had a history of TS and 30.5% (N = 20) reported suicidal ideation in the current treatment. Ethnicity, symptoms of depression and problems of thinking were associated with TS, whereas intrusive, rule-breaking and internalizing problems served as protection for TS.
The findings reinforce the need for psychiatric evaluation of emotional states, comorbidities and risk of suicide at admission and during treatment for chemical dependence.
Key words: Suicide attempted; cocaine and crack; mental health; therapeutics
O suicídio está entre as principais causas de mortalidade no mundo. Anualmente, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas cometam suicídio no planeta, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos, estando o Brasil entre os dez primeiros países do mundo com maior número absoluto de mortes por suicídio1-3. É importante compreender a complexidade dos múltiplos fatores psicossociais e emocionais envolvidos no comportamento suicida, o que reforça a importância da avaliação clínica e de métodos eficazes na intervenção desse problema de saúde pública4.
No contexto brasileiro, a criação de diretrizes e manuais de prevenção do suicídio, pelo Ministério da Saúde, problematiza a complexidade entre a saúde mental e a implementação de estratégias desde a atenção primária até possíveis centros de internações para tratamentos clínicos5,6. Ao discutir planos de avaliação para grupos populacionais específicos, é possível observar que usuários de drogas constituem um grupo com riscos importantes, principalmente quando estudados os altos índices de suicídio nessa população7-10. Os achados de Harris e Barraclough7 e Kessler et al.11, por exemplo, apontam a tentativa de suicídio (TS) como elemento fortemente relacionado à morte entre usuários de crack e cocaína. Ao analisar o cenário de drogadição no Brasil, observa-se que o país está posicionado entre os principais consumidores de cocaína do mundo em conjunto com o crescimento do número de usuários de crack em todo o país3.
Ao analisar os estressores que antecedem o comportamento suicida de usuários de drogas, os quadros clínicos psicopatológicos, o envolvimento em comportamentos de riscos e o histórico de tentativas prévias de suicídio recebem maior destaque. As comorbidades psiquiátricas estão classificadas como um dos elementos fundamentais a serem considerados durante a avaliação e no decorrer do tratamento desses usuários12-14. Os transtornos de humor e ansiedade, por exemplo, potencializam o risco de suicídio nessa população8,14.
Nesse sentido, o tratamento em saúde mental nessa população deve ser ampliado e fundamentado na avaliação constante de possíveis comorbidades, padrões comportamentais e sintomas relacionados ao comportamento suicida15. Para isso, o uso de novos instrumentos, como o Adult Self-Report (ASR), frequentemente utilizado em inúmeras investigações clínicas em diferentes países, pode ser um método auxiliar nessa etapa de avaliação e levantar dados que podem sugerir diferentes planos terapêuticos em uma determinada população.
Considerando o cenário brasileiro sobre o uso de drogas e as especificidades de grupos populacionais de risco para TS, esta pesquisa tem como objetivo examinar e descrever os fatores sintomatológicos e comportamentais que predizem a TS de usuários de cocaína e crack que se encontravam em tratamento para recuperação da dependência. Trata-se de um estudo direcionado a levantar dados sobre o histórico do comportamento suicida nessa amostra e possíveis aspectos de sintomatologias psiquiátricas que podem estar frequentemente associados a esse quadro.
Trata-se de um estudo quantitativo e transversal que utilizou uma amostra de usuários de drogas com idade entre 18 e 59 anos que estavam internados para tratamento da dependência de cocaína/crack entre os anos de 2012 e 2013 e com até seis meses (tempo máximo) de tratamento. Os participantes foram avaliados por conveniência com centros de tratamentos ajustados ao critério de localização, fluxo de pacientes e que se mostraram disponíveis a aceitar a pesquisa. Foram acessados seis centros de tratamento para dependência química conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), dentre eles comunidades terapêuticas e clínicas privadas da cidade de Porto Alegre/RS e região metropolitana.
