versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.43 no.1 São Paulo jan./fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562015000000253
A asma é uma doença inflamatória crônica caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e limitação variável do fluxo aéreo reversíveis espontaneamente ou com tratamento. As características clínicas típicas da asma são episódios recorrentes de sibilância, falta de ar, aperto no peito e tosse, particularmente à noite ou no início da manhã.1
Segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma,2 houve, em 2011, 160.000 hospitalizações em virtude de exacerbações de asma. As diretrizes afirmam também que a asma é a quarta principal causa de hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde, além de ser a terceira principal causa de hospitalizações em crianças e jovens adultos.2
Embora as mortes relacionadas com a asma sejam relativamente raras, são consideradas de grande importância porque são, na maioria dos casos, evitáveis por meio do diagnóstico precoce e tratamento adequado. Segundo a Global Initiative for Asthma ,1 o tratamento adequado da asma pode retardar a inflamação pulmonar e o dano tecidual subsequente, diminuindo assim a frequência e a intensidade das crises de asma.1
Há diversos relatos de aumento da morbidade e mortalidade da asma na maioria dos países industrializados e no Brasil, principalmente durante as décadas de 1980 e 1990.3-6 O estudo Asthma Insights and Reality in Latin America mostrou que a taxa de morbidade da asma é alta em toda a América Latina.7 O estudo mostrou também que a grande maioria dos pacientes não havia sido diagnosticada corretamente, não recebeu terapia adequada, não foi monitorada adequadamente, não estava conseguindo atingir as metas de controle da asma estabelecidas pelas diretrizes internacionais e apresentava risco de crises graves.7
Embora as causas do aumento da carga da asma ainda sejam amplamente desconhecidas, os aspectos mais relevantes são os ambientais, genéticos e comportamentais, separadamente ou conjuntamente.8-10 Estudos recentes demonstraram que outros fatores poderiam influenciar a mortalidade da asma, tais como o uso generalizado de anti-inflamatórios contra a asma, campanhas de vacinação contra influenza, maior inclusão social no sistema de saúde e outras iniciativas, todos os quais poderiam alterar rapidamente as tendências da mortalidade da asma. Em uma recente meta-análise de mortes relacionadas com a asma, Wijesinghe et al.11 enfatizaram a necessidade de atualizar os dados e vigiar as tendências internacionais de mortalidade da asma, especialmente na faixa etária de 5 a 34 anos, já que as informações presentes no atestado de óbito (a respeito da causa da morte) são consideradas mais precisas nesse grupo.11 Não obstante a maior dificuldade em estabelecer um diagnóstico preciso em crianças menores de 5 anos, as mortes relacionadas com a asma nessas crianças foram incluídas em análises por causa do aumento da prevalência da asma e da importância histórica dessa faixa etária para as taxas globais de morbidade e mortalidade da asma.12,13 Portanto, o objetivo deste estudo foi apresentar uma atualização das tendências da mortalidade da asma no Brasil nas faixas etárias de 0 a 4 anos e 5 a 34 anos de 1980 a 2014.
Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais em que se analisaram as tendências da mortalidade da asma. Foram calculadas as taxas de mortalidade da asma brutas e ajustadas pela idade.
Os atestados de óbito foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Departamento de Tecnologia da Informação do Sistema Único de Saúde (http://www.datasus.gov.br), filtrados por asma listada como a causa básica da morte no período de 1980 a 2014. Esse banco de dados é composto por atestados de óbito, organizados com base nos códigos estabelecidos na Classificação Internacional de Doenças, 9ª e 10ª revisões (CID-9 e CID-10, respectivamente). A fim de obter o número total de mortes atribuídas à asma, foram usados o código 493 (asma) da CID-9 para o período de 1980 e 1995 e os códigos J45 (asma) e J46 (estado asmático, isto é, asma aguda grave) da CID-10 para o período de 1996 a 2014. Inicialmente, foram calculadas as taxas de mortalidade da asma na população geral e, em seguida, as taxas de mortalidade da asma em duas faixas etárias específicas: 0-4 anos e 5-34 anos.
