versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.2 Rio de Janeiro fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017222.06302016
O ácido fólico é uma vitamina do complexo B, essencial a uma gravidez saudável1. A estrutura química do ácido fólico consiste em três partes: um anel de pteridina, ácido p-aminobenzóico e uma molécula de ácido L-glutâmico2,3. Em torno de 90% do folato ingerido pela dieta é em forma de poliglutamatos reduzidos, ligados a proteínas3. O ácido fólico é necessário para a síntese de purinas e do timidilato, tornando-se essencial para a síntese dos ácidos desoxirribonucleico (DNA) e ribonucleico (RNA), sendo elemento fundamental na eritropoiese. O ácido fólico também é indispensável na regulação do desenvolvimento normal de células nervosas, na prevenção de defeitos congênitos no tubo neural e na promoção do crescimento e desenvolvimento normais do ser humano3,4-6.
Tem importante papel na produção e manutenção de novas células, maturação e formação de glóbulos vermelhos e brancos na medula óssea7,8. A deficiência de ácido fólico está associada ao aumento de defeitos do tubo neural (DTN) no feto e à anemia megaloblástica na mãe7-11. Há evidências suficientes de que a suplementação de ácido fólico no início da gestação reduz em até 75% o risco de o bebê nascer com DTN8,10,12.
A partir destas evidências, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil (MS) recomendam a dose de 400µg (0,4mg), diariamente, por pelo menos 30 dias antes da concepção até o primeiro trimestre de gestação para prevenir os defeitos do tubo neural6,13 e durante toda a gestação para prevenção da anemia6,13. E para as mulheres com antecedentes de malformações congênitas o MS recomenda a dose de 5 mg/dia a fim de reduzir o risco de recorrência de malformação5.
A prevalência de uso do ácido fólico no período gestacional se altera de acordo com as características das populações avaliadas e com o período de utilização. Quando foi avaliado o uso de ácido fólico em algum momento da gravidez as prevalências encontradas foram de 72% na Holanda14 e 89,2%, nos EUA15. Alguns estudos avaliaram o uso do suplemento no período antes da concepção até o primeiro mês de gravidez e as prevalências encontradas foram de 26,5% em estudo realizado na França16, 36,0% em Victoria e 46,0% em New South Wales, ambas as pesquisas de base populacional realizadas na Austrália17, 67,7% em estudo realizado na China18, e 30,0% em estudo realizado na Espanha19. No Brasil, um estudo de base populacional conduzido com puérperas de Pelotas, RS, encontrou 32% de uso do suplemento em algum momento da gestação20. Em Diamantina, MG, a prevalência do uso do suplemento durante a gestação foi de 31%21 e no Rio de Janeiro, RJ, estudo com parturientes do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz) mostrou que 22,4% das gestantes fizeram uso de suplemento de ácido fólico22.
Em relação aos fatores associados ao uso do ácido fólico na gestação, alguns estudos sugerem que mulheres mais jovens, com baixa escolaridade e menor nível socioeconômico, multíparas, que relataram número de consultas de pré-natal inferior a sete e que não planejam a gravidez são as que utilizam em menor proporção o suplemento de ácido fólico1,14-21.
De acordo com a literatura, as avaliações sobre prevalência e fatores associados ao uso deste suplemento são ainda insuficientes, sobretudo com amostras nacionais representativas. Apesar de a recomendação de uso de ácido fólico ser mundial e para todas as mulheres, a cobertura encontra-se muito abaixo do esperado e, além disso, esta recomendação parece atingir em maior proporção as pertencentes a classes socioeconômicas mais favorecidas.
O objetivo do presente estudo é identificar, entre todas as mulheres que tiveram filhos em 2013 no munícipio de Rio Grande, RS, aquelas que utilizaram o ácido fólico no período gestacional e os fatores associados.
Os dados aqui apresentados fazem parte de uma pesquisa mais ampla denominada Estudo Perinatal, realizada no município de Rio Grande, RS, a cada três anos a partir de 2007. Trata-se de um estudo com delineamento transversal, de base populacional. O município de Rio Grande fica localizado no extremo sul do Brasil, com uma área territorial de 2,7 mil km2 e aproximadamente 207.000 habitantes, 96% dos quais, a esta época, residindo na zona urbana, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística23. O índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) é de 0,74424. Há dois hospitais com maternidade nesse município, a Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande (SCMRG) e o Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. da Universidade Federal do Rio Grande (HU/FURG).
