versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.9 Rio de Janeiro set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015209.09562014
Caring for a family member with an advanced and/or terminal illness can be a great emotional, physical and financial burden that has an impact on the quality of life of the caregivers. The scope of this study was to conduct a systematic review of the literature on the burden of caregiving, related factors and the consequences for family caregivers of advanced stage cancer patients or patients in end-of-life or palliative care. A search for scientific papers published in the EBSCO, Web of Knowledge and BIREME databases was conducted since records on this topic began in the databases through March 2014. Of the 582 articles found, only 27 were selected. The majority of the articles found that family caregivers were overburdened. Some studies found that the care-giving burden was associated with characteristics of the patients and their illnesses while, in other studies, it was associated with poor health of the caregiver, greater psychopathological symptoms (anxiety, depression, emotional distress) and with the development of complications in the grieving process. However, hope, social support, the ability of the caregiver to attribute meaning to the experience of caring and feeling comfortable with the tasks of caring were associated with lower levels of burden.
Key words Caregiver burden; Family caregivers; End-of-life; Palliative care
Com o aumento da expectativa de vida e o desenvolvimento de meios cada vez mais eficientes para tratar as doenças, as pessoas hoje sobrevivem muito mais tempo e o papel do cuidador se tornou fundamental. Porém, os cuidadores recebem pouca formação ou preparação para cuidar e são envolvidos em muitas atividades para a manutenção do bem-estar do seu familiar, como: gestão e administração de medicamentos, alimentação, cuidados físicos, transporte e administração das tarefas domésticas1,2.
A experiência de cuidar de um familiar doente pode representar uma grande sobrecarga emocional, física e financeira, que afeta a qualidade de vida dos cuidadores, uma vez que cuidar de um familiar exige disponibilidade, tempo e dedicação. Cuidar de um paciente com doença crônica ou avançada em casa pode gerar uma sobrecarga considerável nos cuidadores familiares, que podem vir a adoecer, justamente devido ao fato de lidarem diretamente com a maior parte das tarefas na assistência ao paciente em casa, recaindo sobre eles os encargos inerentes do cuidar3–6.
Cuidadores familiares desempenham um papel fundamental na manutenção da vida dos indivíduos doentes que necessitam de cuidados. No entanto, estudos relatam que, inerentes à prestação de cuidados, estes cuidadores poderão apresentar ansiedade e depressão7,8, estresse e tensão9, privação de sono10, redução da qualidade de vida11,12, sentimento de impotência, desamparo13, dificuldades financeiras7 decorrentes de possíveis alterações no emprego e gastos médicos. Os cuidadores também ficam mais isolados socialmente e apresentam dificuldades para gerir o trabalho fora de casa e os cuidados com o familiar doente5. Em particular, tem-se detectado que os cuidadores de pacientes com câncer terminal experimentam um agravamento geral na saúde física, qualidade de vida1 e distress emocional relacionado com a prestação de cuidados9,14.
A sobrecarga do cuidador aparece muito frequentemente associada a estados de fadiga física e mental, stress, depressão, ansiedade, falta de apoio social e pior qualidade de vida dos cuidadores15–17. A sobrecarga pode estar associada também a características do paciente como o distress psicológico, qualidade de vida e falta de controle dos sintomas do paciente18.
Para além das consequências negativas já descritas, que podem estar associadas a sobrecarga no cuidar, alguns estudos têm demonstrado que o impacto da prestação de cuidados é considerável e pode se estender para o período de luto19,20, e a sobrecarga do cuidador tem sido um dos fatores de risco identificados na literatura para o desenvolvimento de um luto complicado19,21. Portanto, é importante identificar e dedicar maior atenção a esta população mais vulnerável.
Estudos têm demonstrado que ter acesso a recursos sociais e psicológicos são fundamentais para o sucesso no papel de cuidador22, assim como o apoio de outras pessoas23. Contudo, apesar dos cuidadores estarem sobrecarregados com o cuidar, alguns estudos identificaram consequências positivas na prestação de cuidados, como: a possibilidade de demonstrar amor, satisfação e sentimentos de realização, o reconhecimento de que cuidar do familiar faz diferença14,24,25, a sensação de ter participado de uma experiência gratificante e / ou significativa, fortalecimento das relações26 e crescimento pessoal27.
