versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.4 Rio de Janeiro abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015214.12292015
The scope of this article is to analyze time trends in excess weight (overweight, obesity and class III obesity) among adults (≥ 18 years of age) in Brazilian capitals between 2006 and 2013. It is a study of temporal trends in excess weight indicators using data from the telephone-based Surveillance System of Risk and Protective Factors for Chronic Non-Communicable Diseases (Vigitel). The Prais regression model was performed. In 2013, the following statistics were observed in the adult population: overweight in 32.2%; obesity in 17.5%, and class III obesity in 1.5%. From 2006 to 2013, there was a significant increase in major indicators, for sex, age group, level of schooling (years) and regions. Overweight and obesity indicators demand attention since they result in a burden on the individual, society and health services.
Key words: Overweight; Obesity; Epidemiological surveys; Chronic disease
No mundo, em 2012, 38 milhões de pessoas faleceram em razão das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), com destaque para as enfermidades do aparelho circulatório, diabetes, câncer e doença respiratória crônica1. Um dos fatores de risco responsáveis pelo aumento da morbidade e mortalidade por DCNT é a obesidade, constituindo-se um desafio mundial controlar sua progressão2,3. Nas Américas, vem sendo observado um aumento da obesidade, independente do nível de desenvolvimento do país4.
No Brasil, as DCNT foram responsáveis por 72,4% dos óbitos no ano de 20115, representando a principal fonte da carga de doença no país6. No período de 2002 a 2012, ocorreram 5.887.708 internações relacionadas às DCNT em 2002 e 6.411.791 em 2012, com tendência crescente. Análises descritivas do Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde para os anos de 2008 a 2012 apontam crescimento exponencial nos atendimentos ambulatoriais relacionados às DCNT, principalmente aqueles referentes às doenças cardiovasculares e às cirurgias bariátricas7.
Para efeitos de medidas populacionais em adultos, o excesso de peso e a obesidade são mensurados pelo Índice de Massa Corporal (IMC) (definido pelo peso em quilos dividido pela altura em metros quadrados), independente do sexo e idade, e possui boa correlação com as medidas da gordura corporal8,9.
O excesso de peso é multifatorial, resultante da interação complexa entre fatores genéticos, metabólicos, hormonais, ambientais, comportamentais, culturais e sociais. Destacam-se o consumo de alimentos processados de alta densidade calórica aliada a um menor consumo de fibras e redução do gasto energético em função dos baixos níveis de atividade física1,10. Estudos apontam que os determinantes sociais são preponderantes na gênese da obesidade; como, por exemplo, baixa escolaridade, menor renda, união conjugal (casados e viúvos) e envelhecimento, dentre outros. A relação entre os determinantes sociais e a obesidade é complexa e ainda não está totalmente esclarecida. Há hipóteses de que a obesidade pode ser desencadeada como sequela da desnutrição energético-proteica precoce, ou pelo desequilíbrio no gasto energético/ingesta calórica, ou relacionada a fatores genéticos4,8.
A obesidade é considerada um problema de saúde pública no Brasil e a transição nutricional se deu de forma muito rápida11. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 2008-2009, já apontavam que 49,0% da população adulta brasileira apresentavam excesso de peso e 14,8% eram obesos12. Além desses dados, o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) realizado nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, apresenta dados desde 2006 sobre estilo de vida em adultos e informações antropométricas (peso e altura) autorreferidas. Esse sistema possibilita o monitoramento dos indicadores de excesso de peso/obesidade nesta população e subsidia o planejamento e a avaliação de políticas públicas de promoção e prevenção da saúde na área de DCNT13.
Este estudo teve como objetivo analisar as tendências temporais dos indicadores de excesso de peso (sobrepeso, obesidade e obesidade grau III) entre adultos (≥ 18 anos) das capitais brasileiras e do DF entre os anos de 2006 e 2013.
