versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.6 São Paulo 2019 Epub 25-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180402
A prevalência da DPOC aumentou em todo o mundo e a doença é agora considerada a terceira principal causa de morte.1,2 No Brasil, a taxa global de mortalidade da DPOC tendeu a aumentar entre 1998 e 2004 e a diminuir de 2004 para 2009. De 1998 a 2004, a taxa aumentou em todas as regiões do país e então diminuiu, porém apenas nas regiões Sul e Sudeste.3 O comportamento da taxa de mortalidade da DPOC ajustada pela idade foi semelhante ao da taxa global.4
A morbidade relacionada com a história natural da DPOC, especialmente exacerbações infecciosas e hospitalizações, também é considerada relevante, assim como o são as doenças decorrentes do tabagismo, responsáveis por considerável morbidade e mortalidade, especialmente nas formas mais graves de DPOC.5-9 Esses fatores contribuem para o aumento do absentismo no trabalho e para a aposentadoria precoce, promovendo assim um aumento dos custos diretos e indiretos da doença.10-12
No Brasil, a história de políticas públicas de saúde para controle do tabagismo e prevenção da DPOC começou cerca de três décadas atrás e culminou com a redução da prevalência do tabagismo no país.13,14 No entanto, medidas cujo objetivo é tratar a DPOC são avanços mais recentes, que envolvem a distribuição de medicamentos inalatórios fornecidos gratuitamente pelos serviços públicos de saúde, beneficiando, assim, pacientes submetidos a tratamento especializado. A adesão ao tratamento é um dos principais objetivos do acompanhamento de pacientes com DPOC. Alguns autores mostraram que as taxas de abandono do tratamento são maiores em mulheres e indivíduos que consultam um especialista com menos frequência.15 Outros autores relataram que há uma relação entre taxas mais altas de adesão ao tratamento e condições socioeconômicas ideais.16
Como o Brasil é um país de dimensões continentais, que compreende macrorregiões com diferentes características socioeconômicas, uma análise de séries temporais da morbidade e mortalidade da DPOC seria útil para a avaliação de estratégias de prevenção e do tratamento atual. Portanto, os objetivos deste estudo foram examinar as tendências temporais das taxas de mortalidade da DPOC nas várias macrorregiões e avaliar as tendências temporais da morbidade e mortalidade hospitalar da DPOC, bem como elaborar e validar modelos preditivos para as taxas e variáveis consideradas.
Trata-se de um estudo exploratório analítico ecológico, de base populacional, com análise de séries temporais de dados referentes à morbidade e mortalidade da DPOC no Brasil. O conjunto de dados limitou-se a indivíduos com idade ≥ 40 anos e ao período de janeiro de 2000 a dezembro de 2016.
Dados de domínio público foram extraídos dos sistemas de informação do Ministério da Saúde do Brasil e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde,17 incluindo atestados de óbito (por local de residência), número de internações hospitalares e tempo de internação, todos identificados como sendo relacionados com DPOC conforme a definição da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10). Os dados referentes à população residente, baseados nos dois censos demográficos mais recentes (de 2000 e 2010) e nas estimativas populacionais para os anos intercensitários (2001-2009 e 2011-2017), por faixa etária, são de acesso público e foram obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.18
A população do estudo foi composta por indivíduos com idade ≥ 40 anos residentes no Brasil durante o período de estudo.
Neste estudo, a DPOC foi definida de acordo com os critérios dos códigos J41-J44 da CID-10. Os códigos J40 e J47 da CID-10 não foram incluídos, o primeiro por não especificar se a doença era aguda ou crônica e o segundo por se referir a bronquiectasias, termo que, no Brasil, está intimamente relacionado com as sequelas da tuberculose pulmonar.
As variáveis usadas na análise de séries temporais foram selecionadas a partir de uma análise preliminar dos dados referentes ao número de mortes, taxa de mortalidade ajustada pela idade por local de residência, número de internações, tempo de internação e despesas hospitalares.19,20 Além disso, esses desfechos foram estratificados por macrorregião geográfica (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste), por sexo e por faixa etária (40-49, 50-59, 60-69, 70-79 e ≥ 80 anos).
