On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.30 no.4 São Paulo July/Aug. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700061
As noções de exclusão e de vulnerabilidade social têm sido utilizadas, no Brasil e no mundo, por pesquisadores, gestores e operadores de políticas sociais, em um esforço de ampliação do entendimento das situações tradicionalmente definidas como pobreza, buscando uma perspectiva ampliada e complementar àquela atrelada à questão da insuficiência de renda. O conceito de vulnerabilidade é delimitado por processos sociais dinâmicos e multigeracionais que envolvem pelo menos três dimensões: exposição a trajetórias de riscos; capacidades internas e externas de reação e possibilidades de adaptação baseada tanto na intensidade do risco quanto na resiliência das pessoas.(1–3)
Ao considerar-se, portanto, a preocupação em não limitar a avaliação da vulnerabilidade à análise da renda, durante a década de 1990, foram construídos, estatisticamente, vários indicadores com o objetivo de compreender a realidade social, por meio de uma medida única, alcançada pela combinação das múltiplas medições das suas dimensões analíticas quantificáveis. Esses instrumentos são apresentados como facilitadores para a formulação de políticas, para a tomada de decisões nas esferas públicas, bem como para a pactuação de indicadores das agendas de políticas públicas nacionais e globais.(2–4)
Indicadores sintéticos são medidas sínteses utilizados para apreender uma determinada realidade social ou dimensões do mundo social. A aplicação dessas medidas se apoia na oportunidade de resumir questões multidimensionais e complexas, com a possibilidade de interpretar resultados de maneira comparada em diversas realidades sociais, acompanhar a evolução da situação e da unidade de referência escolhida, identificar dimensões do curso de vida do indivíduo e da família e monitorar indicadores sociais dos territórios e das condições do ambiente. Por fim, possibilitam a proposição e o direcionamento mais adequado de ações e programas voltados às populações que se encontram em processos de vulnerabilidades e com suas capacidades de resposta reduzidas para a promoção, a proteção e a manutenção da saúde.(4–6)
Estudo de revisão integrativa de literatura, com utilização de descritores controlados nos idiomas inglês e português, identificou 23 índices sintéticos utilizados no Brasil, a partir da análise tanto de dados primários, verificados por meio de pesquisas de campo, quanto de dados secundários, provenientes da base de dados do governo federal e das prefeituras, sob a perspectiva de determinantes sociais da saúde, da situação socioambiental e das condições climáticas, da observação de um território e espaços geográficos específicos e da família e do curso da vida.(3)
O Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses (IVFPR), um indicador sintético de vulnerabilidade, sob a perspectiva da família e do curso da vida, consiste em uma medida indireta da vulnerabilidade social e é construído para determinar a vulnerabilidade de famílias acompanhadas por programas sociais no estado do Paraná. O IVFPR é uma ferramenta de apoio aos municípios para a priorização de famílias que se encontram em piores situações e dá direcionamento às intervenções para cada situação. (3) O Índice foi utilizado como parâmetro para dimensionar o papel das drogas de abuso em seu resultado final.
Estudos apontam uma grande parcela da população mundial afetada, direta ou indiretamente, pelo tráfico, comercialização e pela violência relacionada ao uso de drogas, com repercussões intensas na saúde do indivíduo, na vida da família e na comunidade de convivência.(7,8) Em nível individual, os efeitos do abuso de drogas são graves e o aumento do comportamento de risco e a exclusão social têm repercussões diretas, impedindo que a pessoa tenha uma vida digna e próspera.(9,10)
Nessa perspectiva, o abuso de drogas deve ser discutido no campo de formação dos profissionais de enfermagem, principalmente sobre a prevalência do consumo de drogas em distintos grupos sociais, a utilização de metodologias assistenciais de promoção da saúde, prevenção, cuidado e reinserção social, assim como a qualificação do profissional para atuar no enfrentamento do abuso de drogas na sociedade. A dificuldade da disseminação formal de conhecimento sobre a questão droga é proporcional à amplitude necessária desse conhecimento para uma atuação efetiva nesse campo, e este estudo buscou tornar-se aliado dessa corrente de discussão transversal e interdisciplinar que compreende o abuso de drogas.
