On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.3 São Paulo May/June 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400040
O envelhecimento populacional tem chamado atenção sobre as condições de saúde dos idosos, uma vez que esse fenômeno vem acompanhado por taxas mais elevadas de morbidades.(1) Essas alterações e suas consequentes deficiências e limitações funcionais acarretam aumento do risco para os distúrbios da mobilidade física, que podem comprometer a autonomia e a independência desses sujeitos.(2)
Durante o processo de envelhecimento fisiológico, modificações como perda de massa e redução da resistência e da função muscular, rigidez articular e redução da amplitude de movimento, alterações na marcha e no equilíbrio podem comprometer significativamente a mobilidade física da pessoa idosa, predispondo a quedas, dores e incapacidade funcional.(3)
Ressalta-se que diversos fatores de risco podem estar associados às limitações na mobilidade do idoso, podendo ser individuais, sociais, ambientais e organizacionais.(4) Nos Estados Unidos, as estimativas de prevalência sugerem que a limitação da mobilidade física é um problema significativo para muitos idosos e está associada com algumas características potencialmente modificáveis, como a situação social, condições de saúde e o estilo de vida.(5) Na Índia, cerca de 10% da população idosa sofre com limitações da mobilidade, e vive em situação de grande vulnerabilidade social.(6)
Com o envelhecimento da população em todo o mundo, torna-se de fundamental importância a produção de conhecimentos baseados em evidências, a fim de garantir a sustentabilidade das sociedades e a qualidade de vida das pessoas idosas.(7) Entretanto, há uma escassez de estudos na literatura brasileira acerca das relações entre as condições de vida e saúde e a mobilidade física dos idosos, demonstrando que esses aspectos têm recebido pouca atenção no país.
Conhecer os diferentes fatores que afetam a mobilidade física nessa população ajudará a identificar abordagens para o planejamento de ações de impacto, com enfoque nas demandas locais, e a implementação de políticas públicas vigentes, subsidiando a prevenção de incapacidades e dependência e a promoção do envelhecimento ativo. Tal fato suscitou questionamentos que elucidaram a realização da presente pesquisa, que teve como objetivo investigar a associação entre demandas na mobilidade física e variáveis sociais e clínicas de idosos comunitários.
Estudo transversal realizado no território de abrangência de duas microáreas de um Centro de Saúde da Família (CSF) da cidade de Fortaleza, região Nordeste do Brasil, local onde os cursos da área da saúde de uma universidade pública desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Participaram da pesquisa pessoas com 60 anos ou mais de idade, de ambos os sexos, que residiam no território de abrangência das microáreas selecionadas previamente e estavam em condições físicas e mentais para responder aos questionamentos. Foram excluídos os idosos não encontrados no domicílio após três tentativas de visita. Do total de 61 idosos residentes nessas microáreas, identificados a partir do cadastro feito pelos agentes comunitários de saúde, 52 preencheram os requisitos, compondo a amostra final.
Para coleta de informações foi desenvolvido um formulário contendo questões fechadas, cuja organização e estruturação foram fundamentadas na teoria de enfermagem de Virginia Henderson.(8) Neste estudo, foram analisadas as questões referentes à necessidade de mover-se e manter uma postura adequada, segundo a referida teoria, cujas questões abordaram itens referentes à presença de dificuldades para mover-se, rigidez articular, dor ao movimento, prática de atividade física regular, risco de quedas e necessidade de ajuda para mover-se. As características sociais e clínicas pesquisadas foram: idade, sexo, estado civil, escolaridade, aposentadoria, renda familiar, presença de morbidades, uso de medicações, tabagismo, etilismo e prática de atividade física.
Em relação ao estado civil, considerou-se sem companheiro todos os que referiram ser solteiros, divorciados ou viúvos e com companheiro os que mencionaram ser casados ou viver em união consensual. A idade foi dividida em três faixas etárias. Referente à escolaridade, considerou-se como não letrado todos os analfabetos ou que sabiam apenas assinar o nome e letrados aqueles que sabiam ler e escrever. A renda sofreu duas divisões (até três salários mínimos e mais de três salários mínimos).
A coleta dos dados ocorreu no domicílio dos idosos, nos meses de maio e junho de 2011. Os resultados foram processados e tabulados no programa Statistic Package for Social Science versão 17.0. Para tratamento dos dados, optou-se pelo uso da estatística descritiva, tabelas de frequência absoluta e percentual. Para as associações entre as variáveis categóricas empregou-se o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher na ocorrência de valores esperados abaixo de cinco, em tabelas dois por dois. Adotou-se nível de significância de 0,05.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Foram incluídos 52 idosos cuja média de idade foi de 72,6 (±8,6) anos, variando de 60 a 92 anos. Na tabela 1, verifica-se predomínio do sexo feminino (69,2%), idosos sem companheiro (51,9%), não letrados (88,5%), aposentados (69,2%) e com rendimento de até três salários mínimos (96,2%).