Portanto, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a sobrecarga no cuidar, os fatores relacionados e suas consequências nos cuidadores familiares de pacientes com câncer avançado, em fim de vida e/ ou em cuidados paliativos, no sentido de sistematizar e organizar o que há de mais significativo na produção científica em torno da sobrecarga do cuidador.
Foi realizada uma busca de artigos científicos, publicados em revistas científicas nas bases de dados EBSCO (PsycInfo, PsycArticles, Psychology and Behaviral Sciences Collection, Academic Search Complete), Web of Knolwledge (Web of Science e MEDLINE) e Bireme (Lilacs, IBECS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane, SciELO), utilizando a combinação dos seguintes descritores: burden, palliative care, terminally ill, end of life e caregiver. Na Bireme também foram procurados os mesmos termos em português (sobrecarga, cuidados paliativos, fim de vida e cuidadores). Foram pesquisados artigos em inglês, português e espanhol desde que existem registros nas respectivas bases de dados sobre o tema até março de 2014.
Em relação à amostra foram incluídos apenas estudos em que a população era constituída por cuidadores familiares de pacientes oncológicos e/ ou pacientes acompanhados em cuidados paliativos. Foram excluídos artigos teóricos, de comentário ou opinião, dissertações de mestrado, doutorado, comunicações em congressos e estudos nos quais os pacientes eram doentes pediátricos (crianças ou adolescentes), devido à especificidade dessa população.
A seleção inicial dos artigos, por meio da leitura do título e resumo, e a exclusão dos duplicados foi realizada pela autora principal (MD) respeitando os critérios de inclusão e exclusão pré-determinados. A leitura completa dos artigos selecionados, e a segunda análise dos estudos foi realizada por dois investigadores independentes (MD e JP), e as dúvidas ou divergências foram discutidas até chegar a um consenso entre os investigadores.
Em relação à qualidade dos estudos, todos os artigos recolheram amostras por conveniência, utilizaram instrumentos fiáveis e validados para avaliar as variáveis selecionadas e análises estatísticas apropriadas.
Foram encontrados 582 artigos relacionados com o tema, dos quais 204 eram repetidos e 316 foram excluídos na primeira avaliação, por não estarem relacionados com a questão de investigação. Não foi possível ter acesso ao texto completo de sete artigos, e 62 foram selecionados para a leitura completa do estudo. Após a segunda análise, constatou-se que 27 artigos cumpriam todos os critérios de inclusão (Figura 1).
Os motivos para a exclusão dos 35 estudos após a leitura completa dos mesmos foram: oito artigos não eram estudos empíricos, eram apenas atualizações ou revisões da literatura que mencionavam a sobrecarga no cuidar; em sete artigos os participantes não cumpriam os critérios de inclusão (familiares de pacientes com doenças neurológicas, doenças crônicas ou não especificadas); três artigos avaliavam a sobrecarga do paciente em fim de vida e não do cuidador; oito artigos ou eram protocolos de programas de intervenção com os cuidadores familiares ou validações de escalas para avaliar a sobrecarga no cuidar, mas que não apresentavam resultados efetivos sobre a sobrecarga do cuidador e dois estudos estavam mais relacionados à avaliação de serviços (Figura 1).
Os artigos selecionados estão mais detalhadamente descritos no Quadro 1. Foram realizados em 13 países diferentes, sendo os Estados Unidos (seis) e o Canadá (cinco) os países com mais publicações, seguidos da Inglaterra (três), Coreia, Itália e Taiwan (dois artigos cada país). Os estudos foram publicados entre 1997 e 2014, com maior concentração em 2013 (seis publicações). Apenas dois artigos foram publicados em espanhol, os demais foram escritos em inglês.