A partir do pressuposto que a convivência por longo período com as drogas no ambiente familiar determina o aumento da vulnerabilidade das famílias, o presente estudo se propõe a analisar a interface do fenômeno drogas de abuso e vulnerabilidade social de famílias e pretende responder à seguinte indagação: o abuso de drogas na vida dessas famílias tornou-as mais vulneráveis? Considerando isso, o objetivo do presente estudo foi analisar a vulnerabilidade social de famílias que convivem por tempo prolongado com o comportamento aditivo de um de seus membros.
Estudo transversal, de natureza quantitativa, com série de 29 casos considerados academicamente como evento sentinela para o uso de drogas de abuso.(11) A população estudada constituía-se de indivíduos que atendiam a um conjunto específico de critérios do agravo sentinela sob investigação: trauma físico e uso de drogas de abuso, ou seja, quadro clínico compatível/sinais e sintomas sugestivos ou testes laboratoriais confirmativos de intoxicação por drogas de abuso; atendimento no Hospital Universitário Regional de Maringá no período de abril a setembro de 2014 e vínculo familiar e residência em Maringá-PR.
No presente estudo foi utilizado um evento sentinela desenvolvido e avaliado, de forma acadêmica, para adaptação dessa metodologia à vigilância epidemiológica das repercussões do envolvimento com drogas de abuso na saúde dos usuários e suas famílias e para construção de indicadores mais qualitativos de monitoramento do fenômeno drogas de abuso na sociedade.(11,12)
A coleta de dados foi realizada em domicílio e foram utilizados dois instrumentos, o roteiro para entrevista semiestruturada, com questões referentes à caracterização sociodemográfica e econômica dos participantes da pesquisa e o roteiro do Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses (IVFPR).
O IVFPR foi desenvolvido pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) para avaliar a vulnerabilidade das famílias paranaenses inseridas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal. O índice é composto por 19 indicadores divididos em quatro dimensões: adequação do domicílio (IV1) - domicílio particular ou coletivo, densidade por dormitório, material de construção, água encanada e esgotamento sanitário; perfil e composição familiar (IV2) - responsabilidade pela família, razão entre crianças e adultos, presença de trabalho infantil na família, presença de crianças, adolescentes, adultos e idosos internados, presença de deficientes e idosos e analfabetismo do chefe de família; acesso ao trabalho e renda (IV3) - trabalho dos adultos e renda per capita e condições de escolaridade (IV4) - crianças e adolescentes fora da escola, defasagem idade/série e jovens e adultos sem ensino fundamental.(3)
O índice de cada dimensão apresenta pontuações distintas: IV1 tem maxima de 12; IV 2 tem pontuação máxima de 20; IV3 tem pontuação máxima de 3 e IV4 tem pontuação máxima de 8. O índice de cada dimensão foi calculado com base na soma da pontuação obtida e dividida pela respectiva pontuação máxima, fornecendo valores entre zero e um. O IVFPR foi calculado com base na média aritmética dos índices das quatro dimensões, considerando todas as dimensões com o mesmo peso.(3) O Índice é valorado na forma de um número decimal, que vai de zero a um. Quanto mais próximo de um, mais vulnerável é considerada a família.
Os dados foram compilados em planilha eletrônica no software Microsoft Office Excel 10.0 e analisados por meio de estatística descritiva simples (frequências absolutas e relativas e cálculo das médias e desvio padrão) e medidas de localização central e de dispersão, com cálculo de coeficientes de variação de Pearson. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, parecer n° 458.185/2013.
Encontrou-se um número médio de 4,1 moradores por domicílio, com média de 1,8 crianças e 1,4 idosos. A localização dos domicílios das famílias não apresentou uma distribuição uniforme no município de Maringá. Na região central residiam três famílias e as demais se distribuíram em bairros do entorno ou periféricos, com concentração na região Norte do município (19 ou 65,5%).
A idade dos usuários de drogas variou entre 20 e 65 anos, com média de 40,1 anos. A maioria era do sexo masculino (28 ou 96,6%), solteiro (22 ou 75,9%) e desempregado 15 (51,7%). Dez (34,5%) informaram menos que quatro anos de escolaridade e dois nunca frequentaram a escola.