Tabela 1 Variáveis sociais e clínicas e demandas da necessidade de mover-se e manter uma postura adequada
Variáveis | n(%) | p-value* | |||||
Dificuldade para mover-se | Rigidez articular | Dor ao mover-se | Risco para quedas | Auxílio locomoção | Ajuda para mover-se | ||
Sexo | |||||||
Masculino | 16(30,8) | 0,018 | 0,261 | 0,198 | 0,030 | <0,001 | 0,046 |
Feminino | 36(69,2) | ||||||
Idade | |||||||
60-69 | 20(38,5) | 0,103 | 0,007 | 0,021 | 0,273 | 0,112 | 0,298 |
70-79 | 19(36,5) | ||||||
>80 | 13(25,0) | ||||||
Estado civil | |||||||
Com companheiro | 25(48,1) | 0,122 | 0,183 | 0,002 | 0,037 | 0,283 | 0,326 |
Sem companheiro | 27(51,9) | ||||||
Escolaridade | |||||||
Não letrado | 46(88,5) | 0,183 | 0,021 | 0,028 | 0,059 | <0,001 | 0,118 |
Letrado | 06(11,5) | ||||||
Aposentado | |||||||
Sim | 36(69,2) | 0,018 | 0,261 | 0,198 | 0,030 | <0,001 | 0,046 |
Não | 16(30,8) | ||||||
Renda (em SM**) | |||||||
Até 3 | 50(96,2) | 0,099 | 0,236 | 0,099 | <0,001 | 0,092 | 0,288 |
> 3 | 02(3,8) | ||||||
Morbidade | |||||||
Sim | 37(71,2) | 0,032 | <0,001 | 0,307 | 0,069 | 0,230 | 0,164 |
Não | 15(28,8) | ||||||
Medicação | |||||||
Sim | 37(71,2) | 0,064 | <0,001 | 0,307 | <0,001 | 0,056 | 0,465 |
Não | 15(28,8) | ||||||
Tabagismo | |||||||
Sim | 33(63,5) | 0,108 | 0,012 | 0,136 | <0,001 | <0,001 | 0,318 |
Não | 19(36,5) | ||||||
Etilismo | |||||||
Sim | 11(21,2) | 0,058 | 0,079 | 0,108 | 0,253 | 0,038 | 0,029 |
Não | 41(78,8) | ||||||
Atividade física | |||||||
Sim | 15(28,8) | 0,032 | <0,001 | <0,001 | 0,034 | 0,020 | <0,001 |
Não | 37(71,2) |
As principais demandas relacionadas à necessidade de mover-se e manter uma postura adequada identificadas nos idosos foram: dificuldades para mover-se, 22 (42,3%); rigidez articular, 31 (59,6%); dor ao mover-se, 30 (57,7%); não praticar atividade física, 37 (71,1%); risco para quedas, 35 (67,3%). Apesar desses problemas, apenas 03 (5,8%) faziam uso de auxílio locomoção – bengala, e 09 (17,3%) idosos reconheciam a necessidade de ajuda para mover-se e manter uma postura adequada.
Quanto à caracterização clínica, as comorbidades mais frequentes foram: hipertensão arterial, 25 (48,1%); osteoporose, 18 (34,2%); diabetes, 10 (19,2%); gastrite, 08 (15,4%) e incontinência urinária, 08 (15,3%). Outras doenças foram citadas com frequências menores: reumatismo, artrite, artrose, depressão, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica, doença de Parkinson e doença de Alzheimer.
As associações entre as demandas na mobilidade física e as variáveis sociais e clínicas dos participantes desta pesquisa estão expostas na tabela 1.
Os limites dos resultados deste estudo referem-se ao delineamento transversal que não permite estabelecer relações de causa e efeito. Por outro lado, a implicação para a enfermagem refere-se a minimizar os riscos a que os idosos estão expostos, através do conhecimento sobre os fatores associados às limitações na mobilidade física.
O predomínio do sexo feminino na população investigada, como esperado em relação à composição demográfica de idosos devido à maior longevidade das mulheres, foi semelhante aos resultados encontrados em outros estudos.(1,3,9)
A feminização da velhice condiz, em parte, com o predomínio de disfunções da mobilidade entre as idosas. Durante o processo de envelhecimento, é observado entre as mulheres a supressão de estrogênio na menopausa, o desequilíbrio da reabsorção de cálcio, a desmineralização constante da massa e da densidade óssea, o que resulta em maior porosidade e fragilidade do tecido ósseo, podendo causar dores e possibilitando a ocorrência de fraturas, com elevação do risco para limitações na mobilidade física.(10,11)
O sexo feminino também revelou diferença estatisticamente significativa para o risco de quedas (p=0,030). Estudos apontam que ser do sexo feminino é um dos principais fatores associados ao aumento de risco para quedas.(12) Isso pode estar relacionado à maior perda de massa muscular e óssea, acrescido às múltiplas tarefas que as mulheres realizam no domicílio, levando-as a uma maior propensão para cair.(13)
A idade mostrou associação com os problemas de mobilidade entre os idosos, com diferenças estatisticamente significativas para rigidez articular (p=0,007) e dor ao mover-se (p=0,021), com prevalência de alterações na faixa etária acima de 70 anos. Estudos apontam que as limitações de mobilidade são, em parte, relacionadas com o processo de envelhecimento normal, devido às perdas de massa muscular e da densidade óssea e aos desgastes articulares, acentuados a partir dos 70 anos de idade.(5)
O estado civil também parece apresentar influência sobre as limitações de mobilidade. Estudo realizado em cinco países europeus (Finlândia, Holanda, Alemanha, Hungria e Itália) verificou que os idosos sem companheiro são mais propensos a relatar maiores dificuldades relacionadas à necessidade de mover-se.(14)
Referente à escolaridade, os idosos não letrados apresentaram maiores demandas na mobilidade física. Os baixos níveis instrucionais, associados a fatores socioeconômicos e culturais desfavoráveis, podem dificultar a obtenção de informações e a conscientização das pessoas sobre a relevância dos cuidados com a saúde ao longo da vida, a necessidade da adesão ao tratamento e a manutenção de hábitos de vida saudáveis, contribuindo indiretamente para a ocorrência de distúrbios de mobilidade.(15)
Nesse contexto, as equipes de saúde da família precisam desenvolver ações de promoção de saúde e prevenção de complicações, considerando os baixos níveis econômicos e de escolaridade da população idosa. Tais ações precisarão estar adequadas ao universo sociocultural desse grupo, potencializando o incentivo ao autocuidado.
