versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.6 São Paulo nov./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20142014007
A telessaúde é o uso da Internet e da tecnologia para divulgação de arquivos e informações que possam auxiliar no tratamento da saúde( 1 ). No Brasil, observa-se o aumento de incentivos à prática da telessaúde, como o Programa Telessaúde Brasil Redes, ação nacional que busca melhorar a qualidade do atendimento e da atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS), integrando ensino e serviço por meio de ferramentas de tecnologia da informação( 2 - 3 ).
A teleconsulta é
a aplicação da tecnologia para enviar serviços de saúde à distância, conectando profissional/cliente ou profissional/profissional a fim de fornecer serviços educacionais, de prevenção, diagnóstico e intervenção (p. 302)( 3 ).
Por meio da teleconsulta, profissionais da saúde podem comunicar-se rapidamente e diretamente com outros profissionais ou pacientes, independentemente da distância( 1 ).
Na área da Audiologia, a telessaúde é aplicada em diversas situações, como o desenvolvimento de programas de tele-educação e teleconsulta voltados à área( 4 ), realização do diagnóstico audiológico remotamente (por meio dos exames de audiometria, logoaudiometria, emissões otoacústicas e potenciais evocados auditivos de tronco encefálico)( 5 ), realização da telemetria de respostas neurais( 6 ) e na programação remota (PR) de dispositivos eletrônicos como o implante coclear (IC) e aparelhos de amplificação sonora individual (AASI)( 3 , 7 - 9 ).
Para ajustar os parâmetros ideais de estimulação do IC para cada paciente, é necessário realizar a programação do processador de fala periodicamente. Na programação, podemos ajustar os níveis de estimulação, estratégias de processamento de fala e fazer modificações de acordo com a necessidade de cada paciente( 10 ).
Numa sessão de programação presencial (PP), é realizada anamnese e levantamento de queixas, assim como testes cujos resultados podem apontar quais as necessidades da nova programação. A partir disso, é feita a escolha dos parâmetros da programação, bem como a determinação dos níveis precisos de estimulação( 11 ).
No Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o paciente usuário de IC retorna ao serviço para realizar a programação em média de quatro a seis vezes no primeiro ano de uso do IC e semestralmente a partir de então. Diversos pacientes usuários de IC, juntamente com seus acompanhantes, precisam se deslocar de sua cidade de origem até a cidade onde se encontra o centro em que realizam acompanhamento, o que envolve custos referentes à sua passagem e acomodação, além de interferir em suas atividades escolares e/ou profissionais. Por isso, a PR dos sistemas de IC representa um recurso promissor para descentralizar os serviços de saúde, realizar o treinamento de profissionais da área da Audiologia e possivelmente reduzir os custos para o SUS( 5 ).
Alguns estudos foram realizados usando a PR de sistemas de IC. Ramos et al.( 12 ) compararam a PR com a PP em cinco pacientes, no período de 12 meses, com intervalos de três meses entre as programações. A sequência das programações foi randomizada. Os autores não encontraram diferenças nos níveis de estimulação dos eletrodos, na audiometria tonal e no teste de percepção de fala realizado nas PRs e ao vivo. Os autores concluíram que a PR é viável, segura e de fácil utilização, mas não pode substituir completamente os atendimentos presenciais. A PR deve ser usada como um apoio a profissionais que estão distantes ou com dúvidas técnicas.
Zumpano et al.( 5 ) realizaram a PR em dois pacientes usuários de IC, com a participação de dois fonoaudiólogos - um com experiência na programação de IC e o outro sem experiência prévia, que recebeu o apoio remoto do profissional com experiência. Tanto os usuários de IC como os fonoaudiólogos responderam a questionários no final dos atendimentos, cujos objetivos eram verificar as vantagens, dificuldades e outros aspectos do procedimento realizado. Como resultado, concluíram que a PR foi um recurso viável e os participantes revelaram um alto grau de satisfação.