As taxas de mortalidade da asma relativas ao período de 1980 a 2014 foram calculadas a partir de dados demográficos anuais e de estimativas populacionais provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Foram calculadas as taxas de mortalidade da asma brutas (por 100.000 habitantes) e as taxas de mortalidade da asma ajustadas pela idade.
No processo de modelagem, a variável dependente (Y) foi o coeficiente polinomial para a taxa de mortalidade da asma e a variável independente (X) foi o ano civil. O coeficiente de determinação (R2) foi usado como medida da precisão dos modelos. Os modelos foram testados quanto ao ajuste linear (Y = β0 + β1X), ajuste quadrático (Y = β0 + β1X + β2X2), ajuste cúbico (Y = β0 + β1X + β2X2 + β3X3) e ajuste exponencial (Y = e β0 + β1X). A análise estatística foi realizada com o programa IBM SPSS Statistics, versão 19.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Nos modelos, β0 foi a taxa média anual, β1 foi o coeficiente de efeito linear (velocidade) e β2 foi o coeficiente de efeito quadrático (aceleração).
Na população geral do Brasil, o número absoluto de mortes relacionadas com a asma caiu de 2.286 em 1980 para 2.096 em 2014. A taxa bruta de mortalidade da asma caiu de 1,92 para 1,03 mortes por 100.000 habitantes, o que corresponde a uma redução de 46,2%, entre 1980 e 2014 (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1 Mortes relacionadas com a asma, por faixa etária, no Brasil - 1980-2014.
Ano da morte | 0-4 anos | 5-34 anos | 0-34 anos | Total de mortes relacionadas com a asma no Brasil |
---|---|---|---|---|
(% do total) | (% do total) | (% do total) | ||
1980 | 596 (26,07) | 207 (9,06) | 803 (35,13) | 2.286 |
1981 | 529 (25,84) | 194 (9,48) | 723 (35,32) | 2.047 |
1982 | 591 (27,72) | 200 (9,38) | 791 (37,10) | 2.132 |
1983 | 556 (25,35) | 202 (9,21) | 758 (34,56) | 2.193 |
1984 | 502 (25,23) | 215 (10,80) | 717 (36,03) | 1.990 |
1985 | 466 (24,60) | 193 (10,19) | 659 (34,79) | 1.894 |
1986 | 406 (20,38) | 186 (9,34) | 592 (29,72) | 1.992 |
1987 | 380 (21,75) | 196 (11,22) | 576 (32,97) | 1.747 |
1988 | 402 (21,28) | 174 (9,21) | 576 (30,49) | 1.889 |
1989 | 364 (19,69) | 226 (12,22) | 590 (31,91) | 1.849 |
1990 | 391 (19,54) | 193 (9,65) | 584 (29,19) | 2.001 |
1991 | 305 (17,99) | 153 (9,03) | 458 (27,02) | 1.695 |
1992 | 354 (17,49) | 207 (10,23) | 561 (27,72) | 2.024 |
1993 | 309 (13,89) | 211 (9,48) | 520 (23,37) | 2.225 |
1994 | 331 (14,45) | 246 (10,74) | 577 (25,19) | 2.291 |
1995 | 330 (13,49) | 251 (10,26) | 581(23,74) | 2.447 |
1996 | 255 (10,17) | 278 (11,08) | 533 (21,25) | 2.508 |
1997 | 288 (10,78) | 278 (10,41) | 566 (21,19) | 2.671 |
1998 | 259 (9,51) | 254 (9,33) | 504 (18,51) | 2.723 |
1999 | 236 (8,66) | 289 (10,61) | 525 (19,27) | 2.725 |
2000 | 239 (9,20) | 224 (8,62) | 463 (17,82) | 2.598 |
2001 | 226 (8,87) | 225 (8,83) | 451 (17,70) | 2.548 |
2002 | 220 (9,14) | 220 (9,14) | 440 (18,27) | 2.408 |
2003 | 225 (9,05) | 212 (8,53) | 437 (17,59) | 2.485 |
2004 | 160 (6,25) | 212 (8,29) | 372 (14,54) | 2.558 |
2005 | 193 (7,41) | 250 (9,60) | 443 (17,02) | 2.603 |
2006 | 191 (6,14) | 263 (8,45) | 454 (14,59) | 3.111 |
2007 | 165 (5,77) | 231 (8,07) | 396 (13,84) | 2.862 |
2008 | 121 (4,49) | 223 (8,27) | 344 (12,76) | 2.696 |
2009 | 123 (4,83) | 203 (7,98) | 326 (12,81) | 2.544 |
2010 | 106 (4,03) | 234 (8,89) | 340 (12,92) | 2.632 |
2011 | 77 (3,15) | 178 (7,28) | 256 (10,47) | 2.445 |
2012 | 97 (4,12) | 201 (8,53) | 298 (12,66) | 2.354 |
2013 | 79 (3,31) | 216 (9,05) | 295 (12,35) | 2.387 |
2014 | 80 (3,82) | 182 (8,68) | 262 (12,5) | 2.096 |
Tabela 2 Taxas de mortalidade da asma ajustadas pela idade e brutas, por faixa etária, no Brasil - 1980-2014.
