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Social representations of community-acquired infection by primary care professionals

Social representations of community-acquired infection by primary care professionals

Autores:

Álvaro Francisco Lopes de Sousa,
Artur Acelino Francisco Luz Nunes Queiroz,
Layze Braz de Oliveira,
Andreia Rodrigues Moura da Costa Valle,
Maria Eliete Batista Moura

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.28 no.5 São Paulo Sept/Oct. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500076

Introdução

A problemática das doenças infecciosas data desde os primórdios da existência humana, constituindo atualmente um importante problema de saúde pública. Tais doenças representam um dos agravos clínicos de maior repercussão para a humanidade, sendo responsáveis por aumentos na morbidade e mortalidade em âmbito mundial.(1)

As infecções possuem etiologia multifatorial, estando relacionadas a fatores intrínsecos e extrínsecos, os quais envolvem a endogenia humana e as condições ambientais, respectivamente. Assim, determinantes sociais e ambientais, como grau de instrução, pobreza, falta de informação, precárias condições de habitação e saneamento básico, possuem relação com o desenvolvimento de infecções, principalmente em ambiente domiciliar.(2)

As infecções são categorizadas, desde 1970, em comunitárias ou hospitalares. Aquelas identificadas a partir de amostras colhidas nas primeiras 48 horas de internação ou em incubação na admissão do paciente, desde que não relacionada à internação anterior no mesmo hospital são categorizadas como infecção comunitária. Entretanto infecções identificadas a partir de amostras colhidas mais de 48 horas após a admissão ou alta do paciente são classificadas com infecção hospitalar.(3)

Essa definição baseada em um recorte temporal, recomendada pelo Center of Diseases Control and Prevention, é justificada pelo tempo necessário para uma bactéria desenvolver uma infecção em um hospedeiro humano, necessitando, assim, de testes específicos que comprovem este diagnóstico.(3,4)

Na Atenção Primária, o diagnóstico da infecção para fins clínicos é frequentemente realizado de forma empírica, com base em sinais e sintomas relatados pelo paciente, e não baseado na cultura bacteriana ou antibiograma. Além disto, o Brasil não possui um sistema de vigilância de infecções comunitárias, o que dificulta a formação de um panorama nacional com a real situação da problemática em questão.(5)

A Atenção Primária desempenha um papel importante na prevenção e no controle de infecções na comunidade. Esse modelo assistencial é composto por uma equipe multiprofissional de nível superior e médio, que é fundamental para a criação e o fortalecimento das práticas de prevenção e controle de infecção. Para isso, é necessário que esses profissionais conheçam a problemática aplicada a tal realidade, os fatores de riscos e as práticas de prevenção e controle.(6)

Face ao exposto, têm-se como objeto de estudo as representações sociais da infecção comunitária por profissionais da atenção primária. Com isso, objetivou-se apreender as representações sociais elaboradas pelos profissionais da Atenção Primária sobre infecção comunitária e compreender como tais representações influenciam no controle da infecção e na qualidade da assistência.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, com abordagem qualitativa, realizada com quatro equipes de saúde da atenção primária em serviço público exclusivamente ambulatorial, em uma capital da Região Nordeste do Brasil.

As equipes de saúde eram compostas por quatro médicos, quatro enfermeiros, quatro cirurgiões dentistas, quatro técnicos em enfermagem, quatro auxiliares de saúde bucal e 24 agentes comunitários de saúde. A população do estudo foi constituída por 16 profissionais das quatro equipes de Estratégia de Saúde da Família selecionados pelo método de amostragem aleatória simples, a saber: quatro enfermeiros, quatro médicos, quatro agentes comunitários e quatro técnicos de enfermagem.

Para a inclusão na pesquisa, o profissional deveria ser membro de uma das equipes com atuação há pelo menos um ano nesse serviço. A coleta dos dados ocorreu em julho de 2014; foram feitas entrevistas individuais com os sujeitos, guiadas por um formulário semiestruturado, com 16 questões abertas, as quais exploraram os saberes e fazeres dos profissionais em seu cotidiano junto à comunidade. A entrevista foi realizada em sala reservada, com duração de 20 minutos, em média. Foram respeitados os critérios éticos e o caráter sigiloso.