O álcool foi a droga referida pela maioria à internação hospitalar (28 ou 93,3%), mas treze faziam uso crônico de bebida alcoólica associada a outras drogas e quinze faziam uso diário de drogas e realizavam manobras ilícitas para aquisição da droga. O tempo de uso das drogas de abuso variou de um a cinquenta e seis anos, com média de 20,8 anos e em 16 famílias (55,2%) havia presença de comportamento aditivo familiar, sendo 13 em pais dos eventos sentinela.
Em 17 casos (58,6%), o familiar informou que ocorreu abstinência do uso de drogas, a maioria (11 ou 64,7%), em período inferior a seis meses. As principais causas para a volta ao uso das drogas ou recaídas foram a continuidade do grupo de convívio (amigos), a não mudança de estilo de vida, desilusão amorosa, ausência de acompanhamento e abandono do tratamento de reabilitação social.
Sob a perspectiva da família dos eventos sentinela e de seu curso da vida, o cálculo do IVFPR variou entre zero e 0,4673 (maior vulnerabilidade na amostra estudada) e somente 10,3% das famílias não estavam em vulnerabilidade social (Tabela 1).
Dimensão | n(%) | |
---|---|---|
IVFPR* | ||
0,4000 a 0,4673 | 3(10,3) | |
0,3000 a 0,3999 | 5(17,2) | |
0,2000 a 0,2999 | 8(27,6) | |
0,1000 a 0,1999 | 5(17,2) | |
0,0001 a 0,0999 | 5(17,2) | |
0,0000 | 3(10,3) | |
IV1† | ||
0,4167 | 5(17,2) | |
0,3333 | 1(3,4) | |
0,2500 | 1(3,4) | |
0,1667 | 5(17,2) | |
0,0000 | 17(58,6) | |
IV2‡ | ||
0,3500 | 1(3,4) | |
0,3000 | 6(20,7) | |
0,2000 | 6(20,7) | |
0,1000 | 11(37,9) | |
0,0000 | 5(17,2) | |
IV3§ | ||
0,7692 | 3(10,3) | |
0,6154 | 1(3,4) | |
0,5385 | 4(13,8) | |
0,3846 | 3(10,3) | |
0,3077 | 4(13,8) | |
0,2308 | 2(6,9) | |
0,1538 | 6(20,7) | |
0,0000 | 6(20,7) | |
IV4‖ | ||
0,7500 | 1(3,4) | |
0,5000 | 2(6,9) | |
0,2500 | 21(72,4) | |
0,0000 | 5(17,2) | |
Total de famílias | 29(100) |
*Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paraenses;
†Adequação do domicílio;
‡Perfil e composição familiar;
§Acesso ao trabalho e renda;
‖Condições de escolaridade
A dimensão “adequação do domicílio” obteve maior número de famílias sem indicação de vulnerabilidade (58,6%) e a dimensão “perfil e composição familiar” apresentou a menor variabilidade do índice, com pontuação maxima de 0,3500, enquanto a dimensão “acesso ao trabalho e renda” foi a dimensão com maior pontuação (0,7692). A maioria das famílias (72,4%) apresentou índice de 0,25 na dimensão condições de escolaridade.
O IVFPR, IV3 e IV4 apresentam distribuição praticamente simétrica. Com diferença máxima entre a média e a mediana de 3,5% para o IV3. O IV1 e o IV2 apresentaram assimetria positiva (média > mediana), indicando que existe um conjunto de famílias com alto índice de vulnerabilidade, superestimando a média (Tabela 2).
