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Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012

Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012

Autores:

Daiane Borges Machado,
Darci Neves dos Santos

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

versão impressa ISSN 0047-2085

J. bras. psiquiatr. vol.64 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000056

ABSTRACT

Objectives

To identify the causes, the profile of the victims, and the mortality in the last 13 years, investigating the assistance and socioeconomic changes that may have influenced this outcome.

Methods

It was used data from the Mortality Information System, Ripsa, and Datasus. The proportions of causes of suicide were calculated according to the ICD10 categories X60-X84, stratifying by injuries (X70-X84) and self-intoxication (X60-X69). It was analyzed the incidence by race, color, education and age, from 2000 to 2012. It was compared variations in suicide mortality with regional changes in coverage indicators, socioeconomic and demographic characteristics.

Results

The major causes of suicide were hanging, injury by firearms and self-intoxication by pesticides. The most affected were the least educated, indigenous (132% higher than the overall population), people over 59 years (29% higher). Rates among men are three times higher than among women in all regions, though, has greater growth among women (35%). The highest mortality rate was found in the South (9.8/100,000) and the highest growth in the Northeast (72.4%) region.

Conclusion

Mortality from suicide continues to grow in the country, but with significant regional variations. Health care also presents regional inequities, with significant gaps in health services. Brazil still lacks government programs that work effectively in suicide prevention. It is considered necessary to build a national prevention strategy focusing on populations at greatest risk identified: Indians, people with less education, men and people over 60 years old. Besides it is necessary to expand surveillance on illegal marketing of pesticides.

Key words: Suicide; suicide causes; regional differences; healthcare

INTRODUÇÃO

O suicídio é uma das principais causas de morte no mundo, com 1 milhão de óbitos anuais por esse evento1. Isso equivale a dizimar a população de Salvador em um período de três anos ou a de São Paulo em 10 anos. Com mortalidade mundial de 16 óbitos por 100.000 habitantes, o suicídio torna-se um importante problema de saúde pública1, apresentando tendência ao crescimento nas próximas décadas2.

O Brasil, desde 1960, atravessa uma transição epidemiológica, na qual os óbitos por causas externas estão em crescimento em substituição às doenças infecciosas e parasitárias. O crescimento nas taxas de suicídio tem contribuído com essa tendência, sendo essa a terceira causa de óbito por fatores externos identificados: homicídio (36,4%), óbitos relacionados ao trânsito (29,3%) e suicídio (6,8%)3.

No entanto, a mortalidade por suicídio no Brasil pode ser ainda maior tendo em vista a subnotificação4,5, decorrente do estigma social que favorece a omissão de casos6. Apesar das subnotificações, registraram-se 158.952 óbitos por suicídio no país entre 1980 e 2006. Elevando-se em aproximadamente 30%, a taxa de suicídio passou de 4,4 para 5,7 óbitos por 100.000 habitantes nesse mesmo período7.

O suicídio é predominante no sexo masculino. A razão entre os sexos varia mundialmente de 3,0:1 a 7,5:1, com exceção da Índia e China, onde a razão de homens por mulheres é de 1,3:1 e 0,9:1, respectivamente2. No Brasil, a ocorrência também é expressivamente maior entre homens4,7-12, corroborando a tendência mundial de que os homens são três vezes mais propensos do que as mulheres a cometer suicídio6,13.

Além das diferenças de gênero e idade, outros fatores se relacionam com a ocorrência de suicídio, já que esse fenômeno resulta de uma complexa rede de interação biológica, genética, psicológica, sociocultural e econômica1. Estudos populacionais têm evidenciado que os fatores desigualdade social, baixa renda e desemprego, bem como escolaridade, influenciam a ocorrência desse desfecho. Uma possível explicação é que a posição socioeconômica promove distintos padrões materiais de vida, com diferentes níveis de exposições a fatores de risco ambientais e de acesso a recursos, alterando inclusive fatores comportamentais e psicossociais como percepção de violência, sentimentos de privação e stress. Dessa forma, os fatores econômicos influenciam a saúde do indivíduo, inclusive a saúde mental14-16.

Portanto, a identificação exclusiva dos fatores de risco individual contribui para compreender as escolhas do indivíduo, no entanto não consegue explicar as variações regionais das taxas de suicídio. Já o conhecimento das características locais que impactam na mortalidade torna-se importante para orientar programas de proteção e prevenção da ocorrência.

A perda humana e o impacto social do suicídio têm consequências materiais e psicológicas para familiares, amigos e demais indivíduos da rede de relações pessoais do morto. Em nível macrossocial, o suicídio contribui para perdas socioeconômicas. Grande parte das vítimas pertence ao grupo populacional economicamente ativo6. Inclui-se ainda o impacto sobre os serviços de saúde, pelo incremento de gastos com atendimentos ambulatoriais, cuidados de emergência e tratamento de sequelas dos sobreviventes.

Para reduzir o impacto dessas mortes consideradas preveníveis e desnecessárias, países como o Brasil devem focar nos programas de prevenção e estes devem ser embasados no conhecimento sobre fatores de riscos locais. Sendo um país desigual, o Brasil exibe importantes diferenças regionais. Portanto, não seria possível tratar a mortalidade por suicídio como um fenômeno único no país.

