versão impressa ISSN 1809-2950
Fisioter. Pesqui. vol.21 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/57421022014
A hipertrofia do músculo esquelético é resultado do crescimento individual da área transversal das fibras musculares, o que resulta em um aumento de sua área de secção transversa, que, por sua vez, é reflexo do acréscimo no número e tamanho das miofibrilas e a adaptação de sarcômeros no interior da fibra muscular1. Dentre os mecanismos responsáveis pelo controle do aumento do tamanho da fibra muscular, há de se considerar a miostatina, um potente regulador de crescimento e diferenciação mioblástica2.
Esta proteína, miostatina, é expressa inicialmente durante a formação da célula musculoesquelética e conhecida como fator diferenciador de crescimento -8 (GDF-8), da superfamília de fator de crescimento tumoral beta (TGF-β). Trata-se de um inibidor do aumento do trofismo muscular, pela inativação dos mioblastos e de células satélites3 - 6.
No músculo esquelético, a miostatina é transcrita como um RNA mensageiro (RNAm) que codifica uma proteína precursora contendo 335 aminoácidos. Em camundongos adultos, a miostatina circula como uma forma latente no sangue que pode ser ativada em meio ácido, similar ao TGF-β. A expressão excessiva de miostatina sistêmica em ratas adultas induz a perda de massa muscular profunda e de gordura sem, no entanto, diminuir a absorção de nutrientes7. Ainda, já foi identificada a diminuição da expressão de RNAm para miostatina em músculo esquelético de camundongos expostos ao treinamento físico8.
Na literatura há poucos indicativos de inibidores de miostatina, embora já tenham sido considerados como prováveis candidatos à terapia gênica9 - 11. Estudos sugerem que a suplementação que contém Cystoseira canariensis pode promover perda de massa gorda corporal e ganho de massa muscular, uma vez que esse composto, derivado de algas marrons, seria ligado à miostatina e, aparentemente, reduziria os efeitos biológicos desta proteína12 - 14. No entanto, não são encontrados estudos que abordem o efeito dessa suplementação sobre a resistência e força muscular em ratos. Sua importância para o controle de massa muscular vem ao encontro da necessidade de se desenvolver estudos com foco em situações de perda de força, seja por desuso ou por ausência de filamentos proteicos no interior das miofibrilas, seja em decorrência de alguma doença específica, síndromes ou envelhecimento15 , 16.
O objetivo deste trabalho foi verificar o possível efeito do suplemento com Cystoseira canariensis, associado ou não à natação, sobre a massa corporal e a força de tração do músculo gastrocnêmio de ratas.
Este estudo caracterizou-se como experimental randomizado. Foram utilizadas 28 ratas Wistar com 45 dias de idade e massa corporal de aproximadamente 250 g, provenientes e mantidas no Biotério Central da UNIUBE. Os animais foram mantidos em regime de luz (10 horas claro e 14 horas escuro) e temperatura controladas (25°C). Foram divididos em quatro grupos: controle (C, n=7), sem natação e sem suplemento; suplemento (S, n=7), que receberam suplemento; suplemento associado à natação (SN, n=7), que realizaram o protocolo de exercícios e receberam suplemento no período; e natação (N, n=7), que só realizaram o protocolo de natação.
Para realização do trabalho, conforme as normas do Comitê de Ética em Pesquisa institucional, foram seguidos todos os princípios propostos por alguns autores e ratificados pela UNESCO, que, em 1978, elaborou a Declaração dos Direitos dos Animais. O experimento norteou-se de acordo com todos os cuidados necessários para evitar o sofrimento de cada animal17 , 18. O projeto foi aprovado pela Comissão de Experimentação Animal da UNIUBE (Processo nº 028/2009).
Os animais dos grupos S e SN foram tratados com 20 mg de suplemento MyoblastTM, que contém Cystoseira canariensis, diluído em água, em uma dose diária, durante 8 semanas, 6 dias por semana.
Os animais foram treinados com exercício aeróbio crônico moderado (natação), em uma frequência de três vezes por semana, em dias alternados, durante oito semanas, a partir de protocolo adaptado de diferentes autores19 , 20. A temperatura da água foi mantida entre 30º e 35°C e trocada diariamente. Durante o período de natação, o aumento do tempo foi progressivo, iniciando, no primeiro dia, com 15 minutos, com acréscimo de 15 minutos no segundo dia e assim sucessivamente, até chegar ao tempo total de 45 minutos. Durante a natação, realizada em tanque com dimensões de 1,5x0,90x0,70 m, o animal teve sobrecarga (5% da massa corporal) atada à cauda.