No total foram avaliados 328 participantes usuários de crack e/ou cocaína. Para a amostra final, o estudo foi composto por 160 participantes que preencheram os seguintes critérios de inclusão: a) diagnóstico de dependência química estabelecido pelo psiquiatra da clínica conveniada; b) estar em tratamento psiquiátrico (modalidade internação) para dependência de substâncias químicas; c) Escolaridade mínima (5ª série) e d) abstinência do uso de crack e cocaína por pelo menos 60 dias. Todos os usuários estavam no mínimo há dois meses no atual tratamento.
Os critérios de exclusão, por sua vez, incluíram: a) prejuízos cognitivos, avaliados por meio do Miniexame do Estado Mental (MEEM)16, validado para o Brasil por Bertolucci et al.17. O MEEM é composto por questões agrupadas em sete categorias, cada uma com o objetivo de avaliar funções cognitivas específicas; b) diagnóstico de comorbidades psiquiátricas graves que impedisse o paciente de participar do estudo verificado por meio da avaliação clínica do psiquiatra da internação e pela entrevista estruturada inicial; c) período de abstinência inferior a 60 dias; d) diagnóstico não conclusivo sobre o uso de substâncias e, ou, e) uso psicofármaco em doses que pudessem prejudicar a capacidade de resposta do sujeito entrevistado (avaliado por meio da impressão clínica e da evolução dos prontuários).
Os sujeitos que preencheram os critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa, informados dos objetivos do estudo e assegurados quanto ao anonimato, assim como convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As avaliações foram realizadas individualmente por uma equipe composta de dois psicólogos formados e três estudantes de psicologia devidamente treinados acerca da entrevista e dos instrumentos aplicados. Cada encontro para aplicação da entrevista e dos instrumentos teve duração de aproximadamente uma hora.
Os participantes responderam a uma entrevista semiestruturada que procurava investigar o histórico de uso de substâncias, comportamentos de risco, medidas sociodemográficas (idade, sexo, etnia, escolaridade, profissão entre outras) que mais tarde compuseram as variáveis sociodemográficas no modelo de regressão logística, assim como a medida de autorrelato para sintomas e problemas psicológicos por meio do instrumento Adult Self Report (ASR)18. O ASR é um inventário de comportamentos e sintomas em que o paciente se autoavalia a respeito das próprias competências e dos problemas psicológicos. Os escores ponderados do instrumento permitem classificar os avaliados em categorias de faixa normal, limítrofe ou clínica. Possibilitam ao avaliador traçar um perfil comportamental e sintomatológico do adulto avaliado, por meio de nove agrupamentos de itens ou síndromes, a partir do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM): Isolamento; Queixas Somáticas; Ansiedade/Depressão (Escala de Internalização); Problemas com o Relacionamento Social; Problemas com o Pensamento e Atenção; Comportamento Delinquente e Agressivo (Escala de Externalização)18.
Para o processamento dos dados do ASR, foi utilizado o software Assessment Data Manager (ADM), versão 7.018. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) na versão 21.0. A apresentação dos resultados foi dada pela estatística descritiva, análise bivariada utilizando o teste Qui-quadrado de Pearson e a análise de Regressão Logística (backward condicional). A normalidade da distribuição da amostra foi testada por meio do teste Kolmogorov-Smirnov de t-Student e do teste Mann Whitney no nível de decisão a 5%. Como medida de efeito, utilizou-se o odds ratio (OR) bruto, com intervalo de confiança de 95% (IC 95%).
Foram consideradas como variáveis preditivas aquelas que apresentaram nível mínimo de significância igual ou inferior a 0, 250 (p ≤ 0,250). O resultado encontrado apontou que o percentual de acerto chegou a 81,3%, em que a especificidade (não TS) do modelo foi de 89,2% (99/101) e a sensibilidade (TS), de 63,3% (31/49). O percentual de explicação no modelo final ajustado para sexo, idade, anos de estudo e etnia passou a ser 65,9% (Nagelkerke R2 = 0,659) na resposta das variações ocorridas sobre a TS.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sob o protocolo CEP 11/05322, o qual foi apreciado pelo comitê designado de cada estabelecimento conveniado. A condução do estudo se deu após a aprovação dos centros de tratamentos onde a coleta foi realizada (Figura 1).
