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Surto de infecção por norovírus em instituição de longa permanência no Brasil

Surto de infecção por norovírus em instituição de longa permanência no Brasil

Autores:

Fernando Gatti de Menezes,
Vanessa Maria da Silva de Poli Correa,
Fábio Gazelato de Mello Franco,
Miriam Ikeda Ribeiro,
Maria Fátima dos Santos Cardoso,
Simone Guadagnucci Morillo,
Rita de Cássia Compagnoli Carmona,
Maria do Carmo Sampaio Tavares Timenetsky,
Luci Correa,
Jacyr Pasternak

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1779

INTRODUÇÃO

Os norovírus, anteriormente chamados de Norwalk-like vírus, são importantes patógenos nos surtos que ocorrem em hospitais e instituições de longa permanência. São a causa mais comum de doença gastrintestinal nos Estados Unidos, com um número estimado de 23 milhões de casos por ano(1).

O norovírus é extremamente infeccioso e requer um pequeno inóculo para causar a doença (10 a 100 organismos). A transmissão do norovírus durante os surtos institucionais pode ocorrer de diversas formas, incluindo o contato de pessoa para pessoa, fecal-oral, consumo de alimento ou água contaminados, pulverização de partículas virais durante o vômito e fômites contaminados(23).

O período de incubação da gastroenterite por norovírus varia de 10 a 72 horas, mas é geralmente de 24 a 48 horas, e a doença, na maioria das vezes, se resolve dentro de 24 a 48 horas, podendo durar uma semana ou mais. Caracteriza-se por diarreia, vômitos, dor abdominal, mal-estar e sintomas constitucionais, como cefaleia, febre baixa, calafrios e mialgia(4,5).

Entre os residentes da instituição de longa permanência, incontinência fecal, demência e imobilidade são condições comuns que podem facilitar a extensa contaminação do ambiente com patógenos fecais.

OBJETIVO

Descrever as características de um surto de norovírus em uma instituição de longa permanência no Brasil, sendo conduzido com o uso de métodos diagnósticos epidemiológicos e moleculares e propor ações preventivas.

MÉTODOS

Em julho de 2005, os surtos de gastroenterite foram notificados ao Serviço de Controle de Infecções do Residencial Israelita Albert Einstein (instituição de longa permanência), São Paulo, Brasil. O local desse surto possuía 150 residentes em instituição de longa permanência e uma equipe clínica formada por 40 pessoas.

Para este estudo, o surto foi definido como 3 ou mais casos relacionados à diarreia de início agudo (2 ou mais episódios em 24 horas). Os critérios de Kaplan foram usados para diagnóstico de infecção presumida por norovírus, incluindo coproculturas negativas para patógenos bacterianos, vômitos em mais de 50% dos casos, período de incubação de 24-48 horas e duração média ou mediana da doença de 12-60 horas(1).

As amostras de fezes foram colhidas para cultura de Campylobacter spp., Salmonella spp., Shiguella spp., Staphylococcus aureus, Vibrio spp., Yersinia enterocolitica, Escherichia coli enteropatogênica e detecção de antígeno para rotavírus. Ovos e parasitas foram detectados por microscopia direta.

Essas amostras foram avaliadas quanto à presença de norovírus com o uso do kit RIDASCREEN® Norovirus (R-Biopharm AG, Darmstadt, Alemanha) conforme instruções do fabricante, além da reação em cadeia de polimerase-transcriptase reversa (RT-PCR). A sequência de nucleotídeos dos produtos da reação em cadeia da polimerase (PCR) (cDNA) no norovírus foi determinada com o kit de sequenciamento do ciclo final Big-Dye e um ABI Prism 377 automatizado (PE Applied Biosystems, Inc., EUA).

Para a pesquisa ambiental, amostras de água, leite, iogurte, queijo, bolos, salada, batata, arroz e outros alimentos foram analisados quanto à cultura de Bacillus cereus, Salmonella spp., Staphylococcus aureus, Clostridium spp. e de levedura.