Quadro 1 Artigos selecionados para avaliação
Autor/ano País | Objetivo | Desenho estudo | População | Instrumentos utilizados | Resumo dos resultados |
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Beery et al. (1997)28 EUA | Examinar os efeitos das alterações no papel funcional, tarefas de cuidado, sobrecarga do cuidador, depressão e luto traumático. | Quantitativo, longitudinal, 4 avaliações, do período de doença até 13 meses após óbito do paciente | 60 cônjuges de pacientes terminais, com 50 anos ou mais |
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Braun et al. (2007)29 Canadá | Avaliar o distress psicológico de pacientes com câncer avançado e seus cônjuges cuidadores, e a influência da sobrecarga, vinculação e satisfação marital nos cuidadores deprimidos. | Quantitativo, transversal | 101 pacientes com câncer de pulmão avançado e seus cônjuges cuidadores |
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Brazil et al. (2003)30 Canadá | Documentar os padrões de cuidados formais e informais prestados aos pacientes terminais e avaliar o impacto que o cuidar tem nos membros da família. | Quantitativo, transversal | 151 cuidadores familiares de pacientes em cuidados paliativos |
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Brazil et al. (2013)31 Canadá | Comparar a experiência dos cuidadores familiares rurais com os cuidadores familiares urbanos de pacientes em fm de vida. | Quantitativo, Transversal | 100 cuidadores informais |
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Buss et al. (2007)32 EUA | Verificar a relação entre a percepção de delírio nos pacientes por parte dos cuidadores e a taxa de perturbações psiquiátricas dos cuidadores. | Quantitativo, transversal | 200 cuidadores de pacientes com doença oncológica avançada |
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Caqueo-Urízar et al. (2013)33 Chile | Avaliar o impacto da figura do cuidador primário na qualidade de vida de pacientes com câncer avançado. | Quantitativo, transversal | 34 pacientes com câncer avançado e seus cuidadores |
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Castillo et al. (2008)34 México | Medir e comparar os níveis de sobrecarga, ansiedade e depressão em cuidadores de pacientes com dor crônica com o de cuidadores de doentes terminais. | Quantitativo, transversal | 65 cuidadores primários de pacientes com dor crônica e 35 cuidadores de doentes terminais |
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Chang et al. (2013)39 Coreia | Determinar a sobrecarga dos pacientes e cuidadores e quais os fatores são mais importantes para a satisfação com os cuidados. | Quantitativo, longitudinal 4 avaliações: TO - diagnóstico câncer terminal T1 – 1 mês, T2 – 2 meses e T3 – 3 meses após óbito paciente | 481 pacientes com câncer terminal e 381 cuidadores |
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Costa-Requena et al. (2012)40 Espanha | Avaliar o distress psicológico dos cuidadores de pacientes com uma doença avançada e/ ou terminal internado em uma unidade de cuidados paliativos. | Quantitativo, transversal | 179 cuidadores de pacientes internados em uma unidade de cuidados paliativos |
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Dumont et al. (2006)35 Canadá | Determinar o grau em que o distress psicológico dos cuidadores familiares é influenciado pelo estado funcional do paciente. | Quantitativo, longitudinal até 3 avaliações de acordo com o estado funcional do paciente | 212 cuidadores divididos em 3 grupos de acordo com o estado funcional do paciente |
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Ferrario et al. (2004)19 Itália | Contribuir para melhorar a compreensão dos problemas vivenciados pelos cuidadores de pacientes com câncer em fase avançada ou terminal durante o período da prestação de cuidados e no luto. | Quantitativo, longitudinal, 4 avaliações: T0: período de doença, T1:3 meses, T2:6 meses, e T3:12 meses após óbito do paciente | 93 cuidadores familiares de pacientes acompanhados em casa com câncer avançado / terminal |
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Fleming et al. (2006)41 EUA | Explorar a associação entre a percepção da qualidade dos cuidados de saúde e qualidade de vida em pacientes com câncer metastático avançado e seus cuidadores informais. | Quantitativo, transversal | 39 pacientes com câncer avançado e seus cuidadores informais |
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Fried et al. (2005)42 EUA | Analisar a adequação da comunicação cuidador-paciente com doença grave e sua relação com a sobrecarga do cuidador. | Quantitativo, transversal | 193 pacientes com mais de 60 anos com câncer avançado, insuficiência cardíaca congestiva, ou doença pulmonar crônica e seus cuidadores. |
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Grov et al. (2006)43 Noruega | Examinar as associações entre ansiedade e depressão com a sobrecarga do cuidador por meio da path-analysis. | Quantitativo, Transversal, | 96 cuidadores de pacientes com câncer em fase paliativa cuidados em casa |