A aposentadoria também apresentou relação com a mobilidade física prejudicada neste estudo. Uma possível justificativa para essa relação corrobora os resultados de um estudo de base populacional realizado na Inglaterra com 1.693 trabalhadores com 50 anos ou mais, que verificou que limitações de mobilidade e dor musculoesquelética foram fatores preditivos de aposentadoria precoce.(16) Por outro lado, as perdas resultantes do afastamento das atividades laborais, com redução da renda do trabalho, podem ser determinantes do comprometimento funcional, manifestando-se a partir da adoção de atitudes sedentárias, tornando o sujeito vulnerável a doenças decorrentes de estilo de vida pouco saudável,(17) como os problemas na mobilidade. Todavia, o desenho transversal utilizado na presente pesquisa não permite o estabelecimento do que é causa e do que é consequência entre mobilidade física prejudicada e aposentadoria.
A presença de morbidades pode ser um fator de risco associado às limitações na mobilidade do idoso, resultando em perda da capacidade funcional.(5) Dessa maneira, pode-se explicar o alto número de idosos que possuem demandas na mobilidade física associadas a problemas de saúde.
A maioria dos idosos (71,2%) utilizava medicamentos, e essa variável associou-se significativamente à rigidez articular (p=0,000) e ao risco para quedas (p=0,000). Ressalta-se que, apesar de não se verificarem outras relações estatisticamente significativas, prevaleceram as demandas na mobilidade física entre os idosos que faziam uso contínuo de medicações.
O crescimento do uso de medicamentos entre os idosos deve-se à maior prevalência de doenças crônicas e das sequelas que acompanham o avançar da idade.(18) Quanto mais medicamentos o idoso ingerir, maiores serão os riscos de interação entre as medicações, além de potencializar os efeitos colaterais. Assim sendo, a prescrição medicamentosa ao idoso deve ser criteriosa,(19) bem como a observação da ocorrência de seus efeitos sobre a mobilidade.
Comportamentos de vida e saúde são fatores de risco importantes para as limitações de mobilidade. Corroborando os dados desta pesquisa, estudos mostram que uma vida sedentária, tabagismo e consumo de álcool estão significativamente associados com limitações de mobilidade.(4,5)
Na promoção da saúde, os profissionais devem elaborar estratégias capazes de estimular a população a adotar estilo de vida saudável, em especial a prática de atividades físicas. Essa prática proporciona um aumento da resistência e da força muscular, melhora do equilíbrio, previne a perda de massa óssea, além de acarretar melhora na autoeficácia, do desempenho cognitivo, da memória recente, diminuição dos sintomas depressivos e aumento nas redes sociais, contribuindo, portanto, de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida.(20)
Apesar disso, evidencia-se um desafio para incorporar a prática de atividade física regular ao cotidiano dos idosos. Estudos nacionais e internacionais demonstram que ainda é baixa a proporção de idosos que praticam atividade física, apesar de reconhecerem os benefícios advindos desta prática e a considerarem um comportamento desejável para a manutenção de boa saúde.(9,21)
Corroborando esses dados, destaca-se que 71,2% dos idosos não realizam atividades físicas regulares, o que esteve estatisticamente associado a todas as demandas da necessidade de mover-se e manter uma postura adequada, segundo o referencial teórico adotado.
A redução das atividades é um indicador de fragilidade, contribuindo para o declínio da capacidade funcional. Desse modo, a prática de atividades físicas pelos idosos é de fundamental importância para a preservação da mobilidade e, consequentemente, para a manutenção da independência e da autonomia.
As alterações da mobilidade devem ser levadas em conta durante a avaliação de saúde do idoso, constituindo-se em importantes marcadores que poderão subsidiar ações preventivas de incapacidades e dependência na velhice.
Os resultados mostraram que as demandas na mobilidade física em idosos que vivem na comunidade sofreram influência significativa das características sociais e clínicas.