Ano | 0 a 4 anos | 5 a 34 anos | Todas as faixas etárias |
---|---|---|---|
(ajustada pela idade) | (ajustada pela idade) | (bruta) | |
1980 | 3,6279 | 0,9536 | 1,9207 |
1981 | 3,2371 | 0,9042 | 1,6895 |
1982 | 3,6125 | 0,9027 | 1,7224 |
1983 | 3,3948 | 0,8709 | 1,7349 |
1984 | 3,0616 | 0,915 | 1,5423 |
1985 | 2,8389 | 0,797 | 1,4387 |
1986 | 2,4708 | 0,7487 | 1,484 |
1987 | 2,3101 | 0,7826 | 1,2772 |
1988 | 2,4413 | 0,6684 | 1,3562 |
1989 | 2,2083 | 0,8629 | 1,3047 |
1990 | 2,3697 | 0,7231 | 1,3887 |
1991 | 1,8461 | 0,5544 | 1,1544 |
1992 | 2,1958 | 0,7387 | 1,3612 |
1993 | 1,8182 | 0,7576 | 1,468 |
1994 | 1,9196 | 0,8352 | 1,4903 |
1995 | 1,8876 | 0,873 | 1,5723 |
1996 | 1,6321 | 0,6402 | 1,5967 |
1997 | 1,8122 | 0,6101 | 1,6731 |
1998 | 1,6075 | 0,5256 | 1,683 |
1999 | 1,4441 | 0,6326 | 1,6621 |
2000 | 1,4594 | 0,4692 | 1,53 |
2001 | 1,3583 | 0,4736 | 1,478 |
2002 | 1,3044 | 0,4357 | 1,3788 |
2003 | 1,3164 | 0,4159 | 1,4049 |
2004 | 0,9238 | 0,4075 | 1,4281 |
2005 | 1,0823 | 0,4842 | 1,4132 |
2006 | 1,0556 | 0,4614 | 1,6656 |
2007 | 0,9974 | 0,4673 | 1,5116 |
2008 | 0,7542 | 0,4661 | 1,4218 |
2009 | 0,784 | 0,4149 | 1,3285 |
2010 | 0,7683 | 0,2358 | 1,3797 |
2011 | 0,4939 | 0,1736 | 1,2709 |
2012 | 0,6313 | 0,1961 | 1,2135 |
2013 | 0,5216 | 0,2110 | 1,1852 |
2014 | 0,5355 | 0,1783 | 1,0335 |
Delta (1980 vs. 2014) | −85,2% | −81,3% | −46,2% |
Os dados extraídos dos atestados de óbito mostraram que, no período estudado, houve uma redução de 67% no número de mortes relacionadas com a asma em indivíduos com idade ≤ 34 anos, passando de 803 (35,1% de todas as mortes relacionadas com a asma) em 1980 para 262 (12,5% de todas as mortes relacionadas com a asma) em 2014 (Tabela 1). As mortes relacionadas com a asma na faixa etária de 0 a 4 anos corresponderam a 26,1% de todas as mortes relacionadas com a asma em 1980, porcentagem que diminuiu para 3,8% em 2014. Nessa mesma faixa etária, houve uma redução de 85,2% na taxa de mortalidade da asma ajustada pela idade no período de estudo, de 3,63/100.000 habitantes em 1980 para 0,54/100.000 habitantes em 2014 (Tabela 2). Houve menos variação no número absoluto de mortes e sua representatividade na faixa etária de 5 a 34 anos do que na faixa etária de 0 a 4 anos. No primeiro grupo, o número de mortes relacionadas com a asma diminuiu de 207 (9,1% de todas as mortes relacionadas com a asma) em 1980 para 182 (8,7% de todas as mortes relacionadas com a asma) em 2014. Vale notar que houve uma redução de 81,3% na taxa de mortalidade da asma ajustada pela idade na faixa etária de 5 a 34 anos no período de estudo - de 0,95/100.000 habitantes em 1980 para 0,18/100.000 habitantes em 2014 (Tabelas 1 e 2).