Foi realizado um estudo de série temporal dos indicadores de excesso de peso, utilizando dados autorreferidos do Sistema de Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico, no período de 2006 a 2013, para a população de adultos nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal.
O processo de amostragem do Vigitel é probabilístico e realizado em duas etapas: 1) sorteio de 5.000 linhas de telefone fixo residencial em cada uma das 26 capitais e no DF; 2) seleção de um adulto (≥ 18 anos de idade) morador do domicílio para responder ao questionário. O número de entrevistas realizadas em cada uma das cidades por ano foi: 54.369 (2006), 54.251 (2007), 54.353 (2008), 54.367 (2009), 54.339 (2010), 54.144 (2011), 45.448 (2012) e 52.929 (2013). Para que os resultados obtidos fossem representativos de todos os adultos de cada cidade pesquisada, foram utilizados pesos pós-estratificação compostos pelas variáveis: sexo, faixa etária e escolaridade; de modo a igualar a distribuição sociodemográfica da amostra à distribuição estimada para a população adulta de cada cidade13.
As prevalências analisadas neste estudo foram calculadas com base no IMC. Tanto o peso quanto a altura foram informações autorreferidas. Foi realizada a imputação de dados faltantes de peso e altura a partir do ano de 2012. O método de imputação utilizado foi o hot deck, onde é identificada a associação entre as variáveis idade, sexo, escolaridade e raça/cor da pele e a não resposta para peso e/ou altura. Posteriormente, é feita a seleção aleatória dentro de cada grupo, de um indivíduo com informações conhecidas para replicar seus valores de peso ou altura para o não respondente do mesmo grupo13. No ano de 2012 houve 3.921 dados faltantes de peso e altura e em 2013, 4.661, correspondendo aos percentuais de 8,6% e 8,8%, respectivamente.
Mais detalhes metodológicos podem ser vistos no relatório anual do Vigitel13. As definições utilizadas para os indicadores de excesso de peso estudados foram as seguintes12,13:
Sobrepeso: indivíduo com IMC entre 25 e 30 kg/m2;
Obesidade (incluindo grau I, grau II e grau III): indivíduo com IMC ≥ 30 kg/m2;
Obesidade grau III (obesidade mórbida): indivíduo com IMC ≥ 40 kg/m2.
Para análise de tendência dos indicadores de excesso de peso, foi utilizada modelagem de regressão de Prais-Winsten, com o objetivo de corrigir o efeito da autocorrelação. As tendências foram classificadas como ascendente (p ≤ 0,05 e coeficiente de regressão positivo), em declínio (p ≤ 0,05 e coeficiente de regressão negativo) e estável (p > 0,05). Foram calculadas as variações percentuais médias anuais das prevalências empregando-se os valores obtidos na regressão14.
Para as análises estatísticas utilizou-se o aplicativo “Stata” versão 12.1. O Vigitel foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.
As Tabelas de 1 a 3 apresentam as prevalências encontradas para os indicadores de excesso de peso estudados na população adulta residente nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Segundo esses dados, a prevalência de sobrepeso foi de 30,9% e 33,2%, em 2006 e 2013, respectivamente, com elevação de 7,4% (Tabela 1). Com relação à obesidade, o aumento foi de 47,1% no mesmo período, alcançando 17,5% da população em 2013 (Tabela 2). Para a obesidade grau III os valores observados em 2006 e 2013 foram, respectivamente, 1,1% e 1,5%, com 36,4% de crescimento (Tabela 3).
Tabela 1 Tendência da Prevalência (%) de sobrepeso (Índice de Massa Corporal ≥ 25 e < 30 kg/m2) no conjunto da população adulta (≥ 18 anos) residente nas capitais brasileiras e Distrito Federal, Vigitel, 2006-2013.
Tabela 2 Tendência da Prevalência (%) de obesidade (Índice de Massa Corporal ≥ 30 kg/ m2) no conjunto da população adulta (≥ 18 anos) residente nas capitais brasileiras e Distrito Federal, Vigitel, 2006-2013.