McElveen et al.( 13 ) acompanharam longitudinalmente sete pacientes usuários de IC, que realizaram a PR e PP por 12 meses. A avaliação foi feita pela obtenção dos limiares audiométricos, sentenças no ruído (Hearing in Noise Test - HINT) e palavras "consoante-vogal-consoante" (consonant-nucleus-consonante - CNC). Não foram observadas diferenças entre os resultados dos testes e limiares audiométricos nas programações realizadas de forma presencial e remota. Os autores concluíram que a PR é uma forma viável, segura e efetiva, além de poder ser aplicada a outros centros de IC e levar o atendimento às áreas mais carentes do país.
Wasowski et al.( 14 ) verificaram a efetividade da PR com 30 pacientes, realizando também sessões de PR e PP no mesmo dia. Ao final das programações, os participantes foram questionados a respeito de qualidade e confiabilidade de áudio e vídeo, performance e efetividade da PR, conforto durante sessões e possível redução de tempo e gastos com o deslocamento. Para a maior parte dos participantes e profissionais, a PR foi descrita como um método eficiente e pode facilitar a rotina, além de ser um procedimento seguro e que pode ser comparado à PP.
Wesarg et al.( 15 ) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a viabilidade, eficiência, riscos e benefícios comparando a PR com a PP, usando softwares comerciais para videoconferência e controle remoto para a programação de IC. Os autores convidaram 70 usuários de IC a participarem de uma PR e uma PP, de forma randomizada. Nos resultados, não houve diferença entre os níveis de estimulação obtidos nas duas situações de programação. Os autores concluíram que a PR é uma alternativa viável à PP, o procedimento pode ser considerado seguro, com tempo e custo-benefício viável e clinicamente aplicável.
Hughes et al.( 16 ) realizaram a telemetria de impedâncias, telemetria neural, pesquisa de níveis de estimulação, testes de percepção de fala e aplicaram questionários relativos aos atendimentos em 29 usuários de IC de duas marcas. Os pesquisadores realizaram duas sessões presenciais e uma sessão de programação remota (presencial-remota-presencial) para comparar os resultados. As três sessões foram realizadas em tempo médio de 14 dias. Não foram encontradas diferenças nos resultados, exceto uma diferença nos níveis máximos entre uma PP e a PR. Os autores concluíram que a PR é uma opção viável para pesquisas e atendimentos clínicos e que mais estudos são necessários para validar o equipamento utilizado.
O objetivo deste estudo foi verificar a efetividade da PR em pacientes usuários de IC, tanto nos resultados audiológicos do IC como nos parâmetros da programação nas condições remota e presencial.
Trata-se de um estudo prospectivo, transversal, de caráter exploratório, realizado pelo Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição sob o número 51702.
A casuística foi determinada por amostra de conveniência dos pacientes atendidos no período entre dezembro/2012 a julho/2013, que consentiram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os critérios de inclusão foram: pacientes de ambos os gêneros, com idade entre 18 e 59 anos, que fossem usuários de IC há no mínimo 12 meses, com o modelo da unidade interna N24R ou N24RE e processador de fala Freedom SP. Os pacientes deveriam, ainda, ter condições de referir os níveis mínimos e máximos de estimulação na programação. Foram selecionados usuários da mesma marca de IC para manter a homogeneidade na avaliação dos parâmetros de programação.
Os níveis mínimos de estimulação, também chamados de níveis T, são os níveis correspondentes ao limiar de audibilidade com o IC, enquanto os níveis máximos de estimulação, chamados de níveis C, são os níveis mais altos aceitáveis para não causar o desconforto( 11 ).
Todos os participantes realizaram a PR e, no mesmo dia, uma nova programação foi realizada de forma presencial na Unidade Especializada (UE). A ordem de realização das programações foi determinada por randomização da amostra, realizada pelo Research Randomizer (r)(17). Em cada programação, foi feito um novo mapa, que o indivíduo só utilizou no momento dos testes. Esse mapa é o resultado dos parâmetros fixos (idênticos em ambas as situações) e dos níveis medidos que determinam a quantidade de corrente necessária para gerar uma sensação audível em cada eletrodo( 18 ).
A programação constou dos seguintes parâmetros: determinação dos níveis mínimos e máximos de estimulação (níveis T e C) em cinco eletrodos interpolados - eletrodos 22, 16, 11, 6 e 1( 12 ), balanceamento de loudness (ajuste feito rotineiramente na programação do IC) e ajustes a viva voz, quando necessário. Se algum desses eletrodos estivesse desativado na programação, era usado o eletrodo adjacente. A interpolação dos eletrodos é usada na prática clínica e consiste em estabelecer os níveis mínimos e máximos a partir de uma amostra de eletrodos( 19 ).
