Compartilhar

Social vulnerability in families living with long-term addictive behavior

Social vulnerability in families living with long-term addictive behavior

Autores:

Lúcia Margarete dos Reis,
Magda Lúcia Félix de Oliveira

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.30 no.4 São Paulo July/Aug. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700061

Introdução

As noções de exclusão e de vulnerabilidade social têm sido utilizadas, no Brasil e no mundo, por pesquisadores, gestores e operadores de políticas sociais, em um esforço de ampliação do entendimento das situações tradicionalmente definidas como pobreza, buscando uma perspectiva ampliada e complementar àquela atrelada à questão da insuficiência de renda. O conceito de vulnerabilidade é delimitado por processos sociais dinâmicos e multigeracionais que envolvem pelo menos três dimensões: exposição a trajetórias de riscos; capacidades internas e externas de reação e possibilidades de adaptação baseada tanto na intensidade do risco quanto na resiliência das pessoas.(13)

Ao considerar-se, portanto, a preocupação em não limitar a avaliação da vulnerabilidade à análise da renda, durante a década de 1990, foram construídos, estatisticamente, vários indicadores com o objetivo de compreender a realidade social, por meio de uma medida única, alcançada pela combinação das múltiplas medições das suas dimensões analíticas quantificáveis. Esses instrumentos são apresentados como facilitadores para a formulação de políticas, para a tomada de decisões nas esferas públicas, bem como para a pactuação de indicadores das agendas de políticas públicas nacionais e globais.(24)

Indicadores sintéticos são medidas sínteses utilizados para apreender uma determinada realidade social ou dimensões do mundo social. A aplicação dessas medidas se apoia na oportunidade de resumir questões multidimensionais e complexas, com a possibilidade de interpretar resultados de maneira comparada em diversas realidades sociais, acompanhar a evolução da situação e da unidade de referência escolhida, identificar dimensões do curso de vida do indivíduo e da família e monitorar indicadores sociais dos territórios e das condições do ambiente. Por fim, possibilitam a proposição e o direcionamento mais adequado de ações e programas voltados às populações que se encontram em processos de vulnerabilidades e com suas capacidades de resposta reduzidas para a promoção, a proteção e a manutenção da saúde.(46)

Estudo de revisão integrativa de literatura, com utilização de descritores controlados nos idiomas inglês e português, identificou 23 índices sintéticos utilizados no Brasil, a partir da análise tanto de dados primários, verificados por meio de pesquisas de campo, quanto de dados secundários, provenientes da base de dados do governo federal e das prefeituras, sob a perspectiva de determinantes sociais da saúde, da situação socioambiental e das condições climáticas, da observação de um território e espaços geográficos específicos e da família e do curso da vida.(3)

O Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses (IVFPR), um indicador sintético de vulnerabilidade, sob a perspectiva da família e do curso da vida, consiste em uma medida indireta da vulnerabilidade social e é construído para determinar a vulnerabilidade de famílias acompanhadas por programas sociais no estado do Paraná. O IVFPR é uma ferramenta de apoio aos municípios para a priorização de famílias que se encontram em piores situações e dá direcionamento às intervenções para cada situação. (3) O Índice foi utilizado como parâmetro para dimensionar o papel das drogas de abuso em seu resultado final.

Estudos apontam uma grande parcela da população mundial afetada, direta ou indiretamente, pelo tráfico, comercialização e pela violência relacionada ao uso de drogas, com repercussões intensas na saúde do indivíduo, na vida da família e na comunidade de convivência.(7,8) Em nível individual, os efeitos do abuso de drogas são graves e o aumento do comportamento de risco e a exclusão social têm repercussões diretas, impedindo que a pessoa tenha uma vida digna e próspera.(9,10)

Nessa perspectiva, o abuso de drogas deve ser discutido no campo de formação dos profissionais de enfermagem, principalmente sobre a prevalência do consumo de drogas em distintos grupos sociais, a utilização de metodologias assistenciais de promoção da saúde, prevenção, cuidado e reinserção social, assim como a qualificação do profissional para atuar no enfrentamento do abuso de drogas na sociedade. A dificuldade da disseminação formal de conhecimento sobre a questão droga é proporcional à amplitude necessária desse conhecimento para uma atuação efetiva nesse campo, e este estudo buscou tornar-se aliado dessa corrente de discussão transversal e interdisciplinar que compreende o abuso de drogas.