A amostra foi estratificada em dois grupos, aqueles que possuíam pelo menos uma TS antes do tratamento (CTS) e aqueles pacientes que não relataram nenhum episódio de TS antes do tratamento (STS). Ao analisar a amostra total do estudo, verificou-se que 30,6% (n = 49) possuíam histórico de TS antes da atual internação e 69,4% (n = 111) não relataram nenhum episódio.
No grupo CTS, 20,4% (n = 10) cometeram a última TS nos últimos seis meses, 16,3% (n = 8) no último ano, 38,8% (n = 19) há mais de dois anos, enquanto 24,5% (n = 12) não se recordavam. Automutilação e intoxicação medicamentosa voluntária (IMV) foram os métodos que prevaleceram no relato (22,4%; n = 11 e 16,3%; n = 8, respectivamente). A ideação suicida (IS) no momento do atual tratamento foi relatada por ambos os grupos, CTS e STS (22,4%; n = 11 e 8,1%; n = 9, respectivamente).
Usuários do sexo masculino foram em número significativamente maior nos dois grupos (p = 0,621), com idade média de ambos os grupos de 30,4 ± 8,0 anos, 29,8 ± 8,9 (CTS) e 28,5 ± 7,6 (STS). Sobre a idade das usuárias do sexo feminino, a média de idade foi de 28 ± 7,4 anos e, em relação à escolaridade, 9,38 (DP = 2,97) foram a média geral de anos de estudos completados. As informações relacionadas à etnia dos participantes não se mostraram preditoras de sintomatologias associadas à TS (p = 0,028). Aqueles participantes autodeclarados brancos foram os que prevaleceram na amostra (75,7%; n = 84), seguidos dos autodeclarados afrodescendentes que responderam a uma proporção de 38,8% (n = 19) da amostra.
O tempo médio de abstinência do uso de substâncias ilícitas no grupo CTS foi de 61,3 dias e uma média de 51,6 dias no atual tratamento. O grupo STS apresentou uma média de 49,9 dias de internação e 65,6 dias de abstinência. Cerca de 86,3% (n = 138) da amostra havia utilizado alguma medicação psiquiátrica como antidepressivo, estabilizador de humor ou antipsicótico durante o atual tratamento na última semana.
As demais variáveis socioeconômicas e demográficas, como estado civil, escolaridade, classificação socioeconômica por meio do protocolo de “Critério de Classificação Econômica Brasil”19, não se mostraram significativas no modelo, conforme mostra a Tabela 1.
Tabela 1 Análise descritiva bivariada de fatores sociodemográficos para o perfil de usuários de cocaína e crack que estavam internados para tratamento
Variáveis | Tentativa de suicídio | ||||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Não (n = 111; 69,4%) | Sim (n = 49; 30,6%) | p | |||
| |||||
N | % | N | % | ||
Sexo | 0,428Ŧ | ||||
Masculino | 94 | 84,7 | 39 | 79,6 | |
Feminino | 17 | 15,3 | 10 | 20,4 | |
Idade | 0,621§ | ||||
Média ± DP | 28,5 ± 7,6 | 29,8 ± 8,9 | |||
Raça etnia | 0,028€ | ||||
Branco | 84 | 75,7 | 27 | 55,1 | |
Afrodescendente | 19 | 17,1 | 19 | 38,8 | |
Outro | 8 | 7,2 | 3 | 6,1 | |
Escolaridade | 0,240 | ||||
Ensino Fundamental incompleto | 46 | 41,8 | 21 | 43,8 | |
Ensino Médio incompleto | 45 | 40,9 | 14 | 29,2 | |
Curso Superior incompleto | 19 | 17,3 | 13 | 27,1 | |
Estado civil | 0,643Ŧ | ||||
Solteiro | 65 | 58,6 | 33 | 67,3 | |
Casado | 14 | 12,6 | 5 | 10,2 | |
Divorciado | 5 | 4,5 | - | - | |
Com companheiro | 18 | 16,2 | 7 | 14,6 | |
Separado | 9 | 8,1 | 4 | 7,9 | |
Trabalha atualmente | |||||
Sim | 76 | 69,1 | 28 | 58,3 | 0,309Ŧ |
Não | 34 | 30,9 | 20 | 41,7 | |
Tem filhos | 0,522Ŧ | ||||
0 Não | 50 | 45,0 | |||
1 sim | 61 | 55,0 | 24 | 50,0 | |
Estudava antes da internação | 0,530Ŧ | ||||
Sim | 13 | 11,9 | 4 | ||
Não | 96 | 88,1 | 43 | 91,5 | |
Classificação Econômica (Critérios Brasil) | 0,345€ | ||||
A e B | 59 | 53,1 | 25 | 52,1 | |
C | 43 | 38,7 | 20 | 41,7 | |
D e E | 9 | 8,1 | 3 | 6,3 |
§: Teste t-Student para grupo independente; €: Teste Exato de Fisher; Ŧ: Teste Qui-quadrado de Pearson.