Para cada macrorregião, a taxa de mortalidade anual por 100.000 habitantes foi calculada com base no número de mortes por DPOC/população residente, por sexo e faixa etária. A fim de determinar a variação das taxas de mortalidade de 2000 para 2016, as razões 2016:2000 foram calculadas para cada macrorregião, também por sexo e faixa etária.
As taxas anuais de mortalidade hospitalar da DPOC ajustadas pela idade foram determinadas por meio do cálculo da razão entre o número de mortes e o número de pessoas por local de residência durante o ano em questão, multiplicada por 100.000 e então pela distribuição percentual da população padronizada. Os dados referentes à população adotada para a padronização foram extraídos do censo de 2010.18-20
O número anual de internações hospitalares foi definido como sendo o total de hospitalizações por DPOC registradas em um determinado ano. O tempo de internação refere-se ao total de dias de hospitalização. Finalmente, a despesa hospitalar total foi definida como sendo o custo da hospitalização durante o período. Foram então registradas as causas básicas de morte definidas para o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2016, e foram calculadas as taxas de mortalidade da DPOC, por local de residência, para os anos de 2000 e 2016. Em seguida, a razão 2016:2000 foi calculada por sexo, faixa etária e macrorregião.
Para analisar a tendência temporal durante o período estudado, identificamos a equação de regressão que melhor descrevia a relação para cada desfecho, por sexo e macrorregião. Para os desfechos hospitalares (taxa de mortalidade hospitalar ajustada pela idade, número de internações, tempo de internação e despesas hospitalares), calculamos a variação percentual anual (VPA) média dos indicadores em todo o período de estudo e a VPA estimada para cada segmento de tempo detectado, com os respectivos intervalos de confiança de 95%, a partir do modelo de regressão, usando o Joinpoint Regression Program, versão 4.6.0.0 (National Cancer Institute, Bethesda, MD, EUA). Na análise da VPA, pontos de inflexão foram usados para testar se uma linha segmentada era significativamente melhor que uma linha reta e se uma linha com muitos segmentos era melhor que uma linha com menos segmentos. Para encontrar o número de pontos de inflexão significativos, usamos um teste de permutação.21
Por fim, realizamos uma análise envolvendo suavização exponencial dupla, com o objetivo de estimar a taxa de mortalidade hospitalar ajustada pela idade, bem como o número de hospitalizações por DPOC e sua duração no ano de 2017, usando o Minitab Statistical Software, versão 18.0. (Minitab Inc., State College, PA, EUA). Os modelos foram escolhidos por meio da otimização dos parâmetros e medidas de precisão, incluindo o erro percentual absoluto médio, o desvio absoluto médio e o desvio quadrático médio. O modelo selecionado foi o que minimizou essas três medidas combinadas. O modelo final foi validado por meio do cálculo do erro percentual entre os valores observados e estimados referentes ao ano de 2017, com nível de significância de 5%.
Os dados usados neste estudo foram secundários e anônimos, de domínio público e sem informações que permitissem a identificação dos indivíduos. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (CAAE n. 0055691.18.1.0000.5200; Protocolo n. 2.954.260).
No Brasil, a DPOC foi a quarta principal causa de morte de 2000 a 2006, a quinta principal causa de morte de 2007 a 2014 e novamente a quarta principal causa de morte de 2015 a 2016 (Figura 1). Observamos variações entre as macrorregiões do país quanto à razão 2016:2000 referente à taxa de mortalidade da DPOC. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a razão foi maior que 1,00 em ambos os sexos e na maioria das faixas etárias (Figuras 2A, 2B e 2C) e menor que 1,00 em ambos os sexos e em todas as faixas etárias nas regiões Sul e Sudeste (Figuras 2D e 2E). No país como um todo, a razão 2016:2000 referente à taxa de mortalidade da DPOC foi menor que 1,00 em ambos os sexos e em todas as faixas etárias estudadas, indicando uma tendência temporal decrescente (Figura 2F). As Figuras 2J, 2K e 2L mostram que a taxa de mortalidade da DPOC aumentou exponencialmente à medida que a idade aumentou, com semelhança nos anos de 2000 e 2016, independentemente do sexo ou macrorregião.
Figura 1 Tendências das causas básicas de morte, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão, no Brasil, 2000-2016.