O modelo de estimativa de curva que mais bem representou as tendências da mortalidade da asma ajustadas pela idade nas faixas etárias de 0 a 4 anos e 5 a 34 anos apresentou uma tendência linear e constante de redução durante o período analisado. A tendência de mortalidade geral no Brasil (taxa bruta de mortalidade da asma) apresentou um padrão polinomial durante o período analisado; inicialmente houve uma redução e, em seguida, um aumento seguido de outra redução (Figura 1).
Figura 1 Taxas de mortalidade da asma brutas e ajustadas pela idade e tendências em indivíduos nas faixas etárias de 0 a 4 anos e 5 a 34 anos no Brasil, de 1980 a 2014.
Na faixa etária de 0 a 4 anos, houve uma tendência decrescente constante, com redução média anual (β1) de 0,091 mortes/100.000 habitantes e R2 ajustado de 0,953. Na faixa etária de 5 a 34 anos, houve redução média anual de 0,019 mortes/100.000 habitantes e R2 ajustado de 0,866. Apesar das diferenças quanto à velocidade do declínio, tendências semelhantes foram observadas nas duas faixas etárias avaliadas (Tabela 3).
Tabela 3 Análise de tendência das taxas de mortalidade da asma brutas e ajustadas pela idade, por faixa etária, no Brasil - 1980-2014.
Mortalidade da asmaa | Média do coeficiente beta | Média de aumento anual | Velocidade | Aceleração | Valor de p | R2 ajustado | Tendência |
---|---|---|---|---|---|---|---|
(ŋ0) | (ŋ1) | (ŋ2) | (ŋ3) | (F) | |||
Todas as faixas etárias | 1,483 | 0,018028 | −0,000262 | −0,000151 | < 0,001 | 0,639 | Tendência polinomial de terceira ordem |
Decrescente de 1980 a 1989; crescente de 1990 a 2001; decrescente de 2002 a 2014 | |||||||
0 a 4 anos | 1,717034 | −0,091762 | < 0,001 | 0,953 | Redução linear | ||
5 a 34 anos | 0,593431 | −0,021520 | < 0,001 | 0,866 | Redução linear | ||
Todas as faixas etárias antes de 2004b | 1,497 | 0,022395 | −0,001001 | 0,000228 | < 0,001 | 0,624 | Tendência polinomial de terceira ordem |
Decrescente de 1980 a 1987; crescente de 1988 a 1998; decrescente de 1999 a 2004 | |||||||
0 a 4 anos antes de 2004 | 1,935 | −0,092283 | < 0,001 | 0,951 | Redução linear | ||
5 a 34 anos antes de 2004 | 0,654108 | −0,018479 | < 0,001 | 0,728 | Redução linear | ||
Todas as faixas etárias após 2004 | 1,328294 | − 0,050429 | 0,005388 | 0,021 | 0,526 | Tendência polinomial de segunda ordem | |
Decrescente de 2005 a 2013 e crescente a partir de então | |||||||
0 a 4 anos após 2004 | 0,724580 | −0,074360 | 0,009151 | < 0,001 | 0,850 | Tendência polinomial de segunda ordem | |
Decrescente de 2005 a 2012 e crescente a partir de então | |||||||
5 a 34 anos após 2004 | 0,310778 | −0,043610 | 0,005037 | 0,003 | 0,711 | Tendência polinomial de segunda ordem | |
Decrescente de 2005 a 2012 e crescente a partir de então |
aValores expressos em forma de mortes/100.000 habitantes. bQuando o tratamento com corticosteroides inalatórios tornou-se amplamente disponível.
