versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.23 no.1 Brasília jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100003
to describe trends in mortality from influenza-related respiratory diseases in the elderly comparing the periods before and after the annual influenza vaccination campaigns.
a time-series ecological study using data from the Mortality Information System on deaths among the elderly between 1992 and 2005 where the underlying cause was: pneumonia, influenza, bronchitis and chronic airway obstruction. Analysis performed by linear regression adjusting the historical trend and seasonality.
we identified a statistically significant reduction of specific mortality rates in the period after vaccination campaign implementation among the elderly in Brazil as a whole and in the country's Southern, Southeastern and Midwestern regions, and in all age subgroups studied in Brazil and its Southeastern region.
the results show evidence of the plausibility of a possible protective effect of influenza vaccination campaigns in reducing elderly mortality from respiratory diseases.
Key words: Respiratory Tract Diseases; Influenza Vaccines; Immunization; Time Series Studies
As infecções respiratórias agudas de etiologia viral têm se constituído em um dos principais problemas de Saúde Pública devido à elevada morbidade e mortalidade, particularmente entre as pessoas com 60 e mais anos de idade.1-3 Entre os vários agentes responsáveis por essas infecções, destaca-se o vírus influenza, cuja distribuição global, elevada transmissibilidade e acometimento em pessoas de todas as faixas etárias ocasionam complicações graves entre os idosos e portadores de doenças crônicas, a despeito de sua evolução geralmente benigna nas pessoas adultas sadias.4
A vacinação contra a influenza tem sido uma das medidas de Saúde Pública recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), adotada por um grande número de países para prevenir a gripe e suas complicações mais severas e, consequentemente, diminuir internações e óbitos por causas relacionadas à influenza. No Brasil, a partir de 1999, o Ministério da Saúde implantou a vacinação contra influenza para os grupos populacionais de maior risco, com o objetivo de prevenir complicações advindas das infecções causadas por esses vírus. Nesse primeiro ano de implantação, a campanha de vacinação foi direcionada a todas as pessoas com 65 e mais anos e, a partir do ano 2000, para todas as pessoas com 60 e mais anos de idade.
Os efeitos benéficos da vacinação contra influenza são amplamente reconhecidos da literatura científica. Estudos demonstram a importância da vacinação na redução da ocorrência de hospitalização e morte por infecção respiratória aguda na população idosa.5-8 No entanto, grande parte dos estudos existentes foi realizada em países com clima temperado e há poucos relatos sobre os efeitos da vacinação em países com clima tropical. Particularmente no Brasil, a maioria dos estudos sobre o tema utiliza como unidade geográfica um estado ou município, evidenciando uma lacuna nesse conhecimento para o conjunto do país.9-13
O presente estudo tem por objetivo descrever a tendência da mortalidade por doenças respiratórias relacionadas à influenza em idosos residentes no Brasil, entre os anos de 1992 a 2005, e comparar o comportamento das séries temporais no período anterior e posterior à intervenção das campanhas de vacinação contra influenza.
Trata-se de um estudo ecológico misto, combinando a agregação dos dados no tempo - séries temporais - e em diversas localidades geográficas do Brasil - agregados territoriais.14 Foram selecionados todos os óbitos ocorridos em idosos - 60 e mais anos de idade -, notificados ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e que apresentavam como causa básica as infecções respiratórias relacionadas à influenza, incluindo pneumonias, influenza, bronquites e obstrução crônica das vias respiratórias. Foram excluídos do estudo os óbitos classificados como ignorados devido à inconsistência dos dados referentes ao mês de ocorrência do óbito e ao sexo.
