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Tendências da Insuficiência Cardíaca na Paraíba: Diagnóstico mais Precoce ou Melhor Tratamento? Eis uma das Questões

Tendências da Insuficiência Cardíaca na Paraíba: Diagnóstico mais Precoce ou Melhor Tratamento? Eis uma das Questões

Autores:

Ana Teresa Timóteo

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.2 São Paulo fev. 2020 Epub 20-Mar-2020

https://doi.org/10.36660/abc.20190898

A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma síndrome clínica com alta prevalência, morbidade e mortalidade no mundo todo1-7. É também uma das principais causas de internações hospitalares, com custos diretos e indiretos elevados.1-7 É esperado que a prevalência de IC aumente devido ao aumento dos fatores de risco cardiovascular na população em geral e aumento da expectativa de vida. Pacientes idosos são mais propensos ao desenvolvimento de IC, bem como de internações por IC. Por esse motivo, espera-se um aumento no ônus econômico da IC nas próximas décadas.1-7

Dados publicados anteriormente mostraram, entretanto, algumas diferenças epidemiológicas de acordo com a região do mundo, quando países em desenvolvimento e desenvolvidos foram comparados. Dados recentemente publicados do Heart Failure Long-term Registry da Sociedade Europeia de Cardiologia, um registro que incluiu um amplo espectro de países com antecedentes socioeconômicos muito diferentes, do sul, oeste, norte e leste da Europa, além do Oriente Médio e Norte da África, mostrou diferenças significativas entre as regiões em relação às características basais, características clínicas e também tratamento e desfechos em pacientes com IC aguda e crônica.8

O Brasil é um país muito grande, com enormes disparidades entre regiões e, portanto, era importante realizar um estudo regional.

O artigo de Fernandes et al.,9 publicado nesta revista, é um estudo retrospectivo sobre dados epidemiológicos obtidos entre 2008 e 2017, com base no banco de dados do DATASUS, um banco de dados populacional.9 Eles estudaram dados especificamente do estado da Paraíba, uma região considerada pelos autores como um estado em desenvolvimento, em comparação com outras partes do Brasil e colocaram os resultados em perspectiva, comparando-os com dados de todo o país. A insuficiência cardíaca foi a primeira causa cardiovascular de internações hospitalares, tanto na Paraíba (29,4%) quanto no Brasil (21%). Houve uma redução significativa de 62% nas internações e 37,5% nos números absolutos de mortalidade hospitalar por insuficiência cardíaca na Paraíba, de 2008 a 2017. No entanto, as taxas de mortalidade intra-hospitalar aumentaram em 65,1%, de 6,6% para 10,9%. Também foi observado um aumento no tempo de hospitalização de 44%. Em valores absolutos, os autores encontraram uma redução não significativa na morte por insuficiência cardíaca, que, no entanto, foi significativa na análise da taxa de mortalidade, com declínio de 10,7%, sendo de 14,0 / 100.000 habitantes. As mesmas tendências também foram observadas nos dados gerais do Brasil, mas a magnitude da alteração foi muito maior na Paraíba.

Este artigo levanta muitas questões importantes, que devem ser abordadas em estudos subsequentes. A redução nas internações pode ser a principal explicação para a redução da mortalidade hospitalar em valores absolutos. No entanto, o aumento da taxa de mortalidade hospitalar é um sinal indireto de que os pacientes admitidos estavam provavelmente em piores condições clínicas. A maior taxa de melhora neste estado, em comparação com o Brasil, pode ser explicada por uma melhora mais sustentada das condições de vida no estado da Paraíba na última década, em comparação com outros estados mais desenvolvidos e provavelmente não melhoraram muito nos últimos anos porque o potencial para melhoras é mais alto nos estados em desenvolvimento. Os autores não mostraram esses dados específicos - houve um aumento mais significativo no produto interno bruto da Paraíba em comparação com outros estados? O estudo europeu mostrou que, no norte da África, a proporção de mulheres é maior quando comparada a outros grupos, com pacientes mais jovens, com menos hipertensão, mas com mais diabetes e fumantes.8 A etiologia isquêmica foi muito menos frequente, a fração de ejeção foi mais preservada e os pacientes foram menos tratados.8 Nesse registro, a mortalidade por todas as causas em 1 ano foi de 23,6% para pacientes com IC aguda e 6,4% para pacientes com IC crônica e as taxas de hospitalização em 1 ano foram de 18,7% e 9,9%, respectivamente. No norte da África, observou-se maior mortalidade por todas as causas (15,6%) e menores taxas de hospitalização (10%) no grupo de IC crônica. Ser do norte da África foi um preditor independente de mortalidade por todas as causas no grupo com IC aguda de até 2,7 vezes em comparação com o sul da Europa. As taxas de mortalidade mais altas observadas foram parcialmente atribuídas ao uso muito menos frequente de terapias médicas recomendadas nas diretrizes para IC com fração de ejeção reduzida, um problema compartilhado por outros países e regiões de baixa e média renda ou por diferenças nos critérios de admissão hospitalar, também relatados recentemente.8,10,11 No Brasil, diferenças substanciais são esperadas entre as regiões em relação às características demográficas, características clínicas e tratamento, quando comparamos regiões desenvolvidas e em desenvolvimento, o que pode explicar alguns dos resultados obtidos nas taxas de mortalidade e hospitalização.