Após 2004, as políticas governamentais de controle da asma aumentaram a disponibilidade de corticosteroides inalatórios no Brasil, invertendo assim a tendência anual de mortalidade global da asma, que passou de um aumento de 0,018 mortes/100.000 habitantes antes de 2004 para uma redução de 0,05 mortes/100.000 habitantes depois de 2004. Observou-se uma mudança semelhante na faixa etária de 5 a 34 anos, na qual houve uma tendência polinomial linear decrescente; houve uma redução de 0,018 mortes/100.000 habitantes nas taxas de mortalidade anual da asma antes de 2004 e de 0,046 mortes/100.000 habitantes a partir de então. Após a introdução do tratamento com corticosteroides inalatórios (em 2004), observou-se ligeira melhora na tendência decrescente das taxas de mortalidade da asma na faixa etária de 0 a 4 anos, com redução média anual (β1) de 0,092 mortes/100.000 habitantes antes de 2004 e de 0,074 mortes/100.000 habitantes a partir de então.
Este artigo demonstra que, no Brasil, houve uma redução linear dos coeficientes de mortalidade da asma ajustados pela idade de 1980 a 2014 nas faixas etárias de 0 a 4 anos e 5 a 34 anos no Brasil, em contraste com as tendências polinomiais de terceira ordem (decrescente, crescente e novamente decrescente) das taxas brutas de mortalidade da asma durante o período estudado. A redução dos coeficientes de mortalidade da asma foi mais proeminente na faixa etária de 0 a 4 anos do que na faixa etária de 5 a 34 anos, assim como o foi a redução da representação proporcional em relação ao número total de mortes relacionadas com a asma durante o período analisado. No primeiro grupo, não foram observadas mudanças significativas nas tendências de mortalidade após 2004 (quando o tratamento com corticosteroides inalatórios tornou-se mais amplamente disponível), ao passo que houve uma redução acentuada das taxas de mortalidade da asma após 2004 na faixa etária de 5 a 34 anos, bem como em faixas etárias mais avançadas.
Algumas limitações potenciais à precisão de estudos populacionais sobre a mortalidade da asma devem ser consideradas. Em primeiro lugar, quando se exclui a possibilidade de a asma ter sido um diagnóstico secundário, especialmente nos casos em que insuficiência respiratória não específica foi listada como a causa básica da morte, casos em que a morte poderia ter sido atribuída a exacerbação da asma podem ser perdidos. Goldacre et al.14 sugeriram que, em estudos populacionais, metade das mortes relacionadas com a asma é perdida quando se considera apenas a causa básica da morte. A subnotificação constitui outro possível viés de informação, especialmente se as estatísticas de mortalidade dependem de um sistema de saúde de base hospitalar deficiente. Além disso, há possíveis limitações diagnósticas e uso de dados imprecisos quando o atestado de óbito é preenchido. Ainda, a mudança dos códigos da CID-9 para os da CID-10 (em 1996) pode ter resultado em interpretações equivocadas.