Considerando o suicídio um importante problema de saúde pública ainda pouco abordado no Brasil, o presente estudo teve como objetivos: identificar as causas; descrever o perfil das pessoas que cometem suicídio no Brasil; analisar a mortalidade no país e regiões, examinando as diferenças de gênero e idade; assim como mapear mudanças socioeconômicas e assistenciais nas cinco regiões brasileiras, comparando-as com as mudanças na mortalidade por suicídio.

MÉTODOS

Realizou-se estudo descritivo investigando-se as causas de suicídio, o perfil das pessoas que cometeram suicídio e a tendência da mortalidade no Brasil e regiões no período de 2000 e 2012.

Fonte de dados

Os dados de mortalidade foram coletados do Sistema de Informações sobre Mortalidade brasileira (SIM), Datasus. Para descrever as características inter-regionais, foram utilizados os Indicadores e Dados Básicos para a Saúde (IDB), da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA), Datasus, entre os anos de 2000 e 2010, anos censitários, e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Censos Demográficos.

Definição de variáveis

Foram considerados como suicídio todos os óbitos causados com essa intencionalidade pelo próprio indivíduo, segundo a Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão17, códigos X60 a X84.

Avaliou-se a incidência de suicídio por raça/cor por meio do cálculo da mortalidade entre os autodeclarados como brancos, pretos, amarelos, pardos e indígenas nos anos de 2000 e 2012. A análise por nível de escolaridade foi feita com base no cálculo do percentual de pessoas que morreram por suicídio que tinham nenhuma escolaridade ou de 1 a 7 anos de estudo, com 8 a 11 anos de estudo e com 12 ou mais anos de estudo.

A variável taxa de analfabetismo se referiu ao percentual de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem, entre a população total residente da mesma faixa etária. Entre as variáveis socioeconômicas escolhidas, o Índice de Gini mede o grau de concentração da distribuição de renda domiciliar per capita, variando em uma escala de 0 a 1, em que 0 representa os níveis de renda mais iguais e 1, os níveis mais desiguais18; a baixa renda mede a proporção de pessoas da população residente com renda domiciliar mensal per capita de até meio salário-mínimo; a taxa de desemprego mede o percentual da população residente sem trabalho, na faixa etária de 16 anos e mais19; e o índice de envelhecimento mede o número de pessoas de 60 e mais anos de idade, para cada 100 pessoas menores de 15 anos de idade20.

A cobertura de esgotamento sanitário se referiu ao percentual da população residente que dispõe de escoadouro de dejetos através de ligação do domicílio à rede coletora ou fossa séptica, em determinado espaço geográfico, e expressa as condições socioeconômicas regionais e a priorização de políticas governamentais direcionadas ao desenvolvimento social21.

Por fim, a taxa de cobertura Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) mensura a cobertura do atual programa de saúde mental no Brasil por 100.000 habitantes, considerando-se que o CAPS I dá resposta efetiva a 50.000 habitantes, o CAPS II, o CAPS-Infância e o CAPS-Álcool e Drogas dão cobertura a 100.000 habitantes e o CAPS III, a 150.000 habitantes (Ref.: Livro CAPS1), mediante o cálculo da fórmula [(nº CAPS I x 0,5) + (nº CAPS II) + (nº CAPS III x 1,5) + (nº CAPSi) + (nº CAPSad)] / população x 100.00022.

Todas as variáveis referidas foram selecionadas de acordo com alguma associação indicada pela literatura e/ou conforme a disponibilidade das informações no Brasil.

Análises

Para identificar as principais causas de suicídio no país, foram calculadas as proporções de cada causa segundo as categorias da CID-10 (X60-X84) no ano de 2012 e posteriormente estratificadas em causas resultantes de lesões (X70-X84) e causas resultantes de autointoxicações (X60-X69), recalculando-se os percentuais.

Analisou-se a incidência de suicídio por raça/cor por meio do cálculo da mortalidade entre os autodeclarados por cor, e o nível de escolaridade foi calculado pelo percentual de pessoas que morreram por suicídio com até 7 anos de estudo, com 8 a 11 anos de estudo e com 12 de estudo ou mais anos.

Avaliou-se a tendência das taxas de mortalidade por suicídio, por sexo e faixa etária (10 a 24 anos de idade, 25 a 59 anos e mais de 60 anos de idade) no Brasil e por regiões no período de 13 anos, entre 2000 e 2012, ano de divulgação dos óbitos mais recente no Brasil.

Para responder à pergunta sobre quais mudanças socioeconômicas e assistenciais ocorreram concomitantemente com as mudanças na mortalidade por suicídio nas cinco regiões brasileiras, foram comparadas as variações percentuais na mortalidade por suicídio com variações percentuais nos indicadores de cobertura [CAPS, taxa de suicídio, número de consultas médicas do Sistema Único de Saúde (SUS) e cobertura de esgotamento sanitário], socioeconômicas (Índice de Gini, taxa de analfabetismo, proporção de pessoas de baixa renda – até meio salário-mínimo e taxa de desemprego) e demográficas (Índice de envelhecimento), entre os anos de 2000 e 2010, período mais recente disponível.