Para o processamento e a análise dos dados, utilizou-se o softwareIRAMUTEC (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Texteset et de Questionnaires),(7) que foi desenvolvido na França porPierreRatinaud em 2009 e começou a ser usado no Brasil em 2013. Ele permite diferentes formas de análises estatísticas sobre ocorpus textual e as tabelas de indivíduos por palavras. Para realizar análises lexicais clássicas, o software identifica e reformata as unidades de texto, que se transformam de Unidades de Contexto Iniciais em Unidades de Contexto Elementares. É feita, então, a pesquisa do vocabulário, havendo uma redução a palavras, com base em suas raízes (lematização), sendo criado um dicionário a partir das formas reduzidas e identificadas as formas ativas e suplementares. Para essa fase do estudo, seguiram-se as etapas descritas a seguir.

Para a análise do texto, definiu-se o método da Classificação Hierárquica Descendente,(8) em que os textos foram classificados em função de seus respectivos vocabulários e o conjunto deles se dividiu pela frequência das formas reduzidas. A partir de matrizes que cruzaram segmentos de textos e palavras (repetidos testes X2), aplicou-se o método de Classificação Hierárquica Descendente para obter uma classificação estável e definitiva. A análise por essa classificação visou obter classes de segmentos de texto que, além de terem apresentado vocabulário semelhante entre si, tinham vocabulário diferente dos segmentos de texto das outras classes. A relação entre as classes foi ilustrada pelo dendograma (Figura 1).

Figura 1 Estrutura temática das representações sociais da infecção comunitária pela equipe de atenção primária. UCE – Unidades de Contexto Elementares 

As representações sociais da infecção comunitária por profissionais da Atenção Primária em saúde definiram-se a partir da análise pormenorizada das entrevistas e da elaboração de categorias, a partir dos depoimentos processados. Representações sociais são construídas a partir de conceitos, afirmações e experiências, tornando-se íntimas e mutáveis para a pessoa. Essas características permitem que a análise das representações sociais de grupos, como os profissionais de saúde, demonstre, simultaneamente, os comportamentos de diferentes classes profissionais e do próprio cenário de atuação.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Dos 16 participantes da pesquisa, 12 eram mulheres e a média de idade foi de 28 anos. O tempo médio no serviço foi de 8 anos. A maioria tinha mais de um vínculo empregatício (8; 75%), nível de escolaridade superior e tempo de formação maior que 5 anos.

O IRAMUTEC reconheceu a separação do corpus em 99 unidades de texto elementares, com aproveitamento de 88,88% dele. Com base na análise pela Classificação Hierárquica Descendente, buscaram-se a identificação e a análise dos domínios textuais, e a interpretação dos significados, dando-lhes nomes com seus respectivos sentidos em classes, como se segue.

Atenção Primária em saúde na gestão das infecções comunitárias

Segundo os resultados, a gestão das infecções comunitárias na comunidade é complicada em razão das dificuldades em se instituírem medidas de controle adequadas àquela realidade. Nos depoimentos, as palavras mais evocadas remeteram à Estratégia Saúde da Família, destacando seu papel na prevenção e no controle dessas infecções.

O papel da educação em saúde na prevenção e no controle das infecções

Os conteúdos apreendidos nessa classe denotaram uma preocupação dos profissionais quanto ao papel da Atenção Primária no desenvolvimento de práticas de educação em saúde junto a comunidade. As representações apreendidas dos sujeitos demonstraram a preocupação do profissional em promover a saúde dos indivíduos sob sua responsabilidade na Unidade Básica de Saúde, principalmente por meio de práticas de educação em saúde.

O conceito de infecção comunitária e fatores de risco

O conceito de infecção comunitária não foi bem construído pelos profissionais, remetendo apenas à negação da infecção hospitalar. Quando questionados quanto aos fatores de risco, os entrevistados mostraram deficiência sobre seu conhecimento. A maioria dos profissionais não seguia uma linha holística da construção dos saberes, elencando-os de forma unidirecional e não abrangendo todos os possíveis fatores que favoreciam ao risco de infecção.

Medidas de prevenção e controle das infecções comunitárias

As principais medidas de prevenção e controle das infecções comunitárias extraídas dos depoimentos remeteram ao controle de fatores de risco e à adequação do ambiente.