Nas faixas etárias de 0 a 4 anos e 5 a 34 anos, houve um declínio constante das taxas de mortalidade da asma ao longo dos 30 anos analisados, ao passo que as taxas brutas de mortalidade da asma apresentaram tendência não linear. O grupo mais jovem apresentou uma redução de 85,2% na taxa de mortalidade da asma ajustada pela idade, com uma queda constante em sua representatividade - de 26,07% para 3,82% do número total absoluto de mortes relacionadas com a asma - durante o período estudado. A redução anual de 0,0917 mortes/100.000 habitantes nessa faixa etária (da qual fazem parte 11,2 milhões de indivíduos no Brasil) resultou em uma redução significativa de mais de 12 mortes relacionadas com a asma por ano.
Apesar da importância da faixa etária de 0 a 4 anos, há alguns desafios intrínsecos do diagnóstico de asma em crianças muito pequenas. Alguns desses desafios são o diagnóstico diferencial de doenças com apresentação clínica semelhante (falta de ar e sibilância), tais como bronquiolite obliterante, aspiração de corpo estranho, tumores torácicos e malformações, além das dificuldades em realizar procedimentos diagnósticos, tais como espirometria com broncodilatador, em crianças muito pequenas.15
Embora tenha havido uma redução de 81,3% nas taxas de mortalidade da asma na faixa etária de 5 a 34 anos, não houve diferenças significativas quanto à contribuição proporcional dessa faixa etária para o número total de mortes relacionadas com a asma no Brasil, que variou de 9,06% a 8,68% do número absoluto de mortes relacionadas com a asma de 1980 a 2014. A redução anual de 0,026 mortes/100.000 habitantes nessa faixa etária (da qual fazem parte 100,1 milhões de indivíduos no Brasil) resultou em uma redução média de 26 mortes relacionadas com a asma por ano. Vale notar que, na faixa etária de 5 a 34 anos, houve uma redução de 0,018 mortes/100.000 habitantes na taxa anual de mortalidade da asma em 1980 e de 0,046 mortes/100.000 habitantes em 2004. Trata-se de uma redução linear que mais que dobrou o número de vidas poupadas. Embora essa redução tenha sido menos pronunciada do que a observada na faixa etária de 0 a 4 anos, foi igualmente significativa em termos de números absolutos. Os dados referentes à faixa etária de 5 a 34 anos são de particular interesse por causa das melhores chances de um diagnóstico correto de asma e de prevenir eventos desencadeantes em indivíduos nessa população, bem como porque essa faixa etária foi responsável pela maior parte do aumento das taxas de mortalidade da asma durante a década de 1980.16
Estudos recentes mostraram taxas de mortalidade da asma estáveis ou decrescentes na maioria dos países desenvolvidos.17 Prietsch et al.18 recentemente relataram uma redução da mortalidade da asma em pacientes pediátricos (com idade ≤ 19 anos) no Brasil como um todo, como se relatou posteriormente na cidade do Rio de Janeiro.19 Outro estudo recente relatou que as taxas de mortalidade da asma têm diminuído no Brasil desde a década de 1990.20
É interessante que a tendência linear decrescente observada no presente estudo não se aplique às taxas brutas de mortalidade da asma. As taxas brutas de mortalidade da asma apresentaram uma tendência com três fases distintas: uma tendência inicial decrescente de 1980 a 1989; uma tendência crescente de 1990 a 2000 e outra tendência decrescente de 2001 a 2014. Esse comportamento contrasta com os achados de uma meta-análise das tendências da mortalidade da asma em 20 países, a qual, apesar de alguma variabilidade entre os estudos, mostrou um aumento médio de 38% nas taxas de mortalidade da asma desde meados da década de 1970 até meados da década de 1980, seguido de uma redução média de 63% desde o fim da década de 1980 até o ano de 2005.11 Embora sejam necessários mais dados, a tendência das taxas brutas de mortalidade da asma aparentemente mudou sobremaneira nesses países, de um aumento anual de 0,022 mortes/100.000 habitantes de 1980 a 2004 para uma redução anual de 0,05 mortes/100.000 habitantes a partir de então. Estudos mais recentes sobre a mortalidade da asma mostraram uma redução das taxas de mortalidade em diversos países, tais como Sérvia, Porto Rico, Escócia e Estados Unidos.21-24 Portanto, poder-se-ia esperar uma redução semelhante das taxas brutas de mortalidade da asma no Brasil após 2004, ano em que os corticosteroides inalatórios tornaram-se disponíveis nos sistemas públicos de saúde.