RESULTADOS

O surto ocorreu entre 8 e 29 de julho de 2005, envolvendo 95 casos (62 residentes em instituição de longa permanência e 33 funcionários). A Figura 1 mostra os casos de residentes na instituição e de funcionários.

Figura 1 Curva epidêmica do surto de norovírus em funcionários e residentes. 

As amostras de fezes dos pacientes com gastroenterite aguda (oito residentes e um funcionário) foram enviadas ao Laboratório de Vírus Entéricos do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, para identificação do agente do surto. Entre 9 espécimes analisados pelo RIDASCREEN® Norovírus, 4 (44,4%) foram positivos e identificados como norovirus do genogrupo GII por meio de RT-PCR, com o pool de preparação MON 431-433. Os produtos da PCR (n = 3) foram analisados por meio de sequenciamento genético e confirmados como genogrupo GII. A comparação das sequências obtidas com aquelas disponíveis no GenBank é o método de escolha para a análise de genoma e caracterização de genogrupos de norovírus de acordo com a classificação proposta(6).

Os ensaios para rotavírus, assim como cultura de bactérias e a pesquisa de parasitas foram negativas. De todas as amostras ambientais testadas, as culturas de água foram positivas para Pseudomonas aeruginosa.

Entre os residentes, 70% eram mulheres e a idade variou de 51 a 98 anos (idade mediana: 83 anos). Trinta e cinco por cento desses casos eram completamente dependentes nas atividades diárias. Os residentes da instituição de longa permanência tiveram uma mediana de duas comorbidades (variação de 0 a 6), 87,3% com doença cardiovascular ou pulmonar crônica, 47,6% com demência, 27% com diabetes e 12,7% com qualquer tipo de distúrbio gastrintestinal.

Entre os funcionários, 87% eram mulheres com idades variáveis entre 21 e 53 anos (mediana de 25 anos).

A principal característica clínica foi a diarreia, que acometeu 100% dos residentes e funcionários. Outros sintomas incluíram náuseas ou vômitos (50,4%). A duração mediana dos sintomas clínicos foi de um dia (variação de um a três dias).

A taxa de ataque entre os residentes foi de 41,3% e, entre os funcionários, 16,25%. Durante o período do surto, residentes da instituição e funcionários não foram transferidos para o pronto-socorro do hospital de tratamento agudo e não houve óbitos. Não houve recidiva desse surto.

Dentro de 48 a 72 horas, foram implementadas as estratégias iniciais de controle da infecção, incluindo o relato do surto às autoridades de Saúde Pública, instrução dos funcionários e envolvimento na prevenção de infecções, reforço na higienização das mãos e disponibilização de substâncias à base de álcool para a limpeza das mãos à beira do leito, implementação de precauções de contato a todos os residentes até que o residente estivesse assintomático por 48-72 horas, uso de máscara ao ajudar os residentes da instituição que estivessem apresentando vômitos ou durante a limpeza de fômites e garantia do suprimento de água limpa, trocando a água contaminada com Pseudomonas aeruginosa e usando apenas água mineral de garrafa. A limpeza terminal dos quartos na instituição foi realizada com o uso de hipoclorito (alvejante) a 1:50 e água em todas superfícies frequentemente tocadas, além de afastamento de funcionários sintomáticos do local de trabalho até 48-72 horas após a resolução dos sintomas. A recomendação para a lavagem das mãos incluiu o uso de sabonete líquido e água durante 1 minuto, enxágue durante 20 segundos e secagem com toalhas de papel descartável de acordo com a revisão do controle de infecções em outros surtos de norovírus(1).

DISCUSSÃO

Os norovírus são reconhecidos atualmente, de longe, como a causa viral mais comum de gastroenterite. Em razão dos sintomas em curto prazo, a falta de técnicas diagnósticas fáceis e documentação clínica insuficiente na instituição de longa permanência, combinadas à capacidade limitada de conduzir entrevistas diretas com os residentes dessas instituições, podem ter resultado na subestimação da taxa de doença entre os residentes(7).