A partir do pressuposto que a convivência por longo período com as drogas no ambiente familiar determina o aumento da vulnerabilidade das famílias, o presente estudo se propõe a analisar a interface do fenômeno drogas de abuso e vulnerabilidade social de famílias e pretende responder à seguinte indagação: o abuso de drogas na vida dessas famílias tornou-as mais vulneráveis? Considerando isso, o objetivo do presente estudo foi analisar a vulnerabilidade social de famílias que convivem por tempo prolongado com o comportamento aditivo de um de seus membros.

Métodos

Estudo transversal, de natureza quantitativa, com série de 29 casos considerados academicamente como evento sentinela para o uso de drogas de abuso.(11) A população estudada constituía-se de indivíduos que atendiam a um conjunto específico de critérios do agravo sentinela sob investigação: trauma físico e uso de drogas de abuso, ou seja, quadro clínico compatível/sinais e sintomas sugestivos ou testes laboratoriais confirmativos de intoxicação por drogas de abuso; atendimento no Hospital Universitário Regional de Maringá no período de abril a setembro de 2014 e vínculo familiar e residência em Maringá-PR.

No presente estudo foi utilizado um evento sentinela desenvolvido e avaliado, de forma acadêmica, para adaptação dessa metodologia à vigilância epidemiológica das repercussões do envolvimento com drogas de abuso na saúde dos usuários e suas famílias e para construção de indicadores mais qualitativos de monitoramento do fenômeno drogas de abuso na sociedade.(11,12)

A coleta de dados foi realizada em domicílio e foram utilizados dois instrumentos, o roteiro para entrevista semiestruturada, com questões referentes à caracterização sociodemográfica e econômica dos participantes da pesquisa e o roteiro do Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses (IVFPR).

O IVFPR foi desenvolvido pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) para avaliar a vulnerabilidade das famílias paranaenses inseridas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal. O índice é composto por 19 indicadores divididos em quatro dimensões: adequação do domicílio (IV1) - domicílio particular ou coletivo, densidade por dormitório, material de construção, água encanada e esgotamento sanitário; perfil e composição familiar (IV2) - responsabilidade pela família, razão entre crianças e adultos, presença de trabalho infantil na família, presença de crianças, adolescentes, adultos e idosos internados, presença de deficientes e idosos e analfabetismo do chefe de família; acesso ao trabalho e renda (IV3) - trabalho dos adultos e renda per capita e condições de escolaridade (IV4) - crianças e adolescentes fora da escola, defasagem idade/série e jovens e adultos sem ensino fundamental.(3)

O índice de cada dimensão apresenta pontuações distintas: IV1 tem maxima de 12; IV 2 tem pontuação máxima de 20; IV3 tem pontuação máxima de 3 e IV4 tem pontuação máxima de 8. O índice de cada dimensão foi calculado com base na soma da pontuação obtida e dividida pela respectiva pontuação máxima, fornecendo valores entre zero e um. O IVFPR foi calculado com base na média aritmética dos índices das quatro dimensões, considerando todas as dimensões com o mesmo peso.(3) O Índice é valorado na forma de um número decimal, que vai de zero a um. Quanto mais próximo de um, mais vulnerável é considerada a família.

Os dados foram compilados em planilha eletrônica no software Microsoft Office Excel 10.0 e analisados por meio de estatística descritiva simples (frequências absolutas e relativas e cálculo das médias e desvio padrão) e medidas de localização central e de dispersão, com cálculo de coeficientes de variação de Pearson. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, parecer n° 458.185/2013.

Resultados

Encontrou-se um número médio de 4,1 moradores por domicílio, com média de 1,8 crianças e 1,4 idosos. A localização dos domicílios das famílias não apresentou uma distribuição uniforme no município de Maringá. Na região central residiam três famílias e as demais se distribuíram em bairros do entorno ou periféricos, com concentração na região Norte do município (19 ou 65,5%).