Tabela 3 Tendência da Prevalência (%) de obesidade grau III (Índice de Massa Corporal ≥ 40 kg/ m2) no conjunto da população adulta (≥ 18 anos) residente nas capitais brasileiras e Distrito Federal, Vigitel, 2006-2013.
A prevalência de sobrepeso e de obesidade aumentou significativamente em ambos os sexos e em todos os níveis de escolaridade e em todas as regiões geográficas no período estudado (Tabela 4). Nos indivíduos das faixas etárias de 18 a 24 anos e de 25 a 34 anos houve uma tendência crescente na prevalência de sobrepeso. Todavia, a prevalência de obesidade aumenta significativamente em todas as faixas etárias. Apenas para o conjunto de capitais da região Sudeste houve tendência de estabilidade na prevalência de sobrepeso (Tabela 4). Todas as regiões mostraram aumento na tendência de obesidade ao longo do período avaliado (Tabela 2).
Tabela 4 Tendência das prevalências dos indicadores de excesso de peso segundo características selecionadas. Brasil, 2006-2013.
Ocorreu incremento significativo na prevalência de obesidade grau III entre mulheres, na faixa etária de 35 a 44 anos, e entre os adultos de maior escolaridade (acima de nove anos de estudo) e nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste (Tabela 4).
Para a população adulta das capitais, a tendência do excesso de peso foi crescente no período estudado de uma forma geral. Considerando o conjunto de capitais e Distrito Federal, houve crescimento na prevalência de todos os indicadores de excesso de peso entre os adultos pesquisados, independente do sexo, exceto no indicador de obesidade grau III, no qual o sexo masculino teve comportamento estável ao longo do período. No entanto, salienta-se que os indicadores excesso de peso mantiveram-se estáveis entre os anos de 2012 e 2013 (Tabela 4).
Os dados do estudo apontam que em 2013, um terço da população adulta apresentou sobrepeso, cerca de um quinto obesidade e 1,5% obesidade grau III. Ocorreu aumento estatisticamente significativo na maioria dos indicadores, para ambos os sexos, faixas etárias, escolaridade e regiões no período entre 2006 e 2013.
A pandemia da obesidade é um fenômeno global, sendo verificada por meio de altas prevalências de obesidade na população adulta em países como os Estados Unidos (35%); México (34,5% em homens e 24,2% em mulheres); Canadá (27,6% em homens e 23,5% em mulheres); Austrália (25,6% em homens e 24% em mulheres), Espanha (24,4% em homens e 32,5% em mulheres) e Paraguai (22,9% em homens e 35,7% em mulheres); dentre outros15.
Quando se analisa todo o período, de 2006 a 2013, houve tendência de crescimento tanto para o sobrepeso quanto para a obesidade em ambos os sexos. Dados de países europeus, baseados em peso medido e referido, apontam maiores prevalências de obesidade e sobrepeso entre mulheres15. No presente estudo, a prevalência da obesidade foi semelhante entre homens e mulheres e o sobrepeso foi maior em homens.
Observou-se associação inversa entre escolaridade (proxy de nível socioeconômico) e os indicadores de excesso de peso, como também encontrado no Canadá16,17. Este achado tem sido explicado pelo poder aquisitivo inferior das populações com baixa escolaridade, que acaba por consumir alimentos de baixo custo e altamente energéticos, ao invés de consumir outros mais saudáveis, como frutas, hortaliças e cereais integrais. Além disto, há menos oportunidade para a prática de atividade física no lazer, menor acesso a informações sobre medidas preventivas, dentre outros fatores17. Destaca-se ainda que nos países de baixa e média rendas, a obesidade acentua as desigualdades em saúde, levando a maior carga de morbimortalidade em populações de baixo nível socioeconômico18. A relação inversa entre a prevalência de excesso de peso e obesidade e o nível de escolaridade verificada no Vigitel para as mulheres, foi descrita anteriormente em estudos nacionais16,19.