No período de 1992 a 1999, as estimativas da população idosa, por sexo e idade, foram calculadas pelo método de interpolação populacional entre as populações censitárias de 1991 e 2000, utilizando-se da planilha AGEINT, desenvolvida pelo Bureau of the Census e descrita em detalhe por Arriaga e colaboradores.15 Para o restante do período de análise, foi utilizada a população calculada pelo Censo Demográfico 2000 e as projeções populacionais de sua instituição responsável, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados foram analisados segundo as variáveis: mês; sexo; idade estratificada em três faixas (60 a 69, 70 a 79 e 80 e mais anos); e grandes regiões do país. Na construção da taxa de mortalidade para o período de 1992 a 1995, foi utilizada a 9a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) com os códigos de diagnóstico de pneumonias (480-483, 485 e 486), influenza (487), bronquites (490 e 491) e obstrução das vias respiratórias (496); e para o período de 1996 a 2005, foi utilizada a 10a Revisão da CID com os códigos de pneumonias (J12-J18 e J22), influenza (J10 e J11), bronquites (J40, J41 e J42) e obstrução das vias respiratórias (J44).
A análise da tendência da mortalidade por causas relacionadas à influenza no Brasil foi realizada mediante o cálculo de taxas brutas de mortalidade, segundo sexo e faixas etárias. Em seguida, foi utilizada a técnica de médias móveis, centrada em três termos, para suavização das variações aleatórias apresentadas pelas séries temporais.16
Para avaliar o efeito independente das campanhas de vacinação na mortalidade por causas relacionadas à influenza na população de estudo, modelos robustos de regressão linear foram estimados considerando-se a dependência existente nas observações das séries temporais e corrigindo-se a magnitude da variância dos parâmetros estimados.17 Diferentes modelos de regressão linear, de segundo grau e de terceiro grau foram testados.18 A escolha do melhor modelo baseou-se na análise de ajuste do modelo escolhido, incluindo a significância estatística dos parâmetros estimados, o valor do coeficiente de determinação e a análise de resíduos.
Para essas análises, a taxa de mortalidade foi considerada como variável dependente (Y); e como variáveis independentes (Xi), a tendência histórica (ano do óbito), a sazonalidade (época do ano do óbito) e a campanha de vacinação (implantada ou não implantada). A variável 'sazonalidade' foi construída com três categorias: meses de janeiro a abril (referência); meses de maio a agosto; e meses de setembro a dezembro. A variável 'campanha de vacinação' foi assim categorizada: período de janeiro de 1992 a abril de 1999, quando a campanha de vacinação ainda não havia sido implantada no Brasil (referência); e período de maio de 1999 a dezembro de 2005, após sua implantação.
Para as análises dos dados, foram utilizados os softwares Microsoft Office Excel 2003 e STATA versão 8.1.19
O presente estudo foi realizado com dados administrativos e anônimos, obtidos das bases de dados do Ministério da Saúde. Esses dados foram utilizados somente para os objetivos deste estudo e as informações, elaboradas e apresentadas de forma coletiva, dispensando a apreciação da proposta por comitê de ética em pesquisa.
No período de 1992 a 2005, foram notificados ao SIM 580.334 óbitos por doenças respiratórias relacionadas à influenza (pneumonias, influenza, bronquites e obstrução crônica das vias respiratórias) entre indivíduos idosos com 60 e mais anos de idade no Brasil. Devido à inconsistência de dados, foram excluídos 383 (0,07%) óbitos, totalizando 579.951 óbitos na análise final (média de 41.400 óbitos por ano).
Observou-se um incremento da taxa de mortalidade pelas causas estudadas, com o aumento da idade para ambos os sexos e em todos os anos estudados. Em 2005, por exemplo, indivíduos do sexo masculino com 80 e mais anos de idade apresentaram um risco de morte cerca de dez vezes maior (156,6 por 10 mil homens) do que aqueles com idade entre 60 e 69 anos (15,1 por 10 mil homens). No grupo de mulheres com 80 e mais anos de idade, no ano de 2005, esse risco foi cerca de quatorze vezes maior (116,5 por 10 mil mulheres) do que para aquelas com idade de 60 a 69 anos (8,4 por 10 mil mulheres). Incrementos desse indicador ao longo do período (1992 a 2005) foram constatados, para ambos os sexos, em todas as faixas de idade estudadas, exceto para os indivíduos (homens e mulheres) de 60 a 69 anos de idade, em que se pode observar maior estabilidade (Figura 1).