A idade dos usuários de drogas variou entre 20 e 65 anos, com média de 40,1 anos. A maioria era do sexo masculino (28 ou 96,6%), solteiro (22 ou 75,9%) e desempregado 15 (51,7%). Dez (34,5%) informaram menos que quatro anos de escolaridade e dois nunca frequentaram a escola.

O álcool foi a droga referida pela maioria à internação hospitalar (28 ou 93,3%), mas treze faziam uso crônico de bebida alcoólica associada a outras drogas e quinze faziam uso diário de drogas e realizavam manobras ilícitas para aquisição da droga. O tempo de uso das drogas de abuso variou de um a cinquenta e seis anos, com média de 20,8 anos e em 16 famílias (55,2%) havia presença de comportamento aditivo familiar, sendo 13 em pais dos eventos sentinela.

Em 17 casos (58,6%), o familiar informou que ocorreu abstinência do uso de drogas, a maioria (11 ou 64,7%), em período inferior a seis meses. As principais causas para a volta ao uso das drogas ou recaídas foram a continuidade do grupo de convívio (amigos), a não mudança de estilo de vida, desilusão amorosa, ausência de acompanhamento e abandono do tratamento de reabilitação social.

Sob a perspectiva da família dos eventos sentinela e de seu curso da vida, o cálculo do IVFPR variou entre zero e 0,4673 (maior vulnerabilidade na amostra estudada) e somente 10,3% das famílias não estavam em vulnerabilidade social (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição das famílias de usuários de drogas, segundo o IVFPR* e as dimensões 

Dimensão n(%)
IVFPR*
0,4000 a 0,4673 3(10,3)
0,3000 a 0,3999 5(17,2)
0,2000 a 0,2999 8(27,6)
0,1000 a 0,1999 5(17,2)
0,0001 a 0,0999 5(17,2)
0,0000 3(10,3)
IV1
0,4167 5(17,2)
0,3333 1(3,4)
0,2500 1(3,4)
0,1667 5(17,2)
0,0000 17(58,6)
IV2
0,3500 1(3,4)
0,3000 6(20,7)
0,2000 6(20,7)
0,1000 11(37,9)
0,0000 5(17,2)
IV3§
0,7692 3(10,3)
0,6154 1(3,4)
0,5385 4(13,8)
0,3846 3(10,3)
0,3077 4(13,8)
0,2308 2(6,9)
0,1538 6(20,7)
0,0000 6(20,7)
IV4
0,7500 1(3,4)
0,5000 2(6,9)
0,2500 21(72,4)
0,0000 5(17,2)
Total de famílias 29(100)

*Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paraenses;

Adequação do domicílio;

Perfil e composição familiar;

§Acesso ao trabalho e renda;

Condições de escolaridade

A dimensão “adequação do domicílio” obteve maior número de famílias sem indicação de vulnerabilidade (58,6%) e a dimensão “perfil e composição familiar” apresentou a menor variabilidade do índice, com pontuação maxima de 0,3500, enquanto a dimensão “acesso ao trabalho e renda” foi a dimensão com maior pontuação (0,7692). A maioria das famílias (72,4%) apresentou índice de 0,25 na dimensão condições de escolaridade.

O IVFPR, IV3 e IV4 apresentam distribuição praticamente simétrica. Com diferença máxima entre a média e a mediana de 3,5% para o IV3. O IV1 e o IV2 apresentaram assimetria positiva (média > mediana), indicando que existe um conjunto de famílias com alto índice de vulnerabilidade, superestimando a média (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição dos resultados do IVFPR* das famílias de usuários de drogas, segundo as análises estatísticas 

Estatísticas Indices
IV1 IV2 IV3§ IV4 IVFPR*
Média 0,1207 0,1534 0,3050 0,2414 0,2051
Mediana 0,0000 0,1000 0,3077 0,2500 0,2087
Máximo 0,4167 0,3500 0,7692 0,7500 0,4673
Mínimo 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000
Percentil 25 0,0000 0,1000 0,1538 0,2500 0,0885
Percentil 75 0,1667 0,2000 0,5385 0,2500 0,2926
Percentil 95 0,4167 0,3000 0,7692 0,5000 0,4015
Desvio padrão 0,1645 0,1085 0,2454 0,1564 0,1283
Coeficiente de variação de Pearson (CV) 136,2900 70,7300 80,4600 64,7900 62,5500

*Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paraenses;

Adequação do domicílio;

Perfil e composição familiar;

§Acesso ao trabalho e renda;

Condições de escolaridade

O coeficiente de variação de Pearson (CV(%)), dado pelo quociente entre o desvio padrão e a média, mostra que todas as dimensões e o IVFPR apresentam grande heterogeneidade, sendo CV (%) > 30,0%, com distinção para o IV3, no qual CV (%) > 80,0% e o IV1, no qual o CV (%) > 136,0%. Esse resultado do IV1 é explicado pelo fato de 17 famílias (58,6%) apresentarem IV1 = 0,00 e cinco famílias (17,2%) apresentarem índice de 0,4167, aumentando o valor do desvio padrão.

Metade das famílias analisadas apresentaram IVFPR menor ou igual a 0,2087 e cerca de 25,0% das famílias apresentaram IVFPR maior que 0,2926. As dimensões que mais contribuem para o IVFPR médio são IV3 e IV4, com, respectivamente, 37,1% e 29,4%, mostrando a grande importância do acesso ao trabalho, à renda e à escolaridade. A dimensão IV1 (adequação domiciliar) contribui em 14,7% e a dimensão IV2 (perfil e composição familiar) contribui com 18,7% para o IVFPR.

Os dados da tabela 3 correspondem à matriz de correção de Pearson entre os índices das quatro dimensões e o IVFPR.

Tabela 3 Matriz de correlação de Pearson entre os índices das quatro dimensões e o IVFPR*  

Índices IV1 IV2 IV3§ IV4 IVFPR*
IV1 1 0,131 0,292 0,372 0,695¥
IV2 0,131 1 0,537¥ 0,186 0,562¥
IV3§ 0,292 0,537¥ 1 0,465** 0,831¥
IV4 0,372 0,186 0,465¥ 1 0,704¥
IVFPR* 0,695¥ 0,562¥ 0,831¥ 0,704¥ 1

*Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paraenses;

Adequação do domicílio;

Perfil e composição familiar;

§Acesso ao trabalho e renda;

Condições de escolaridade;

¥Valor estatisticamente significante p-value < 0,01 em teste bicaudal;

**Valor estatisticamente significante p-value < 0,05 em teste bicaudal

Observa-se que a dimensão “acesso ao trabalho e renda” apresenta a maior correlação com o IVFPR (0,831), mostrando que quanto maior a vulnerabilidade da família na dimensão de acesso ao trabalho e renda, maior é o IVFPR da família, confirmando que é essa dimensão que mais influencia o IVFPR, seguido pela dimensão de condições de escolaridade, com correlação de 0,704. A dimensão “perfil e composição familiar” exibe a menor correlação, sendo, portanto, a dimensão que menos influencia o IVFPR das famílias.

A correlação entre IV3 e IV2 é a maior, mostrando que famílias com condições de trabalho e renda pior apresentavam uma pior composição familiar (0,537). Da mesma forma, verifica-se que a correlação entre IV3 e IV4 apresentava a segunda maior correlação. Apesar de a correlação se apresentar na faixa regular (0,465), mostra-se estatisticamente diferente de zero (p<0,05).

Discussão

Como qualquer outra proposta de medição de situações complexas, a análise presente nesse texto está sujeita às limitações das escolhas feitas sobre os componentes e os pesos dados a cada condição do índice sintético utilizado. O seu uso requer uma análise de suas limitações e potencialidades, mas sua aplicação permite interpretar resultados de maneira comparada com a análise de tendência de uma realidade social, como acompanhamento de dimensões do curso de vida do indivíduo, das condições de vida nos domicílios e arranjos domiciliares.(24)

Considerando a especificidade do grupo estudado, a priori, os eventos sentinela apresentavam características de vulnerabilidade individual: desempregados; com baixa escolaridade; uso diário de drogas e manobras ilícitas para aquisição da droga. No entanto, três situações são demarcadoras da influência do individual (dos usuários) para o coletivo (das famílias): comportamento aditivo por mais de 20 anos, acima da média nacional, que é de 13 anos;(7) ciclo de abstinência e recaídas e vítimas de vários episódios de agressão física e acidentes de trânsito.