Discussão

Apreender as representações sociais da infecção comunitária de profissionais da Atenção Primária limita a abrangência dos resultados ao universo dos participantes. Assim, ao conhecer essas representações e as interações entre o individual e o social, os resultados devem fornecer elementos-chave para compreender a realidade do grupo.

A necessidade de minimizar o tempo de internação hospitalar e a redução de custos resultou na valorização da atenção domiciliar na prevenção e na promoção da saúde, conforme a realidade da comunidade, considerada ambiente de riscos de infecção. A incidência de infecções comunitárias mostra-se elevada em todo o mundo.(8,9)

Estudo realizado nos Estados Unidos registrou aumento significativo nas taxas de incidência de infecções adquiridas na comunidade, principalmente daquelas causadas por micro-organismos multirresistente.(5)

Por se tratar de um ambiente fechado, que pode facilitar a propagação da infecção, e o aumento da população idosa com doenças crônicas, que é vulnerável e propensa a ter dispositivos de longa permanência, são fatores que favorecem o aumento da incidência de infecção comunitária, principalmente relacionadas a bactérias multirresistentes.(10,11)

Dentre os fatores de risco, destacaram-se aqueles voltados ao ambiente doméstico, como a falta de saneamento básico, pacientes com doença aguda e condições médicas complexas, dificuldade de realizar o autocuidado, aumento do uso de dispositivos médicos no domicílio, fatores sociais ou econômicos do paciente.(11)

No Brasil, o Programa de Controle de Infecções Hospitalares foi implementado em 1998,(10) definindo bases conceituais da infecção hospitalar e da infecção comunitária, além de normatizar a implantação de Comissão de Controle de Infecção Hospitalar em todo o Brasil. No entanto, essa Portaria não contempla a prevenção das infecções comunitárias, uma vez que não indica a necessidade de criação de uma órgão de gestão na comunidade.

Em ambiente hospitalar, há uma melhor gestão da infecção, inclusive com elaboração de manuais e Portarias. No entanto, o controle de infecção incipiente na comunidade se mostra como principal obstáculo para se instituírem medidas de controle adequadas àquela realidade.(12)

Medidas de prevenção e controle de infecção são essenciais na gestão do risco de contaminação da sociedade.(11,13) A implementação de estratégias de prevenção e de controle de infecção, incluindo a educação e a formação de pessoal, com ênfase na higiene adequada das mãos, na manutenção da técnica asséptica, na obediência das precauções padrões e nos métodos eficazes para lidar com fatores ambientais, tem se mostrado eficiente.(5,14)

Ao conhecer essas medidas, a equipe de saúde está apta a empoderar a população, por meio de estratégias de educação em saúde, valorização da promoção da saúde, tornando-se mais eficaz que medidas preventivas ou de combate às doenças.(15-17)

Preocupações e cuidados junto a comunidade são importantes, devendo os profissionais de saúde avaliarem adequadamente o ambiente de prestação de cuidados. As infecções mais relatadas no cotidiano da Unidade Básica de Saúde pelos profissionais foram caracterizadas como evitáveis por medidas simples de controle, como a divulgação de informações, e medidas de higiene pessoal e sanitárias. O controle da infecção comunitária envolve três grandes áreas: higiene das mãos, uso seguro de equipamentos de proteção e eliminação de perfurocortantes.(12)

O campo das Representações Sociais da infecção comunitária por profissionais da atenção primária, com base na Classificação Hierárquica Descendente, ou seja, na relação entre as classes, demonstra que o conceito de infecção comunitária dos profissionais, mesmo ainda pouco elaborado, determina a implementação de ações na gestão da atenção primária, com destaque para a educação em saúde relacionada ao controle das infecções na comunidade, especialmente em domicílios. No entanto, as medidas de prevenção e controle das infecções relacionadas às condições ambientais e pessoais podem contribuir para diminuir a prevalência de infecções comunitárias, com a adoção de uma política de melhoria de habitação e saneamento básico.

Conclusão

As representações sociais sobre a infecção comunitária se organizam a partir da prática profissional, na qual os participantes reconhecem as dificuldades em conceituar o termo, elencar fatores de riscos e medidas de prevenção e controle, refletindo na qualidade da assistência prestada.

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