Outro dado relevante foi que ambos os grupos, CTS e STS, relataram a presença de TS de outros membros do grupo familiar. No grupo CTS, 34,7% (n = 27) tinham conhecimento de que pelo menos um membro da família tentou suicídio e, no STS, 24,3% (n = 17) vivenciaram a mesma situação.
Os escores do instrumento ASR, conforme apresentado na Tabela 2, mostraram diferenças significativas entre os grupos (p < 0,001), indicando que as pontuações médias foram maiores no grupo CTS.
Tabela 2 Média (M), desvio-padrão (DP) e mediana (MD) para as variáveis de sintomatologia por meio da aplicação do ASR
Sintomatologias | Tentativa de suicídio | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
Não (n = 111) | Sim (n = 49) | p§ | |||||
| |||||||
M | DP | Mediana | M | DP | Mediana | ||
Ansiedade e depressão | 62,9 | 9,4 | 62,0 | 70,4 | 10,5 | 69,0 | < 0,001 |
Isolamento e depressão | 60,1 | 9,5 | 57,0 | 66,3 | 9,6 | 67,0 | < 0,001 |
Problemas somáticos | 54,4 | 5,8 | 52,0 | 57,0 | 7,1 | 54,0 | 0,029 |
Problemas de pensamento | 59,7 | 8,2 | 59,0 | 69,1 | 8,6 | 68,0 | < 0,001 |
Problemas de atenção | 59,6 | 8,3 | 58,0 | 65,0 | 10,7 | 62,0 | 0,003 |
Comportamento agressivo | 58,8 | 8,1 | 57,0 | 67,2 | 9,5 | 68,0 | < 0,001 |
Quebrar regras | 65,4 | 10,4 | 64,0 | 70,4 | 10,6 | 72,0 | 0,006 |
Comportamento intrusivo | 55,1 | 6,8 | 51,0 | 58,2 | 9,1 | 55,0 | 0,032 |
Ponto crítico | 63,4 | 8,9 | 64,0 | 71,9 | 8,3 | 72,0 | < 0,001 |
Problemas internalizantes | 60,0 | 9,3 | 60,0 | 67,3 | 9,1 | 67,0 | < 0,001 |
Problemas externalizantes | 61,0 | 10,4 | 59,0 | 69,7 | 11,6 | 71,0 | < 0,001 |
Total de problemas score | 59,1 | 9,2 | 59,0 | 68,8 | 10,7 | 69,0 | < 0,001 |
DSM depressão | 59,3 | 9,0 | 57,0 | 68,6 | 10,4 | 68,0 | < 0,001 |
DSM problemas de ansiedade | 61,0 | 6,3 | 61,0 | 64,5 | 6,4 | 64,0 | 0,001 |
DSM problemas somáticos | 53,6 | 5,7 | 50,0 | 54,9 | 6,6 | 52,0 | 0,207 |
DSM personalidade evitativa | 58,0 | 8,5 | 57,0 | 64,2 | 9,9 | 61,0 | < 0,001 |
DSM TDAH | 61,1 | 9,8 | 59,0 | 67,1 | 11,0 | 65,0 | 0,001 |
DSM antissocial | 61,5 | 9,7 | 60,0 | 68,5 | 9,5 | 70,0 | < 0,001 |
§: Teste t-Student para grupo independente.