Articulando internação hospitalar, trauma físico e intoxicação por drogas de abuso e entendendo a internação por trauma físico como evento evitável no ciclo de abstinência e recaídas dos indivíduos, cujas famílias já poderiam ter sido assistidas por políticas publicas, o estudo investigou eventos sentinela e encontrou longo período de uso de drogas no contexto familiar e discutiu que a investigação e avaliação desses eventos sentinela poderiam colaborar na elaboração de campanhas de prevenção do uso de drogas, com vistas à quebra da cadeia de risco e redução de consumo em espaços loco regionais.(1214)

Na família a situação complica-se com o avanço da dependência, pois a ruptura social leva o consumidor a se utilizar de manobras ilícitas: mentiras recorrentes; roubos; violência; prostituição e gravidez indesejada. Essas situações são comuns entre os relatos de dependentes químicos, que, após o rompimento dos vínculos familiares, passam a viver em situação de rua, expostos aos riscos da prostituição, marginalidade e da exclusão social, com comprometimento significativo da escolarização e acesso ao trabalho e renda.(15,16)

No Brasil, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estabelece pontos de atenção para o atendimento a pessoas com problemas mentais, incluindo os efeitos nocivos do uso de álcool e outras drogas, entretanto, a maior parte das famílias desconhecia esses serviços e utilizava apenas aqueles de atenção às urgências em saúde, de urgências psiquiátricas e hospitais psiquiátricos. O acesso das famílias aos serviços de saúde poderia representar a oportunidade para o profissional de saúde programar ações voltadas à prevenção do uso de drogas e à diminuição das repercussões do uso nocivo no âmbito familiar.(17)

Outrossim, a concentração dos domicílios investigados aconteceu em bairros que se configuram como comunidades com indicadores elevados de violência relacionados ao consumo de drogas de abuso(18) e a literatura aborda o consumo de drogas como uma ocorrência não uniforme socialmente, pois a gravidade do uso está presente, principalmente, em comunidades e famílias com elevada vulnerabilidade social.(16,19,20)

O IVFPR apontou o elevado índice de vulnerabilidade social dessas famílias, com uma pontuação máxima de 0,4673 em uma escala de zero a 1. Observou-se que quanto maior a vulnerabilidade dessas famílias em relação às condições de escolaridade, maior a vulnerabilidade com relação ao acesso ao trabalho e renda, ou seja, a carência do acesso ao trabalho e à renda e as baixa escolaridade contribuem substancialmente para a vulnerabilidade familiar, dados semelhantes aos encontrados em outros municípios do mesmo estado.(3) Essas famílias apresentam fragilidades em indicadores de longo prazo, como baixa escolaridade e qualificação profissional interna, e que somado à precariedade no acesso aos serviços de atenção psicossocial para enfrentamento do uso de drogas de abuso, parece indicar uma relação entre os anos de enfrentamento e sofrimento decorrente do uso de drogas no contexto familiar e a vulnerabilidade social.

As famílias investigadas no presente estudo residem em um Estado da Federação com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,749 e em município com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) “muito alto”, igual a 0,808, ocupando o 23° lugar no ranking nacional e o 2° no ranking estadual. No estado do Paraná, existem 580.742 famílias com renda mensal total de até três salários mínimos, correspondendo a 19,4% do total de famílias no estado.(3) No entanto, percentual bem maior foi encontrado nas famílias em estudo.

Ao avaliar as famílias paranaenses, identificouse 56,5% de famílias com dificuldades de acesso ao trabalho e renda e 32,6% de famílias com adultos em defasagem escolar.(3) Neste estudo, esses percentuais correspondem a 79,3 % e 82,8%, respectivamente, denotando maior vulnerabilidade social das famílias estudadas.

