versão On-line ISSN 2526-8910
Cad. Bras. Ter. Ocup. vol.27 no.2 São Carlos abr./jun. 2019 Epub 16-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao1186
Studies indicate that children are spending more time with technology.
To verify the influence of technology in the neuro psychomotor development of children from four to six years of age in a private school.
a questionnaire was applied to parents regarding the time of exposure and ways of using technologies and daily activities and was applied Denver II Test, comparing the performance of the most with those least exposed to the technology.
technology does not influenced the neuropsychomotor development, possibly because besides the use of technologies, they report diverse stimuli, including jokes. An age influence was observed in the existence of delays, and the lower the age the greater the neuro psychomotor delay.
For this sample the technology had no influence, but more studies are suggested with a larger number of participants and other ages.
Keywords: Technology; Child Development; Physical Therapy
A brincadeira constitui atividade fundamental às experiências sensório-motoras das crianças, permitindo que reconheçam e percebam seus corpos e movimentos e com isso aumentem seus repertórios de habilidades motoras (BOMTEMPO; CONCEIÇÃO, 2014), ao mesmo tempo em que auxilia na formação social e favorece a interação (QUEIROZ et al., 2006).
Atualmente, o avanço da tecnologia e das mídias sociais têm provocado profundas mudanças nas relações interpessoais (MONTEIRO; OSÓRIO, 2015; CRUZ JUNIOR; CRUZ, 2016) e até mesmo na forma de brincar. Essa influência está ocorrendo uma vez que as crianças têm mais contato com equipamentos de alta tecnologia, como: videogames, tablets, televisão, computadores e brinquedos eletrônicos permanecendo menos tempo em atividades físicas (MIRANDA et al., 2011; CLIFF et al., 2017) e brincadeiras.
Alguns fatores contribuem para um estilo de vida menos ativo: disponibilidade de tecnologia, aumento da insegurança e a progressiva redução dos espaços livres nos centros urbanos, que diminuem as oportunidades de lazer e de uma vida fisicamente ativa, o que pode provocar atraso neuropsicomotor das crianças (MÉLO; FINK, 2017).
A influência das mídias na vida das crianças já é tanta que pesquisadores (RIDEOUT, 2013; AVG, 2015; ALONSO; ROMERO, 2017) têm realizado investigações anuais para identificação do padrão de consumo e comportamento no uso das mídias por crianças e adolescentes. Há estudos nacionais, como o feito em escolares de Curitiba em que 100% das crianças mencionam ter televisão e celulares e 91% relatam ter computador em suas casas (MOTA, 2007), chegando a ficar 26,46 horas semanais assistindo televisão (GOMIDE, 2002). Outras pesquisas também apontam um aumento de consumo das mídias pelas crianças, sendo que a maioria (57%) das crianças de 5 anos sabem utilizar mídias, mas, dessas, somente 14% sabem amarrar os cadarços (AVG, 2015). Esse uso já é relatado também em 38% das crianças com menos de 2 anos de idade (SENA, 2014).
Para Buckingham (2006), o uso das mídias parece ter influências contraditórias. Há pesquisas (MOREIRA, 2003; MARSHALL, 2004; ALONSO; ROMERO, 2017) que mostram os inúmeros efeitos, em geral negativos, no uso de mídias: obesidade, violência, influência sobre a personalidade. No entanto, efeitos positivos também são encontrados: no aprendizado, linguagem e cognição, por meio das mídias educativas; participação cívica, auxílio na formação de identidade pela identificação com pessoas e assuntos, manutenção da atenção nos jogos de computadores e incentivo à criatividade (BUCKINGHAM et al., 2007).
Positivos e/ou negativos, os efeitos das mídias devem ser investigados. Isso porque é consenso a influência do meio e estímulos externos sobre o desenvolvimento infantil, e que na privação de vivências sensório motoras adequadas, alterações na motricidade são esperadas (FORMIGA et al., 2010; ISRAEL et al., 2014).
Ao considerar que o desenvolvimento é dependente de questões inerentes à criança, do ambiente que ela está incluída, e dos estímulos que recebe, e que, em uma abordagem atualizada de saúde e de acordo com os domínios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), questões ambientais devem ser consideradas (ORGANIZAÇÃO..., 2015; SILVA et al., 2016), neste trabalho o objetivo geral foi verificar a influência da tecnologia no desenvolvimento neuropsicomotor de crianças de quatro a seis anos de idade.