Massa Corporal
No decorrer das oito semanas de tratamento, foram verificados, semanalmente, os valores de massa corporal dos animais, a fim de preparar a carga a ser atada à cauda e avaliar o provável ganho de peso. Após as oito semanas, os animais foram eutanasiados com overdose de anestésico.
Ensaio de tração
Para o ensaio de tração foi coletado o conjunto fêmur-gastrocnêmio-calcâneo direito das ratas. A máquina universal de ensaio EMIC(r) - modelo DL3500, do Laboratório de Pesquisa em Materiais Odontológicos da Universidade de Uberaba, equipada com uma célula de carga 50 kgf, foi utilizada para execução do ensaio mecânico. A máquina esteve ligada diretamente a um microcomputador equipado com software capaz de obter os valores de carga e alongamento com precisão. Foi utilizado um acessório especial para fixação e realização dos ensaios de tração dos músculos, para que fossem preservadas a origem e a inserção muscular.
Os parâmetros adotados para o ensaio foram: pré-carga de 0,30 kgf; velocidade do ensaio de 10 mm/min; limites de carga e alongamento de 8,00 kgf e 25 mm, respectivamente. Após a realização de cada ensaio foi observado o local de rompimento das fibras musculares. Para cada aumento de carga aplicado ao músculo foi obtido um valor resultante de alongamento, o que possibilitou a construção dos gráficos carga versus alongamento, por meio do programa Microsoft Excel XP Professional (r).
Em seguida, foram analisadas as seguintes propriedades mecânicas: a carga no limite máximo; o alongamento no limite máximo; e a rigidez21 - 24.
Para a análise simultânea dos grupos foi utilizado o teste ANOVA e para comparação entre os grupos foi utilizado o teste Tukey-Kramer, sendo adotado, para ambos, um nível de significância menor de 5%.
Verificou-se que houve diferença significativa para ganho de massa corporal entre os grupos tratados com suplemento e suplemento associado à natação, com menores valores para este último (Tabela 1).
Tabela 1 Ganho de massa corporal (g), carga no limite máximo (N), alongamento no limite máximo (x10-3 m) e rigidez (x10(3) N/m) dos grupos (C), (S), (N) e (SN) (média±DP)
Grupo | Ganho de massa | Carga no limite máximo | Alongamento no limite máximo | Rigidez |
---|---|---|---|---|
C | 67,5±15,01 | 35,41±1,06 | 17,15±1,11 | 3,07±0,31 |
S | 92,3±18,04* | 39,98±1,15* | 18,71±2,31 | 3,22±0,28** |
N | 64,0±11,11*** | 27,94±2,19 | 16,11±1,60 | 2,06±0,29 |
SN | 59,7±25,02 | 37,78±1,28**** | 20,68±1,19***** | 2,83±0,63 |
*p<0,05 versus C (Controle)
**p<0,05 versus N (Natação)
***p<0,05 versus SN (Suplemento e Natação)
****p<0,05 versus N
*****p<0,05 versus C e N
Verificam-se também, conforme Tabela 1, os valores referentes à carga no limite máximo (CLM) e ao alongamento no limite máximo (ALM) apresentados pelo músculo gastrocnêmio dos animais. Ao final do período experimental, verificou-se que houve maiores valores de CLM para o grupo SN, comparado ao grupo N. Em relação ao ALM, o grupo SN apresentou valor maior do que os grupos experimentais C, S e N. O valor de rigidez foi significativamente menor para o grupo que somente realizou natação, comparado ao grupo que somente recebeu suplemento. Não foram encontradas, para esta propriedade, diferenças significativas entre os demais grupos.
Objetivou-se, com este estudo, verificar a possível variação na massa corporal e no ganho de resistência do músculo gastrocnêmio de ratas ao teste de tração, após período de treinamento físico com ou sem suplemento contendo inibidor de miostatina. Embora a literatura apresente relevantes trabalhos relacionados à terapia gênica e à terapêutica para aumento de massa muscular11 , 25, não foi verificado trabalho identificando variação de massa corporal em animais tratados com inibidor de miostatina. Ressalta-se que o protocolo de exercícios utilizados foi do tipo aeróbio, o que já favoreceria a perda de massa corporal. O inibidor de miostatina parece mesmo ter efeito anabólico aos animais, o que teria tido ação acentuada quando não associada a qualquer terapêutica.