RESULTADOS

Dados de 2012 revelaram que 86,9% dos óbitos por suicídio decorreram de lesões autoprovocadas (X70-X84) e 13,1%, de autointoxicação (X60-X69). Dentre os primeiros, 75% foram por enforcamento, 11% por armas de fogo, 5% por precipitação de lugar elevado e 3% por lesão com objetos cortantes ou contundentes (Tabela 1). Os pesticidas (X68) predominaram, com 40% das causas de óbitos por autointoxicação, seguidos por 31% por uso de medicamentos diversos, 20% por outros produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas e 4% por exposição intencional a narcóticos e alucinógenos (Tabela 1). O perfil das pessoas que cometem suicídio no Brasil também varia segundo escolaridade, raça/cor, sexo e idade.

Tabela 1 Percentual de suicídios por grupos de causas, 2012 

Lesão autoprovocada % (n)
X70 Enforcamento, estrangulamento e sufocação 75,3 6.687
X72-X74 Armas de fogo 11,1 989
X80 Precipitação de lugar elevado 3,9 347
X78, X79 Objeto cortante, penetrante ou contundente 2,9 254
X84 Meios não especificados 3,1 278
X76 Fumaça, fogo e chamas 2,3 203
X71 Afogamento submersão 1,3 117
Total 100 8.875

Autointoxicação % (n)

X68 Pesticidas 39,7 537
X60, X61, X63, X64 Medicamentos diversos 30,6 414
X69 Outros produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas 20,2 274
X62 Narcóticos e alucinógenos não classificados em outra parte 4,1 55
X65 Álcool 3,0 41
X66 Solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores 1,0 13
X67 Outros gases e vapores 1,5 20
Total 100 1.354

Escolaridade

Observou-se que 75% dos que cometeram suicídio em 2000 possuíam escolaridade precária (até 7 anos de estudo), 15% tinham entre 8 e 11 anos de estudo, enquanto apenas 7,4% frequentaram a escola por 12 anos ou mais. No entanto, essa informação não existia para 42,7% dos casos (3.005 óbitos). Em 2012, permaneceu a mesma tendência de maior incidência de suicídio entre os menos escolarizados (63% com até 7 anos de estudo, 26,6% de 8 a 11 anos e 10,5% com 12 anos ou mais de estudo), havendo, porém, uma redução de quase 17% de não preenchimento da informação sobre nível de escolaridade, apesar de 25,8% das declarações ainda terem esse dado como ignorado (Tabela 2).

Tabela 2 Proporção de óbitos por suicídio segundo escolaridade 

Anos de estudo 2000 % (n) 2012 % (n) Diferença
Até 7 anos 77,5 (2.909) 63 (4.681) -14,5
8 a 11 anos 15,1 (568) 26,5 (1.970) 11,4
12 anos e mais 7,4 (277) 10,5 (782) 3,1
Total 100 (3.754) 100 (7.433)  
Com informação 57,3 (4.031) 74,2 (8.215) 16,9
Ignorado 42,7 (3.005) 25,8 (2.854) -16,9
Total 100 (7.036) 100 (11.069)  

Raça/cor

Os indígenas apresentaram a maior taxa de mortalidade em 2000 (8,6/100.000), seguida pelos amarelos (6,4/100.000) e brancos (5,4/100.000). Em 2012 permanecem os autodeclarados como indígenas com as maiores taxas de suicídio (14,4/100.000), sendo, portanto, 132% maior do que a mortalidade por suicídio geral (6,2/100.000) e apresentando crescimento de 68,7%. Entre os pardos também se elevou a mortalidade por suicídio, de 3,3 em 2000 para 5,9 em 2012, enquanto uma diminuição de 64,7% foi observada entre os amarelos (Tabela 3).

Tabela 3 Taxa de mortalidade por suicídio no Brasil segundo raça/cor e ano 

  2000 2012 Mudança % de mudança
Raça/cor        
 Branca 5,4 6,6 1,2 22,0
 Preta 4,0 4,3 0,3 8,3
 Amarela 6,4 2,2 -4,1 -64,7
 Parda 3,3 5,9 2,6 76,8
 Indígena 8,6 14,4 5,9 68,7
Geral 4,9 6,4 1,4 28,6

Sexo e idade

Entre 2000 e 2012 registraram-se no Brasil 112.103 óbitos por suicídio em maiores de 10 anos e apenas 61 óbitos em menores de 10 anos, os quais não foram incluídos no estudo pela raridade do evento nessa idade. Houve no período aumento de 26,5% na mortalidade por essa causa, passando de 4,9 por 100.000 habitantes para 6,2 em 2012. Entre os homens, o aumento foi de 24,6%, passando de 8,0 em 2000 para 10,0 em 2012, e entre as mulheres foi de 35%, passando de 2,0 para 2,7 no mesmo período. No entanto, ocorre 3,7 vezes mais frequentemente entre homens do que entre mulheres. O aumento ocorreu em todas as faixas etárias, sendo 22,7% no grupo de 25 a 59 anos (6,1/100.000 em 2000 e 7,4/100.000 em 2012), 21,8% entre jovens de 10 a 24 anos (2,8/100.000 em 2000 e 3,5/100.000 em 2012) e 16,2% entre maiores de 60 anos (6,9/100.000 em 2000 e 8,0/100.000 em 2012) (Tabela 4).