Para participar do estudo, as mulheres deveriam residir no munícipio em área urbana ou rural e terem tido filho com peso ao nascer igual ou superior a 500 gramas ou pelo menos 20 semanas de idade gestacional. A coleta de dados ocorreu entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2013 nas duas maternidades do município.
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado a posteriori a partir dos dados oriundos deste mesmo estudo. Considerando o “n” disponível de 2.685 puérperas, prevalência do desfecho de 54,2%, nível de confiança desejado de 95% e perdas de 3%, foi possível trabalhar com uma margem de erro de 1,9 pontos percentuais. Em relação à identificação de fatores associados ao uso do suplemento de ácido fólico, para se trabalhar com erro alfa de 0,05, erro beta de 0,20, razão não expostos/expostos de 14/86, prevalência de doença nos não expostos de 14,0% e razão de riscos de 1,5, o estudo deveria incluir pelo menos 2.520 puérperas. Este valor já se encontra acrescido de 15% para controle de potenciais fatores de confusão e 3% para perdas. Estes cálculos foram realizados utilizando o programa Epi Info 7.0.
O desfecho deste estudo foi determinado como o “uso do ácido fólico durante a gestação”, sendo considerado ter iniciado o uso do suplemento em qualquer momento da última gestação como período de uso. Como variáveis independentes, foram avaliadas características demográficas: idade materna, situação conjugal e cor da pele; socioeconômicas: escolaridade (em anos completos com aprovação), renda familiar (soma dos valores recebidos por todos os moradores do domicilio no mês anterior à entrevista e apresentada em quartil); sobre a vida reprodutiva: paridade e planejamento da gravidez; assistência ao pré-natal: número de consultas realizadas, trimestre de início e assistência médica (onde a gestante fez a maioria das consultas de pré-natal: sistema público ou privado). Todas as variáveis foram coletadas por meio de entrevistas diretamente com as puérperas, preferencialmente nas 24h após o parto, por meio de um questionário de pesquisa padronizado e pré-codificado.
Quatro entrevistadoras foram selecionadas e treinadas. Após terem recebido treinamento teórico, que consistiu da leitura do questionário e da do manual de instruções, as entrevistadoras participaram do estudo piloto. Este foi realizado na primeira quinzena do mês de dezembro de 2012 nas mesmas maternidades em que foram feitas as entrevistas para o presente estudo. Duas entrevistadoras foram contratadas em período integral e duas para atuarem nos finais de semana e feriados. Mensalmente foi realizada rotatividade das entrevistadoras a fim de possibilitar que todas atuassem nas duas maternidades em questão.
A entrevistadora visitava diariamente as duas maternidades de Rio Grande e ao chegar a uma delas identificava as gestantes que eram residentes nesse município, pelo prontuário de internação, para em seguida se dirigir às enfermarias para localizá-las e convidá-las a participar da pesquisa. O questionário era aplicado somente após concordância da mãe e assinatura em duas vias do termo de consentimento livre e esclarecido, sendo que uma delas ficava em poder da progenitora. Ao final de cada dia de trabalho o questionário era revisado e codificado para ser encaminhada à digitação.
A digitação teve entrada dupla e foi realizada em ordem inversa por diferentes digitadores no Software Epidata 3.125. Ao final das digitações os dados foram comparados com checagem automática de consistência. Para corrigir as inconsistências os revisores examinaram o questionário e quando necessário foi feito contato telefônico com a parturiente a fim de esclarecer as dúvidas pendentes. Após os erros terem sido corrigidos, as informações foram transferidas para o pacote estatístico Stata versão 12 para serem analisados.
Inicialmente, foi realizada uma descrição da população por meio de prevalências para cada uma das variáveis independentes. Em seguida, foi medida a prevalência do desfecho de acordo com as variáveis estudadas. Para a análise multivariada, elaborou-se um modelo hierárquico composto por três níveis, sendo as variáveis ajustadas para aquelas do mesmo nível ou de níveis acima26 e mantidas no modelo se p < 0,2027. No primeiro nível foram inseridas as variáveis sociodemográficas (idade, situação conjugal, cor da pele, escolaridade e renda familiar). No segundo, as variáveis do primeiro nível mais aquelas a respeito da vida reprodutiva (paridade e planejamento da gravidez) e no terceiro nível, as dos níveis anteriores e ao mesmo tempo aquelas sobre a assistência ao pré-natal (número de consultas, trimestre de início, tipo de assistência recebida). A análise bruta e ajustada foi feita por meio da regressão de Poisson, com variância robusta28, para cálculo das razões de prevalência e dos respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Foram consideradas associadas ao desfecho as variáveis com valor p < 0,05 nos testes de Wald de heterogeneidade ou de tendência linear para exposições ordinais. A medida de efeito utilizada foi a razão de prevalência (RP).