Embora alguns autores tenham proposto uma correlação entre a redução da mortalidade da asma e o uso generalizado de corticosteroides inalatórios para controlar a inflamação das vias aéreas,25-27 não foram realizados estudos específicos para investigar essa correlação. No Brasil, o Sistema Único de Saúde vem fornecendo corticosteroides inalatórios para pacientes com asma persistente desde 2004, quando foram publicadas as Linhas de Conduta em Atenção Básica - Asma e Rinite, com o objetivo de ampliar o escopo dos cuidados de saúde prestados a esses pacientes. 28 Isso promoveu a nova tendência decrescente da mortalidade da asma em indivíduos com mais de 5 anos de idade. Além dos medicamentos de controle da asma, a inclusão da vacina pneumocócica no Programa Nacional de Imunizações também pode ter desempenhado um papel importante na indução da tendência decrescente da mortalidade da asma, embora apenas recentemente tenha passado a ser recomendada para crianças menores de 2 anos e, portanto, ainda não há dados consistentes para análise.
Outros fatores podem contribuir para a redução da mortalidade da asma, tais como melhoras na saúde e bem-estar alcançadas por meio de políticas de inclusão em programas de saúde pública, tais como o Programa de Saúde da Família, resultando em uma bem-sucedida redução do número de hospitalizações em virtude de doenças que poderiam ser tratadas em regime ambulatorial, tais como a asma, doença em que o acesso a cuidados primários eficazes pode reduzir a probabilidade de hospitalização,29 além de programas específicos para a asma, que promovem a identificação de pacientes com asma grave e controle eficiente da doença, com a esperada redução das taxas de mortalidade direta ou indiretamente relacionada com a asma.30 Estudos recentes demonstraram que, em regiões do Brasil onde há considerável desigualdade social, a mortalidade da asma correlaciona-se com acesso limitado a sistemas de saúde e programas de asma.31 Infelizmente, dados a respeito de indicadores sociais confiáveis, que poderiam ampliar a compreensão dos efeitos desses indicadores na asma no Brasil, são escassos e conflitantes.
Na população estudada aqui, as tendências de mortalidade da asma devem seguir a prevalência da asma grave. Em um estudo no qual foram comparadas as fases um e três do International Study of Asthma and Allergies in Childhood ,32 a prevalência de sintomas de asma grave na população pediátrica mostrou-se estável após 7 anos de acompanhamento. Como a prevalência da asma grave permaneceu inalterada, esse achado sugere que há outros fatores envolvidos. Além da incorporação de corticosteroides inalatórios em políticas públicas de controle da asma no Brasil, outros fatores podem desempenhar papéis, tais como maior precisão diagnóstica, programas de vacinação ampliados e melhoras na notificação de óbitos. A contribuição de cada um desses fatores é difícil de avaliar e, apesar dos avanços óbvios, o controle da asma no Brasil continua sendo insuficiente.
Mais estudos, nos quais se avalie a correlação entre mortalidade da asma e programas de inclusão em saúde, bem como entre mortalidade da asma e indicadores socioeconômicos específicos, poderiam ajudar a explicar as causas das diferenças observadas nas tendências. Estudos do tipo caso-controle de mortes e quase mortes em virtude da asma podem ajudar a compreender melhor os fatores de risco relacionados com crises graves de asma. Em suma, houve uma redução consistente da mortalidade da asma em indivíduos de 0-34 anos de idade no Brasil, e essa redução foi mais acentuada no subgrupo de indivíduos de 5-34 anos de idade desde a introdução de políticas públicas que tornaram o tratamento com corticosteroides inalatórios mais amplamente disponível. No entanto, são necessários mais estudos para identificar as causas dessa redução nessa faixa etária e naquelas em que as taxas de mortalidade da asma são mais elevadas, já que as taxas brutas de mortalidade da asma continuam a oscilar.