Tabela 4 Mortalidade por suicídio no Brasil e regiões por sexo e faixa etária, 2000 a 2012 

  2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Mudança % de Mudança
Brasil
Homem 8,0 9,1 8,7 8,9 8,9 9,3 9,3 9,2 9,6 9,6 9,3 9,7 10,0 2,0 24,6
Mulher 2,0 2,2 2,3 2,2 2,3 2,4 2,3 2,3 2,4 2,3 2,5 2,5 2,7 0,7 35,0
10-24 2,8 3,4 3,3 3,3 3,3 3,1 3,2 3,4 3,7 3,4 3,4 3,6 3,5 0,6 21,8
25-59 6,1 6,8 6,7 6,8 6,8 7,1 7,2 6,8 7,0 7,0 6,9 7,1 7,4 1,4 22,7
60 6,9 7,3 7,0 7,0 7,5 8,2 7,6 7,2 7,3 7,1 6,9 7,2 8,0 1,1 16,2
Total 4,9 5,5 5,5 5,5 5,5 5,7 5,7 5,7 5,9 5,9 5,8 6,0 6,2 1,3 26,5

Norte
Homem 5,9 6,6 5,6 6,5 6,6 6,6 6,6 7,3 8,6 7,9 7,6 8,1 8,7 2,8 47,3
Mulher 1,8 2,2 2,2 1,8 1,8 2,0 1,9 1,7 1,8 1,8 2,1 2,5 1,8 0,1 4,4
10-24 3,3 4,0 3,7 3,5 3,4 3,4 3,1 4,2 4,7 4,7 4,2 4,3 4,3 1,0 30,9
25-59 4,4 4,8 4,2 4,9 4,9 4,9 5,2 4,9 5,5 5,2 5,4 6,2 6,1 1,7 38,0
60 3,8 4,8 3,4 4,7 5,4 5,9 4,9 4,2 5,3 3,7 4,6 4,6 5,0 1,1 29,7
Total 3,8 4,4 3,9 4,2 4,2 4,3 4,2 4,5 5,2 4,9 4,9 5,3 5,3 1,4 37,2

Nordeste
Homem 4,8 6,1 6,3 6,5 6,8 7,5 7,9 8,4 8,2 7,9 7,7 8,5 8,5 3,7 77,8
Mulher 1,3 1,5 1,9 1,9 1,8 2,0 1,9 2,1 2,2 1,9 2,1 2,0 2,1 0,8 56,0
10-24 1,8 2,3 2,5 2,6 2,4 2,6 2,7 3,0 3,3 2,8 3,0 3,2 2,9 1,1 64,2
25-59 3,8 5,0 5,2 5,3 5,6 6,2 6,4 6,4 6,1 5,9 5,8 6,2 6,4 2,5 65,7
60 4,3 4,2 4,7 5,1 5,2 6,4 6,2 6,6 6,7 6,1 5,6 6,2 6,7 2,4 57,2
Total 3,0 3,8 4,0 4,2 4,2 4,7 4,8 5,2 5,1 4,8 4,8 5,1 5,2 2,2 72,4

Sudeste
Homem 6,9 8,1 7,7 7,9 7,7 8,0 8,1 7,6 8,1 8,4 8,6 9,0 9,0 2,0 29,5
Mulher 1,6 2,0 2,0 1,9 1,9 2,1 2,1 2,1 2,1 2,2 2,3 2,3 2,6 0,9 57,6
10-24 2,2 3,0 2,8 2,8 2,7 2,5 2,7 2,7 2,8 2,8 3,0 3,3 3,0 0,8 35,2
25-59 5,3 5,9 5,9 6,0 5,8 6,2 6,4 5,7 6,1 6,3 6,5 6,7 6,9 1,7 31,6
60 5,0 5,9 5,4 5,3 5,7 6,6 5,6 5,3 5,2 5,6 5,3 5,3 5,9 0,9 16,9
Total 4,2 4,9 4,8 4,8 4,7 4,9 5,0 4,8 5,0 5,2 5,4 5,5 5,6 1,5 34,8

Sul
Homem 16,3 17,4 16,0 15,9 16,3 16,6 15,7 15,2 15,6 16,3 14,8 14,6 15,8 -0,6 -3,6
Mulher 3,6 3,5 3,7 3,4 3,9 3,6 3,6 3,7 3,9 3,2 3,6 3,7 4,2 0,5 14,6
10-24 5,3 5,6 5,0 4,8 5,5 5,1 4,8 4,6 5,3 4,6 4,3 4,3 4,5 -0,8 -14,4
25-59 11,4 12,0 11,4 11,4 11,6 11,8 11,3 10,9 10,9 11,4 10,5 10,2 11,0 -0,4 -3,4
60 16,5 17,1 16,0 14,6 15,4 15,6 15,6 14,3 14,0 13,4 13,6 14,5 16,3 -0,2 -1,4
Total 9,9 10,4 9,7 9,5 10,0 9,9 9,5 9,4 9,6 9,6 9,1 9,0 9,8 -0,1 -0,5