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Grunfeld et al. (2004)36 Canadá | Avaliar o impacto psicossocial, ocupacional e econômico de cuidar de uma pessoa com uma doença terminal. | Quantitativo, longitudinal, pacientes e familiares foram acompanhados até a morte do paciente ou por 3 anos | 89 cuidadores de mulheres com câncer de mama avançado |
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Harding et al. (2003)18 Inglaterra | Identificar quais características dos pacientes contribuem para o distress psicológico do cuidador e quais estratégias de coping são empregadas pelos cuidadores. | Quantitativo, transversal | 43 cuidadores de pacientes em cuidados paliativos |
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Hwang et al. (2003)44 EUA | Identificar e avaliar as associações entre as características dos cuidadores e as suas necessidades não satisfeitas, sobrecarga e satisfação no cuidar. | Quantitativo, transversal | 100 cuidadores de pacientes com câncer avançado |
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Kang et al. (2013)23 Coreia | Identificar como o luto e a sobrecarga afetam as consequências positivas nos cuidadores familiares de pacientes com câncer terminal. | Quantitativo, transversal | 501 cuidadores enlutados de pacientes com câncer terminal, que faleceram entre 2 e 6 meses |
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Kapari et al. (2010)37 Inglaterra | Estabelecer relações entre os sintomas de TMC (transtorno mental comum) em cuidadores de pacientes com doença avançada, durante a fase de prestação de cuidados e no luto. | Quantitativo, longitudinal, 3 avaliações: T0: período de doença, T1: 3meses e T2: 6 meses após o óbito do paciente | 100 cuidadores familiares de doentes em cuidados paliativos |
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Kim et al. (2014)45 Coreia do Sul | Investigar os determinantes da atitude de esperança entre os cuidadores familiares de pacientes em cuidados paliativos. | Quantitativo, transversal | 304 pacientes e seus cuidadores |
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Lai et al. (2014)46 Itália | Testar se os altos níveis de sobrecarga do cuidador, e outros preditores, estão associados com o risco de luto prolongado em cuidadores de pacientes terminais. | Quantitativo, transversal | 60 cuidadores de pacientes internados em um hospice |
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Ling et al. (2013)38 Taiwan | Explorar a ocorrência de sintomas depressivos e fatores que afetam os cuidadores familiares antes e depois da morte do familiar com câncer. | Quantitativo, longitudinal, 5 avaliações, do período de doença até 13 meses após óbito do paciente | 186 familiares cuidadores de pacientes oncológicos |
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Payne et al. (1999)9 Inglaterra | Identificar as necessidades de apoio percebido pelos cuidadores informais de pacientes com câncer que recebem cuidados paliativos na comunidade. | Misto, (quantitativo e qualitativo), transversal | 39 cuidadores de pacientes com câncer acompanhados em cuidados paliativos |
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Proot et al. (2003)47 Holanda | Explorar as experiências dos cuidadores familiares, as suas necessidades para cuidar do paciente em casa, e quais serviços de saúde tem recebido. | Qualitativo, transversal | 13 cuidadores familiares que cuidam em casa de pacientes terminais |
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Salmon et al. (2005)50 EUA | Comparar cuidadores ativos com cuidadores enlutados e testar os efeitos independentes da autoaceitação, significado, proximidade e conforto com o cuidado para explicar as diferenças de ganho e sobrecarga do cuidador. | Quantitativo, transversal | 526 cuidadores ativos (G1) e 427 cuidadores enlutados (G2) de pacientes acompanhados em cuidados paliativos |
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Tang et al. (2008)49 Taiwan | Avaliar o impacto do prognóstico e da qualidade de vida nos pacientes, o grau de congruência entre pacientes e familiares sobre os cuidados em fm de vida, e a sobrecarga dos cuidadores. | Quantitativo transversal | 1108 díades paciente-cuidador familiar |
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Wasner et al. (2013)51 Alemanha | Avaliar a experiência pessoal dos cuidadores de pacientes com tumor cerebral em relação à qualidade de vida, sobrecarga no cuidar e bem-estar psicológico. | Misto, quantitativo e qualitativo, transversal | 27 cuidadores familiares de pacientes com tumor cerebral acompanhados em cuidados paliativos |
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Relativamente ao desenho dos estudos, a maioria dos artigos selecionados era quantitativa, dois mistos e apenas um qualitativo. Dos 24 estudos quantitativos, 17 eram transversais e sete longitudinais, sendo estes últimos constituídos por dois estudos que realizaram avaliações exclusivamente durante a doença do familiar29,35,36 e cinco estudos que avaliaram os familiares tanto durante a fase de prestação de cuidados ao paciente quanto após o óbito do mesmo19,28,37–39.
De acordo com os critérios de inclusão, os pacientes eram todos doentes oncológicos ou em cuidados paliativos. Em sete artigos, a população do estudo foi composta pelos pacientes e seus cuidadores29,33,39,41,42,48,49.