Estatísticas | Indices | ||||
---|---|---|---|---|---|
IV1† | IV2‡ | IV3§ | IV4‖ | IVFPR* | |
Média | 0,1207 | 0,1534 | 0,3050 | 0,2414 | 0,2051 |
Mediana | 0,0000 | 0,1000 | 0,3077 | 0,2500 | 0,2087 |
Máximo | 0,4167 | 0,3500 | 0,7692 | 0,7500 | 0,4673 |
Mínimo | 0,0000 | 0,0000 | 0,0000 | 0,0000 | 0,0000 |
Percentil 25 | 0,0000 | 0,1000 | 0,1538 | 0,2500 | 0,0885 |
Percentil 75 | 0,1667 | 0,2000 | 0,5385 | 0,2500 | 0,2926 |
Percentil 95 | 0,4167 | 0,3000 | 0,7692 | 0,5000 | 0,4015 |
Desvio padrão | 0,1645 | 0,1085 | 0,2454 | 0,1564 | 0,1283 |
Coeficiente de variação de Pearson (CV) | 136,2900 | 70,7300 | 80,4600 | 64,7900 | 62,5500 |
*Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paraenses;
†Adequação do domicílio;
‡Perfil e composição familiar;
§Acesso ao trabalho e renda;
‖Condições de escolaridade
O coeficiente de variação de Pearson (CV(%)), dado pelo quociente entre o desvio padrão e a média, mostra que todas as dimensões e o IVFPR apresentam grande heterogeneidade, sendo CV (%) > 30,0%, com distinção para o IV3, no qual CV (%) > 80,0% e o IV1, no qual o CV (%) > 136,0%. Esse resultado do IV1 é explicado pelo fato de 17 famílias (58,6%) apresentarem IV1 = 0,00 e cinco famílias (17,2%) apresentarem índice de 0,4167, aumentando o valor do desvio padrão.
Metade das famílias analisadas apresentaram IVFPR menor ou igual a 0,2087 e cerca de 25,0% das famílias apresentaram IVFPR maior que 0,2926. As dimensões que mais contribuem para o IVFPR médio são IV3 e IV4, com, respectivamente, 37,1% e 29,4%, mostrando a grande importância do acesso ao trabalho, à renda e à escolaridade. A dimensão IV1 (adequação domiciliar) contribui em 14,7% e a dimensão IV2 (perfil e composição familiar) contribui com 18,7% para o IVFPR.
Os dados da tabela 3 correspondem à matriz de correção de Pearson entre os índices das quatro dimensões e o IVFPR.
Índices | IV1† | IV2‡ | IV3§ | IV4‖ | IVFPR* |
---|---|---|---|---|---|
IV1† | 1 | 0,131 | 0,292 | 0,372 | 0,695¥ |
IV2‡ | 0,131 | 1 | 0,537¥ | 0,186 | 0,562¥ |
IV3§ | 0,292 | 0,537¥ | 1 | 0,465** | 0,831¥ |
IV4‖ | 0,372 | 0,186 | 0,465¥ | 1 | 0,704¥ |
IVFPR* | 0,695¥ | 0,562¥ | 0,831¥ | 0,704¥ | 1 |
*Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paraenses;
†Adequação do domicílio;
‡Perfil e composição familiar;
§Acesso ao trabalho e renda;
‖Condições de escolaridade;
¥Valor estatisticamente significante p-value < 0,01 em teste bicaudal;
**Valor estatisticamente significante p-value < 0,05 em teste bicaudal
Observa-se que a dimensão “acesso ao trabalho e renda” apresenta a maior correlação com o IVFPR (0,831), mostrando que quanto maior a vulnerabilidade da família na dimensão de acesso ao trabalho e renda, maior é o IVFPR da família, confirmando que é essa dimensão que mais influencia o IVFPR, seguido pela dimensão de condições de escolaridade, com correlação de 0,704. A dimensão “perfil e composição familiar” exibe a menor correlação, sendo, portanto, a dimensão que menos influencia o IVFPR das famílias.
A correlação entre IV3 e IV2 é a maior, mostrando que famílias com condições de trabalho e renda pior apresentavam uma pior composição familiar (0,537). Da mesma forma, verifica-se que a correlação entre IV3 e IV4 apresentava a segunda maior correlação. Apesar de a correlação se apresentar na faixa regular (0,465), mostra-se estatisticamente diferente de zero (p<0,05).