Trata-se de um estudo quase-experimental, transversal, descritivo (TIMMONS et al., 2012), aprovado pelo Comitê de Ética sob o número 49171915.0.0000.5229. A seleção das crianças foi realizada de forma não probabilística, intencional e voluntária, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) entregue aos pais e/ou familiares. Após aprovação e permissão, foram incluídas crianças que tinham de quatro a seis anos de idade, que estivessem estudando em uma escola particular de Curitiba – PR, ao considerar maior possibilidade de uso de diferentes tecnologias pelo poder aquisitivo e por existirem evidências (SIMÕES et al., 2008) de que crianças de escola pública e privada apresentam DNPM semelhante. Foram excluídas da análise do estudo crianças com necessidades especiais ou alguma deficiência (física, auditiva, visual e/ou intelectual) relatada e/ou observada pelo avaliador da pesquisa, ou que, mesmo pela aprovação do TCLE, se negassem ou não realizassem integralmente os itens da escala de avaliação.
No total, 115 questionários junto do TCLE foram entregues aos pais e/ou familiares, retornando o consentimento de apenas 23 crianças. Assim participaram da pesquisa 23 alunos, divididos em três grupos, sendo 6 crianças de 4 anos, 11 crianças de 5 anos e 6 crianças de 6 anos de um Centro de Educação Infantil e Ensino Fundamental privado de Curitiba – PR.
Foi aplicada a Escala de Desenvolvimento de Denver II nas crianças pela pesquisadora, em uma sala da escola. A escala de Denver foi aplicada em três dias, um dia para cada grupo de crianças (Figura 1).
Figura 1 Exemplos de atividades de motricidade global e fina avaliadas pela Escala de Denver II. Fonte: Coleta de dados.
A Escala de Denver II é o instrumento mais utilizado para triagem de população assintomática de 0 a 6 anos, pois permite fácil treinamento e rápida administração (VIEIRA et al., 2009). A escala é composta por 125 itens distribuídos na avaliação de quatro áreas distintas do desenvolvimento neuropsicomotor: motricidade grossa, motricidade fina-adaptativa, pessoal-social e linguagem (SILVA et al., 2011).
A essa avaliação foi correlacionado se as crianças que apresentam alguma reprovação no Teste de Denver II permanecem mais tempo e/ou tem mais acesso à tecnologia. Para isso, aplicou-se um questionário elaborado pelas autoras da pesquisa aos pais com perguntas fechadas a respeito do acesso que as crianças têm ao computador, videogame e televisão, e quanto tempo permanecem utilizando-os, além de perguntas sobre os brinquedos que elas mais gostam. Esse questionário foi formulado com base na prática clínica das pesquisadoras em relação aos relatos dos pais sobre o comportamento e uso de tecnologias de seus filhos, questões que são investigadas na anamnese, como também, com base em levantamento prévio do consumo de mídias e tecnologias realizado na literatura (MÉLO; FINK, 2017).
O questionário foi entregue às crianças, para que as mesmas levassem aos seus pais. Só foram considerados para análise os questionários integralmente respondidos, sendo que os pais responderam sem saber do desempenho de seu filho no Teste de Denver II.
Os dados foram analisados no pacote estatístico SPSS versão 22.0. Estes dados foram descritos por meio de frequência absoluta e relativa. O cruzamento dos dados foi realizado por meio do teste Qui-quadrado, Correlação de Spearman e Teste Exato de Fisher unilateral. Com significância estatística estipulada em 95%.
A distribuição das crianças por idade e a comparação do desenvolvimento neuropsicomotor delas pode ser observado na Tabela 1, observando-se existência média de atrasos de 43,5% considerando-se todas as idades, sendo maior para a idade de 4 anos.
Tabela 1 Distribuição de crianças avaliadas por idade e comparação do atraso no desenvolvimento delas entre as idades.
Idade | N de crianças | N de crianças com atraso | % de crianças com atraso | Valor de p |
---|---|---|---|---|
4 anos | 6 | 6 | 100% | 0,005 |
5 anos | 11 | 3 | 27,3% | |
6 anos | 6 | 1 | 16,6% | |
Total | 23 | 10 | 43,5% |
Significância do Teste Qui-quadrado, p<0,05.