Figura 2 Razões 2016:2000 da mortalidade da DPOC (A-F) e taxas de mortalidade da DPOC nos anos de 2000 e 2016 (G-L), por região, sexo e faixa etária no Brasil, 2000-2016.
No Brasil como um todo, a taxa de mortalidade da DPOC tendeu a diminuir significativamente em ambos os sexos (Tabela 1). Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, houve tendência de redução em ambos os sexos; nas demais macrorregiões, houve tendência de aumento. O número de internações e o tempo de internação tenderam a diminuir em todo o Brasil e em todas as macrorregiões, com redução mais acentuada no Sul e Sudeste (Tabela 1).
Tabela 1 Análise de regressão da taxa de mortalidade ajustada pela idade por 100.000 habitantes, número de internações e tempo de internação, por sexo e região, em indivíduos com DPOC no Brasil, 2000-2016.
Variável | Mulheres | Homens | ||
---|---|---|---|---|
β | R2 | β | R2 | |
Taxas de mortalidade ajustadas pela idade | ||||
Brasil | −0,2* | 85,8 | −0,4* | 91,3 |
Norte | 0,0 | 0,0 | −0,1 | 16,7 |
Nordeste | 0,0 | 1,3 | 0,0 | 2,6 |
Sudeste | −0,2* | 86,5 | −0,5* | 91,4 |
Sul | −0,4* | 85,3 | −1,3* | 92,2 |
Centro-Oeste | −0,3* | 88,8 | −0,4* | 79,6 |
Hospitalizações | ||||
Brasil | −4.057,7* | 92,2 | −5.352,9* | 95,4 |
Norte | −122,5* | 87,5 | −155,4* | 91,3 |
Nordeste | −516,5* | 81,8 | −569,6* | 89,9 |
Sudeste | −1.162,8* | 87,5 | −1.594,5* | 93,1 |
Sul | −1.839,9* | 92,5 | −2.505,7* | 95,1 |
Centro-Oeste | −416,0* | 95,2 | −527,8* | 94,6 |
Tempo de internação, dias | ||||
Brasil | −18.603,6* | 83,1 | −29.801,0* | 93,7 |
Norte | −545,5* | 79,3 | −710,7* | 81,7 |
Nordeste | −1.032,1 | 18,7 | −2.708,6* | 79,9 |
Sudeste | −5.666,9* | 74,3 | −9.513,5* | 92,0 |
Sul | −9.932,7* | 89,6 | −14.640,5* | 93,4 |
Centro-Oeste | −1.426,4* | 48,9 | −2.227,7* | 86,0 |
β: coeficiente beta; e R2: coeficiente de determinação. *p < 0,05.
A análise dos pontos de inflexão da taxa de mortalidade hospitalar da DPOC revelou VPA média negativa significativa em ambos os sexos (Tabela 2). O número de internações por DPOC e o tempo de internação apresentaram VPA média negativa significativa em ambos os sexos, com ligeira redução da VPA em mulheres a partir de 2009 (Tabela 2). As despesas hospitalares apresentaram VPA média negativa em ambos os sexos, e a diferença foi significativa em homens. Até 2003, a VPA foi negativa e significativa em ambos os sexos. A partir de então, foi positiva apenas em mulheres.
Tabela 2 Regressão por pontos de inflexão, padronizada por idade e sexo, da taxa de mortalidade hospitalar, número de internações, tempo de internação e despesas hospitalares referentes à DPOC no Brasil, 2000-2016.
