versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.2 São Paulo abr./un. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140021
Em estágios avançados de doença renal crônica (DRC), grande parte dos pacientes é acometida por complicações, na maioria das vezes correlacionadas às doenças cardiovasculares (DCV), incluindo calcificação vascular e disfunção endotelial.1,2 Acredita-se que a alta concentração de toxinas urêmicas circulantes nesta população pode desencadear uma resposta inflamatória sistêmica e vascular e, desta forma, induzir a disfunção endotelial,3 fator reconhecidamente associado ao desenvolvimento e progressão da DCV.
Estudos desenvolvidos por nosso grupo demonstram que marcadores plasmáticos de ativação endotelial tais como monocyte chemoattractant protein-1 (MCP-1) e vascular adhesion molecule-1 (VCAM-1) estão aumentados e intimamente associados a outros marcadores de inflamação sistêmica nos estágios mais avançados de DRC, como PCR e IL-6. Além disso, estudos in vitro demonstram que a exposição de células endoteliais ao ambiente urêmico aumenta a expressão de MCP-1, interleucina-8 (IL-8) e VCAM-1, sugerindo uma relação entre lesão vascular, inflamação sistêmica e toxicidade urêmica.4
As células endoteliais têm papel importante na regulação do tônus vascular, homeostase, pressão sanguínea e remodelamento vascular, e a habilidade do endotélio em sintetizar e liberar óxido nítrico (NO) constitui um importante regulador destes processos fisiológicos.5 Células endoteliais progenitoras derivadas da medula óssea (EPC) constituem um sistema endotelial endógeno de reparo, protegendo o endotélio do desenvolvimento de aterosclerose. Evidências sugerem que na uremia ocorra uma diminuição na disponibilidade e função das EPC, levando à perda da capacidade de reparo e regeneração do endotélio, contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento de DCV.6
A stromal cell-derived factor-1 (SDF-1) é uma quimiocina de ação pleiotrópica e expressa por vários tecidos, tais como rins, medula óssea, coração, fígado, timo, baço, músculo liso e esquelético, células endoteliais e macrófagos.7-9 Originalmente, a ação da SDF-1 foi relacionada à estimulação de linfócitos T, linfócitos B e monócitos.10 Entretanto, descobriu-se que esta quimiocina desempenha também papel fundamental na patofisiologia de processos como inflamação, angiogênese, cicatrização e agregação plaquetária.9,11-13
Estudos demonstram que quimiocinas como a SDF-1 e IL-8 possivelmente facilitem a migração de EPC para o endotélio lesionado. De fato, a SDF-1 tem sido descrita como indutora de neovascularização e em conjunto com a IL-8 responsável pelo recrutamento de EPC para o tecido isquêmico em DCV, tais como infarto agudo do miocárdio.14,15 Recentemente, alguns trabalhos vêm demonstrando que na DRC níveis plasmáticos de SDF-1 estão aumentados, correlacionando-se com níveis diminuídos de EPCs.16 Estes achados apontam para um possível papel benéfico da SDF-1 no reparo da lesão endotelial.
A partir deste panorama, hipoteticamente sugerimos que, na DRC a exposição constante do endotélio às toxinas urêmicas, com consequente dano vascular, leve a liberação de quimiocinas envolvidas na sinalização e reparo tecidual. Desta forma, o objetivo do presente trabalho foi investigar os efeitos do soro urêmico na expressão in vitro de SDF-1 e IL-8 e estudo clínico envolvendo pacientes com DRC em estágio 5 em hemodiálise (HD).
Os pacientes objetos do estudo foram selecionados a partir de uma amostra populacional que contava com 104 pacientes renais crônicos em tratamento por HD de um único centro de terapia renal substitutiva na cidade de Curitiba - PR. Após a aplicação de critérios de inclusão e exclusão listados abaixo, foram finalmente selecionados 26 pacientes para participarem do estudo. Todos os pacientes estavam em programa crônico de HD e realizavam três sessões de HD por semana (3,5 a 4 horas por sessão), utilizando membranas de diálise de polissulfona, e dialisato com concentração final de bicarbonato de sódio de 32 mEq/L e cálcio 3,5 mEq/L. Foram excluídos pacientes em programa de diálise peritoneal, pacientes que realizavam sessões de HD por meio de cateter venoso central como acesso vascular, portadores de doença infecciosa ou inflamatória crônica grave, doenças malignas, doença hepática ativa, doenças autoimunes, uso de imunossupressores ou anti-inflamatórios nos últimos 3 meses antes da inclusão no estudo, e aqueles que apresentaram evento cardiovascular (i.e., infarto agudo do miocárdio, angina instável, acidente vascular cerebral ou revascularização do miocárdio) 3 meses antes do início do estudo.
Todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado aceitando participar do presente estudo e o protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Paraná (registro CEP/SD: 974.079.10.07). Para efeito de comparação, utilizou-se como grupo controle amostras de soro de indivíduos adultos saudáveis (n = 10).
Durante o recrutamento dos pacientes, foram coletados os dados clínicos e demográficos por meio da entrevista e exame físico realizados no dia da avaliação inicial e análise dos registros do prontuário médico. Os seguintes dados foram utilizados: idade, sexo, raça, comorbidades, etiologia primária de DRC, tempo de diálise, % de pacientes em uso de estatina, vitamina D e aspirina.
As amostras de sangue foram coletadas imediatamente antes da primeira sessão de HD da semana, centrifugadas e estocadas a -80 ºC. No início do estudo, foram mensurados os níveis séricos de colesterol total, colesterol frações LDL e HDL, triglicérides, hemoglobina, albumina, cálcio total, fósforo, hormônio da paratireoide (PTH), fosfatase alcalina e PCR em todos os pacientes.
A avaliação de proteína-C reativa (PCR) foi realizada pelo método imunoturbidimétrico automatizado de ultrassensibilidade (ADVIA Sistema Química 1200, Siemens Healthcare, Deerfield, Illinois, EUA), com limite de detecção de 0,5 a 15 mg/L. A dosagem de IL-6 foi realizada pelo método de Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA) sandwich (R&D Systems, Minneapolis, USA), com limite de detecção do método de 0,5 a 15 mg/L. As dosagens de SDF-1 foram realizadas utilizando-se o método de ELISA (R&D Systems, Minneapolis, EUA), com limite de detecção do método de 1,0 pg/ml a 47 pg/ml. As absorbâncias foram detectadas em leitor de microplaca (Tecan, North, Caroline, USA) a 570 nm. As dosagens de IL-8 foram realizadas utilizando-se o método de ELISA in house (anticorpos R&D Systems, Minneapolis, USA), com limite de detecção de 31,25 a 2.000 pg/ml. As absorbâncias foram detectadas em leitor de microplaca (Tecan, North, Caroline, USA) a 570 nm. Os coeficientes de variação intra e interensaio para IL-8 foram de 8,0% e 7,7%, respectivamente.
Os cordões umbilicais foram coletados logo após o nascimento e processados dentro de 24 horas. As células endoteliais foram extraídas e cultivadas de acordo com Jaffe et al.17 adaptado.4 Brevemente, o cordão umbilical foi canulado, lavado com tampão salino fosfato (PBS) (Sigma-Aldrich, USA) e perfundido com colagenase tipo II (Sigma-Aldrich, USA) a 0,3% em PBS por 7 minutos, a 37 ºC. A suspenção foi centrifugada e ressuspendida e o pellet ressuspendido em meio 199 (Gibco, Grand Island, NY, USA), suplementado com glutamina 2 mM (Gibco, Grand Island, NY, USA), soro fetal bovino (SFB) (Gibco, Grand Island, NY, USA) 10%, heparina 5.000 UI/ml (Sigma-Aldrich, USA), hidrocortisona 0,5 mg/ml (Sigma-Aldrich, USA), endothelial cell growth suplement 15 g/ml (Sigma-Aldrich, USA), β-endothelial cell growth factor human 25 µg/ml (Sigma-Aldrich, USA), penicilina 10.000 UI/ml e estreptomicina 50 µg/ml (Gibco, Grand Island, NY, USA). As HUVEC foram cultivadas até subconfluência em frascos de cultivo de 25 cm2 pré-tratados com gelatina 1% (Sigma-Aldrich, USA) e incubados a 37 ºC em atmosfera de 5% de CO2. As células foram utilizadas para os experimentos entre as passagens 3 e 4, quando então foram tripsinizadas com tripsina-EDTA 0,25% (Sigma-Aldrich, USA) e subcultivadas em placas de 96 poços (10.000 células/ml/poço) pré-tratadas com gelatina 1% nas mesmas condições descritas acima. A origem endotelial foi confirmada pela morfologia celular e através de imunocitoquímica com o anticorpo monoclonal anti-CD31 (Dako Cytomation, Glostrup, Dinamarca).