A correlação entre as dimensões indicou que, quanto maior a vulnerabilidade da família em relação às condições de escolaridade, maior a vulnerabilidade com relação ao acesso ao trabalho e renda. Esses dados indicam famílias em maior vulnerabilidade quando comparadas à população analisada no Paraná.(3) A baixa escolaridade dos responsáveis pela família é elencada como um dos fatores para iniciação do uso de drogas na família e o nível de escolaridade, incompatível para idade, pode implicar em menor inserção no mercado de trabalho formal, medido no estudo pela menor disponibilidade financeira e, consequentemente, maior contribuição para a vulnerabilidade social e uso de drogas na família.(21)

A consequência do consumo de drogas, dificilmente, permite ao usuário manter-se no trabalho, levando-o a roubos praticados dentro do lar e ocasionando danos ao patrimônio na sociedade, bem como promovendo situação de rua ou a total dependência da estrutura familiar, e essa situação interfere ainda na conjugalidade e em vários conflitos intrafamiliares oriundos do comportamento aditivo.(8,22) As famílias mais vulneráveis podem experimentar níveis mais elevados de danos atribuídos ao uso de drogas e o empobrecimento representa um risco adicional, pois a perda da capacidade de consumo pode levar jovens à criminalidade, sendo o tráfico e a comercialização de drogas, uma fonte de renda e sustento para o indivíduo e para a família.(20)

A existência de qualquer uma das precariedades relacionadas a qualquer uma das dimensões já sinaliza a necessidade de ações ou reavaliação de programas relacionados à redução de vulnerabilidade dessas famílias.(23) As ações voltadas ao usuário de drogas e à sua família requerem a interação entre diferentes políticas públicas e as intervenções devem vincular-se a políticas universalizantes, para produzir efeitos capazes de transformar os processos de exclusão social que são produtores de iniquidades e vulnerabilidade em processos de inclusão e de saúde.

A análise da vulnerabilidade nessas famílias convida à reflexão da necessidade de implantação de políticas públicas para o enfrentamento do uso de drogas nas comunidades e para a promoção do acesso ao trabalho, à renda e à educação como foco das ações de redução da vulnerabilidade social nas famílias.

Nesse contexto, a Enfermagem destaca-se por desenvolver e produzir atividades relacionadas ao cuidado, à promoção, à prevenção e à recuperação da saúde e o enfermeiro, inserido profissionalmente em todos os níveis de atenção à saúde, tem o importante papel de identificar situações de vulnerabilidade relacionadas ao uso de drogas. O enfermeiro, enquanto membro da equipe multidisciplinar de saúde e responsável, em grande parte, tanto por ações de atenção primária à saúde, quanto por ações específicas de saúde mental, deve atuar de forma integral no cuidado com as famílias dos usuários de drogas, no sentido de prevenir o agravamento do caso e facilitar o acesso aos dispositivos de saúde e assistência social para enfrentamento do abuso de drogas na sociedade.

Conclusão

Embora o Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses seja utilizado em grandes populações, constituindo a limitação deste estudo, a utilização da metodologia de investigação epidemiológica de evento sentinela permitiu obter informações importantes a partir de um número reduzido de casos que refletem a gravidade e a magnitude do abuso de drogas e inclui questões que, a princípio, estariam descobertas pela análise tradicional, ampliando o escopo da Vigilância Epidemiológica. Os resultados apontaram para famílias vulneráveis, quando avaliadas pelo Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses, principalmente em indicadores de longo prazo, como o de escolaridade e o de acesso ao trabalho e à renda. O uso de drogas por longo período, no âmbito familiar, pareceu agravar as condições de vulnerabilidade das famílias. É válido destacar ainda que, a compreensão da vulnerabilidade familiar frente ao abuso de drogas permite ao profissional de enfermagem perceber que a família também precisa de cuidados, de orientações e de estratégias para aliviar o estresse e o sofrimento. Desse modo, poderão propor estratégias que proporcionem o empoderamento do indivíduo para o enfrentamento do abuso de drogas na família.