Com relação aos participantes, a maioria era de familiares do sexo feminino e cônjuges dos pacientes. Em dois estudos, a população foi constituída exclusivamente por cônjuges28,29. O tamanho da amostra variou entre 34 e 1108 cuidadores familiares nos estudos quantitativos, entre treze e trinta e nove nos estudos qualitativos e mistos, e a idade média variou entre 46,8 e 68 anos (Quadro 1).
O instrumento mais utilizado para avaliar a sobrecarga foi a Escala de Sobrecarga de Zarit (Zarit Burden Interview), utilizada em sete estudos. A Caregiver Reaction Assessment (CRA) foi usada em quatro estudos, e a Care Strain Index (CSI) e a Caregiving Burden Scale (CBS) foram utilizadas em dois estudos cada uma. Outros instrumentos também empregados para a avaliação da sobrecarga foram: Family Strain Questionnaire (FSQ), Caregiving Burden Interview, Revised Caregiving Appraisal Scale, Caregiving Consequences Inventory (CCI), Caregiver Difficulties Questionnaire (CDQ), Caregiver Burden Inventory, Caregiver's Burden Scale in End-of-Life Care (CBS-EOLC), The Feelings About Caregiving (FAC), Burden Scale for Family Caregivers (BSFC).
Em relação às características sociodemográficas dos cuidadores, três estudos referiram que as mulheres apresentavam níveis mais elevados de sobrecarga9,19,50, um estudo encontrou uma correlação significativa entre os maiores índices de sobrecarga e o ensino superior50, um com cuidadores mais jovens9 e outro estudo com cuidadores cônjuges44. Nesse estudo realizado por Hwang et al.44, os cônjuges cuidadores que também eram mais velhos apresentaram níveis mais elevados de depressão e menor apoio social do que os cuidadores não cônjuges.
Em três estudos o objetivo principal foi a comparação entre populações31,34,50. No estudo realizado por Salmon et al.50, verificou-se que os cuidadores ativos (familiares que estavam no momento do estudo cuidando de um familiar doente) relataram níveis mais elevados de sobrecarga, maior capacidade de atribuir um significado à experiência de cuidar, pior saúde e menos apoio de outras pessoas do que os cuidadores enlutados. Brazil et al.31 não encontraram diferenças em relação a sobrecarga no cuidar, quando comparam cuidadores rurais e urbanos e ambos os grupos relataram baixos níveis de sobrecarga; e Castillo et al.34 também não encontraram diferenças entre os cuidadores de pacientes com dor crônica dos cuidadores de pacientes em cuidados paliativos, apesar de que ambos os cuidadores ultrapassaram o ponto de corte para sobrecarga.
Três estudos apresentaram uma associação entre a sobrecarga e o estado de saúde do cuidador, ou seja, os cuidadores com maior nível de sobrecarga apresentavam pior estado de saúde30,50,51. Wasner et al.51 relataram que 33% dos cuidadores apresentaram elevado risco de doenças psicossomáticas devido à exaustão corporal, distress emocional, dificuldades financeiras e alterações na qualidade de vida do cuidador, que foi fortemente afetada pela sobrecarga no cuidar e pelo estado mental deteriorado do paciente.
Portanto, cuidar de um doente em fim de vida requer muita habilidade para lidar com a situação de doença, a necessidade de prestar cuidados e a sobrecarga. De acordo com o estudo qualitativo desenvolvido por Proot et al.47, os cuidadores participantes apontaram a sobrecarga no cuidar, a restrição de atividades, o medo, a insegurança, a solidão, a dificuldade em enfrentar a morte e a falta de apoio emocional, prático e de informações como potenciais fatores para aumentar a vulnerabilidade do cuidador, para além de poderem ser fatores de risco para a fadiga e o burnout.