Com relação à faixa etária de 60 a 69 anos, a taxa média anual de mortalidade pelas causas selecionadas no período do estudo oscilou entre 7,5 e 8,4 óbitos para cada 10 mil mulheres e em torno de 15 óbitos para cada 10 mil homens (Figura 1). A estimativa desse risco de morte para mulheres na faixa etária seguinte, de 70 a 79 anos, no mesmo período, apresentou leve tendência crescente, partindo de 23,8 óbitos por 10 mil no ano de 1992 para 27,7 óbitos por 10 mil mulheres no ano de 2005. Para os homens de 70 a 79 anos, essa variação foi também crescente, registrando 44,4 óbitos por 10 mil homens em 1992 e 49,6 óbitos por 10 mil homens em 2005. Nas faixas etárias de pessoas de 80 e mais anos, de ambos os sexos, foi possível constatar maior variação da mortalidade pelas causas selecionadas, com marcada tendência de crescimento, especialmente após o ano 2000 (Figura 1).
Homens idosos dos grupos etários de 60 a 69 e de 70 a 79 anos apresentaram, em média, um risco 80 a 90% maior de morte pelas causas selecionadas do que as mulheres nas mesmas faixas de idade (Figura 1).
Uma vez que o maior efeito da campanha de vacinação é esperado nos três a cinco meses subsequentes a ela, realizou-se uma análise considerando os diferenciais mensais do risco de morte por causas relacionadas à influenza na população de estudo, antes e depois da implantação das campanhas de vacinação, segundo as grandes regiões do país. Na Figura 2, o indicador apresentado é a diferença absoluta das taxas médias mensais de mortalidade entre o período anterior (1992-1998) e o período posterior (1999-2005) à implantação das campanhas de vacinação contra influenza no Brasil e suas grandes regiões. A análise desse indicador aponta uma variação negativa, mostrando redução das taxas médias mensais no período 1999-2005, entre os meses de junho e julho - para o Brasil e a região Sudeste -, e entre os meses de maio e agosto - para a região Sul. Nos demais meses do mesmo período (1999-2005), esse indicador apresentou variação positiva para o Brasil e regiões Sul e Sudeste, indicando incremento das taxas médias mensais de mortalidade nos meses do início e do final dos anos, o que coincide com as tendências de incrementos médios anuais apresentadas na Figura 1.
Nas demais regiões (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), houve variação positiva do indicador analisado ao longo de todos os meses do ano, mostrando que no período de 1999 a 2005, as taxas médias mensais de mortalidade pelas causas estudadas foram, em geral, superiores às do período de 1992 a 1998. Nas regiões Norte e Nordeste, as taxas médias mensais de mortalidade dos idosos pelas mesmas causas foram constantemente superiores no período de 1999 a 2005, quando comparadas àquelas observadas no período de 1992 a 1998. Esse indicador apresenta apenas pequenas oscilações, inclusive nos meses quando seria esperado maior efeito das campanhas de vacinação. Isso resulta em uma variação mensal positiva do indicador para todos os meses analisados. Na região Centro-Oeste, um incremento marcadamente menor do indicador pode ser notado para os meses posteriores à administração da vacinação (maio-agosto) no período de 1999 a 2005, quando comparado ao período de 1992 a 1998, apesar de variação negativa não ter sido notada (Figura 2).
Na análise do efeito da vacinação sobre a taxa de mortalidade por causas relacionadas à influenza entre idosos no Brasil e grandes regiões, independentemente das tendências históricas (definida pela variável 'ano') e da sazonalidade, foram utilizados vários procedimentos de análises de regressão multivariada. O modelo de regressão linear foi o que melhor ajuste apresentou aos dados analisados, com aderência adequada aos pressupostos estabelecidos pelo modelo, em todas as análises da tendência da mortalidade realizadas.