Como qualquer outra proposta de medição de situações complexas, a análise presente nesse texto está sujeita às limitações das escolhas feitas sobre os componentes e os pesos dados a cada condição do índice sintético utilizado. O seu uso requer uma análise de suas limitações e potencialidades, mas sua aplicação permite interpretar resultados de maneira comparada com a análise de tendência de uma realidade social, como acompanhamento de dimensões do curso de vida do indivíduo, das condições de vida nos domicílios e arranjos domiciliares.(2–4)
Considerando a especificidade do grupo estudado, a priori, os eventos sentinela apresentavam características de vulnerabilidade individual: desempregados; com baixa escolaridade; uso diário de drogas e manobras ilícitas para aquisição da droga. No entanto, três situações são demarcadoras da influência do individual (dos usuários) para o coletivo (das famílias): comportamento aditivo por mais de 20 anos, acima da média nacional, que é de 13 anos;(7) ciclo de abstinência e recaídas e vítimas de vários episódios de agressão física e acidentes de trânsito.
Articulando internação hospitalar, trauma físico e intoxicação por drogas de abuso e entendendo a internação por trauma físico como evento evitável no ciclo de abstinência e recaídas dos indivíduos, cujas famílias já poderiam ter sido assistidas por políticas publicas, o estudo investigou eventos sentinela e encontrou longo período de uso de drogas no contexto familiar e discutiu que a investigação e avaliação desses eventos sentinela poderiam colaborar na elaboração de campanhas de prevenção do uso de drogas, com vistas à quebra da cadeia de risco e redução de consumo em espaços loco regionais.(12–14)
Na família a situação complica-se com o avanço da dependência, pois a ruptura social leva o consumidor a se utilizar de manobras ilícitas: mentiras recorrentes; roubos; violência; prostituição e gravidez indesejada. Essas situações são comuns entre os relatos de dependentes químicos, que, após o rompimento dos vínculos familiares, passam a viver em situação de rua, expostos aos riscos da prostituição, marginalidade e da exclusão social, com comprometimento significativo da escolarização e acesso ao trabalho e renda.(15,16)
No Brasil, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estabelece pontos de atenção para o atendimento a pessoas com problemas mentais, incluindo os efeitos nocivos do uso de álcool e outras drogas, entretanto, a maior parte das famílias desconhecia esses serviços e utilizava apenas aqueles de atenção às urgências em saúde, de urgências psiquiátricas e hospitais psiquiátricos. O acesso das famílias aos serviços de saúde poderia representar a oportunidade para o profissional de saúde programar ações voltadas à prevenção do uso de drogas e à diminuição das repercussões do uso nocivo no âmbito familiar.(17)
Outrossim, a concentração dos domicílios investigados aconteceu em bairros que se configuram como comunidades com indicadores elevados de violência relacionados ao consumo de drogas de abuso(18) e a literatura aborda o consumo de drogas como uma ocorrência não uniforme socialmente, pois a gravidade do uso está presente, principalmente, em comunidades e famílias com elevada vulnerabilidade social.(16,19,20)
O IVFPR apontou o elevado índice de vulnerabilidade social dessas famílias, com uma pontuação máxima de 0,4673 em uma escala de zero a 1. Observou-se que quanto maior a vulnerabilidade dessas famílias em relação às condições de escolaridade, maior a vulnerabilidade com relação ao acesso ao trabalho e renda, ou seja, a carência do acesso ao trabalho e à renda e as baixa escolaridade contribuem substancialmente para a vulnerabilidade familiar, dados semelhantes aos encontrados em outros municípios do mesmo estado.(3) Essas famílias apresentam fragilidades em indicadores de longo prazo, como baixa escolaridade e qualificação profissional interna, e que somado à precariedade no acesso aos serviços de atenção psicossocial para enfrentamento do uso de drogas de abuso, parece indicar uma relação entre os anos de enfrentamento e sofrimento decorrente do uso de drogas no contexto familiar e a vulnerabilidade social.
As famílias investigadas no presente estudo residem em um Estado da Federação com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,749 e em município com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) “muito alto”, igual a 0,808, ocupando o 23° lugar no ranking nacional e o 2° no ranking estadual. No estado do Paraná, existem 580.742 famílias com renda mensal total de até três salários mínimos, correspondendo a 19,4% do total de famílias no estado.(3) No entanto, percentual bem maior foi encontrado nas famílias em estudo.
Ao avaliar as famílias paranaenses, identificouse 56,5% de famílias com dificuldades de acesso ao trabalho e renda e 32,6% de famílias com adultos em defasagem escolar.(3) Neste estudo, esses percentuais correspondem a 79,3 % e 82,8%, respectivamente, denotando maior vulnerabilidade social das famílias estudadas.