Os resultados da Tabela 1 mostram que há significativa relação de dependência entre idade e atraso neuropsicomotor, ou seja, há diferença significativa no número de crianças com atraso entre as idades (X2=10,731 p=0,005). Ao correlacionar os dados, por meio da correlação de Spearman, observa-se que esta é significativa e inversa (p<0,002), ou seja, quanto maior a idade, menor o número de crianças com atraso.
A Figura 2 mostra a área de atraso neuropsicomotor das crianças que o apresentaram, distribuídas por idade. Observa-se no gráfico que, das seis crianças de quatro anos que apresentaram atraso no desenvolvimento, uma delas apresentou atraso em três áreas do desenvolvimento, sendo elas Pessoal-social, Linguagem e Motor grosso, e, das três crianças de cinco anos que apresentaram atraso, duas o manifestaram em duas áreas, sendo elas Linguagem e Motor grosso.
Ao analisar os dados descritivos da Tabela 1, juntamente com os da Figura 2, observa-se que:
Considerando o DNPM geral, 100% das crianças de quatro anos têm algum atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Destas, 83,3% apresenta atraso na área pessoal-social, 33,3% na área motor grosso e 16,6% na área de linguagem.
27,3% das crianças de cinco anos têm algum atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo que, destas, 27,3% apresenta atraso na área motora grossa e 18,2% na área linguagem.
16,6% das crianças de seis anos têm algum atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e esta única criança, que representa 16,6%, apresenta atraso na área Motor grosso.
Nenhuma das crianças avaliadas apresentou atraso na área Motora Fina.
A Tabela 2 evidencia que, das 15 questões analisadas, apenas a resposta afirmativa à questão “Já privou seu filho de ver TV ou jogar como punição?” mostrou significativa relação de dependência com o desenvolvimento neuropsicomotor (p=0,037), ou seja, os resultados mostram que a maioria das crianças que já foram privadas de ver TV têm um desenvolvimento típico. Parece haver um consumo mediado pelos pais do uso de televisão, e isso, de maneira geral, pode ter influência positiva uma vez que as crianças tiveram desenvolvimento típico em sua maioria. Os resultados mostram também uma tendência à relação de dependência (p=0,089) entre a resposta afirmativa da questão “Quando saem costumam levar tablet, celular para ele?” e o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças. Isso reforça a necessidade de mediação do consumo de tecnologias.
Tabela 2 Distribuição das respostas de cada questão, total e estratificada pelo filho ter ou não atraso no desenvolvimento. Comparação entre as respostas dos que têm e não têm atraso no desenvolvimento.
Questões respondidas pelos pais sobre a relação dos filhos com a tecnologia | Respostas dos pais de todas as crianças | Respostas dos pais das crianças com atraso no desenvolvimento | Respostas dos pais das crianças com desenvolvimento típico | Valos de p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N de “sim” | % de “sim” | N de “sim” | % de “sim” | N de “sim” | % de “sim” | ||
Mostra interesse por celular, tablets? | 21 | 91,3 | 9 | 90 | 12 | 92,3 | 0,692 |
Começou a mostrar interesse antes dos dois anos? | 9 | 39,1 | 4 | 40 | 5 | 38,5 | 0,637 |
Permanece mais que duas horas por dia na TV, celular? | 14 | 60,9 | 8 | 80 | 6 | 46,2 | 0,111 |
Seu filho possui celular? | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | - |
Seu filho tem acesso à tablet ou Ipad? | 18 | 78,3 | 8 | 80 | 10 | 76,9 | 0,633 |
Tem acesso a videogame? | 12 | 52,2 | 6 | 60 | 6 | 46,2 | 0,407 |
Tem acesso a computador? | 13 | 56,5 | 5 | 50 | 8 | 61,5 | 0,448 |
Prefere ver TV do que brincar? | 5 | 21,7 | 3 | 30 | 2 | 15,4 | 0,367 |
Já privou seu filho de ver TV ou jogar como punição? | 15 | 65,2 | 4 | 40 | 11 | 84,6 | 0,037 |
O último presente que deu a ele foi tecnológico? | 2 | 8,7 | 1 | 10 | 1 | 7,7 | 0,692 |
O brinquedo preferido do seu filho é tecnológico? | 3 | 13 | 1 | 10 | 2 | 15,4 | 0,602 |
Quando saem costumam levar tablet, celular para ele? | 5 | 21,7 | 4 | 40 | 1 | 7,7 | 0,089 |
Ele tem limite para jogar no computador ou videogame? | 18 | 78,3 | 8 | 80 | 10 | 76,9 | 0,633 |
Costuma brincar com ele com brinquedos não tecnológicos? | 21 | 91,3 | 10 | 100 | 11 | 84,6 | 0,308 |
Na sua opinião a tecnologia influencia negativamente? | 10 | 43,5 | 4 | 40 | 6 | 46,2 | 0,552 |
Total de respondentes por questão | 23 | 100 | 10 | 100 | 13 | 100 |
Significância do Teste Exato de Fisher unilateral, p<0,05.