Os demais parâmetros da programação que compõem o mapa, como estratégia de codificação de fala, velocidade e número de máximas, não foram modificados durante as programações remota e presencial. Foram mantidos os parâmetros em uso pelos participantes.
Os equipamentos necessários para a realização deste estudo foram:
1. Unidade Remota (UR) - presença de fonoaudióloga especialista para realizar a programação remota:
um monitor para exibir a imagem do paciente;
um notebook, 1 GB de memória RAM, com sistema operacional Microsoft (r) Windows 7, com pacote Microsoft Office (r);
um software Team Viewer (r) para executar a assistência remota;
um software Skype (r) para transmissão de imagem e som;
uma webcam;
um fone de ouvido com microfone.
2. Unidade Especializada (UE) - presença do paciente e fonoaudióloga para auxiliar na programação:
um monitor para exibir a imagem da fonoaudióloga na UR;
um notebook com processador, 1 GB de memória RAM, com sistema operacional Microsoft (r) Windows 7, com pacote Microsoft Office (r) e software Custom Sound (r) de programação do processador de fala do IC;
uma interface de programação;
um software Team Viewer (r) para possibilitar a assistência remota pela UR;
um software Skype (r) para transmissão de imagem e som;
duas caixas acústicas;
uma webcam;
um microfone.
Na UE, foram utilizados um notebook e um monitor de vídeo, para que a imagem do fonoaudiólogo estivesse separada da tela do software de programação. Desta forma, o participante não teve a pista visual dos estímulos dados durante a programação. Com o apoio da webcam, a fonoaudióloga na UR conseguiu visualizar a expressão facial do participante e verificar possíveis situações de incômodo e desconforto com a estimulação. Uma fonoaudióloga ficou ao lado do paciente durante toda a PR, realizando a conexão do processador de fala com a interface e reforçando alguma orientação dada remotamente, se necessário.
O local em que as programações (tanto remota como presencial) foram realizadas foi o mesmo, para manter os mesmos recursos tecnológicos e condições de espaço físico nas duas situações. Os mesmos fonoaudiólogos realizaram as duas sessões de programação, a fim de evitar vieses na obtenção dos níveis de estimulação.
Após cada sessão de programação, foram feitos os seguintes testes:
obtenção dos limiares audiométricos em campo livre nas frequências de 250, 500, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz;
testes de reconhecimento de frases em apresentação aberta( 20 );
teste de reconhecimento de monossílabos( 21 ), quando o percentil de acertos no teste de frases em apresentação aberta foi igual ou superior a 50%.
Os testes de reconhecimento de frases em contexto aberto e monossílabos foram aplicados em cabine, com gravação a 65 dBNPS, segundo o protocolo de avaliação para IC do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP( 22 ).
Para a análise estatística, foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas. O valor de significância utilizado foi de 5%.
Participaram do estudo 12 usuários de IC que realizam acompanhamentos periódicos para avaliação e programação do dispositivo no Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Destes, sete (58,3%) eram do gênero feminino e cinco (41,7%), do gênero masculino. A média de tempo de uso foi de 33,9 meses e a média de idade dos pacientes foi de 43,4 anos.
Dos 12 participantes, sete (58,3%) realizaram inicialmente a PP e, logo em seguida, a PR, enquanto cinco (41,7%) realizaram a PR, seguida pela PP, de acordo com a randomização realizada.
Na pesquisa dos níveis mínimos de estimulação (níveis T), houve diferença entre os níveis obtidos na PR e na PP nos eletrodos 22, 16 e 11 (p<0,05), sendo a corrente maior na PR, com mediana da diferença de seis unidades nos eletrodos 22 e 11 (Tabela 1).