Para preparo do meio urêmico e do meio saudável, foram utilizados os soros dos pacientes/indivíduos na forma de pool. Para tanto, volumes iguais de soro de todos os pacientes da amostra (i.e., n = 26) formaram um único pool urêmico, assim como volumes iguais de soro de indivíduos saudáveis (i.e., n = 10) formaram um único pool controle.
As HUVEC foram inicialmente cultivadas em placas de 96 poços até atingirem subconfluência quando, então, foram mantidas por um período de 12 horas em meio de supressão (meio 199 acrescido de 3% de SFB), sem a presença de fatores de crescimento. Posteriormente, foram incubadas com o meio saudável (meio 199 + 10% de pool saudável) e ou meio urêmico (meio 199 + 10% de pool urêmico). Foram realizados cinco experimentos em duplicata. Os sobrenadantes foram coletados nos tempos: 0, 6 e 12 horas de cultivo e em seguida estocados a -80 ºC até o processamento. A média de cada duplicata foi utilizada nas análises estatísticas.
O número de células endoteliais foi determinado pela contagem direta em câmara de Neubauer pelo método de exclusão de azul de Trypan (Sigma-Aldrich, USA). Basicamente, após cultivo as células endoteliais foram tratadas com meio urêmico e meio saudável nas mesmas condições descritas acima, tripsinizadas e ressuspendidas em 1 ml de meio 199. Em seguida, 10 µL da suspensão foram acrescidos de 10 µL de solução de azul de Trypan 0,4%, quando, então, foi realizada a contagem em câmara de Neubauer com auxílio de microscopia de luz (Nikon, Tokyo, Japan). As células que assimilavam o corante eram consideradas inviáveis e o número de células viáveis era calculado por subtração do número de células inviáveis do total de células contadas.18
Neste ensaio as HUVEC (104 células/ml/poço) foram cultivadas em placa de cultivo de 96 poços e submetidas aos mesmos tratamentos anteriormente descritos com volume final de tratamento de 100 µL/poço. O MTT (Sigma-Aldrich, USA) foi solubilizado em PBS na concentração de 5 mg/ml. Posteriormente, a solução de MTT foi diluída na proporção de 1:10 com meio MEM 199 (concentração final de 0,5 mg/ml), e adicionada às células (100 µL/poço). A placa foi incubada por 4 horas a 37 ºC. Após este período, 100 µL de dimetilsulfoxido (DMSO) (Sigma-Aldrich, USA) foram adicionados em cada poço e a absorbância foi mensurada em 570 nm.19
As amostras de sobrenadante foram coletadas nos tempos: 0, 6 e 12 horas de incubação e estocadas a -80 ºC até o processamento. Os níveis de SDF-1 e IL-8 foram mensurados por ELISA como descrito acima.
A análise estatística foi realizada usando os pacotes estatísticos para Windows JMP versão 7.0 (SAS Institut Inc, USA) e SigmaStat versão 3.5 (Systat software, Inc., Germany). Os dados foram apresentados como médias ± erro padrão médio (EPM) ou mediana (percentis 25 e 75) para dados clínicos e laboratoriais de cada parâmetro analisado, conforme simetria ou não dos dados. Os resultados foram analisados pelo teste t ou one-way ANOVA para dados paramétricos e Mann-Whitney para dados não paramétricos. Para comparações múltiplas entre os grupos, foi utilizado o teste de ANOVA on Rank's seguido pelo teste de Dunnett. As análises de correlações foram efetuadas pelo teste de Spearman (ρ). Um p ≤ 0,05 foi considerado como significativo.
As principais características clínicas e laboratoriais dos 26 pacientes incluídos no estudo estão descritas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.