Para efetuar o controle de qualidade, aproximadamente 7% das entrevistas foram parcialmente repetidas. O índice Kappa de concordância foi calculado para 24 perguntas e a grande maioria apresentou índice acima de 0,70.
O protocolo do estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Além disso, foi obtido o consentimento informado por escrito de todos os participantes e garantida a confidencialidade dos dados, assim como a participação voluntária e a possibilidade de deixar o estudo a qualquer momento, sem necessidade de justificativa.
Foram entrevistadas 2.685 puérperas, representando 97,0% do total das mulheres que tiveram filhos no município de Rio Grande, RS, em 2013.
A Tabela 1 mostra que um terço das puérperas tinha 30 anos de idade ou mais, 66,2% definiram-se como de cor da pele branca, 85,8% viviam com companheiro e 44,8% apresentavam de 9 a 11 anos completos de estudo. Em relação às variáveis de vida reprodutiva, 47,4% das puérperas eram primíparas e 37,5% planejaram a gravidez. Considerando as variáveis de assistência ao pré-natal, 85,8% realizaram seis ou mais consultas, 78,6% iniciaram no primeiro trimestre de gravidez e pouco mais da metade (51,6%) realizou o pré-natal na rede pública de saúde. A prevalência de uso do suplemento de ácido fólico durante a gestação foi de 54,2% (IC95% 52,4 - 56,1).
Tabela 1 Principais características das puérperas que tiveram filhos no município de Rio Grande, RS, 2013.
Característica | N | Percentual |
---|---|---|
Idade materna (anos) | ||
13 – 19 | 464 | 17,3% |
20 – 24 | 707 | 26,3% |
25 – 29 | 648 | 24,1% |
≥ 30 | 866 | 32,3% |
Cor da pele (autorreferida) | ||
Preta | 312 | 11,6% |
Parda | 597 | 22,2% |
Branca | 1.776 | 66,2% |
Viviam com companheiro | 2303 | 85,8% |
Escolaridade materna (anos) | ||
0 - 4 | 162 | 6,0% |
5 - 8 | 902 | 33,6% |
9 - 11 | 1.201 | 44,8% |
≥ 12 | 420 | 15,6% |
Renda familiar em quartis | ||
Primeiro (mais pobre) | 680 | 25,3% |
Segundo | 693 | 25,8% |
Terceiro | 641 | 23,9% |
Quarto (mais rico) | 671 | 25,0% |
Número de filhos tidos | ||
Nenhum | 1.273 | 47,4% |
Um | 795 | 29,6% |
Dois ou mais | 619 | 23,0% |
Planejaram a gravidez | 1.008 | 37,5% |
Número de consultas realizadas no pré-natal | ||
1 a 3 | 111 | 4,2% |
4 ou 5 | 261 | 10,0% |
6 ou mais | 2.244 | 85,8% |
Trimestre de início do pré-natal | ||
Primeiro | 2.056 | 78,6% |
Segundo | 511 | 19,5% |
Terceiro | 48 | 1,8% |
Tipo de pré-natal | ||
Público | 1.351 | 51,6% |
Privado | 1.265 | 48,4% |
Suplementação de ácido fólico durante a gestação | 1.458 | 54,2% |
Total | 2685 | 100% |
A Tabela 2 mostra que a prevalência de suplementação de ácido fólico variou de 9,9% entre aquelas que realizaram de uma a três consultas durante todo o pré-natal a 74,5% entre aquelas que tinham 12 anos ou mais de escolaridade. As variáveis levadas para análise bruta mantiveram-se significativamente associadas ao desfecho após ajuste obedecendo ao modelo hierárquico previamente estabelecido, exceto a variável idade que perdeu a associação quando ajustada para outras variáveis demográficas e socioeconômicas.
Tabela 2 Prevalência por categoria e análises bruta e ajustada para utilização de ácido fólico durante a gestação. Rio Grande, RS, 2013 (n = 2685).