A correlação entre as dimensões indicou que, quanto maior a vulnerabilidade da família em relação às condições de escolaridade, maior a vulnerabilidade com relação ao acesso ao trabalho e renda. Esses dados indicam famílias em maior vulnerabilidade quando comparadas à população analisada no Paraná.(3) A baixa escolaridade dos responsáveis pela família é elencada como um dos fatores para iniciação do uso de drogas na família e o nível de escolaridade, incompatível para idade, pode implicar em menor inserção no mercado de trabalho formal, medido no estudo pela menor disponibilidade financeira e, consequentemente, maior contribuição para a vulnerabilidade social e uso de drogas na família.(21)
A consequência do consumo de drogas, dificilmente, permite ao usuário manter-se no trabalho, levando-o a roubos praticados dentro do lar e ocasionando danos ao patrimônio na sociedade, bem como promovendo situação de rua ou a total dependência da estrutura familiar, e essa situação interfere ainda na conjugalidade e em vários conflitos intrafamiliares oriundos do comportamento aditivo.(8,22) As famílias mais vulneráveis podem experimentar níveis mais elevados de danos atribuídos ao uso de drogas e o empobrecimento representa um risco adicional, pois a perda da capacidade de consumo pode levar jovens à criminalidade, sendo o tráfico e a comercialização de drogas, uma fonte de renda e sustento para o indivíduo e para a família.(20)
A existência de qualquer uma das precariedades relacionadas a qualquer uma das dimensões já sinaliza a necessidade de ações ou reavaliação de programas relacionados à redução de vulnerabilidade dessas famílias.(23) As ações voltadas ao usuário de drogas e à sua família requerem a interação entre diferentes políticas públicas e as intervenções devem vincular-se a políticas universalizantes, para produzir efeitos capazes de transformar os processos de exclusão social que são produtores de iniquidades e vulnerabilidade em processos de inclusão e de saúde.
A análise da vulnerabilidade nessas famílias convida à reflexão da necessidade de implantação de políticas públicas para o enfrentamento do uso de drogas nas comunidades e para a promoção do acesso ao trabalho, à renda e à educação como foco das ações de redução da vulnerabilidade social nas famílias.
Nesse contexto, a Enfermagem destaca-se por desenvolver e produzir atividades relacionadas ao cuidado, à promoção, à prevenção e à recuperação da saúde e o enfermeiro, inserido profissionalmente em todos os níveis de atenção à saúde, tem o importante papel de identificar situações de vulnerabilidade relacionadas ao uso de drogas. O enfermeiro, enquanto membro da equipe multidisciplinar de saúde e responsável, em grande parte, tanto por ações de atenção primária à saúde, quanto por ações específicas de saúde mental, deve atuar de forma integral no cuidado com as famílias dos usuários de drogas, no sentido de prevenir o agravamento do caso e facilitar o acesso aos dispositivos de saúde e assistência social para enfrentamento do abuso de drogas na sociedade.
Embora o Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses seja utilizado em grandes populações, constituindo a limitação deste estudo, a utilização da metodologia de investigação epidemiológica de evento sentinela permitiu obter informações importantes a partir de um número reduzido de casos que refletem a gravidade e a magnitude do abuso de drogas e inclui questões que, a princípio, estariam descobertas pela análise tradicional, ampliando o escopo da Vigilância Epidemiológica. Os resultados apontaram para famílias vulneráveis, quando avaliadas pelo Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses, principalmente em indicadores de longo prazo, como o de escolaridade e o de acesso ao trabalho e à renda. O uso de drogas por longo período, no âmbito familiar, pareceu agravar as condições de vulnerabilidade das famílias. É válido destacar ainda que, a compreensão da vulnerabilidade familiar frente ao abuso de drogas permite ao profissional de enfermagem perceber que a família também precisa de cuidados, de orientações e de estratégias para aliviar o estresse e o sofrimento. Desse modo, poderão propor estratégias que proporcionem o empoderamento do indivíduo para o enfrentamento do abuso de drogas na família.