O inibidor de miostatina utilizado neste trabalho continha Cystoseira canariensis, um polissacarídeo derivado de algas marinhas marrons que possui um complexo grupo de macromoléculas, o que facilitaria sua ligação à miostatina e, consequentemente, a inativação dessa proteína. Também há registro de que esses polissacarídeos regulam alguns fatores de crescimento e citocinas, tais como os fatores de crescimento de fibroblasto, interferon e algumas enzimas pertencentes à família do TGF-b12 , 26.
Em estudo realizado em humanos por Willoughby13, que utilizou suplementos contendo Cystoseira canariensis combinados com exercícios físicos, não se verificou aumento na força e na massa muscular, quando comparados com o grupo que realizou treinamento sem suplementação. A quantidade utilizada no presente estudo poderia ter sido suficiente para gerar tais alterações nas ratas, ao contrário do trabalho citado, visto ser o mesmo mecanismo de atuação para crescimento do músculo esquelético tanto em humanos quanto nesses animais.
A implicação deste estudo pode ser estendida aos casos em que há necessidade de manutenção da massa muscular em determinadas doenças específicas que culminam em perda de força27 - 29. Bogdanovich et al.30 testaram a inibição da miostatina in vivo em camundongos mdx e os resultados revelaram aumento de peso, massa, tamanho e força muscular absoluta, com uma diminuição significativa na degeneração muscular. Concluíram que o bloqueio da miostatina oferece tratamento de doenças associadas à perda muscular, como, por exemplo, a distrofia muscular de Duchenne. A expressão do gene GDF-8 é similar em tecidos musculares de pacientes portadores de dois tipos de distrofia muscular (Duchenne e Becker) com diferentes graus de comprometimento clínico31.
Em estudo recente, houve a aplicação de protocolo de natação (45 minutos, 2 vezes ao dia, durante 4 semanas) a ratos submetidos ou não a uma dieta com alto teor de gordura. Os animais que realizaram natação e não tiveram dieta especial apresentaram significativa redução na expressão de RNAm para miostatina no músculo gastrocnêmio analisado, comparados ao grupo que não fez exercícios; mas o resultado não se repetiu quando foram comparados os grupos que receberam dieta rica em gordura32. O protocolo de natação utilizado neste estudo pode ter sido potencializado pelo uso do suplemento com Cystoseira canariensis.
Os presentes achados indicam maior carga máxima suportada pelos músculos de ratas que receberam suplementação, seja comparada ao grupo C ou ao grupo N. Para o grupo S, pode ser que o ganho de massa tenha contribuído também para o aumento da resistência ao teste de tração realizado. No entanto, o grupo que realizou natação e recebeu suplemento e natação teve menor ganho de massa corporal, mas apresentou resistência à carga máxima quando comparado ao grupo N e não diferiu do C.
Em relação ao alongamento no limite máximo, os grupos que receberam suplemento (isolado ou associado à natação) foram os que apresentaram maiores valores. Quando se verifica o maior alongamento do músculo adiante da carga no limite máximo, denota-se sua maior rigidez, valor reflexo da fase elástica do músculo, o que ocorreu com o grupo que recebeu somente suplemento. Este resultado é um indicativo positivo da ação do Cystoseira canariensis sobre o músculo, uma vez que também foram observados maiores valores para a carga no limite máximo nesses músculos, deixando-o mais resistente à lesão e ou ruptura, resistência esta que, em outras circunstâncias de análise, já foi verificada por alguns autores e indica ser o ensaio de tração uma forma de análise para preservar as características fisiológicas do músculo24 , 33 , 34.
O fato de o músculo gastrocnêmio dos animais que receberam Cystoseira canariensis apresentar melhores resultados para as propriedades mecânicas estudadas indica possivelmente modificação na estrutura do músculo gastrocnêmio das ratas, o que não foi possível confirmar pela falta de análise histológica, uma limitação deste estudo. No entanto, a suplementação mostrou-se eficaz durante essas oito semanas de tratamento no que se refere ao desempenho do músculo diante da imposição de carga de tração.
O suplemento contendo inibidor de miostatina parece exercer efeito anabólico aos músculos dos animais, inclusive na contribuição para o ganho de massa corporal. Ainda, associado ou não à natação, promove aumento de resistência à carga máxima, no teste de tração, em músculo gastrocnêmio de ratas jovens, o que se torna um indicativo positivo para a melhora do desempenho muscular.