Tabela 1 Principais características clínicas da população estudada
Parâmetros | |
Número de pacientes | 26 |
Idade (anos) | 52 ± 2 |
Sexo (% homens) | 38 |
Raça (% caucasianos) | 81 |
Comorbidades (%) | |
Diabete mellitus | 11 |
Doenças cardiovasculares | 15 |
Hipertensão | 100 |
Doença renal primária (%) | |
Nefrosclerose hipertensiva | 30 |
Nefropatia diabética | 11 |
Glomerulopatia crônica | 50 |
Outras | 9 |
Vitamina D (% de uso) | 45 |
Estatinas (% de uso) | 30 |
Aspirina (% de uso) | 43 |
Anti-hipertensivos (% de uso) | 100 |
Tempo de diálise (meses) | 17 ± 3 |
Valores expressos em média ± DP.
Tabela 2 Principais características laboratoriais da população estudada
Parâmetros | |
---|---|
Colesterol (mg/dL) | 180 (108-248) |
Colesterol LDL (mg/dL) | 106 (42-176) |
Colesterol HDL (mg/dL) | 44 (21-80) |
Triglicérides (mg/dL) | 150 (73-240) |
Hemoglobina (g/dL) | 11,5 (10,8-12,0) |
Albumina (g/dL) | 3,9 (3,3-4,7) |
Cálcio (mg/dL) | 9,0 (7,6-10,3) |
Fósforo (mg/dL) | 6,7 (4,1-9,6) |
PTH (pg/ml) | 446 (11-1.666) |
Fosfatase alcalina (UI/L) | 149 (65-602) |
kt/V | 1,5 (1,1-1,8) |
PCR (mg/ml) | 4,9 ± 4,8 |
IL-6 (pg/ml) | 6,7 ± 8,1 |
IL-8 (pg/ml) | 128,2 ± 206,2 |
SDF-1 (pg/ml) | 2.625,9 ± 1.288,6 |
Valores expressos em média ± EPM ou mediana (percentis 25 a 75). LDL: Low density lipoprotein; HDL: High density lipoprotein; PTH: Hormônio paratiroideo; PCR: Proteina-C reativa; IL-6: Interleucina-6; IL-8: Interleucina-8; SDF-1: Stromal cell-derived factor-1.
A média de idade foi de 52 ± 2 anos, sendo 38% de homens. Nefroesclerose hipertensiva foi a principal causa de DRC, e todos os pacientes da amostra eram hipertensos. Somente 11% dos pacientes apresentavam o diagnóstico de diabetes mellitus como comorbidade associada. Os pacientes estavam em tratamento com estatinas, aspirina e anti-hipertensivos em 30%, 43% e 100% dos casos, respectivamente.
A mediana dos valores observados para cálcio total, PTH, kt/V, albumina e colesterol total encontrou-se dentro dos valores de referência para pacientes com DRC estágio 5.
As medianas das concentrações séricas dos marcadores de inflamação sistêmica PCR e IL-6 foram, respectivamente, 4,9 ± 4,8 mg/ml e 6,7 ± 8,1 pg/ml. Houve correlação positiva entre PCR e IL-6 (ρ = 0,57, p < 0,005). Para SDF-1 e IL-8, as concentrações foram, respectivamente, 2.625,9 ± 1.288,6 pg/ml e 128,2 ± 206,2 pg/ml. A correlação entre as duas quimiocinas está apresentada na Figura 1 (ρ = 0,455, p < 0,05). Não foram encontradas diferenças significativas entre as medianas das concentrações séricas de SDF-1 e IL-8 considerando as variáveis sexo, raça, doença renal primária e comorbidades. (dados não mostrados). Para o grupo controle, os valores séricos de SDF-1 e IL-8 foram 1.996,6 ± 259,7 pg/ml e 55,1 ± 33,9 pg/ml, respectivamente. Não houve diferença significativa entre os níveis séricos destas duas quimiocinas entre os pacientes em HD e o grupo controle.
A análise da viabilidade celular através do método de exclusão pelo Azul de Trypan mostrou 95% de viabilidade para as HUVEC sem tratamento (grupo controle, células cultivadas com meio normal), 90% de viabilidade para as HUVEC tratadas com meio saudável e 84% de viabilidade para as células tratadas com meio urêmico. Não houve diferença significativa entre os tratamentos quando comparados ao grupo controle.