A prevalência de sobrepeso e obesidade no Brasil aumentou com a idade. Este padrão tem sido descrito em outros estudos20,21. A relação entre ingesta de alimentos e gasto energético é uma das explicações prováveis para a relação direta entre o aumento do sobrepeso e da obesidade. Com o envelhecimento, o nível de atividade física se reduz. Fatores relacionados a este padrão citados pela literatura são: crescimento do consumo de alimentos fora de casa; aumento na oferta de refeições rápidas, com elevado teor energético; redução da atividade física no lazer, meios de deslocamento motorizados; predomínio crescente das ocupações que demandam menor esforço físico, dentre outros20,21.
Quanto à obesidade grau III, no ano de 2013 a prevalência foi de 1,5%, ocorrendo um aumento significativo no período. Estudo realizado a partir de comparação de três bases populacionais aponta um crescimento de 255% na prevalência de obesidade grau III nos últimos 30 anos, com as maiores prevalências encontradas na região Sudeste22, o que corrobora com os dados deste estudo.
Dentre os inúmeros compromissos globais com o tema de DCNT e obesidade, destaca-se o plano global de enfrentamento de DCNT da Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem como meta deter o excesso de peso e a obesidade entre as pessoas com 18 anos ou mais e entre os adolescentes2. No Brasil, em 2011, foi lançado o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) 2011-202218, e em 2013 as diretrizes descritas no Plano Intersetorial para Prevenção e Controle da Obesidade9.
O Plano de Enfrentamento de DCNT no Brasil definiu como meta deter o crescimento da obesidade em adultos e de redução do excesso de peso e obesidade em adolescentes e crianças, conforme diretriz da OMS23. Em consonância com os Planos citados, em 2013, o Ministério da Saúde publicou portaria que trata da organização da prevenção e do tratamento das pessoas com sobrepeso e da obesidade como linha de cuidado prioritária da rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas9.
Outra proposta para ampliar o comprometimento com programas e ações nesse campo, é a atuação junto às famílias, escolas e profissionais de saúde, no incentivo ao aleitamento materno, na regulamentação da propaganda de alimentos com alto teor de gordura, no estímulo à prática de atividades físicas, e na promoção da alimentação adequada e saudável em todos os ciclos da vida20. Em conformidade e seguindo a recomendação da OMS de formular e atualizar diretrizes nacionais sobre alimentação e nutrição24, foi realizada a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira de 2006 e publicada uma nova edição em 201425.
O uso de medidas autorreferidas pode ser visto como uma limitação deste estudo. Entretanto, diversas pesquisas atestam a validade dessa estratégia11. Outras limitações são inerentes ao método utilizado pelo Vigitel, que entrevista indivíduos residentes nas capitais de estados brasileiros e no Distrito Federal que possuem telefone fixo. No entanto, para ampliar a representatividade dessa amostra, são utilizados uso de fatores de ponderação, com o objetivo de igualar as características demográficas da amostra àquelas da população de adultos de cada cidade estudada, segundo dados do censo IBGE 2010. Pode ter ocorrido um viés, pois o IMC dos indivíduos que possuem telefone fixo pode ser diferente daqueles que não o possuem13.
O incremento no sobrepeso e na obesidade requer atenção, pois acarreta ônus ao indivíduo, à sociedade e aos serviços de saúde. Há a necessidade de incentivos à adoção de práticas de promoção de saúde e estilo de vida saudável, já que estas refletem de maneira positiva na qualidade de vida da população. Ainda, é importante salientar que considerações a respeito de políticas e ações direcionadas à população, como a regulamentação que estimula a redução da quantidade de gordura trans e açúcar nos alimentos, são necessárias para melhorar as condições de vida e saúde desta população.