versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.24 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201600030026
To evaluate cervical cancer mortality trends in Piauí and 11 its development territories (DT) for the period 2000-2011.
We conducted time series analysis with deaths data obtained from the National Mortality Database, and population data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics. Mortality rates were corrected on the basis of proportional redistribution of the deaths from “cervical cancer, part unspecified” and standardized for age. Time trends were evaluated by Joinpoint method.
There was an increase in cervical cancer mortality trends for the State as the whole (APC=+2.3; CI95%=0.2-4.5). In the period, it was observed upward trends in mortality rates DT 5 (APC=+11.6; CI95%=9.4-37.5), and DT 10 (APC=+11.4; CI95%=0.7-23.2). Other DTs presented stable trends.
In the period 2000-2011, there was upward trend of cervical cancer mortality rates, suggesting difficulty of early diagnosis and treatment of this neoplasm in the State.
Keywords: trends; mortality; cervical cancer; time series studies
A mortalidade por câncer do colo do útero tem apresentado declínio persistente em quase todo o mundo nas três últimas décadas. O rastreamento sistemático e o avanço nas modalidades de tratamento foram os fatores que mais contribuíram para o aumento da sobrevida e o decréscimo da mortalidade1. Embora o câncer do colo uterino seja uma causa de morte evitável entre mulheres, sua incidência ainda é elevada em regiões com grande desigualdade social. São as mulheres com menor renda, com baixa escolaridade e com acesso mais difícil aos serviços de saúde as que apresentam maiores chances de óbito por essa neoplasia2.
Um estudo que avaliou a mortalidade por câncer no Brasil de 1981 a 2006 mostrou tendência decrescente no país. Esse padrão de queda foi encontrado nas capitais de todas as regiões; porém, houve diferenças regionais, como elevação da tendência nas cidades do interior do Norte e Nordeste3. Assim como em outras regiões do mundo, as taxas de mortalidade no Brasil têm correlação inversa com indicadores socioeconômicos positivos e direta com indicadores negativos4,5.
Este artigo descreve a mortalidade por câncer do colo do útero no Piauí, cujos indicadores socioeconômicos são piores que os encontrados na maior parte dos demais Estados brasileiros, com elevada desigualdade de renda, alta taxa de mortalidade infantil e grande proporção de pessoas sem instrução6. No entanto, existem características distintas nos municípios, com áreas mais desenvolvidas no Meio-Norte do Estado e regiões menos desenvolvidas no Leste Semiárido7, O objetivo é analisar a tendência de mortalidade de 2000 a 2011 em todo o Estado e também em seus 11 territórios de desenvolvimento (TDs).
Realizou-se análise de série temporal da mortalidade por câncer do colo do útero no Piauí e em seus 11 TDs, os quais englobam 224 municípios, de 2000 a 2011. O número de municípios de cada TD é: TD1 – Planície Litorânea (11); TD2 – Cocais (22); TD 3 – Carnaubais (16); TD 4 – Entre Rios (29); TD 5 – Vale do Sambito (16); TD6 – Vale do Rio Guaribas (39); TD 7 – Vale do Canindé (17); TD 8 – Serra da Capivara (18); TD 9 – Vale dos rios Piauí e Itaueira (19); TD 10 – Tabuleiros do Alto Parnaíba (12); TD 11 – Chapada dos Mangabeiras (25).
Os dados dos óbitos por câncer do colo do útero foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, utilizando-se a codificação da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)8 para câncer do colo do útero (C53) e câncer do útero sem especificação (C55).
As mortes por câncer do colo do útero sem especificação foram distribuídas proporcionalmente em óbitos por câncer do colo do útero e corpo do útero, segundo metodologia da Organização Mundial de Saúde9. As informações demográficas foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10.
Após correção, foram calculadas as taxas de mortalidade padronizadas por faixa etária pelo método direto11, tendo como referência a população mundial padrão. A tendência da taxa de mortalidade foi avaliada por meio do método joinpoint, o qual permite o ajuste de dados de uma série a partir do menor número possível de joinpoints e testa se a inclusão destes é estatisticamente significativa. Para descrever a tendência linear por período, foram calculados a variação percentual anual (VPA) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Considerou-se que ocorreu aumento na taxa de mortalidade quando a tendência foi de crescimento e o valor mínimo do IC95% foi >0. No entanto, considerou-se que ocorreu redução quando houve declínio na tendência e o valor máximo do IC95% foi <0. A estabilidade foi definida quando, independente da tendência, o IC95% incluiu o valor 012.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí (CAAE 10501812.4.0000.5209).
Entre 2000 e 2011, ocorreram 1.158 óbitos por câncer do colo do útero e 261 por câncer de útero sem especificação no Piauí. A idade das mulheres variou de 22 a 95 anos, com predomínio da faixa etária de 50-59 anos (23,6%). A taxa de mortalidade padronizada apresentou aumento de 2,3% (IC95%=0,2-4,5) durante o período estudado no Estado como um todo (Figura 1).