Outros estudos referem que a sobrecarga do cuidador também pode estar associada a determinadas características dos doentes. Caqueo-Urízar et al.33 relatam que os cuidadores de pacientes em estado mais avançado da doença apresentam sobrecarga nas áreas física, social, psíquica e econômica. Grunfeld et al.36 encontraram que a depressão e a sobrecarga percebida pelos cuidadores aumentaram com o declínio do estado funcional dos pacientes. Em outro estudo, o aumento da sobrecarga foi associado ao aumento do distress psicológico e da dor do paciente18, e dois artigos relataram que os cuidadores de pacientes que necessitavam de mais assistência nas atividades de vida diárias apresentavam maior risco de elevada sobrecarga30,50. De acordo com Hwang et al.44, os cuidadores com maior percepção de necessidades não satisfeitas do paciente e com maiores níveis de depressão apresentavam maior sobrecarga, e os cuidadores que desejavam mais comunicação por parte dos profissionais de saúde tiveram escores significativamente mais elevados de sobrecarga no cuidar, do que os cuidadores que não necessitavam de tanta comunicação42. E Buss et al.32 encontraram uma associação estatisticamente significativa entre a percepção de delírio nos pacientes por parte dos cuidadores e a sua sobrecarga. Além dessas variáveis do paciente que influenciam a sobrecarga dos cuidadores, há também um estudo que revela que a sobrecarga do cuidador pode influenciar a qualidade de vida do paciente49.
O distress emocional aparece associado à sobrecarga em dois estudos35,40, o transtorno mental comum em um trabalho37, a ansiedade em três publicações32,34,36 e a depressão está associada à sobrecarga em seis artigos28,29,34,36,43,44. Porém, o estudo realizado por Ling et al.38 encontrou que os cuidadores enlutados que apresentaram maior nível de sobrecarga no cuidar durante o fim de vida do seu familiar apresentavam no período de luto menor nível de depressão.
Cinco dos artigos selecionados eram longitudinais e avaliaram os cuidadores desde o período de doença do seu familiar até o luto19,28,37–39, e um desses estudos encontrou que a sobrecarga foi o fator de maior previsão de satisfação com o cuidado geral, tanto para os pacientes quanto para os cuidadores, ou seja, os pacientes e cuidadores mais satisfeitos com os cuidados prestados apresentavam menor sobrecarga, e o bom funcionamento familiar também influenciou na satisfação com o cuidado em geral39. Relacionando a sobrecarga com o luto, Ferrario et al.19 encontrou que os cuidadores que apresentavam maiores níveis de sobrecarrega apresentavam menor satisfação com a vida e estavam em maior risco de desajustamento no luto a longo prazo. Kapari et al.37 referem que os cuidadores que perceberam a sua experiência de cuidar como sendo de maior sobrecarga apresentaram mais sintomas de transtorno mental comum (TMC) na fase do cuidar, e esses cuidadores com mais sintomas de TMC eram mais suscetíveis de desenvolver um luto complicado. Já Beery et al.28 relatam no seu estudo que o nível de sobrecarga no cuidar foi significativamente associado com o nível de depressão e de luto traumático dos cuidadores. Outro artigo que correlaciona a sobrecarga e o luto, foi o estudo transversal realizado por Lai et al.46, que demonstrou que a sobrecarga elevada aumenta a possibilidade de luto prolongado. Esse estudo relata ainda que os cuidadores em situação de risco de luto prolongado apresentaram níveis mais elevados de comprometimento em reconhecer sentimentos, ansiedade, depressão e estresse do cuidador do que aqueles cuidadores sem nenhum risco.
Porém, alguns estudos também referem fatores que podem estar associados a um menor nível de sobrecarga nos cuidadores. Salmon et al.50 verificaram que um menor nível de sobrecarga foi associado à recepção de apoio de outras pessoas, capacidade dos cuidadores de atribuir um significado a experiência de cuidar e se sentir confortável com as tarefas de cuidar, portanto, os cuidadores que estavam mais confortáveis com a prestação de cuidados apresentaram menor sobrecarga e maior ganho associado à prestação de cuidados. Kim, et al.45 referem que 69,1% dos cuidadores demonstraram uma atitude de esperança, e essa atitude de esperança estava correlacionada com o seu estado psicológico (menos sintomas depressivos), estratégia de coping ativo, menor sobrecarga e maior religiosidade. Kang et al.23 encontraram que os cuidadores avaliados já no período de luto relataram altos níveis de ganhos e sobrecarga percebida durante a fase de prestação de cuidados, e que a depressão ou a sobrecarga nos cuidadores não afetaram as consequências positivas da prestação de cuidados ao familiar doente.
É possível verificar no Quadro 1, que a sobrecarga do cuidador não era o principal objetivo na maioria dos artigos. A sobrecarga constituía apenas uma das variáveis avaliadas nos estudos, mas mesmo assim foi possível identificar as consequências da sobrecarga nos cuidadores familiares de pacientes oncológicos e/ ou em cuidados paliativos.