A análise da viabilidade celular por meio do MTT não mostrou diferenças significativas (teste t ou one-way ANOVA) entre os tratamentos com meio de cultivo normal, meio saudável ou meio urêmico para todos os tratamentos aplicados.
A Figura 2 mostra o efeito do ambiente urêmico na expressão in vitro de SDF-1 (A) e IL-8 (B) (pg/ml) pelas HUVEC. Após 6 horas de tratamento, há uma menor expressão de SDF-1 quando as HUVEC são tratadas com meio urêmico (p < 0,05) em comparação ao tratamento com meio saudável (teste t ou one-way ANOVA). Para IL-8 após 12 horas de tratamento, há um aumento significativo de IL-8 quando as HUVEC são tratadas com meio urêmico em comparação ao tratamento com meio saudável (p < 0,005).
Figura 2 A: Expressão in vitro de SDF-1 (pg/ml) pelas HUVEC antes e após (0 e 6 horas) tratamento com meio urêmico (HD). * p < 0,05 - Controle 6 horas vs. HD 6 horas (teste t); B: Expressão in vitro de IL-8 (pg/ml) pelas HUVECs antes e após (0 e 12 horas) tratamento com meio urêmico (HD). * p < 0,005 - Controle 12 horas vs. HD 12 horas (teste t).
Durante a última década, vários trabalhos vêm demonstrando a ação das toxinas urêmicas como efetoras da disfunção endotelial, contribuindo para a progressão da DCV nos pacientes com DRC.20-22 Pacientes com DRC apresentam um desequilíbrio na vasodilatação endotélio dependente e níveis circulantes aumentados de marcadores de disfunção endotelial e estresse oxidativo. Além disso, apresentam um balanço anormal entre lesão celular ocasionada pela toxicidade urêmica e reparo tecidual (representado pela diminuição de migração de EPC), ocasionando grave injúria endotelial.23 Os principais achados do presente trabalho demonstram níveis séricos aumentados das quimiocinas IL-8 e SDF-1, marcadores de lesão e regeneração tecidual respectivamente, em pacientes em HD. De forma oposta, demonstrou-se, ainda, que in vitro, quando células endoteliais são tratadas com soro urêmico, apresentam expressão diminuída de SDF-1, porém, aumentada de IL-8, sugerindo uma possível ligação entre ativação vascular e reparo tecidual nestes pacientes.
A população incluída neste estudo compreendia pacientes em HD, com glomerulopatia crônica, nefrosclerose e nefropatia diabética como principais causas de DRC, e alta prevalência de fatores de risco para DCV, tais como hipertensão. Quanto ao uso de medicamentos, 45% estavam em uso de vitamina D, 30% em uso de estatinas, 43% em uso de aspirina e 100% em uso de anti-hipertensivos. Não foram observadas diferenças significativas entre a população estudada e outros estudos prévios desenvolvidos em pacientes em HD,24,25 excetuando-se a baixa prevalência de diabetes mellitus e dislipidemia observada em nosso estudo. Os níveis séricos de marcadores de inflamação sistêmica, tais como PCR e IL-6, estavam aumentados, e também foram similares aos encontrados em outros estudos, demonstrando que a inflamação sistêmica é um achado comum nos pacientes em HD.26,27 Ainda, os níveis das quimiocinas SDF-1 e IL-8 também estavam em concordância com outros estudos prévios.4,16,28,29
O endotélio vascular tem sido reconhecido como um órgão endócrino complexo, que regula diversas funções fisiológicas, tais como tônus vascular, migração e crescimento de células de músculo liso, permeabilidade vascular a solutos e células sanguíneas, regulação da homeostase, entre outras funções.30,31 A disfunção endotelial pode ser mais amplamente definida como um estado pró-inflamatório e pró-trombótico32 e é um achado frequente nos pacientes com DRC em virtude da constante exposição do endotélio a toxinas urêmicas, sendo considerada como precursora na patogênese da aterosclerose e doença arterial obstrutiva33,34 Desta forma, pode-se dizer que nestes pacientes tais patologias são intimamente relacionadas, mas, sobretudo, mutuamente afetadas uma pela outra.35 De fato, em resposta a injúria celular, recentemente demonstramos em estudos in vivo e in vitro, que a exposição do endotélio ao plasma urêmico em tempo e níveis de uremia dependentes, aumenta a expressão de MCP-1, VCAM-1 solúvel (sVCAM-1) e IL-8, sugerindo uma ligação entre ativação vascular e toxicidade urêmica.4 Alguns estudos, ainda, sugerem que em pacientes com DRC, ocorra uma resposta angiogênica deficiente em virtude da diminuição da produção de células tronco mesenquimais mediada pela quimiocina SDF-1, vascular endothelial growth factor (VEGF) e VEGF receptor 1 (VEGFR1).36