REFERÊNCIAS

1. Mejía MR, Gallina MR. Vulnerability factors of young people to drug use and the drugs world in an inner city of Rio Grande do Sul. Cad Pedagógico. 2016; 13(2):134-46.
2. Reid CE, Mann KJ, Alfasso R, English BP, King CG, Lincoln AR, et al. Evaluation of a Heat Vulnerability Index on Abnormally Hot Days: an environmental public health tracking study. Environ Health Perspect. 2012; 120(5):715-20.
3. Schumann LA, Moura LB. Vulnerability synthetic indices: a literature integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2015; 20(7):2105-20.
4. Andrea Leite, Flor, W. Drugs, human rights and bioetichs: double vulnerability of drug user in a street situation. Rev Lat Am Bioética. 2017; 17(32-2):1-25.
5. Thomaz GC, Oliveira JF, Bispo TC. Vulnerability of female drugs users: a study with women in prison situation. Rev Enferm Contemp. 2016; 5(2):228-41.
6. Huang G, London JK. Cumulative Environmental Vulnerability and Environmental Justice in California’s San Joaquin Valley. Int J Environ Res Public Health. 2012; 9(5):1593-608.
7. Maciel SC, Melo JR, Dias CC, Silva GL, Gouveia YB. Depressive symptoms in family members of drug-addicts. Psicol Teor Prat. 2014; 16(2):18-28.
8. Sakiyama HM, Padin MF, Canfield M, Laranjeira R, Mitsuhiro SS. Family members affected by a relative’s substance misuse looking for social support: who are they? Drug Alcohol Depend. 2014; 1(147):276-9.
9. Moura NA, Monteiro AR, Freitas RJ. Adolescents using (il)licit drugs and acts of violence. Rev Enferm UFPE. 2016; 10(5):1685-93.
10. Pacheco ME. Public policy and capital social: the Projeto Consultório de Rua. Fractal Rev Psicol. 2014; 16(1):43-58.
11. Rutstein DD, Berenberg W, Chalmers TC, Child CG, Fishman AP, Perrin EB. Measuring the quality of medical care: a clinical method. N Engl J Med. 1976; 294(11):582-8.
12. Santana CJ, Silvino MC, Rosa NM, Almeida EG, Reis LM, Oliveira ML. Potentiality of a sentinel event for epidemiological surveillance of drug abuse. J Nurs UFPE. 2014; 8(12):321-7.
13. Ribeiro M, Duailibi S, Frajzinger R, Alonso AL, Marchetti L, Williams AV, et al. The Brazilian ‘Cracolândia’ open drug scene and the challenge of implementing a comprehensive and effective drug policy. Addiction. 2015; 111(4):571-3.
14. Lima MD, Souza AS, Dantas MF. Social assistance and coping actions crack and other drugs: a debate needed. Rev Interfaces. 2015; 3(11):94-102.
15. Zarzar PM, Jorge KO, Oksanen T, Vale MP, Ferreira EF, Kawachi I. Association between binge drinking, type of friends and gender: A cross-sectional study among Brazilian adolescents. BMC Public Health. 2012; 12:257-62.
16. Silva ER, Ferreira AC, Borba LO, Kalinke LP, Nimtz MA, Maftum MA. Drug use impact in drug addicts’ physical and mental health. Ciênc Cuid Saúde. 2016; 15(1):101-8.
17. Cortes LF, Terra MG, Pires FB, Heinrich J, Machado KL, Weiller TH, et al. Care to users of alcohol and other drugs and the limits of network arrangements. Rev Eletr Enferm. 2014; 16(1):84-92.
18. Reis LM, Hungaro AA, Oliveira ML. Public policies for confronting the use of illicit drugs: social perception in a community. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(4):1050-8.
19. Reis LM, Uchimura TT, Oliveira ML. Socioeconomic and demographic profile in a vulnerable community to the use of drugs of abuse. Acta Paul Enferm. 2013; 26(3):276-82.
20. Feltran GS. The value of the poor: the gamble that cash money can mediate contemporary social conflict. Cad CRH. 2014; 27(72):495-512.
21. Arrioja MG, Galera SA, Torres RA, Gargantua AS, De Avila AM, Morales CF. Risk factors for alcohol consumption in adolescents students. SMAD Rev Eletron Saúde Mental Álcool Drog [Ed. Port]. 2017; 13(1):22-9.
22. Toner P, Velleman R. Initial reliability and validity of a new measure of perceived social support for family members of problem substance users. Addict Res Theory. 2013; 22(2):147-57.
23. Alves H, Escorel S. Marginal mass in Latin America: changes in how poverty is conceptualised and addressed 40 years after the theory. Physis. 2012; 22(1):99-115.