Ainda referente as perguntas se “Quando saem costumam levar tablet ou celular para ele?” as crianças com atraso tiveram mais respostas “Sim”. Na questão “Ele tem limite para jogar no computador ou videogame?” observou-se que as crianças sem atraso são as que têm mais limite.
Na questão “Costuma brincar com ele com brinquedos não tecnológicos?” as crianças sem atraso foram as que tiveram mais respostas “Sim”, e, finalmente na questão “Você acha que a tecnologia influencia negativamente o desenvolvimento de seu filho?” também foram as crianças sem atraso que tiveram mais respostas “Sim”.
Na Figura 3 podemos observar que na questão: “Seu filho possui celular?”, nenhum pai respondeu afirmativamente. Na questão: “O último presente que deu à ele foi tecnológico?”, 2 pais responderam que “Sim”. Na questão: “O brinquedo preferido do seu filho é tecnológico?”, 3 pais responderam positivamente. Tanto na questão: “Prefere ver TV do que brincar?” e “Quando saem costumam levar tablet, celular para ele?”, 5 pais responderam “Sim”. Na questão “Começou a ter interesse antes dos dois anos?”, 9 pais responderam afirmativamente. Na questão: “Na sua opinião a tecnologia influencia negativamente?”, 10 pais responderam de forma positiva. Na questão “Tem acesso a videogame?”, 12 pais responderam que “Sim”. Já na questão “Tem acesso a computador?”, 13 pais responderam positivamente. Na questão “Permanece mais que duas horas por dia na TV, celular?”, 14 pais responderam de maneira afirmativa. Na questão: “Já privou seu filho de ver TV ou jogar como punição?”, 15 pais responderam que “Sim”. Tanto na questão; “Seu filho tem acesso à tablet ou Ipad ?” e “Ele tem limite para jogar no computador ou videogame?”, 18 pais responderam positivamente. Em ambas as questões: “Mostra interesse por celular, tablets?” e “Costuma brincar com ele com brinquedos não tecnológicos?”, 21 pais responderam que “Sim”.
De maneira geral, observou-se que atrasos foram identificados em todas as faixas etárias (45,5% considerando todas as idades). Além disso, percebe-se que essa frequência de atraso vai diminuindo nas faixas etárias de 5 e 6 anos e que a idade de 4 anos é a mais crítica, pois todas as crianças apresentaram algum tipo de atraso, sendo que as áreas mais comprometidas foram as de pessoal-social, seguido por motor grosso e linguagem. Uma maior prevalência de atrasos em crianças de 4 anos já havia sido relatada por Brito et al. (2011), sendo que para esse autor a área de maior dificuldade foi a de linguagem. A faixa etária de 4 anos é essencial para o decorrer do desenvolvimento, já que representa uma idade na qual a criança atinge o ápice do desenvolvimento simbólico (KISHIMOTO, 1994) e corresponde a fase de pré-escola (CAMPOS et al., 2013).
Em valores absolutos de atraso, os resultados do presente estudo corroboram com os do estudo de Araujo (2013), no qual atrasos foram evidenciados em 32,2% das crianças de 0-3 anos avaliadas em creche e em 33% das crianças de 6 meses a 4 anos (MARIA-MENGEL; LINHARES, 2007), diferindo, no entanto, em relação a área de maior atraso, sendo que, para o presente estudo, foi a área pessoal social, enquanto para Araujo (2013) e Carneiro, Brito e Santos (2011) foram evidenciadas maiores dificuldades na área da linguagem (em 57,5% e 12% dos casos, respectivamente). Esses maiores atrasos na área de linguagem já são identificados em estudos brasileiros em fases precoces da vida (ARAUJO et al., 2017), sendo comprovados efeitos positivos da escolaridade dos pais e de uma melhor renda da família, fatores esses que não foram investigados no presente estudo.