Centro-Oeste
Homem 12,3 11,3 12,6 12,4 11,7 11,3 11,4 10,8 12,3 11,4 10,7 10,8 12,1 -0,2 -1,5
Mulher 3,3 3,2 3,8 3,0 4,0 3,5 3,0 2,8 2,9 3,1 3,1 2,7 3,3 -0,1 -1,7
10-24 6,0 5,2 5,6 5,7 6,0 5,1 4,8 5,0 5,7 5,1 4,6 4,4 5,4 -0,7 -10,9
25-59 8,6 8,6 9,7 8,6 8,4 8,4 8,3 7,5 8,2 8,0 7,6 7,4 8,4 -0,2 -2,7
60 10,5 8,2 10,1 10,9 12,7 11,0 11,3 8,2 9,8 8,8 9,4 9,7 10,5 0,0 -0,2
Total 7,8 7,3 8,1 7,7 7,8 7,3 7,2 6,7 7,5 7,2 6,8 6,7 7,6 -0,1 -1,8

Diferenças regionais

Apesar de a mortalidade por suicídio crescer no país, as tendências divergem entre as regiões brasileiras. A maior incidência ocorre na região Sul, com um valor de 9,8 por 100.000 habitantes, e no Centro-Oeste, com 7,6, seguidas por 5,6 no Sudeste, 5,3 no Norte e 5,2 no Nordeste (Tabela 4). Apesar de as regiões Sul e Centro-Oeste apresentarem as maiores taxas em todo período avaliado, a mortalidade por essa causa tem diminuído nessas duas regiões, enquanto houve incremento das taxas nas demais regiões (Tabela 4).

Na região Norte, a mortalidade cresceu 37,2%, passando de 3,8 para 5,3 por 100.000 habitantes no período estudado. Entre os homens, o crescimento foi de 47,3% e entre as mulheres, de apenas 4,4%. A incidência foi maior entre pessoas de 25 a 59 anos, sendo de 6,1 em 2012 comparado com 5,0 e 4,3 entre os mais velhos e mais jovens, respectivamente (Tabela 4).

O Nordeste foi a região com o maior crescimento percentual na taxa de suicídio nos últimos 13 anos, aumento percentual de 72,4%, passando de 3,0 em 2000 para 5,2 em 2012. O aumento se deu entre homens e mulheres, com 77,8% e 56%, respectivamente. Dessa forma, a proporção da mortalidade por suicídio entre homens ultrapassa quatro vezes o valor entre as mulheres, sendo os maiores de 25 anos os que mais cometem suicídio. Em 2012 a mortalidade nesse grupo superou 6 por 100.000 habitantes, sendo de apenas 2,9 entre menores de 25 anos (Tabela 4).

No Sudeste, cresceu 34,8% a mortalidade por suicídio, passando de 4,2 em 2000 para 5,6 em 2011, sendo maior o crescimento entre mulheres, 57,6%, comparado com 29,5% entre homens, entre jovens de 10 a 25 anos com 35,2% e no grupo de 25 a 59 anos com 31,6%. Entre maiores de 60 o aumento foi de 16,9%.

No sul do país, o suicídio decresceu 0,5%, decréscimo esse decorrente da diminuição entre os homens (3,6%), enquanto entre as mulheres se verificou aumento de 14,6%. A diminuição ocorreu em todas as faixas etárias, principalmente entre os mais jovens (14,4%). No entanto, as maiores taxas ocorrem entre maiores de 60 anos, com a taxa de 16 por 100.000 habitantes (Tabela 4).

No Centro-Oeste verificou-se a maior queda nacional da mortalidade por suicídio. De 2000 para 2010 e 2011, observou-se diminuição de mais de 13% e para 2012, de 1,8%. O decréscimo ocorreu quase na mesma proporção para homens e mulheres, 1,5% e 1,7%, respectivamente. No entanto, a mortalidade ocorre com significativa maior frequência entre homens, razão de 3,6/1. A taxa de suicídio também diminuiu em todas as faixas etárias, tendo maior redução entre os mais jovens (10,9%), seguida dos adultos de 25 a 59 anos, com 2,7%, e apenas 0,2% entre os maiores de 60 anos, tendo estes as maiores taxas (10,5/100.000) (Tabela 4).

Assim como a tendência da mortalidade por suicídio variou regionalmente, mudanças socioeconômicas e demográficas diversas ocorreram ao longo do período estudado. As regiões Sul e Centro-Oeste tiveram as maiores elevações no índice de envelhecimento e as maiores quedas no índice de Gini e na proporção de pessoas de baixa renda. As taxas de desemprego e analfabetismo tiveram maior queda no Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Em relação à cobertura de esgotamento sanitário, esta aumentou mais significativamente no Nordeste, Sul e Centro-Oeste. O número de consultas médicas do SUS aumentou mais nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste. A cobertura dos CAPS aumentou mais nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, entre 2007 e 2010, enquanto a mortalidade por suicídio diminuiu nas regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste, no mesmo período (Tabela 5).