No Brasil, para todas as faixas de idade, podem ser notadas tendências históricas de incremento estatisticamente significante das taxas de mortalidade por causas selecionadas relacionadas à influenza entre idosos, no período de análise (1992-2005); exceto para o grupo etário de 60-69 anos, em que o incremento identificado não foi estatisticamente significante (Tabela 1). Por exemplo, a cada ano, para o grupo de idade de 80 e mais anos, foi observado um incremento médio mensal de 0,245 óbitos por 10 mil idosos, ainda que ajustado o efeito da sazonalidade e das campanhas de vacinação no Brasil.
a) Variável dependente = taxa bruta de mortalidade (por 10 mil idosos) segundo mês de ocorrência e ano; N=168; unidade de análise corresponde aos 12 meses dos 14 anos da série temporal de 1992 a 2005.
b) β: parâmetro beta do modelo
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
d) Sazonalidade, variável discreta definida como (i) 0 = referência para janeiro a abril, (ii) 1 = referência para maio a agosto e (iii) 2 = referência para setembro a dezembro.
e) Campanhas de vacinação: variável discreta, binária, definida como (i) 0 = referência para o período de janeiro de 1992 a abril de 1999 e (ii) 1 = referência para o período de maio de 1999 a dezembro de 2005.
Observou-se marcada sazonalidade das taxas de mortalidade por causas relacionadas à influenza em idosos, com incremento importante e estatisticamente significante nos meses de maio a agosto (p<0,001) e retorno da magnitude desse indicador nos meses de setembro a dezembro (p=0,083) - aproximando-se da magnitude observada no início de cada ano (período de referência = janeiro a abril) (Tabela 1). Especialmente para o grupo de idosos de 80 e mais anos, nota-se um incremento médio mensal de 3,697 óbitos por 10 mil idosos no período de maio a agosto, ajustado o efeito da tendência temporal (ano) e das campanhas de vacinação, quando comparado ao período de referência de janeiro a abril.
O efeito das campanhas de vacinação foi analisado após ajuste, pelas tendências históricas (ano) e pela sazonalidade, das taxas de mortalidade por causas relacionadas à influenza no Brasil e grandes regiões, segundo grupos de idade (tabelas 1 e 2). No período posterior à introdução das campanhas de vacinação, observou-se uma redução estatisticamente significativa das taxas de mortalidade do Brasil e da região Sudeste, para todas as faixas etárias da população de estudo. Para o grupo de pessoas de 60 a 69 anos de idade, no Brasil e na região Sudeste, observou-se redução média mensal de -0,121 e de -0,133 óbitos por 10 mil idosos, respectivamente, quando se comparou o período posterior ao período anterior à introdução das campanhas de vacinação. Essa redução - no Brasil e na região Sudeste - foi ainda mais acentuada na população de 70 a 79 anos (-0,373 e -0,521 óbitos por 10 mil idosos, respectivamente) e na população de 80 e mais anos de idade (-1,477 e -1,967 óbitos por 10 mil idosos, respectivamente).
a) Regressão linear multivariada, ajustada pelas variáveis (i) tendência histórica e (ii) sazonalidade.
b) β: parâmetro beta do modelo
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
Nota: unidade de análise = mês
Nas regiões Sul e Centro-Oeste, também foram observadas, de forma consistente, reduções médias mensais das taxas de mortalidade no período posterior à introdução das campanhas de vacinação, para todas as faixas etárias analisadas. Além disso, em todos esses grupos, as reduções observadas foram estatisticamente significantes (p<0,05), exceto para as faixas etárias de 70 a 79 anos na região Sul (parâmetro beta do modelo, β = -0,604; p=0,108) e de 60 a 69 anos na região Centro-Oeste β = -0,087; p=0,158), onde as reduções identificadas não foram estatisticamente significativas.