VPA média | IC95% | Tendência 1 | Tendência 2 | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Anos | VPA | IC95% | Anos | VPA | IC95% | |||
Mortalidade hospitalar | ||||||||
Homens | −5,6 | (−6,3 a −4,8) | 2000-2016 | −5,6 | (−6,3 a −4,8) | |||
Mulheres | −4,2 | (−5,1 a −3,3) | 2000-2016 | −4,2 | (−5,1 a −3,3) | |||
Hospitalizações | ||||||||
Homens | −6,2 | (−6,8 a −5,7) | 2000-2016 | −6,2 | (−6,8 a −5,7) | |||
Mulheres | −5,4 | (−6,3 a −4,5) | 2000-2009 | −7,1 | (−8,3 a −6,0) | 2009-2016 | −3,2 | (−4,9 a −1,4) |
Tempo de internação, dias | ||||||||
Homens | −5,7 | (−6,3 a −5,0) | 2000-2016 | −5,7 | (−6,3 a −5,0) | |||
Mulheres | −4,1 | (−5,2 a −3,0) | 2000-2009 | −6,8 | (−8,2 a −5,4) | 2009-2016 | −0,5 | (−2,7 a 1,7) |
Despesas hospitalares | ||||||||
Homens | −1,3 | (−2,4 a −0,2) | 2000-2003 | −7,3 | (−12,8 a −1,4) | 2003-2016 | 0,1 | (−0,5 a 0,8) |
Mulheres | −0,6 | (−1,9 a 0,7) | 2000-2003 | −9,8 | (−16,1 a −3,1) | 2003-2016 | 1,6 | (0,9 a 2,4) |
VPA: variação percentual anual.
As estimativas do modelo preditivo referentes às taxas de mortalidade hospitalar, número de internações e tempo de internação são apresentadas na Figura 3. Todos os modelos apresentaram erros percentuais absolutos médios inferiores a 7%. Os valores observados para o ano de 2017 permaneceram nos intervalos com intervalo de confiança de 95% e apresentaram erro percentual inferior a 9%, validando os modelos preditivos (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação dos valores estimados pelo modelo preditivo para 2017, em relação aos valores observados no mesmo ano, referentes à taxa de mortalidade hospitalar ajustada por idade, número de internações e tempo de internação por DPOC no Brasil.
Variável | Real | Prevista | Erro (%)* | IC95% |
---|---|---|---|---|
Taxa de mortalidade hospitalar ajustada pela idade | ||||
Homens | 4,98 | 4,61 | 7,43 | 3,53 |
Mulheres | 2,95 | 2,80 | 5,08 | 2,22 |
Hospitalizações | ||||
Homens | 50.156 | 45.818 | 8,65 | −55.673 |
Mulheres | 47.986 | 47.528 | 0,95 | −54.554 |
Tempo de internação (dias) | ||||
Homens | 327.355 | 301.384 | 7,93 | −366.221 |
Mulheres | 322.894 | 330.940 | 2,49 | −381.673 |
*((Real - Prevista)/Real) × 100.
Figura 3 Modelo de suavização exponencial dupla para as taxas de mortalidade hospitalar da DPOC ajustadas pela idade, número de hospitalizações por DPOC e tempo de internação hospitalar por DPOC (em dias) em mulheres e homens no Brasil, 2000-2016. IP95%: intervalo de previsão de 95%; tend: tendência; MAPE: mean absolute percentage error (erro percentual absoluto médio); MAD: mean absolute deviation (desvio absoluto médio); e MSD: mean squared deviation (desvio quadrático médio).
Destacamos dois achados principais do presente estudo. Primeiro, as taxas de mortalidade da DPOC apresentaram tendência temporal decrescente nas macrorregiões com índices socioeconômicos mais elevados.22,23 Segundo, os desfechos de morbidade hospitalar (número de internações, tempo de internação e despesas hospitalares) e indicadores de mortalidade apresentaram tendência temporal decrescente em todas as regiões, com redução muito mais acentuada nas regiões nas quais as condições socioeconômicas são mais favoráveis.
No Brasil, a taxa de mortalidade da DPOC ajustada pela idade diminuiu significativamente em ambos os sexos. Esse achado é semelhante ao de um estudo1 que sugeriu que a redução das taxas de mortalidade da DPOC em certos países está relacionada com o aumento da renda bruta per capita nesses países. Nesse contexto, nossos achados mostram que a taxa de mortalidade da DPOC ajustada pela idade apresentou padrões diferentes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, onde diminuiu em ambos os sexos, ao passo que aumentou em outras regiões. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentam as menores proporções de pessoas com baixa renda, a menor desigualdade social, as menores taxas de analfabetismo em indivíduos com idade ≥ 40 anos e a maior participação proporcional no produto interno bruto em comparação com as demais macrorregiões.23-25 Embora tenhamos observado um aumento das taxas de mortalidade da DPOC nas regiões Norte e Nordeste entre 2000 e 2016, uma pesquisa anual por telefone mostrou uma redução significativa das proporções de fumantes em todas as regiões do país de 2006 para 2014.26
Corroborando nossos achados de redução das taxas de mortalidade da DPOC ajustadas pela idade nas regiões com índices socioeconômicos mais elevados, um estudo de base hospitalar realizado na Dinamarca relatou maior adesão e menores taxas de mortalidade em indivíduos com maior renda, embora se deva ter em mente que a Dinamarca é um país com um sistema de saúde equitativo e melhor distribuição de renda que o Brasil.16 A redução da mortalidade da DPOC observada nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias, também sugere uma possível relação entre indicadores socioeconômicos e taxas de mortalidade da DPOC.