Neste estudo, apenas 4 de 96 casos tiveram teste positivo para o norovírus. Durante a ocorrência de um surto, não é possível obter espécimes de fezes de todos os pacientes envolvidos; os pacientes que cuidam de si mesmos com frequência se esquecem de obter amostras ou a curta duração da infecção pode não oferecer a oportunidade para obter amostras. Entretanto, a possibilidade de infecção por norovírus não pode ser descartada no grupo de casos positivos de norovírus sem sintomas, pois aproximadamente 30% dos indivíduos infectados podem ser assintomáticos(2,8).

Os produtos da PCR foram sequenciados para confirmação dos produtos amplificados e caracterização dos genogrupos dos isolados de norovírus identificados nos surtos. Com base na análise e comparação das sequências de nucleotídeos da região POL, os norovírus são classificados de acordo com o grau de semelhança entre as sequências: > 85% de semelhança nas amostras GI e semelhança > 90% nas amostras GII. A maior parte das nossas amostras apresentou mais de 90% de semelhança entre as sequências com amostras GII disponíveis em GenBank, confirmando o genogrupo GII(913).

A gastroenterite por norovírus, embora geralmente uma doença leve e autolimitada, pode ser menos benigna quando os pacientes são mais velhos, imunodeprimidos ou com doença cardiovascular. As complicações podem incluir insuficiência renal aguda, rejeição, arritmias, hipocalemia e diarreia crônica. Em nosso surto, não houve complicações e mortes entre os casos(14).

A transmissão de pessoa a pessoa pode ter tido um papel importante em nosso surto. Os residentes e os funcionários das instituições de longa permanência em geral têm contato frequente durante as refeições e outras atividades. A transmissão pelo ar ou fômites também pode facilitar a disseminação do vírus durante os surtos. Essa hipótese é confirmada pela taxa de doença nos funcionários que trabalham em contato próximo aos residentes da instituição(5,14).

A presença da contaminação por Pseudomonas aeruginosa no suprimento de água não foi a causa desse surto, pois em nossa análise microbiológica entre residentes da instituição e funcionários, esse não foi o agente causal da infecção.

Embora os dados sobre os produtos de limpeza à base de álcool sugiram que eles sejam insuficientes para a desinfecção do norovírus, o uso de substâncias à base de álcool para a limpeza das mãos em nosso surto contribuiu para reforçar a higiene das mãos e outras medidas de precaução.

Os principais focos de controle desse surto foram o treinamento da equipe, higiene das mãos, implementação de medidas de contato e solicitação para os funcionários não retornarem ao trabalho até 48-72 horas após a resolução dos sintomas(14,15).

Esta pesquisa teve várias limitações. Não houve auditoria da prática de higiene das mãos. Nenhum teste específico para o norovírus foi realizado em amostras ambientais, o que limitou o conhecimento da fonte do surto. Entretanto, acreditamos que a contaminação da superfície ambiental possa ter tido um papel significativo na persistência desse surto em razão da presença de incontinência fecal, imobilidade e demência entre os residentes da instituição. Além disso, a capacidade dos norovírus de persistirem no ambiente por talvez até mesmo três ou quatro semanas pode ter contribuído para o alto número de surtos(14).

As iniciativas de prevenção e controle devem concentrar-se nos possíveis modos de transmissão sugeridos pela investigação epidemiológica. Intervenções agressivas no início de um surto podem ser necessárias para reduzir a morbidade e o custo. Portanto, o combate dessa infecção comum requer muito empenho na educação da saúde pública e em medidas para controle de infecções. A vigilância na inspeção, isolamento e desinfecção é necessária para manter as instituições de longa permanência livres de norovírus e para proteger os indivíduos mais vulneráveis.

CONCLUSÕES

Foram identificadas as características clínicas e epidemiológicas do surto de norovírus e foram propostas ações preventivas.

REFERÊNCIAS

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