Tabela 1. Análise dos valores obtidos na pesquisa dos níveis mínimos de estimulação nas programações remota e presencial
Eletrodos | PP | PR | Diferença (PP-PR) | Valor de p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | ||
E 22 | 111 | 80 | 178 | 118 | 87 | 193 | -6 | -15 | 2 | 0,035 |
E 16 | 120 | 82 | 188 | 120 | 82 | 189 | -1 | -15 | 1 | 0,041 |
E 11 | 110 | 84 | 163 | 116 | 90 | 160 | -6 | -13 | 3 | 0,028 |
E 6 | 115 | 86 | 164 | 114 | 88 | 166 | -1 | -7 | 11 | 0,858 |
E 1 | 111 | 100 | 170 | 118 | 96 | 173 | -2 | -13 | 10 | 0,635 |
Legenda: PP = programação presencial; PR = programação remota; Mín = mínimo; Máx = máximo.
Na pesquisa dos níveis máximos de estimulação (níveis C), houve diferença apenas no eletrodo 6 (p=0,014), sendo a corrente menor na PR (Tabela 2).
Tabela 2. Análise dos valores obtidos na pesquisa dos níveis máximos de estimulação nas programações remota e presencial
Eletrodos | PP | PR | Diferença (PP-PR) | Valor de p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | ||
E 22 | 166 | 135 | 208 | 166 | 135 | 207 | 1 | -9 | 6 | 0,352 |
E 16 | 178 | 138 | 211 | 172 | 135 | 215 | 3 | -13 | 7 | 0,385 |
E 11 | 180 | 140 | 218 | 176 | 140 | 216 | 2 | -5 | 9 | 0,154 |
E 6 | 174 | 132 | 208 | 166 | 129 | 204 | 3 | -2 | 10 | 0,014 |
E 1 | 183 | 126 | 197 | 180 | 136 | 196 | 3 | -10 | 15 | 0,092 |
Legenda: PP = programação presencial; PR = programação remota; Mín = mínimo; Máx = máximo.
Não houve diferença entre os resultados das audiometrias e testes de percepção de fala, quando comparadas as duas formas de programação (p>0,05) (Tabelas 3 e 4).
Tabela 3. Resultados obtidos na audiometria em campo livre após programação remota e programação presencial, em decibéis
Audiometria (Hz) | PP | PR | Diferença (PP-PR) | Valor de p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | ||
250 | 35 | 15 | 55 | 37,5 | 15 | 50 | 0 | -10 | 15 | 0,891 |
500 | 27,5 | 10 | 40 | 30 | 20 | 40 | 0 | -10 | 5 | 0,317 |
1.000 | 20 | 15 | 35 | 20 | 15 | 35 | 0 | -5 | 5 | 0,655 |
2.000 | 25 | 10 | 35 | 27,5 | 15 | 35 | -5 | -5 | 5 | 0,096 |
3.000 | 32,5 | 10 | 60 | 32,5 | 15 | 55 | 0 | -10 | 25 | 0,483 |
4.000 | 30 | 10 | 60 | 40 | 10 | 60 | -5 | -15 | 5 | 0,075 |
6.000 | 27,5 | 20 | 55 | 35 | 15 | 50 | -2,5 | -15 | 5 | 0,107 |
8.000 | 62,5 | 40 | 130 | 60 | 45 | 130 | 0 | -20 | 10 | 0,666 |
Legenda: PP = programação presencial; PR = programação remota; Mín = mínimo; Máx = máximo.
Tabela 4. Resultados dos testes de percepção de fala após a programação remota e programação presencial, em percentual de acertos
Percepção de fala |
PP | PR | Diferença (PP-PR) | Valor de p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | Mediana | Mín | Máx | ||
Open-set | 90 | 0 | 100 | 90 | 0 | 100 | 0 | -20 | 20 | 0,720 |
Monossílabos | 38 | 0 | 72 | 44 | 0 | 72 | 0 | -28 | 24 | 0,905 |
Legenda: PP = programação presencial; PR = programação remota; Mín = mínimo; Máx = máximo.
Os estudos relacionados à PR de sistemas de IC encontrados na literatura avaliaram as diferenças nos níveis de estimulação( 15 ), limiares auditivos e percepção de fala nas programações remota e presencial( 12 , 13 , 16 , 23 ) e também avaliaram a opinião dos profissionais e participantes( 5 , 12 , 14 , 16 , 23 ).