Por essa razão, os resultados apresentados para o estado da Paraíba requerem informações adicionais para melhor interpretação, o que em alguns casos contradiz as projeções de dados mundiais.1,2 Poucos estudos avaliaram as diferentes tendências da IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr) e fração de ejeção preservada (HFpEF), mas a IC com fração de ejeção preservada (ICFEp) pode ser dominante nos próximos anos, porque nos últimos 20 anos, foram relatadas tendências de proporção crescente de pacientes com ICFEp e taxas relativamente estáveis/decrescentes de ICFEr.2 De fato, o aumento na prevalência de IC pode não estar relacionado a um aumento na incidência. O envelhecimento da população, juntamente com a melhora da sobrevida na IC, principalmente na ICFEr, devido aos avanços no tratamento, é uma explicação provável.2 Além disso, os programas de prevenção podem estar reduzindo a incidência, com menor gravidade e melhor tratamento da cardiopatia isquêmica.2 Entretanto, os fatores de risco para doença arterial coronariana ainda estão aumentando. Assim, espera-se uma redução na ICFEr, bem como um aumento na ICFEp com consequentemente mais casos de admissão por IC devido à ICFEp, com menor mortalidade em comparação à ICFEr.2

A redução de internações também deve ser esclarecida. Informações sobre a disponibilidade do programa de tratamento de doenças da IC ou o uso de dispositivos implantáveis (incluindo as características dos pacientes, mas também a disponibilidade de recursos e a estrutura de reembolso) podem explicar essa redução.1,3 Outra explicação possível é que os pacientes com IC podem ser detectados mais cedo no curso da doença e, com isso, as internações prematuras podem ser evitadas. Se eles forem tratados de acordo com as diretrizes, isso também pode adiar e reduzir as internações e a mortalidade.1

O diagnóstico precoce e o tratamento otimizado são importantes indicadores de qualidade para o tratamento da IC, e essa também é uma questão a ser abordada. A assistência médica na Paraíba é significativamente diferente daquela no resto do país? Trata-se principalmente de consultas particulares ou de um sistema público de assistência médica? Como é a acessibilidade dos pacientes aos cuidados de saúde e quais foram as melhorias obtidas (se houver) nos últimos anos? Se possível, todas essas perguntas sobre condições socioeconômicas e dados de saúde devem ser analisadas de 2008 a 2017 para verificar qual é a tendência e melhor identificar as principais especificidades que requerem investimento.

REFERÊNCIAS

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2 Savarese G, Lund LH. Global public health burden of heart failure. Cardiac Fail Rev. 2017;3(1):7-11.
3 Chen J, Ross JS, Carlson MD, Lin Z, Normand SL, Bernheim SM, et al. Skilled nursing facility referral and hospital readmission rates after heart failure or myocardial infarction. Am J Med. 2012;125(1):100e1-9.
4 Cook C, Cole G, Asaria P, Jabbour R, Francis DP. The annual global economic burden of heart failure. Int J Cardiol. 2014;171(3):368-76.
5 Fonseca C, Brás D, Araújo I, Ceia F. insuficiência cardíaca em números: estimativas para o século XXI em Portugal. Rev Port Cardiol. 2018;37(2):97-104.
6 Gouveia M, Ascenção R, Fiorentino F, Costa J, Caldeira D, Broeiro-Gonves P, et al. The current and future burden of heart failure in Portugal. ESC Heart Fail.2016;6(2):254-61.
7 Lee WC, Chavez YE, Baker T, Luce BR. Economic burden of heart failure: a summary of recent literature. Heart and Lung; J Critical Care. 2004;33(6):362-71.
8 Crespo-Leiro MG, Anker SD, Maggioni AP, Coats AJ, Filipatos G, Ruschitzka F, et al. European Society of Cardiology Heart Failure Long-Term Registry (ESC-HF-LT): 1-year follow-up outcomes and differences across regions. Eur J Heart Fail. 2016;1(6):613-25.
9 Fernandes ADF, Fernandes GC, Mazza MR, Knijnik LM, Fernandes GS, Vilela AT. Insuficiência cardíaca no Brasil subdesenvolvido: análise e tendência de dez anos. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(2):222-231.
10 Callender T, Woodward M, Roth G, Farzadfar F, Le Marie JC, Glicquel S, et al. Heart failure care in low- and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. PLoS Med. 2014;11():e1001699.
11 McMurray JJ, O´Connor C. Lessons from the TOPCAT trial. N Engl J Med 2014 Apr 10; 370:1453-4.