Nível | Variável | Suplementadas com ácido fólico | Razão de prevalência (IC 95%) | |
---|---|---|---|---|
| ||||
Análise bruta | Análise ajustada | |||
1º | Idade materna (anos) | |||
13 – 19 | 46,3% | p < 0,001** 1,00 | p = 0,29** 1,00 | |
20 – 24 | 49,7% | 1,07 (0,95-1,21) | 0,90 (0,78-1,02) | |
25 – 29 | 58,2% | 1,26 (1,12-1,41) | 0,97 (0,86-1,10) | |
≥ 30 | 59,4% | 1,28 (1,14-1,43) | 0,97 (0,86-1,10) | |
Cor da pele (autorreferida) | ||||
Preta | 41,7% | p < 0,001* 1,00 | p = 0,03* 1,00 | |
Parda | 50,1% | 1,20 (1,03-1,40) | 1,15 (0,99-1,34) | |
Branca | 57,9% | 1,39 (1,21-1,59) | 1,20 (1,04-1,38) | |
Se vive com companheiro | ||||
Não | 38,2% | p < 0,001* 1,00 | p < 0,001* 1,00 1,30 (1,14-1,49) | |
Sim | 56,9% | 1,49 (1,30-1,70) | ||
Escolaridade materna (anos) | ||||
0 - 4 | 29,0% | p < 0,001** 1,00 | p < 0,001** 1,00 | |
5 - 8 | 42,2% | 1,45 (1,12-1,86) | 1,44 (1,12-1,86) | |
9 - 11 | 59,8% | 2,06 (1,61-2,63) | 1,91 (1,49-2,44) | |
≥ 12 | 74,5% | 2,57 (2,01-3,29) | 2,17 (1,69-2,81) | |
Renda familiar em quartil | ||||
Primeiro (mais pobre) | 41,5% | p < 0,001** 1,00 | p = 0,001** 1,00 | |
Segundo | 50,1% | 1,21 (1,07-1,36) | 1,08 (0,97-1,22) | |
Terceiro | 55,1% | 1,33 (1,19-1,49) | 1,11 (0,98-1,24) | |
Quarto (mais rico) | 70,8% | 1,71 (1,54-1,89) | 1,25 (1,11-1,40) | |
2º | Primípara | |||
Não | 46,5% | p < 0,001* 1,00 | p < 0,001* 1,00 | |
Sim | 62,9% | 1,35 (1,26-1,45) | 1,27 (1,18-1,36) | |
Planejamento da gravidez | ||||
Não | 45,2% | p < 0,001* 1,00 | p < 0,001* 1,00 | |
Sim | 69,4% | 1,54 (1,44-1,64) | 1,33 (1,24-1,42) | |
3º | Número consultas no pré-natal | |||
1 a 3 | 9,9% | p < 0,001** 1,00 | p < 0,001** 1,00 | |
4 ou 5 | 15,7% | 1,49 (1,00-2,21) | 1,25 (0,85-1,85) | |
6 ou mais | 50,9% | 2,78 (1,95-3,97) | 1,69 (1,18-2,42) | |
Trimestre de início do pré-natal | ||||
Primeiro | 62,7% | p < 0,001* 2,07 (1,82-2,36) | p < 0,001* 1,50 (1,31-1,72) | |
Segundo ou terceiro | 30,2% | 1,0 | 1,0 | |
Tipo de pré-natal | ||||
Público | 49,4% | p < 0,001* 1,00 | p = 0,004* 1,00 | |
Privado | 62,5% | 1,26 (1,18-1,35) | 0,89 (0,82-0,96) |
Equação 1 (nível 1): idade materna, cor da pele, vive com companheiro, escolaridade, renda familiar; Equação 2 (nível 2): equação 1 + primiparidade + planejamento da gravidez; Equação 3 (nível 3): equação 2 + número de consultas de pré-natal + trimestre de início do pré-natal + tipo de pré-natal. * Teste de Wald de heterogeneidade. ** Teste de tendência linear. RP: Razão de prevalência.
Assim, a razão de prevalência ajustada para suplementação com acido fólico no período gestacional foi maior para as mães de cor da pele branca (RP = 1,20 IC95%: 1,04; 1,38) em relação às de cor da pele preta; com companheiro (RP = 1,30; IC95%: 1,14-1,49) em relação às sem; ter 12 anos ou mais de estudo completos (RP = 2,17; IC95%: 1,69-2,81) comparando com quem estudou de 0 a 4 anos; pertencer ao quartil mais rico de renda familiar (RP = 1,25; IC95%: 1,11-1,40) em relação a pertencer ao mais pobre; ser primípara (RP = 1,27; IC95%: 1,18-1,36) em comparação às multíparas; ter planejado a gravidez (RP = 1,33; IC95%: 1,24-1,42) em relação a quem não havia planejado; ter seis ou mais consultas no pré-natal (RP = 1,69; IC95%: 1,18-2,42) em relação a quem teve três ou menos e, por fim, ter iniciado o pré-natal no primeiro trimestre (RP = 1,50; IC95%: 1,31-1,72) em comparação a quem iniciou depois deste período (Tabela 2).