No presente estudo, todos os participantes realizaram a PR e a PP no mesmo dia, e a ordem de realização das programações foi randomizada. Tivemos o cuidado de realizar a randomização para evitar vieses nos resultados, que poderiam ser causados pelo cansaço dos participantes ao longo dos testes. Observamos que três estudos encontrados( 12 , 15 , 16 ) mencionaram que também realizaram a randomização dos participantes.
Na comparação entre PR e PP, observamos que houve diferença nos eletrodos 22, 16 e 11 na pesquisa dos níveis mínimos de estimulação, sendo os valores de corrente maiores na PR. Na pesquisa dos níveis máximos de estimulação, houve diferença no eletrodo 6, apresentando valores de corrente mais baixos na PR. O estudo de Hughes et al.( 16 ) também apresentou diferença nos níveis máximos de estimulação, sendo estes mais altos em dois eletrodos na PR. Os autores atribuíram essa diferença a uma possível habituação ao sinal, uma vez que os participantes realizaram três sessões de programação (duas presenciais e uma remota), mesmo não tendo sido realizadas no mesmo dia.
O estudo contou com a presença de duas fonoaudiólogas, presentes na UE e na UR. As mesmas fonoaudiólogas realizaram as duas sessões de programação, a fim de evitar vieses na obtenção dos níveis de estimulação. Devido ao fato de uma fonoaudióloga realizar todas as programações de forma remota e a outra fonoaudióloga realizar todas as programações presenciais, acreditamos que a diferença encontrada nos níveis de estimulação não tenha sido causada por este motivo.
Não encontramos diferença entre os resultados dos testes de percepção de fala realizados na PR e na PP. Outros estudos( 12 , 13 , 15 , 16 , 23 ) também não mostraram diferenças nos resultados dos testes de percepção de fala nas duas situações de programação.
Em nosso estudo, não encontramos diferença nos limiares audiométricos obtidos na PR e PP. Esses resultados corroboram outros estudos da literatura( 12 , 13 , 15 , 16 , 23 ), que também não encontraram diferenças na audiometria realizada nas duas programações.
Apesar de haver diferença entre os níveis mínimos e máximos em quatro eletrodos, comparando os dois procedimentos, em média essa variação foi de três a seis unidades de corrente. Essa diferença pode não interferir na percepção de fala do paciente, como foi observado na comparação dos testes realizados após a PR e PP, mas talvez possa interferir no desempenho em situações mais difíceis, como compreensão de fala no ruído e fala ao telefone, que não foram incluídas neste estudo.
Alguns estudos encontrados na literatura( 5 , 12 , 14 , 16 , 23 ) aplicaram questionários aos participantes, a fim de obter suas opiniões sobre a PR (efetividade, tempo, preferência e viabilidade de aplicação). Esse aspecto não foi abordado neste estudo, uma vez que o objetivo principal foi comparar os resultados auditivos, de percepção de fala e parâmetros da programação na PR e PP.
Participaram do estudo usuários de uma mesma marca de IC para manter a homogeneidade na análise dos parâmetros. O uso de duas ou mais marcas neste estudo interferiria na comparação dos níveis mínimos e máximos, pois cada software e marca possui diferentes unidades de medida, e também na análise desses níveis nos eletrodos interpolados, uma vez que cada marca de IC possui diferentes números de eletrodos. Na literatura, encontramos estudos realizados com outras marcas de ICs( 12 , 23 , 24 ), o que mostra que a PR pode ser aplicada em diferentes marcas disponíveis no mercado.
Neste estudo, consideramos as vantagens que a PR pode trazer aos usuários de IC, uma vez que muitos percorrem longas distâncias para chegar ao centro responsável pela programação.
A programação do processador de fala do IC deve ser realizada periodicamente - no primeiro ano de uso, a programação é realizada a cada três meses e, a partir de então, os usuários passam a ser acompanhados semestralmente (desde que não tenham queixas e dificuldades relacionadas ao uso do IC). Em um país com grandes dimensões, como o Brasil, muitas vezes os custos da viagem do paciente até o centro de IC são altos, além do tempo gasto pelo paciente e seus familiares( 5 ). Muitos pacientes, especialmente as crianças, chegam cansados ao atendimento, interferindo em suas respostas e, consequentemente, na programação final estabelecida( 14 ).