Embora com forma de avaliação diferente da do presente estudo, esses resultados corroboram com os encontrados por Simões, Murijo e Pereira (2008) para os quais os piores desempenhos de escore nas habilidades motoras também foram em idades inferiores aos 5 anos, com tendência a padrões mais típicos com o passar da idade, o que reforça a necessidade de avaliações periódicas e identificação precoce desses atrasos.
Possivelmente, os maiores atrasos na área pessoal-social na idade de 4 anos indicam que a autonomia das crianças avaliadas está abaixo do que é indicado para a idade, fato esse que intriga ao considerar que são crianças que frequentam escola e que, para Rezende, Beteli e Santos (2005), são habilidades incentivadas no ambiente escolar. No presente estudo, as oportunidades oferecidas no ambiente domiciliar não foram totalmente investigadas, podendo ser a explicação para os resultados encontrados e que familiares podem estar realizando pela criança atividades que ela já teria condições de realizar com maior autonomia. Outra possibilidade é que questões sócio-culturais podem influenciar o desempenho das crianças, uma vez que a escala de Denver II, apesar de já se encontrar traduzida, não apresenta validação para a população brasileira (PINTO et al., 2015).
Dificuldades mais evidentes na área de linguagem foram identificadas por Moraes et al. (2010), os quais avaliaram trinta e cinco crianças de zero a seis anos na Comunidade de Paraisópolis – São Paulo, por meio do teste de Denver II, e observaram que, embora a maioria (68,6%) das crianças tenha apresentado teste de acordo com o desenvolvimento compatível com a idade, para as que tiveram atraso (31,4%), esse foi predominante na área da linguagem.
Nesse sentido, Brito et al. (2011) também avaliaram crianças (438) com o Teste de Denver II em Feira de Santana (BA), e constataram que a maior concentração de atrasos foi na área da linguagem (50,26% aos quatro anos e 41,93% aos cinco anos).
Pensando nas possíveis explicações para os atrasos na linguagem Rezende, Beteli e Santos (2005) defendem que, tanto para as habilidades pessoal-social quanto para as de linguagem, as crianças dependem das oportunidades oferecidas pelo ambiente para se desenvolver. Na área pessoal-social valoriza-se a independência da criança para realizar as tarefas do dia-a-dia, como escovar os dentes, alimentar-se, lavar as mãos. A linguagem é importante para que a criança possa resolver problemas e planejar suas ações, e o comprometimento dessa área exige atenção.
Para as habilidades motoras grossas, a maioria das crianças avaliadas apresentou desenvolvimento típico, sendo o atraso identificado em 33,3% das crianças de quatro anos, 27,3% das crianças de cinco anos e 16,6% das crianças de seis anos, ou seja, há uma tendência de que, com o passar da idade, os escores estejam dentro de padrões mais típicos.
Segundo Rosa Neto (2002), uma criança que tem as dimensões de motricidade bem desenvolvidas apresentará, consequentemente, sucesso nas suas produções acadêmicas associadas com o uso de certas habilidades, como a escrita. Provavelmente esse melhor desempenho tem uma associação com a idade.
A indústria de videogames cresce a cada ano, segundo Setzer (2008), o que indica o uso crescente de tecnologias. Em 2006, uma pesquisa revelou que pelo menos 42% dos americanos pretendia adquirir um ou mais jogos. O videogame é muito atraente, principalmente para as crianças, uma vez que os jogos permitem que o indivíduo seja protagonista da própria história e tenha várias experiências das mais variadas formas. Na presente pesquisa, observou-se que tanto as crianças com atraso quanto as outras têm acesso a videogame.
Assim, esse uso elevado de tecnologias foi confirmado no presente estudo, pois 78,3% dos pais responderam que as crianças têm acesso a tablets e/ou ipads, sendo 76,9% das crianças com desenvolvimento típico e 80% das com atraso. Além disso, 56,5% dos pais responderam que seus filhos têm acesso ao computador, sendo 61,5% com desenvolvimento típico e 50% com atraso. Apesar disso, para ambos os grupos, a maioria (90% das crianças com atraso e 84,6% das com desenvolvimento típico) das crianças prefere brinquedos não tecnológicos.