Resultados discrepantes foram observados nas regiões Norte e Nordeste onde, apesar de notada redução das taxas de mortalidade após a introdução das campanhas de vacinação na grande maioria das idades estudadas, essa redução não foi estatisticamente significante. Uma única exceção coube aos indivíduos de 80 e mais anos da região Norte, que apresentaram redução média mensal da taxa de mortalidade estatisticamente significativa, nessa idade (-1,113 óbitos por 10 mil idosos).
De maneira geral, destaca-se ainda o fato de existir um gradiente com maior redução das taxas de mortalidade no período posterior à introdução das campanhas de vacinação, na medida em que aumenta a faixa de idade da população analisada, para o Brasil e para todas as grandes regiões geográficas estudadas. Esse gradiente pode ser notado inclusive onde a significância estatística na redução desse indicador não pode ser notada, como foi o caso das regiões Norte e Nordeste.
Este estudo identificou importante incremento da magnitude das taxas de mortalidade pelas causas selecionadas relacionadas à influenza no Brasil, acompanhando o aumento da faixa etária, para ambos os sexos e em todos os anos estudados. Também pode ser notado maior risco de morte entre os homens de todas as faixas etárias, quando comparado com o mesmo risco entre as mulheres. Observaram-se ainda, de forma geral, tendências temporais de incremento desse indicador no período de 1992 a 2005, para os brasileiros acima de 70 anos de idade. Este estudo reforça o conhecimento vigente de que existe marcada sazonalidade do risco de morte pelas causas selecionadas relacionadas à influenza, sendo os meses de maio a agosto os de maior ocorrência desse evento no Brasil.20 No entanto, deve ser destacado o fato de as regiões Norte e Nordeste apresentarem padrões sazonais distintos desse indicador.
O estudo apresentou pelo menos quatro evidências a apontar para a plausibilidade de efeito protetor das campanhas de vacinação na redução das taxas de mortalidade pelas causas relacionadas à influenza entre os idosos, no período de 1992 a 2005, no Brasil e suas grandes regiões, a saber: (i) redução dessas taxas de mortalidade após inicio das campanhas de vacinação, nos meses coincidentes com aqueles quando se espera maior impacto da vacinação, especialmente nas regiões Sul e Sudeste; (ii) não redução dessas taxas de mortalidade nos demais meses, quando deveria ser esperado impacto reduzido ou nulo para as campanhas de vacinação (e quando outros fatores externos não estudados poderiam estar atuando); (iii) redução estatisticamente significativa dessas taxas de mortalidade no período posterior à implantação das campanhas de vacinação entre os idosos do Brasil e suas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, ajustando-se a tendência histórica e a sazonalidade desses eventos; e (iv) redução estatisticamente significativa dessas taxas de mortalidade no período posterior à implantação das campanhas de vacinação em todos os grupos etários estudados para o Brasil e para a região Sudeste, e na grande maioria dos grupos etários estudados para as regiões Sul e Centro-Oeste, ajustando-se a tendência histórica e a sazonalidade desses eventos.