Tabela 5 Mudança (%) nas taxas de suicídio, nos indicadores de cobertura e nas condições socioeconômicas do Brasil e regiões de 2000 para 2010 

Regiões Taxa de suicídio* Indicadores de cobertura
Indicadores socioeconômicos
Demográfico
CAPS* Taxa de suicídio Consultas médicas** Esgotamento Índice de Gini Taxa de Analfabetismo Pessoas de Baixa Renda Taxa de Desemprego Índice de Envelhecimento
Norte 17,28 43,33 27,40 47,02 -7,08 -3,45 -28,58 -21,29 -40,98 48,3
Nordeste -0,52 49,12 58,93 18,32 20,12 -6,06 -25,21 -23,29 -37,87 51,8
Sudeste 16,47 31,25 27,75 16,54 5,81 -3,99 -30,34 -32,29 -53,60 56,9
Sul -3,64 34,33 -7,92 26,15 13,19 -9,43 -30,77 -47,90 -60,61 64,4
Centro-Oeste -0,49 44,44 -12,16 27,72 26,17 -6,25 -30,52 -41,53 -51,23 62,9
Brasil 5,77 39,22 17,75 20,44 9,11 -5,79 -27,02 -29,39 -49,42 55,02

* Mudança no período disponível, de 2007 para 2011.

** Número de consultas médicas pelo SUS por habitante.

DISCUSSÃO

As principais causas de suicídio no Brasil são enforcamento, lesões por armas de fogo e autointoxicação por pesticidas, totalizando 79,6% dos casos. Os mais acometidos são os indígenas, pessoas com baixa escolaridade, homens e maiores de 60 anos, havendo importantes diferenças regionais na mortalidade por suicídio. A mortalidade mais alta se encontra na região Sul (9,8/100.000) e o maior crescimento percentual no Nordeste (72,4%). Embora se observe crescimento nacional da mortalidade por suicídio nos últimos 13 anos, as taxas das regiões Sul e Centro-Oeste estão diminuindo.

O conhecimento das causas de óbito pode orientar programas de prevenção na elaboração de estratégias mais eficientes. Os 40% de óbitos decorrentes do uso de pesticidas, os quais são comercializados ilegalmente para outros fins, sugerem controle e fiscalização inadequados. Ainda é possível encontrar facilmente “chumbinho”, produto fabricado com agrotóxicos e vendido como “veneno para ratos” no país23. A parcela de óbitos relativa a armas de fogo pode também relacionar-se com o acesso a armas vendidas ilegalmente no país. Estudos indicam que fácil acesso ao meio para cometer suicídio aumenta as chances de o indivíduo morrer por suicídio24.

Referindo-se a outras causas de óbito por suicídio mais difíceis de controlar o acesso (por exemplo, enforcamento, precipitação de lugar elevado, uso múltiplo de medicamentos e lesão por objetos cortantes), a identificação precoce da pessoa em risco torna-se crucial para facilitar a adoção de medidas que limitem o acesso a esses meios. Também há necessidade de serviços com equipes capazes de triar e assistir efetivamente os casos mais graves. Ademais, os profissionais de saúde têm papel importante na identificação dos momentos mais emergenciais, podendo sugerir uma vigília mais próxima por parte dos familiares ou amigos.

A maioria das pessoas que cometeram suicídio em 2000 e 2010 tinha baixa escolaridade, 75% e 63%, respectivamente. Apesar de esse ser um fator pouco estudado na literatura, estudos anteriores têm indicado associação positiva entre as taxas de suicídio e o baixo nível de escolaridade25,26. Uma possível explicação para essa associação é que o nível educacional, a situação de desemprego e a renda familiar, assim como o estado civil, definem o status econômico e social do indivíduo, o que proporciona distintos níveis de preocupações e estresse25. A vivência decorrente do status social ocupado se expressa ainda de maneira divergente dependendo da cultura local e dos significados compartilhados pelos integrantes do grupo, podendo provocar sentimentos de insatisfação e frustração que causam sofrimento psíquico. A escolaridade de um indivíduo pode, ainda, afetar a sua autoavaliação, influenciando sua autoestima e as interações com os outros. Estudos têm demonstrado que a baixa autoestima pode levar a tendências suicidas27.

Assim como em estudos anteriores, encontrou-se elevada taxa de mortalidade por suicídio na população indígena28,29. O processo de desvalorização da cultura indígena ao longo da história do Brasil, com a exaltação de um modo de vida cada vez mais tecnológico e capitalista, pode ter contribuído para a elevação dessas taxas. Discute-se que, pela impossibilidade de recuar perante a civilização ocidental, as tribos indígenas foram urbanizadas, porém sem chances de inserção ocupacional e sem garantia de sobrevivência30. Na visão antropológica, os indígenas vivem uma espécie de “morte cultural” somada à “ausência de perspectivas”, segundo os indigenistas30.

O “não espaço” na sociedade pode afetar psicologicamente, aumentando o sentimento de não pertencimento ao local e à sociedade onde vivem, diminuindo a autoestima, a autovalorização e a admiração por seus pares. Sabe-se que os indígenas enfrentaram, ao longo da história, condições de vida e saúde mais precárias do que a população geral, além de sofrerem com a redução das terras e populações indígenas no país. Ademais, os massacres e os ainda atuais conflitos por terra nas áreas indígenas são problemas que acirram a tensão entre os índios31. Tais fatores podem influenciar a alta mortalidade por suicídio entre os indígenas no país, que chega a ser 132% maior do que entre a população geral em 2012. O aumento da mortalidade nos últimos anos demonstra, ainda, um crescimento contínuo. Tais resultados demonstram a necessidade de implantação de políticas públicas emergenciais para prevenção do suicídio entre os indígenas, bem como a necessidade de realizar uma revisão da política governamental em relação às terras indígenas e à retomada da identidade étnica como forma de afirmação e reorganização de grupo31.