Embora a Organização Mundial de Saúde6 e o Ministério da Saúde do Brasil5,13 recomendem a suplementação universal de ácido fólico para as mulheres em idade fértil que desejem engravidar e todas as gestantes até o final da gravidez, o presente estudo mostrou uma baixa prevalência de suplementação (54,2%) no município de Rio Grande, RS. A taxa de resposta do estudo foi de 97,0%, representando todos os partos do ano de 2013. Em relação aos fatores associados, após análise ajustada, as maiores prevalências de suplementação foram observadas entre mulheres de cor da pele branca, que viviam com companheiro, com maior escolaridade e renda, primíparas, que haviam planejado a gravidez, que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre, tendo seis ou mais consultas.
Há escassez de estudos de base populacional internacional, na literatura revisada, que tenham avaliado a utilização do ácido fólico durante toda a gravidez, porque a maioria avaliou apenas seu uso no período recomendado para prevenir defeitos do tubo neural. A prevalência encontrada neste estudo (54,2%) é inferior a de outro de base populacional realizado em Rotterdam, na Holanda (72,0%)14, e a encontrada na pesquisa NHANES, dos Estados Unidos (89,2%)15.
No Brasil, estudos anteriores observaram prevalências inferiores à encontrada neste. Em Pelotas, RS, estudo realizado com 1.450 gestantes mostrou prevalência de uso de ácido fólico em algum momento da gestação de 32,8% em 200620. Em Diamantina, MG, a prevalência de uso de ácido fólico entre as 280 gestantes avaliadas foi de 31,3% em 2004-521. No Rio de Janeiro, em um estudo com 285 gestantes com gravidez de risco atendida em hospital especializado mostrou que 22,4% das parturientes utilizaram o ácido fólico na gestação22.
Em relação às variáveis do primeiro nível, não houve associação significativa entre idade e suplementação de ácido fólico. Entretanto, no estudo americano15 e no de Pelotas20 o aumento da idade esteve associado ao uso de suplemento de ácido fólico. Confirmando os achados do estudo de Pelotas20, a cor da pele branca esteve associada com maior prevalência de uso de ácido fólico em relação à preta. Mulheres que relataram viver com companheiro estiveram associadas ao uso do ácido fólico, assim como no estudo dos Estados Unidos15, sendo que neste a associação foi limite. No mesmo sentido do estudo americano15 e dos brasileiros20,21, a escolaridade mostrou-se fortemente associada ao uso do ácido fólico, quanto maior o número de anos completo de estudo maior a prevalência. O fato de a prevalência de suplementação de ácido fólico ter dobrado entre aquelas puérperas que apresentavam 12 anos ou mais de estudo comparada com quem tinha entre 0-4 anos mostra o quanto a escolaridade aumenta a chance de as mulheres o utilizarem. Renda familiar esteve associada à prevalência de uso de ácido fólico, sendo que a maior esteve no quartil mais rico de renda familiar quando comparado com o mais pobre. Semelhante resultado foi encontrado no estudo de Pelotas20 e no dos Estados Unidos15, sendo que este último não ajustou para renda.
Considerando as variáveis do segundo nível, a primiparidade esteve associada a suplemento com ácido fólico durante a gestação, diferentemente do estudo americano15 que não encontrou associação ao avaliar o número de filhos com o desfecho. Ter planejado a gravidez esteve associado à suplementação de ácido fólico e este resultado foi semelhante ao encontrado no estudo de Pelotas20.