Esses resultados sugerem um efeito protetor da vacinação para o total da população idosa do Brasil e assemelham-se aos achados de estudos desenvolvidos em países de clima temperado.5,21-22 Também existem estudos brasileiros23 a demonstrar uma redução de 26,3% na taxa de mortalidade por pneumonia e influenza na cidade de São Paulo-SP após a vacinação, comparativamente a um mesmo período de anos anterior à introdução da campanha, bem como uma significativa redução das taxas de mortalidade por doenças isquêmicas do coração em pessoas com 60 e mais anos de idade da região metropolitana de São Paulo-SP, no período pós-vacina.11
Destaca-se a ausência de evidência do impacto das campanhas de vacinação contra a influenza nas regiões Norte e Nordeste, no período estudado. Porém, a interpretação desse achado deve levar em consideração outras explicações possíveis. Além dos aspectos metodológicos já citados, a identificação de baixa efetividade da vacinação em pessoas idosas pode estar associada à imunogenicidade da vacina, à suficiência da combinação antigênica entre a vacina e as cepas virais circulantes, ao estado de saúde do vacinado, à cobertura e homogeneidade da vacinação e aos fatores ambientais.10,24
Em relação aos dados de coberturas vacinais contra a influenza por macrorregião, no período de 1999 a 2005, observa-se taxas relativamente homogêneas no país. A região Norte ultrapassou a meta preconizada pela OMS de vacinar 70% da população com 60 e mais anos de idade em todos os anos do período de 2000 a 2005, enquanto nas regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste, isso ocorreu a partir do ano de 2001, e na região Sudeste, somente a partir do ano de 2003.25 Quanto à combinação antigênica entre a vacina disponibilizada nas campanhas anuais e as cepas virais circulantes, os dados coletados nas unidades sentinelas, no período de 2000 a 2005, após a devida caracterização antigênica, evidenciaram uma participação direta ou indireta de todos os subtipos virais na composição das vacinas utilizadas no Hemisfério Sul.26
Quanto aos fatores ambientais, destaca-se a necessidade de coerência entre a sazonalidade esperada de uma macrorregião e o momento das campanhas de vacinação, precedendo os períodos de pico de transmissão. Essa inadequação pode ser uma explicação para a baixa efetividade vacinal, no caso especifico das vacinas contra a influenza. O comportamento diferencial de sazonalidade nas taxas de mortalidade e hospitalizações por causas relacionadas à influenza entre os idosos nas regiões Norte e Nordeste, observado neste e em outros estudos, pode ser uma explicação biologicamente plausível para a baixa efetividade das campanhas de vacinação nessas regiões do Brasil, e que, portanto, merece ser melhor estudado.27-28
Ainda que um conjunto de evidências do presente estudo sobre o impacto positivo das campanhas de vacinação possa ser inferido para grande parte do território brasileiro, é importante destacar algumas limitações inerentes a sua opção metodológica. Trata-se de um estudo ecológico, com papel relevante na análise das tendências temporais e dos diferenciais regionais, com utilidade limitada para testar hipóteses etiológicas.29 No contexto em que se apresentam as campanhas de vacinação contra influenza no Brasil desde 1999, com altas taxas de cobertura e universalidade de acesso, essa opção metodológica pareceu ser a mais adequada, além de seu excelente poder de generalização dos resultados (validade externa).
O efeito de possíveis erros classificatórios e confundimento residual também devem ser discutidos aqui. As causas de óbitos selecionadas, embora tenham sido usadas na literatura como causas associadas à influenza, podem incluir tanto causas realmente associadas ao vírus da influenza como causas associadas a outros vírus respiratórios, de freqüente circulação, que desencadeiam doenças semelhantes.9,30 A falta de diagnóstico etiológico específico da infecção por influenza e a dificuldade para notificação acurada de óbitos dela decorrentes impedem a seleção mais rigorosa de casos e limitam a prevenção de erro classificatório - mais provavelmente, um erro não diferencial (não associado ao status vacinal do paciente ou ao período pré ou pós-campanhas de vacinação), ao qual não se poderia responsabilizar pelos resultados estatisticamente significativos observados no presente estudo.
Foi considerada a série histórica de 1992 a 2005. Os autores optaram por não atualizar esses dados, uma vez que a inclusão do período a partir do ano 2009, com a ocorrência da pandemia de H1N1, implicaria a discussão de questões científicas que não são objeto do presente estudo.
Identificou-se redução das taxas de mortalidade por causas relacionadas à influenza no período posterior à implantação das campanhas de vacinação entre os idosos do Brasil e suas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Esse achado, além de agregar evidências do efeito protetor da vacinação, permite levantar a hipótese de que os diferenciais de sazonalidade da incidência e mortalidade pelas causas selecionadas poderiam explicar a ausência de efeito das campanhas vacinais nas regiões Norte e Nordeste. O aprofundamento de futuros estudos sobre essa temática faz-se necessário, para o acúmulo de maiores evidências que subsidiem os tomadores de decisão na implantação de políticas públicas.