Em concordância com a literatura4,7-12, o presente estudo ratifica que o suicídio no Brasil ocorre com significativa maior frequência entre homens em todo o período estudado, razão de 3,7/1 homens por mulheres em 2012. Os únicos países no mundo onde a predominância masculina diverge são Índia e China, nos quais a razão da mortalidade de homens por mulheres é de 1,3:1 e 0,9:1, respectivamente2.

A diferença entre os gêneros é geralmente atribuída a maior agressividade, maior intenção de morrer e uso de meios mais letais entre os homens2. Historicamente, os homens têm mais acesso a meios mais letais, como arma de fogo, enquanto as mulheres frequentemente estão menos expostas a sentimentos de falência causados por insucesso financeiro, competitividade e impulsividade, que são fatores de risco para o suicídio; elas têm como primeiro papel normativo o sucesso nas relações32. Além disso, as mulheres comumente são mais religiosas, o que pode se tornar um fator de proteção para o suicídio quando as religiões auxiliam no enfrentamento de situações difíceis e se posicionam negativamente em relação ao ato suicida. As mulheres também tendem a desenvolver mais estratégias para lidar com situações difíceis, por serem submetidas a frequentes mudanças de papéis ao longo vida, além de reconhecerem com mais facilidade sinais de risco de suicídio, de buscarem mais ajuda profissional e de contarem com maior rede de suporte social quando estão em crise32. Já os homens podem apresentar maior dificuldade de falar sobre si.

Estudo realizado no Canadá encontrou associação da mortalidade por suicídio com a tendência a expor sentimentos. Em regiões onde os homens eram mais propensos a expor sentimentos as taxas de suicídio eram menores25.

A prevalência masculina também é explicada pelo maior consumo alcoólico, tendo em vista que as mulheres consomem apenas 6,7% do total de álcool consumido pelos homens32, além dos fatores de risco socioeconômicos também variarem de acordo o gênero. Os homens apresentam como principais fatores de risco o tipo de ocupação e o nível educacional e de renda, apresentando maior risco os que ocupam cargos mais baixos, os que têm menor escolaridade e menor renda. Já as mulheres apresentam maior risco quando desempregadas, com baixo nível educacional e baixa renda33.

O diagnóstico psiquiátrico também varia segundo o gênero. Entre os homens o diagnóstico com maior associação ao suicídio é a esquizofrenia, seguida por transtorno de humor e transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substâncias psicoativas. Já entre as mulheres a ordem de influência desses fatores se altera, sendo principalmente o uso de substâncias psicoativas, seguido por transtorno de humor e esquizofrenia30.

São os maiores de 60 anos que mais morrem por suicídio no Brasil – em 2012 a mortalidade foi de 8,0 para cada 100.000 habitantes. No entanto, o maior crescimento na mortalidade tem ocorrido entre os adultos de 25 a 59 anos e os jovens de 10 a 24 anos, 22,7% e 21,8% de aumento, respectivamente. Estudos prévios também têm demonstrado maiores taxas entre maiores de 65 anos, com aumento mais acelerado entre os mais jovens13.

As diferenças e as mudanças nas taxas de suicídio no decorrer do tempo podem estar relacionadas às mudanças no contexto social no qual o indivíduo se encontra inserido, já que as razões que levam uma pessoa a suicidar-se diferem entre os grupos de idade. Entre jovens, as razões podem estar mais relacionadas a motivos afetivos como rompimentos de relacionamento, dificuldades financeiras e de se estabelecer profissionalmente ou, ainda, pressões acadêmicas. Entre adultos e pessoas de meia-idade, são mais expressivos fatores socioeconômicos relacionados ao trabalho e pressão familiar, principalmente entre o sexo masculino. Entre os idosos predomina a inabilidade de lidar com o processo de envelhecimento e suas implicações, como problemas de saúde e pressões emocionais34. Assim sendo, a forma como a sociedade se organiza e trata seus pares, promovendo ou não condições de qualidade de vida, cuidado e saúde, poderá influenciar na redução das taxas de suicídio entre as distintas faixas etárias.

Estudos indicam que as variações regionais ocorrem pela influência local das diferentes realidades socioeconômicas, demográficas e assistenciais2,35,36. Entretanto, a literatura ainda apresenta importantes lacunas sobre esse tema no Brasil.

O exame dos fatores socioeconômicos nas regiões Sul e Centro-Oeste demonstrou queda acentuada no Índice de Gini e na proporção de pessoas com baixa renda, além de estas estarem entre as três regiões com maior declínio nas taxas de desemprego e analfabetismo no período estudado.