No que tange à sintomatologia psicopatológica, problemas de pensamento (OR: 1,090; IC95%: 1,015 – 1,170) e sintomas de depressão (OR: 1,127; IC95%: 1,024 – 1,241) foram fatores preditivos para a TS antes do tratamento. As pontuações elevadas nessas categorias envolveram maiores índices de TS ao comparar os participantes e suas respectivas pontuações. Os comportamentos de Quebra de regra (OR: 0,805; IC95%: 0,710 – 0,913), Intrusivos (OR: 0,867; IC95%: 0,794 – 0,948) e os Problemas internalizantes (OR: 0,812; IC95%: 0,703 – 0,937) tiveram associações figurando como fatores protetivos. Pontuações baixas nessas categorias explicaram menor probabilidade da ocorrência de TS. Na análise das demais categorias do instrumento, os resultados não mostraram diferenças expressivas ao comparar os grupos (Tabela 3).
Tabela 3 Modelo final de regressão logística com Odds Ratio (OR) ajustadas, intervalos de 95% de confiança (IC95%) e valor de p da associação dos fatores associados a ST
Variáveis | Coeficiente de regressão* | P | Odds ratio | P | ||
---|---|---|---|---|---|---|
|
|
|||||
b | EPb | OR | IC95% | |||
Problemas somáticos | -0,017 | 0,048 | 0,726 | 0,983 | 0,896 | 1,080 |
Problemas de pensamento | 0,086 | 0,036 | 0,017 | 1,090 | 1,015 | 1,170 |
Quebrar regras | -0,217 | 0,064 | 0,001 | 0,805 | 0,710 | 0,913 |
Comportamento intrusivo | -0,142 | 0,045 | 0,002 | 0,867 | 0,794 | 0,948 |
Problemas internalizantes | -0,209 | 0,073 | 0,004 | 0,812 | 0,703 | 0,937 |
Problemas externalizantes | 0,110 | 0,091 | 0,225 | 1,116 | 0,934 | 1,334 |
Total de problemas | 0,240 | 0,133 | 0,072 | 1,271 | 0,979 | 1,650 |
Depressão | 0,120 | 0,049 | 0,015 | 1,127 | 1,024 | 1,241 |
Personalidade evitativa | 0,039 | 0,037 | 0,293 | 1,040 | 0,967 | 1,118 |
TDAH | -0,077 | 0,043 | 0,077 | 0,926 | 0,851 | 1,008 |
Antissocial | 0,109 | 0,064 | 0,086 | 1,115 | 0,985 | 1,264 |
Modelo selecionado em 8 artigos pelo método de bacward condicional, ajustado para sexo, idade, anos de estudo e etnia. Nota: R2 de Nalgalkerke = 0,659; 2LL = 126,079; Prova de Hosmer-Lemeshow p = 0,185; OR: Odds ratio.
Nesta pesquisa, a maioria dos participantes foi do sexo masculino, com idade média de 29,8 ± 8,9 anos no grupo CTS, dado que outros estudos corroboram, demonstrando que esse grupo etário de jovens é relacionado à maior frequência de TS13,20,21. Na literatura, o número de homens atendidos por dependência de drogas é maior do que o de mulheres3,22. Em função dessa diferença, muitos centros de tratamento não possuem ala feminina ou mista, o que dificulta o acesso das mulheres à internação.
Sobre a TS, observa-se ser esse dado em número muito maior nas mulheres do que em homens, enquanto as taxas de suicídio consumado são mais expressivas nos homens. No presente estudo, não se identificaram diferenças significativas relativas à TS por gênero, resultado que pode ter sofrido influência pelo fato de a proporção de homens na amostra ser muito maior3,23,24.