O SDF-1 é um importante fator angiogênico liberado na circulação em processos inflamatórios e responsável pela mobilização de EPC da medula óssea para a circulação. O presente estudo demonstra que em pacientes em HD os níveis séricos de SDF-1 estão aumentados quando comparados a controles saudáveis, correlacionando-se positivamente com a IL-8. Tal correlação ocorre em paralelo ao aumento dos marcadores de inflamação sistêmica PCR e IL-6. Em concordância com nossos dados, Jie et al.,6 em estudos envolvendo pacientes com diferentes graus de DRC, sugeriram que mesmo nos estágios iniciais de DRC, a regeneração vascular é deficiente, com níveis de células musculares progenitoras aumentadas de acordo com o declínio da função renal; isto se dá concomitantemente a um aumento nos níveis plasmáticos de SDF-1. Ainda trabalhos demonstram que após transplante renal os níveis de EPC se restabelecem em paralelo ao declínio dos níveis de SDF-1, demonstrando claramente o papel da uremia na injuria celular e na regulação nos níveis de SDF-1.37
No que se refere à ativação da resposta vascular e produção de IL-8, nossos dados in vitro confirmam os resultados in vivo, e verificamos que as células endoteliais expostas ao ambiente urêmico respondem aumentando os níveis desta quimiocina, confirmando a uremia como efetora da injúria celular. De forma oposta, os resultados in vitro demonstram que a expressão de SDF-1 é diminuída em células endoteliais após exposição ao meio urêmico quando comparada às células expostas ao meio saudável, sugerindo que a uremia atue de certa forma inibindo a expressão desta quimiocina. De fato, Noh et al.,36 verificaram a interferência da uremia na transcrição do gene CXCL12 (SDF-1), inibindo a síntese de RNA mensageiro (mRNA) e consequentemente diminuindo a produção da proteína SDF-1. Ainda, Zaza et al.38 observaram em estudos genômicos em células polimorfonucleares (PMN) de pacientes em HD, que a expressão do gene CXCL12 está diminuída, o que poderia resultar em acúmulo de células PMN senescentes na circulação.
Nossos resultados in vitro demonstram que após 6 horas de exposição ao meio urêmico as células endoteliais apresentam níveis de SDF-1 diminuídos quando comparados às células tratadas com meio saudável. Em parte, este resultado pode ser explicado em virtude da SDF-1 ser produzida também por outras células, tais como células de medula óssea, coração, fígado, timo, baço, músculo liso e esquelético, macrófagos e rins, além de células endoteliais, atuando de forma pleiotrópica;7,8,39 esta produção múltipla certamente reflete os níveis séricos de SDF-1 encontrados nos pacientes. Ainda, alguns estudos demonstram que após infarto agudo do miocárdio, grande parte do processo angiogênico subsequente é devido à ação conjunta de SDF-1 e IL-8 no recrutamento de EPC para o local da lesão.14,15 Estes achados poderiam explicar a má adaptação vascular encontrada nos pacientes com DRC após eventos isquêmicos.40,41
Concluindo, com base em nossos resultados in vivo demonstramos que a ação da uremia em pacientes em HD pode estar associada a danos vasculares intensos, refletindo os níveis circulantes aumentados das quimiocinas IL-8 e SDF-1, o que sugere uma correlação entre disfunção endotelial e reparo tecidual. Entretanto, nosso estudo limitou-se a um número pequeno de pacientes e entendemos que estudos com um maior número de pacientes e ensaios adicionais in vitro são necessários para avaliar quais a possíveis causas na diminuição nos níveis in vitro de SDF-1.