versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.6 São Paulo 2019 Epub 09-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190299
Uma paciente branca de 69 anos foi encaminhada para avaliação funcional por suspeita do pneumologista de DPOC. Relatava tosse com expectoração matinal nos últimos 4 anos e dispneia ao andar depressa no plano e ao subir aclives leves. Negava ataques de sibilância. Ex-fumante de 35 maços-ano, com índice de massa corpórea de 27,3 kg/m2.
O teste espirométrico preencheu os critérios de aceitação e reprodutibilidade. Os resultados de espirometria e volumes pulmonares foram obtidos com base nos valores previstos sugeridos pela Global Lung Function Initiative (GLI) em 20121 e naqueles para a população brasileira2 e são mostrados na Figura 1.
Figura 1 Valores funcionais em paciente com suspeita de DPOC, comparados a valores previstos sugeridos pela Global Lung Function Initiative (em A)1 e aqueles previstos para a população brasileira para espirometria e volumes pulmonares (em B e C).2
Pelos valores de referência sugeridos pela GLI,1 a relação VEF1/CVF, FEF25-75% e FEF75% situavam-se na faixa prevista. Pelas equações brasileiras2 a relação VEF1/CVF e FEF75% encontravam-se levemente reduzidos. A presença de obstrução ao fluxo aéreo foi confirmada pela elevada resistência específica das vias aéreas e pelo aumento do VR e da CPT. Após a administração de broncodilatador (400 µg) por inalador dosimetrado, não houve mudança significativa dos parâmetros de função pulmonar.
A utilização de valores previstos adequados para uma correta interpretação dos testes de função pulmonar é crítica. Inúmeras equações de valores previstos estão disponíveis na literatura, resultando em valores de referência amplamente divergentes.
As equações da GLI1 incluíram um grande número de indivíduos de muitos centros. Diversos fatores, tais como seleção da amostra e diversas técnicas de medida e de controle de qualidade, influenciaram os resultados obtidos, complicando a agregação dos diferentes estudos e ampliando a faixa de valores previstos, com limites inferiores muito baixos. Por exemplo, em um homem de 65 anos de idade com estatura de 170 cm, o limite inferior do valor previsto pela equação brasileira2 é 0,70, enquanto pelo GLI1 é 0,65. Em uma mulher de 65 anos de idade com 165 cm de estatura, o limite inferior brasileiro2 é igualmente 0,70 e, pelo GLI, 0,66.3) Não é surpreendente que a relação VEF1/CVF < 0,70 para definir obstrução ao fluxo aéreo, persistentemente defendida pela Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease, tenha mostrado, em um estudo recente,4 melhor valor preditivo para internações e mortalidade por DPOC em longo prazo, em comparação ao limite inferior sugerido pelo GLI, o qual situa-se abaixo de 0,70 em indivíduos já de meia-idade e em idosos.
O mesmo se aplica ao limite inferior para FEF25-75% e FEF75%, retirando completamente o valor dos fluxos médios e ao final da expiração na caracterização de limitação ao fluxo aéreo quando os limites sugeridos pela GLI1 são usados.5
No estudo brasileiro,2 um pequeno número de técnicos certificados, supervisionados pelo principal investigador durante todo o estudo, realizaram os testes nos oito centros selecionados. Extensos esforços foram feitos para o preenchimento dos critérios de aceitação e reprodutibilidade. Naquele estudo,2 além das diferenças entre CVF e VEF1 < 0,15 L, os melhores valores de pico de fluxo deveriam diferir < 10% do maior valor em pelo menos três curvas para ser aceitos, o que nunca foi aplicado em outros estudos.