Avaliando as variáveis do terceiro nível, ter realizado seis ou mais consultas de pré-natal esteve associado com o desfecho quando comparado a quem consultou até três vezes. Esta associação foi também encontrada em outros estudos brasileiros20,21. Não foram encontrados estudos que avaliassem a associação entre o trimestre de início do pré-natal e o uso do ácido fólico. Este estudo encontrou que, quanto mais cedo a gestante iniciar o pré-natal, maior a chance de utilizar o suplemento. Em relação ao tipo de assistência no pré-natal, este estudo encontrou na análise bruta maior utilização de ácido fólico na rede privada, porém, ao ajustar para todos os níveis do modelo hierárquico de análise, esse fato mostrou-se protetor, ou seja, quem relatou que consultava na rede pública apresentou maior utilização em relação àquelas que consultaram no setor privado (particular e convênio). Possivelmente isto decorra do fato de muitas gestantes de menor poder aquisitivo, cujo marido/companheiro está empregado, terem condição de assegurar atendimento do setor privado por meio de convênio da sua empresa com o plano de saúde. Mas isto, no entanto, não parece ser suficiente para explicar esta proteção de 11%. Evidencia-se, portanto, a necessidade de este achado ser investigado de forma mais detalhada em outros estudos.
Deve-se levar em consideração que este estudo avaliou o uso do suplemento de ácido fólico em algum momento da gestação. Pois, se for considerar o período de antes da concepção, indicado para prevenir defeitos do tubo neural, a prevalência de suplementação é menor do que durante a gestação na maioria dos estudos já realizados. Para este estudo, foi analisada a suplementação de ácido fólico por todas as mulheres que relataram a ter utilizado em algum momento da sua última gestação, pois se levou em consideração que a recomendação da OMS6 e do MS13 vai desde o período de antes da concepção até o final da gestação. No presente estudo, dos 54,2% que utilizaram o suplemento de ácido fólico, somente 8,3% relataram o ter utilizado também antes da concepção, proporção maior que a encontrada em outra pesquisa brasileira. O estudo realizado no município de Pelotas, RS20, aferiu o uso do suplemento antes da concepção e apenas 4,3% das mulheres referiram ter utilizado o ácido fólico antes do início da gestação. Estes resultados mostram o quão baixa é a prevalência de suplementação de ácido fólico no Brasil, sendo que o Ministério da Saúde recomenda desde 20055,13 seu uso preventivo no período pré-gestacional e que esteja gratuitamente disponível nas farmácias das Unidades Básicas de Saúde, em todos os municípios brasileiros.
A principal vantagem deste estudo está relacionada ao fato de referir-se a uma população de mulheres que representa todas as puérperas de Rio Grande no ano de 2013. Entretanto, por se tratar de um estudo transversal, a interpretação dos resultados em relação aos fatores associados ao uso do suplemento de ácido fólico deve levar em conta que esta é uma análise com informações de uma única abordagem às mães, representando apenas o período em que foram coletados os dados. Além do mais, em uma análise com dados provenientes de estudo com delineamento transversal as associações aqui encontradas podem ser decorrentes de causalidade reversa. Ainda uma possível limitação deste estudo seria um erro de recordatório pelo fato de o uso do suplemento de ácido fólico ter sido medido por meio do relato da mãe após o parto, o que não parece ser um problema que desqualifique os resultados, pois todas foram abordadas no mesmo período e da mesma forma, assim como em outros estudos.
Vale observar que este estudo não mediu a dose de ácido fólico utilizada pelas gestantes, sendo importante ressaltar que a recomendada é de somente 400µg (0,4 mg) ao dia6,13, a qual não deve ser extrapolada. Segundo o estudo de revisão de Reynolds, há evidências de danos neurológicos e hematológicos com a exposição em longo prazo com doses de 0,5 a 1 mg de ácido fólico em gestantes com deficiência de vitamina B12, sugerindo então rever a dose segura na gestação e a adição de vitamina B12 na política de suplementação29.
De modo geral, nota-se que este estudo encontrou uma cobertura de suplementação de ácido fólico na gestação muito distante do recomendado, especialmente entre as mulheres que mais precisavam, porque as menores prevalências foram entre as mães de cor da pele preta, com menor escolaridade e as mais pobres, logo com o maior potencial de ter complicações durante a gravidez.
Constatar que quase a metade das mulheres (45,8%) não fez uso do suplemento do ácido fólico na sua última gestação indica que medidas adequadas para o aumento da utilização deste suplemento são necessárias e urgentes. Portanto, é preciso que os profissionais de saúde, em especial da atenção básica, estejam atentos em relação às mulheres com menor nível socioeconômico, já que estas estão entre as que menos utilizam o suplemento de ácido fólico durante a gestação. Além disso, diminuir as desigualdades deveria ser o foco principal das políticas públicas, enfatizando educação em saúde e destacando os benefícios que a suplementação de ácido fólico traz desde o período antes da concepção estendendo-se até o final da gravidez, evitando, assim, uma série de complicações.