Apesar da hipótese da influência de tecnologia no desenvolvimento, no presente estudo não se observou, de forma direta, uma influência negativa, isso porque nas respostas dos pais, o consumo de algumas mídias por essa população é mediado e controlado em termos de intensidade e tempo de uso, tendo a privação dessas mídias, em alguns momentos, uma influência positiva sobre o desenvolvimento.
Os jogos podem ajudar a desenvolver habilidades cognitivas, pois a criança precisa pensar e elaborar hipóteses, construir estratégias e solucionar problemas enquanto joga. Além disso, propiciam a imaginação, habilidades motoras e cognitivas, criatividade e interatividade (SETZER, 2008) e, se ofertados de forma mediada, sem substituição às demais atividades lúdicas, podem propiciar uma estimulação diferenciada. Para as crianças avaliadas no presente estudo, não houve atraso na área motora fina, o que leva a pensar em uma relação da manipulação de tecnologias como tablets, computadores e videogames e a estimulação da motricidade fina. Esse dado precisa de maior investigação, já que não foi confirmado por análise estatística.
Em relação ao tempo de permanência sob influência de tecnologias como televisão, videogame, tablets e computadores, o mesmo deve ser de, no máximo, 50 minutos, três vezes na semana (ALVES; CARVALHO, 2011). Nesta pesquisa, quando questionado aos pais o tempo de exposição a tecnologia, considerando a idade e o tempo máximo estipulado como 2h (AVG, 2015), 46,2% dos pais das crianças com desenvolvimento típico responderam que sim, em comparação aos 80% dos pais que disseram sim para o grupo de crianças que tiveram atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Como meio de comunicação, a televisão tem seus pontos fortes e fracos, dentre os quais a passividade e a falta do uso da imaginação seriam os principais pontos fracos, ainda assim seja um dos recursos mais utilizados (DOMINGUES MONTANARI, 2017).
Quando avaliada a área motora grossa, 33,3% das crianças apresentaram atraso, o que pode afirmar a hipótese que as crianças que permanecem mais tempo em frente à televisão, computador ou tablets podem ser mais passivas.
Embora não tenha sido um dado com valor estatisticamente significativo, observou-se que, quando questionados sobre “Quando saem costumam levar tablet ou celular para ele?” as crianças com atraso tiveram mais respostas “Sim” (40%) em relação a apenas 7% das crianças com desenvolvimento típico, corroborando com Waksman e Maria de Jesus (2005) que afirmam que jogos eletrônicos podem ser utilizados pelas crianças, desde que com limites de exposição.
Segundo Paiva e Silva Costa (2015), a utilização da tecnologia de forma indiscriminada pelas crianças, provoca o desequilíbrio físico e psicológico, com isso potencializa o isolamento social através do sedentarismo, aumenta a chance da criança ter ansiedade, depressão e, consequentemente, impedem o pleno desenvolvimento e amadurecimento físico, cognitivo e social das crianças. Isso não foi avaliado no presente estudo e fica como sugestão para estudos futuros.
Quando os pais foram indagados sobre “Você acha que a tecnologia influencia negativamente o desenvolvimento de seu filho?” 46,4% dos pais das crianças com desenvolvimento típico e 40% dos pais das crianças com atraso responderam “Sim”, o que alerta para uma maioria não preocupada com essa influência.
Sugere-se que outros estudos sejam feitos, com amostras mais expressivas e com diferentes idades, que considerem aspectos como: nível socioeconômico da família, escolaridade, aferição individual do tempo de exposição às tecnologias e elaboração/utilização de questionário validado para aferir a influência do uso de tecnologias sobre o desenvolvimento.
A tecnologia não interferiu sobre o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças avaliadas no presente estudo, sendo observado que, embora a exposição às tecnologias seja elevada para a maioria das crianças avaliadas, os valores de uso de tecnologias são semelhantes para as que apresentaram atrasos e as que apresentaram desenvolvimento típico, possivelmente porque, atrelado ao uso, foram relatadas preferência por brinquedo não tecnológicos e mediação do uso de tecnologias por adultos.
Nesta amostra, observou-se que a idade foi o fator mais relevante na identificação dos atrasos, sendo que, quanto menores as idades, maiores os atrasos identificados e um risco maior foi evidenciado aos 4 anos.
Dentre as áreas de atraso mais frequentes para as crianças de 4 anos, a principal foi a área pessoal-social, seguida pela motora grossa e linguagem; para as crianças de 5 anos, foi a área motora grossa e de linguagem e, para a idade de 6 anos, a área motora grossa.