No Brasil, os pacientes que necessitam de atendimento público especializado em determinado município/estado, mas que residem em outras localidades, têm direito ao Tratamento Fora de Domicílio (TFD). O TFD foi normatizado pelo Ministério da Saúde na Portaria SAS n° 55, de 24/02/1999, e é um benefício que garante o acesso ao tratamento mais adequado à resolução do problema de saúde( 25 ).
O centro de IC em que foi realizado o estudo, situado em São Paulo, possui mais de mil pacientes usuários do dispositivo. Destes, 53% residem no mesmo estado. Dentre os demais pacientes atendidos da Região Sudeste do país, 11,7% são do Rio de Janeiro, 6,1% de Minas Gerais e 3,4% do Espírito Santo, totalizando 21,2%. Já nas demais regiões do Brasil, 9,5% dos pacientes são da Região Sul, 5,2% da Região Norte, 5,6% da Região Nordeste e 5% da Região Centro-Oeste. Por isso, a aplicação da PR poderia ser um recurso para reduzir os gastos do governo com esse benefício.
O uso da telemedicina e programas de telessaúde são cada vez mais utilizados no Brasil. No ano de 2007, iniciou-se o Projeto Telessaúde Brasil, como uma ação do Programa Mais Saúde, que definiu o uso da tecnologia com a finalidade de beneficiar o atendimento na área da Saúde. São desenvolvidos os serviços de teleconsultoria, telediagnóstico, tele-educação e segunda opinião formativa (perguntas originadas na teleconsultoria são respondidas com base nas evidências científicas e revisões bibliográficas)( 2 ).
Com o crescimento constante do uso da tecnologia para beneficiar a comunicação entre os profissionais da saúde e o atendimento aos pacientes, o Conselho Federal de Medicina (CFM)( 26 ) e o Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa)( 27 ) publicaram resoluções para normatizar o uso da telemedicina e telessaúde na prática profissional.
O CFM, na Resolução n° 1.643/2002, publicada em 26 de agosto de 2002( 26 ), definiu a atuação médica por meio da telemedicina e telessaúde. a resolução ressaltou, entre outros itens, a importância da ética e segurança de dados no atendimento e discussão de casos via Internet.
O CFFa, na Resolução n° 427, de 01/03/2013( 27 ), estabeleceu as regras para a utilização da telessaúde na Fonoaudiologia. A resolução determinou que o fonoaudiólogo poderá prestar serviços como orientação a outros profissionais e auxílio no diagnóstico e atendimento clínico, desde que o cliente concorde com a intervenção e que os dados sejam transmitidos via Internet de forma segura e confidencial. Determinou também que sempre deve haver um profissional registrado na região junto ao paciente durante a realização do atendimento remoto.
Além da realização da PR, a telemedicina pode auxiliar no treinamento e capacitação de profissionais, além de apoio a novos centros de IC. Sabemos que limitações existem, como a dificuldade no acesso à conexão de Internet de alta velocidade e acesso aos equipamentos necessários nas regiões mais afastadas, porém a PR pode ser um recurso fundamental para a descentralização dos serviços de saúde( 5 ) e capacitação de profissionais nas regiões menos favorecidas.
Ramos et al.( 12 ) ressaltam que a telemedicina é eficaz também em casos emergenciais, em que os profissionais encontram problemas com equipamentos (inclusive com o funcionamento do IC, em que pode ser feita uma verificação a distância), e quando há demanda de revisão da programação pelo paciente.
O atendimento remoto é viável, seguro e efetivo, podendo ser aplicado a outros centros como rotina( 5 , 13 , 14 ). Os estudos encontrados na literatura mostram que uma das vantagens dessa prática é o fato de o paciente não precisar se deslocar de sua cidade de origem até o centro de IC, reduzindo custos e tempo de deslocamento. Outras vantagens são o apoio a profissionais que estão em locais distantes e a otimização do tempo do profissional que realiza o atendimento. No entanto, esses aspectos não foram avaliados diretamente neste estudo e podem ser abordados em futuros estudos sobre a PR de sistemas de IC.
A PR é um procedimento viável e eficaz, quando comparada à PP. Embora tenham sido encontradas diferenças nos níveis de estimulação entre as programações remota e presencial, não houve diferença nos resultados dos testes de percepção de fala e audiometria realizados nos dois procedimentos.