Apesar de a maioria dos artigos terem sido publicados na América do Norte, e na língua inglesa, há também artigos publicados sobre o tema na Europa, Ásia e América do Sul, o que demonstra uma preocupação mundial e relativamente recente com a sobrecarga no cuidar, já que a maior concentração de artigos publicados sobre o tema foi no ano de 2013.
Como na maior parte dos estudos que envolvem cuidadores, a maioria e os principais cuidadores foram as mulheres e os cônjuges. As amostras variaram consideravelmente em tamanho assim como os instrumentos utilizados para avaliar a sobrecarga do cuidador - nessa revisão foram identificados treze instrumentos diferentes -, o que muitas vezes dificulta uma comparação entre os estudos e a generalização dos resultados.
Em relação às características sociodemográficas, a maioria dos estudos não apresenta dados de correlação com a sobrecarga, os poucos dados referentes associam a sobrecarga do cuidar com o sexo feminino9,19,50, cônjuges44, cuidadores mais jovens9 e ao ensino superior50, o que não nos per-mite generalizar os resultados.
Dos artigos selecionados, a maioria encontrou que os cuidadores familiares estão sobrecarregados. Em alguns estudos, a sobrecarga no cuidar aparece associada a determinadas características do paciente como: o estádio avançado da doença41, o declínio do estado e capacidade funcional36, pacientes que necessitam de mais assistência com as atividades de vida diárias30,50 aumento do distress psicológico e da dor dos pacientes. Essa associação pode ser explicada devido a dificuldade em gerir os cuidados ao paciente, a sua vida doméstica e particular2,5 e, também, devido ao papel mais ativo que assumem nesta fase da doença, uma vez que os pacientes perdem autonomia41. Devido à situação de doença do familiar, as demandas de cuidado ao paciente têm prioridade sobre os demais relacionamentos, atividades ocupacionais e de lazer do cuidador. O cuidador quase não tem tempo para si, para atividades sociais, muitas vezes necessita reduzir a carga horária ou até mesmo deixar de trabalhar para cuidar do seu familiar, e, com o excesso de tarefas a serem desempenhadas, decorrentes também da deterioração da saúde do paciente, o cuidador fica sobrecarregado e é muito provável que a sua saúde também fique prejudicada, o que vai ao encontro dos resultados do estudo de Wasner et al.51.
Outro estudo42 identificou que os cuidadores sobrecarregados desejavam mais comunicação por parte dos profissionais de saúde, e essa questão pode ser explicada devido à necessidade que alguns cuidadores têm de uma explicação mais completa dos sintomas e da condição do paciente para reduzir o seu estresse e ansiedade5. De acordo com Sutherland52 os familiares que assumiram a responsabilidade de cuidar dos seus cônjuges viam essa atividade como parte do seu papel no relacionamento e como uma expressão de amor. Esses cuidadores assumiram sobrecargas emocionais e físicas adicionais para que os seus cônjuges pudessem ter uma morte pacífica e digna.
Alguns estudos30,50,51 encontraram uma correlação positiva entre o pior estado de saúde do cuidador e maior nível de sobrecarga, o que vai de encontro com o relato dos cuidadores no estudo de Castillo et al.34, em que um em cada cinco cuidadores identificou problemas de saúde ou problemas físicos como fatores que influenciaram na percepção de sobrecarga. Também sobre a qualidade de vida, o estudo de Williams et al.53 corrobora os resultados encontrados por Tang et al.49 de que a sobrecarga do cuidador pode influenciar a qualidade de vida do doente, e afirmam que é possível que os cuidadores em distress tenham uma influência negativa sobre o bem-estar do paciente53.
Para além das repercussões da sobrecarga na qualidade de vida e na saúde física dos cuidadores, muitos estudos apresentaram evidências da influência da sobrecarga na saúde mental desta população. Ao longo desta revisão fomos constatando que a sobrecarga está também relacionada com uma maior sintomatologia psicopatológica – ansiedade32,34,36, depressão28,29,32,34,36,43, distress emocional35,40 e transtorno mental comum37. Estudos confirmam que a maioria dos cuidadores primários estão clinicamente deprimidos e fazem uso de medicação para depressão, ansiedade e insônia duas ou três vezes mais do que o resto da população34. Verificamos também que os cuidadores já apresentavam níveis substanciais de ansiedade e depressão no início do acompanhamento do paciente em cuidados paliativos e que o distress psicossocial35, a depressão e a sobrecarga do cuidador aumentaram com o declínio funcional do paciente e com a fase terminal da doença36.