A diminuição da morbidade hospitalar observada em todas as regiões do Brasil pode ter sido influenciada pela disponibilidade gratuita de medicamentos inalatórios para DPOC nos serviços públicos de saúde. Desde 2013, o governo federal do Brasil garante a disponibilidade de broncodilatadores de curta e longa duração (β2-agonistas adrenérgicos e anticolinérgicos) e de corticosteroides inalatórios, uma responsabilidade que era anteriormente assumida pelos estados.27 De fato, vários estudos demonstraram que o uso regular de medicamentos inalatórios reduz o número de exacerbações da DPOC e hospitalizações em virtude da doença.28-30 No entanto, a redução da morbidade e mortalidade hospitalar no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil apoia a hipótese de que os índices socioeconômicos desempenham um papel na morbidade e mortalidade hospitalar da DPOC. Além disso, se considerarmos que melhores condições socioeconômicas também influenciam positivamente a adesão ao tratamento em pacientes com doenças crônicas, os achados de Tavares et al.31 também validam nossos resultados. Os autores supracitados relataram que a probabilidade de adesão ao tratamento é maior em indivíduos que vivem no Sul e Sudeste do Brasil.31
Também esperávamos que a VPA negativa do número de internações e sua duração seria mais pronunciada nos últimos anos. É possível que a distribuição desigual de medicamentos inalatórios para DPOC em todo o país ou a interrupção de sua distribuição durante certos períodos tenham contribuído para a VPA negativa menos pronunciada do número de hospitalizações após 2009. O acesso gratuito aos medicamentos inalatórios para DPOC proporciona o melhor controle da doença, o que pode ter resultado na hospitalização apenas dos casos mais graves em virtude da evolução natural da doença, além de comorbidades relacionadas com o tabagismo, exigindo, consequentemente, internações mais longas. Fatores como a não adesão ao tratamento, o aumento da expectativa de vida da população na última década e o efeito de teto do programa de distribuição de medicamentos - programas desse tipo têm maior impacto nos primeiros anos - também podem explicar esses achados.
Os modelos preditivos validados para o ano de 2017 demonstraram a contínua tendência decrescente da morbidade e mortalidade hospitalar da DPOC no Brasil, embora a amplitude dos intervalos de confiança permita estimativas mais altas do que as atualmente relatadas. Os resultados do presente estudo podem estabelecer as bases para a elaboração e validação de outros modelos preditivos, com controle de indicadores socioeconômicos, o que poderia aumentar a precisão das estimativas.
Este estudo tem algumas limitações. Primeiro, optamos por usar dados oficiais de domínio público, cuja fonte contém atestados de óbito do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde do Brasil; são, portanto, dados secundários sujeitos a inconsistências e lacunas. Essa fonte de dados não apresenta informações sobre achados espirométricos ou gravidade da DPOC. Segundo, não tivemos acesso a informações sobre o uso de medicamentos inalatórios para DPOC. Essas informações são registradas nas farmácias municipais responsáveis pela distribuição desses medicamentos e não são de domínio público.
Nossos achados sugerem que fatores relacionados com as diferentes condições socioeconômicas observadas nas várias macrorregiões do Brasil estão envolvidos no controle da morbidade e mortalidade da DPOC, assim como o estão fatores já mencionados na literatura, tais como a adesão ao tratamento e a redução das taxas de tabagismo. É possível que a melhoria das condições econômicas promova reduções das taxas de morbidade e mortalidade da DPOC. Nossos modelos preditivos poderiam auxiliar na tomada de decisões e no planejamento de políticas de saúde para o tratamento da DPOC.