Na análise dos preditores de TS foi possível verificar associações em relação às sintomatologias psicopatológicas e à etnia dos participantes. Os participantes autodeclarados afrodescendentes tiveram as maiores taxas de TS antes do tratamento atual. Os achados deste estudo foram semelhantes aos de outras investigações que avaliaram risco de suicídio de sujeitos com a mesma característica clínica25-27.
Quanto ao funcionamento adaptativo e psicopatológico dos participantes, neste estudo os problemas clinicamente significativos das subescalas de depressão e os problemas de pensamento figuraram como preditores de TS. Tais resultados encontram consonância com outras investigações que identificaram associações entre crack e cocaína, e sintomas psiquiátricos28,29, como Narvaez et al.30, que viram associação entre uso de drogas e sintomas depressivos. Kessler et al.31 também encontraram uma variação entre 27,4% e 53,4% de sintomas psiquiátricos ao avaliar os pacientes antes de iniciar o tratamento para dependência das mesmas substâncias.
Os sintomas relacionados, por exemplo, a problemas de pensamento, dificuldades para concentração, ruminar cognitivamente, dificuldades de resolução, comportamentos estranhos e pensamentos suicidas18, encontrados neste estudo, foram semelhantes aos sintomas paranoides de usuários de cocaína que participaram do estudo clínico de Morton32. No estudo de Cottler et al.33, ao analisar usuários de drogas que estavam e os que não estavam em tratamento, verificou-se forte associação entre pensamentos de morte, ideação e plano suicida. E, ainda, os achados referentes aos sintomas depressivos foram semelhantes a diferentes análises clínicas dos mesmos sintomas nessa população8,29,34.
Ao analisar os fatores de proteção para TS, os comportamentos de violação de regras e os comportamentos intrusivos, por exemplo, faltar com o ajustamento em determinadas circunstâncias, pegar-se por momentos refletindo sobre algumas ideias que vêm à mente ou até mesmo se sentir estranho ou agitado, quando agrupados, formaram a categoria de problemas externalizantes, ou seja, aqueles que podem ser facilmente observados, e estes demonstraram estar associados como fatores de proteção para não tentar suicídio. Comportamentos de violação de regras, hostilidade, neuroticismo e introversão são frequentemente observados na população usuária de drogas, incluindo, nesse conjunto, as condutas antissociais, de heteroagressão e conflitos criminais13,34,35. No estudo de Sayago et al.36, também em uma amostra de usuários de cocaína e crack, os resultados do instrumento ASR encontrados apontaram a presença de problemas clínicos em relação a comportamentos transgressores, como no caso de comportamento de quebra de regras, por exemplo, em que 70,3% dos participantes o haviam praticado no correr da vida.
Este estudo examinou um conjunto de fatores sintomatológicos e comportamentais em relação ao histórico de comportamento suicida (ideação, plano e tentativa) de uma amostra de usuários de cocaína e crack internados na cidade de Porto Alegre, RS, e região metropolitana.
Por meio da utilização do ASR, um instrumento que procura ser uma ferramenta complementar ao meio científico e à prática clínica, obtiveram-se na amostra estudada respostas em relação a sintomas depressivos e problemas de pensamento como fatores preditivos da TS, enquanto comportamentos de violação de regras, comportamentos intrusivos e problemas internalizantes serviram de proteção à TS.
A metodologia aplicada no estudo foi validada, podendo responder ao objetivo da investigação. A amostra estudada foi considerada relevante, salientando que neste estudo todos os participantes estavam internados, abstinentes e com critérios diagnósticos devidamente preenchidos. Todos os participantes incluídos no estudo completaram todo o protocolo.
Os resultados observados sugerem que o tratamento para essa população requer uma abordagem clínica que contemple o mapeamento de TS, inclusive durante o tratamento em caráter de internação. O estudo foi limitado na convergência de um instrumento já utilizado na prática psiquiátrica para sustentar ainda mais as questões de possíveis comorbidades dos participantes e, ainda, sugere-se aos estudos futuros um aprofundamento em relação ao histórico de uso de substâncias e comportamento suicida na rede familiar e de apoio, bem como uma investigação sobre os fatores resilientes e de características impulsivas desses pacientes.