Assim sendo, a melhoria nas condições de vida nessas regiões pode ter impactado, reduzindo as taxas de suicídio, já que a pobreza aumenta o risco de suicídio pela exposição a fatores “suicidogênicos” como desemprego, estresse causado por problemas financeiros, instabilidade familiar, doença física, alcoolismo, violência e problemas mentais32. A privação contextual pode impactar no comportamento individual, reforçando sentimentos de desesperança pela constatação de que os indivíduos do seu entorno compartilham as mesmas dificuldades. Comunidades com altos níveis de privação também tendem a apresentar alto nível de fragmentação social, que também é fator de risco para o suicídio37.

Portanto, os fatores socioeconômicos se expressam como determinantes sociais que podem influenciar as taxas de suicídio de forma distinta entre as regiões brasileiras.

Em relação à assistência à saúde, as regiões Sul e Sudeste também estão entre as três que apresentaram maior crescimento no número de consultas médicas por habitante realizadas pelo SUS. O atendimento médico, ainda que não seja especializado em saúde mental, auxilia no rastreamento de pessoas em sofrimento psíquico e em risco de cometer suicídio. Dessa forma, o treinamento dos profissionais de saúde, principalmente daqueles que trabalham na atenção básica (agentes comunitários, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e médicos), para identificar situações de risco possibilita o manejo e o acesso ao tratamento mais precocemente. Segundo a Portaria nº 1.876, as mortes por suicídio podem ser evitadas por meio de ações de promoção e prevenção em todos os níveis de atenção à saúde38.

No entanto, considerando-se o crescimento contínuo da mortalidade por suicídio no país, faz-se necessária também a elaboração de programas de prevenção ao suicídio. Em 2006, foram instituídas oficialmente no Brasil as Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio, por meio da Portaria nº 1.876, no entanto ainda não se efetivou um programa específico para promover ações de prevenção no país. Entretanto, reconheceram-se no mesmo documento a magnitude dos danos causados nas famílias, o impacto nos locais de trabalho, escolas e demais instituições e a necessidade de organizar atenção à saúde que garanta uma linha de cuidados integrais no manejo dos casos38.

Os CAPS, instituídos com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico pelo modelo de cuidado comunitário, são responsáveis pela atenção à saúde mental no país. Concebidos pela reforma psiquiátrica iniciada em 197839, tiveram sua primeira unidade funcionando em São Paulo, em 1987. Contudo, até os dias atuais, esses centros ainda não executam ações direcionadas especificamente à prevenção do suicídio.

No presente estudo, observou-se maior aumento na cobertura dos CAPS nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte, no período de 2007 a 2011, e maior redução nas taxas de suicídio nas regiões Sul, Nordeste e Centro Oeste, nesse mesmo período. Apesar do aumento contínuo das unidades CAPS no Brasil, em 2010 apenas 21% dos municípios brasileiros tinham pelo menos um CAPS instalado, e em nenhum deles os profissionais receberam treinamento específico para a prevenção de suicídio. Ainda não se conhece o impacto desses centros na mortalidade por suicídio no país, apesar da importância de avaliar o efeito desses novos equipamentos de cuidado em saúde na mortalidade por suicídio.

Limites do estudo

O presente estudo teve como principal limite a impossibilidade de confirmar se o aumento nas taxas em algumas regiões foi decorrente dos fatores estudados. Seria necessário que outros estudos utilizando métodos de análise inferenciais verificassem as possíveis associações. No entanto, o desenho atual permitiu identificar as causas e o perfil das pessoas que mais morrem por suicídio no país e analisar as tendências de mortalidade comparando as cinco regiões brasileiras em um período de 13 anos, além de mapear pontos que ainda precisam ser examinados, como os motivos do aumento das taxas apenas em mulheres, enquanto entre homens houve diminuição e entre os mais jovens em algumas regiões ocorreu aumento mais acelerado.

CONCLUSÃO

As maiores causas de suicídio no Brasil são enforcamento, lesão por armas de fogo e autointoxicação intencional por pesticidas, equivalendo a aproximadamente 80% dos casos. A população indígena está mais associada à chance de morrer por essa causa, assim como as pessoas com menor escolaridade, os homens e os maiores de 60 anos. No entanto, 25,8% dos casos registrados como suicídio não tinham informação sobre escolaridade em 2012, o que indica que, apesar da melhoria na qualidade na informação, os campos das declarações de óbitos ainda precisam ser preenchidos com mais rigor.

A mortalidade geral continua a aumentar no país, com importantes variações regionais. A mortalidade mais elevada se encontra na região Sul e o maior crescimento percentual da taxa se encontra na região Nordeste. A assistência à saúde também apresenta inequidades regionais, somando-se a importantes lacunas nos serviços de saúde pública para a prevenção do suicídio. Apenas atividades pontuais estão sendo realizadas em algumas cidades do país para orientar os profissionais dos serviços quanto ao cuidado das vítimas de tentativa de suicídio. O Brasil permanece, então, sem um programa nacional de prevenção.

Considera-se necessário montar, portanto, uma estratégia nacional para promover ações de prevenção efetivas e oferecer serviços especializados para os grupos de maior risco (índios, pessoas com menor escolaridade, homens e maiores de 60 anos), levando-se em consideração as diferenças regionais. É indispensável promover um enfoque das populações indígenas do país, que apresentam mortalidade 132% superior à da população geral, e ampliar a vigilância e o controle na comercialização ilegal de pesticidas como “veneno de rato”.

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