Não houve tendência de queda da mortalidade em nenhuma região do Estado, mas sim estabilidade observada na maior parte dos TDs, incluindo aquele onde se localiza a capital, Teresina (TD4). Ocorreu elevação da taxa de mortalidade em torno de 11% ao ano, estatisticamente significante, no TD 5 (VPA=+11,6; IC95%=9,4-37,5) e no TD 10 (VPA=+11,4; IC95%=0,7-23,2). Os demais TDs apresentaram tendência estável da taxa de mortalidade (Tabela 1).
Tabela 1 Tendências das taxas de mortalidade de câncer do colo do útero em cada território de desenvolvimento (TD), no Piauí, Brasil, 2000-2011
TD | TM – 2000 | TM – 2011 | VPA (%) | IC95% |
---|---|---|---|---|
Todos | 5,7 | 7,5 | +2,3* | (0,2 a 4,5) |
TD1 | 5,2 | 5,3 | +2,5 | (-4,2 a 9,8) |
TD2 | 3,6 | 7,7 | +1,0 | (-6,9 a 9,7) |
TD3 | 5,4 | 6,3 | +1,2 | (-6,1 a 9,2) |
TD4 | 9,0 | 10,3 | +1,0 | (-1,8 a 4,0) |
TD5 | 2,2 | 5,2 | +11,6* | (9,4 a 37,5) |
TD6 | 4,3 | 5,5 | +5,2 | (1,6 a 12,6) |
TD7 | 2,7 | 6,3 | +3,7 | (-9,4 a 18,7) |
TD8 | 3,9 | 2,8 | -5,5 | (-17,7 a 8,3) |
TD9 | 2,5 | 3,9 | +5,2 | (-2,0 a 13,1) |
TD10 | 7,6 | 38,0 | +11,4* | (0,7 a 23,2) |
TD11 | 1,8 | 2,3 | +1,4 | (-8,8 a 12,9) |
TM=coeficiente de mortalidade; VPA=variação percentual anual; IC=intervalo de confiança;
*Significativamente diferente de 0%
Os resultados deste estudo mostram que, entre 2000 e 2011, a mortalidade padronizada e corrigida por câncer do colo do útero apresentou elevação no Piauí, apesar da tendência estável observada na maior parte de seus TDs. Porém, no Brasil (1980-2006) como um todo3 e em Estados como Minas Gerais (1980-2005)13, tem sido observada queda da mortalidade por câncer cervical. É possível que essa discrepância seja explicada por desigualdade de acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento, tendo em vista que o Piauí exibe indicadores sociais e econômicos piores que os de outros Estados da região Nordeste e do Brasil6.
A implantação efetiva de programas de rastreamento tem impacto significativo na redução da incidência de câncer do colo do útero e da mortalidade por essa neoplasia na maioria dos países do mundo. No entanto, assim como em outras doenças, a baixa condição socioeconômica, em especial a escolaridade, pode interferir negativamente no acesso das mulheres aos serviços de prevenção14. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2003 mostraram que a cobertura do exame de prevenção no Piauí foi de 76,8% para mulheres com 24 anos ou mais15. Ainda que essa cobertura esteja próxima ao percentual mínimo de 80% recomendado pela Organização Mundial de Saúde16, pouco se sabe sobre os indicadores de qualidade desses exames citopatológicos, principalmente no interior do Estado.
O pior acesso aos serviços de saúde implica não somente que mulheres pobres receberão diagnóstico mais tardio, mas também que poderão ter dificuldade em obter tratamento especializado em tempo hábil. Um estudo que analisou dados de hospitais e serviços especializados em tratamento oncológico no Brasil mostrou que, entre 1995 e 2002, 45,5% das mulheres com câncer do colo do útero já estavam em estágio avançado (III ou IV) no momento do diagnóstico17. Uma vez que a maioria desses serviços se localiza nas capitais dos Estados, como ocorre no Piauí, a expectativa é que mulheres residentes em outras localidades tenham maior dificuldade de acesso ao tratamento em tempo hábil.
A utilização de dados secundários do SIM é uma das limitações deste estudo. A grande quantidade de óbitos classificados como câncer do útero de porção não especificada na série histórica expressa a baixa qualidade de informações sobre a causa básica das mortes. Uma tentativa de contornar o problema foi a redistribuição proporcional dos registros, o que possibilitou uma estimativa mais próxima da realidade e a confecção de taxas de mortalidade mais confiáveis3,5. No entanto, não houve redistribuição dos óbitos de causas mal definidas (no período estudado, foram registrados 618 óbitos de mulheres com 20 anos ou mais por “outras causas mal definidas”)8. Mesmo considerando que o percentual de neoplasias pode ser mais baixo entre as causas mal definidas de óbitos5,13, é possível que tenha ocorrido uma subestimativa da mortalidade por câncer do colo do útero neste estudo. Análises posteriores da realidade local necessitam avaliar a tendência de mortalidade em diferentes faixas etárias e ainda a correlação com indicadores socioeconômicos dos TDs. Os dados preliminares deste estudo, que mostraram elevação do padrão da mortalidade por câncer do colo do útero, deveriam influenciar a reavaliação das estratégias de prevenção e controle da neoplasia no Estado.