O luto também foi correlacionado com a sobrecarga em alguns artigos. Foi possível identificar nesses estudos que os cuidadores que apresentavam maior nível de sobrecarga durante a fase de prestação de cuidados ao paciente estavam mais propensos a desenvolver um luto complicado, prolongado ou traumático19,28,37,46. De acordo com a literatura, a sobrecarga no cuidar é um dos fatores de risco para o desenvolvimento de complicações no luto19,21. Pesquisas anteriores mostraram que o apoio psicológico prestado aos cuidadores ajuda-os a alcançar resultados de luto mais favoráveis, com risco reduzido de luto complicado54, e, de acordo com o estudo de Kang et al.23, receber acompanhamento no luto por profissionais de cuidados paliativos foi significativamente associado com os resultados positivos dos ganhos percebidos.
É ainda importante destacar as variáveis que apareceram associadas a menores níveis de sobrecarga, entre elas, a esperança45, o apoio social, a capacidade do cuidador de atribuir um significado à experiência de cuidar e se sentir confortável com as tarefas de cuidar50. Koop e Strang24, no trabalho realizado com cuidadores enlutados, identificaram que os aspectos positivos do papel do cuidador podem superar os aspectos negativos da prestação de cuidados, e Proot et al.47 encontraram que continuar com as atividades anteriores, a esperança, manter o controle, a satisfação e um bom suporte social são fatores que podem diminuir a vulnerabilidade do cuidador e proteger contra a fadiga e o burnout.
O presente estudo pretendeu realizar um levantamento das publicações existentes sobre a sobrecarga no cuidar, os fatores relacionados e suas consequências nos cuidadores familiares de pacientes com câncer avançado, em fim de vida e/ ou em cuidados paliativos.
Através da revisão de literatura foi possível compilar os estudos publicados sobre o tema, realizar um levantamento dos instrumentos utilizados para avaliar a sobrecarga do cuidador e resumir os resultados dos artigos. Foi possível constatar que os familiares que assumem o papel de cuidador de pacientes com doença avançada apresentam um maior risco de sobrecarga e morbidade física e mental.
Foram identificados vários fatores que podem influenciar a sobrecarga destes cuidadores, inerentes aos próprios cuidadores ou ao estado funcional e cuidados exigidos pelo paciente, demonstrando a importância de desenvolver meios de suporte e apoio tanto aos pacientes como aos cuidadores. Assim, os profissionais de saúde devem estar cientes das características que estão associadas a níveis mais elevados de sobrecarga no cuidador (sexo feminino, ser cônjuge do paciente, estado de saúde, ansiedade e depressão), para que estejam mais atentos às necessidades dos cuidadores com essas características e possam fornecer um apoio mais específico a nível instrumental e/ ou psicológico, tanto para o paciente como para a família, a fim de reduzir a sobrecarga do cuidador. Este tipo de intervenção poderá também prevenir o desenvolvimento de complicações na fase de luto.
Também é de interesse acadêmico levantar os fatores específicos e importantes relacionados com a sobrecarga do cuidar, harmonizar os instrumentos utilizados para a avaliação da sobrecarga, assim como a recolha dos dados, para que seja possível uma posterior comparação dos resultados dos estudos e generalização dos mesmos. Como são poucos os estudos longitudinais, seria ainda importante ampliar esses trabalhos para podermos compreender melhor as consequências da sobrecarga no cuidador tanto em situações de doença prolongada quando no luto.
Os artigos selecionados para compor a amostra foram apenas textos em inglês, português ou espanhol, publicados em periódicos científicos, enquanto as bases de dados de busca eletrônicas limitaram-se a EBSCO, Web of Knowledge e Bireme, excluindo-se assim, teses de mestrado, doutorado e apresentações de congressos.
Coloca-se, ainda, como potencial viés no processo de revisão: a) o fato da triagem inicial dos resumos e a aplicação dos critérios de inclusão / exclusão para selecionar os 62 estudos potencialmente elegíveis ter sido realizado apenas pela primeira autora; e b) também o fato de não ter sido possível ter acesso ao texto completo de sete dos artigos selecionados na primeira avaliação.
A restrição da população aos cuidadores familiares de pacientes com câncer avançado, em fim de vida e/ ou em cuidados paliativos também pode ser considerado um fator limitador ao número de estudos encontrados sobre a sobrecarga do cuidador.